Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00265/22.7BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/13/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:PROCEDIMENTO CONCURSAL; LISTA DE ORDENAÇÃO FINAL;
AUDIÊNCIA PRÉVIA; ALTERAÇÃO OBJECTIVA DAS CIRCUNSTÂNCIAS DE FACTO;
CESSAÇÃO DO PROCEDIMENTO; PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES
Sumário:1 – Nos termos do disposto no artigo 30.º, n.º 2 da Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de abril [alterada e republicada pela Portaria n.º 12-A/2021, de 11 de janeiro], a entidade administrativa pode determinar a cessação do procedimento concursal mediante acto devidamente fundamentado, o que de todo o modo não pode ser decidido a todo o tempo, pois que fixou o legislador que nessa eventualidade, a cessação não pode ser decidida se já tiver sido notificada aos concorrentes, para efeitos da sua audiência prévia, a lista de ordenação final.

2 – Enferma de erro nos pressupostos de facto, que deriva a final em violação do disposto no artigo 167.º n.º 2, alínea c) do CPA, a decisão proferida no seio do Réu Município pela qual é feito cessar o procedimento concursal com fundamento em acto administrativo que tem por base uma realidade de facto diversa da existente.

3 - A Sentença proferida não bule com o princípio da separação de poderes, pois que em face do que apreciou o Tribunal a quo, que conheceu e decidiu pela invalidade dos actos impugnados, a consequência jurídico-processual que daí se retira é que o Réu está constituído no dever de retomar o procedimento concursal que tinha declarado cessado, ancorando-se o segmento decisório do Tribunal a quo em não mais do que prevê o artigo 71.º do CPTA, cingiu-se a fixar o necessário balizamento da ulterior actuação do Réu Município, e que passa, face ao que resulta do probatório, pela retoma do procedimento concursal ao momento procedimental subsequente à notificação aos concorrentes da lista de graduação final para efeitos da sua audiência prévia, seguindo-se os demais termos que se mostrem legalmente devidos
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


Município ... [devidamente identificado nos autos] Requerido nos autos de processo cautelar que contra si foi intentado por AA [também devidamente identificada nos autos], em cujo articulado formulou pedido no sentido de ser a) decretada a suspensão da eficácia do despacho proferido pela Entidade Requerida que procedeu à anulação do procedimento concursal de um técnico superior na área da psicologia; b) Intimada a Entidade Requerida, na pessoa do seu Presidente, a homologar a lista unitária de ordenação final dos candidatos; c) Intimada a Entidade Requerida a cumprir as formalidades previstas no artigo 29.º da Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de abril, na redação dada pela Portaria n.º 12-A/2021, de 11 de janeiro; d) Intimada a Entidade Requerida a proceder à outorga do contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado com a Requerente; e) Intimada a Entidade Requerida a provir a Requerente no lugar posto a concurso e, em consequência, proceder à atribuição concreta de funções na área de psicologia.”, inconformado, veio apresentar recurso de Apelação da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 22 de agosto de 2022, pela qual, em antecipação do juízo sobre a causa principal, julgou a acção totalmente procedente, e em consequência, anulou os actos impugnados, condenando-o [o Município ...] a retomar o procedimento concursal publicitado pelo Aviso (extrato) n.º 7117-A/2021, Referência B, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 76, de 20 de abril de 2021, praticando todos os actos que, à luz das disposições legais aplicáveis, se mostrem devidos.

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No âmbito das Alegações por si apresentadas, o Recorrente elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

CONCLUSÕES
1. Vem o presente recurso jurisdicional interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 22.08.2022, a qual, mediante antecipação do juízo sobre a causa principal nos moldes consagrados no artigo 121.º do CPTA, sentença que decidiu sobre o mérito da causa principal, julgou totalmente procedente a acção administrativa de procedimento de massa instaurada pela ora Recorrida AA, determinando a anulação dos actos impugnados e condenando o Município ... a retomar o procedimento concursal publicitado pelo Aviso (extrato) n.º 7117-A/2021, referência B, publicado em D.R., 2.ª série, n.º 76, de 20 de abril de 2021, praticando os actos que, à luz das disposições legais aplicáveis, se mostrem devidos.

2. Vem o ora Recorrente manifestar a sua discordância relativamente à procedência dos vícios de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito e pela procedência do vício de preterição de audiência prévia.

3. A matéria de facto assente na sentença não merece reparo ou impugnação, dando-se aqui por reproduzida.

4. A publicação pelo júri do procedimento da lista de ordenação dos candidatos apenas conferiu à ora Recorrida uma mera expectativa de vir a obter provimento no concurso; não lhe conferiu qualquer direito ou qualquer outro efeito na sua esfera jurídica; esta publicação consiste num mero acto de tramitação do procedimento concursal, acto meramente preparatório, o qual é inimpugnável e desprovido de efeitos externos; até à homologação da lista de ordenação dos candidatos não existe qualquer direito do candidato classificado em 1º lugar a ser contratado para a vaga a concurso; não consubstancia um acto constitutivo de direitos ou de interesses legalmente protegidos da Recorrida, nem de qualquer outro candidato a concurso, pelo que não se aplicam aqui os condicionalismos aplicáveis à revogação previstos no artigo 167.º do CPA.

5. Em 01.02.2022, ainda no decurso do procedimento concursal publicitado pelo Aviso (extrato) n.º 7117-A/2021, referência B, publicado em D.R., 2.ª série, n.º 76, de 20 de abril de 2021, foi proferida por este Douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra uma sentença, no âmbito do processo n.º 729/19.0BECBR instaurado pela aqui contra-interessada BB, a qual desempenhava funções no Município ... mediante vínculo considerado precário, ao abrigo de um Protocolo de Colaboração, tendo a referida sentença condenado o ora Recorrente a proceder à abertura de um procedimento concursal destinado à regularização do vínculo da autora, mediante a constituição de uma relação jurídica de emprego público, por tempo indeterminado. Para concretizar a referida contratação, o Município ... deverá levar a cabo as operações materiais que se mostrarem eventualmente necessárias, nomeadamente, deverá o réu criar um posto de trabalho correspondente às funções desempenhadas pela mesma na área funcional de animadora e psicologia, proceder à abertura de um procedimento concursal de regularização destinado à ocupação daquele posto de trabalho ao qual será a autora candidata exclusiva, por ser a única a desempenhar as funções em causa no período legalmente exigido. (destaques nossos)– cf. documento n.º ...1 junto com a petição inicial.

6. Posto isto, a partir do dia 1 de Fevereiro de 2022, após a prolação da referida sentença, a carência de recursos humanos na área de psicologia ficou colmatada, mediante a contratação por tempo indeterminado da referida contra-interessada, assim, fundamentando-se na desnecessidade da contratação, e movendo-se por critérios de oportunidade e conveniência e com base nos referidos pressupostos de facto, o Presidente da Câmara Municipal ... revogou, nos termos do disposto no artigo 165.º do CPA, a deliberação de 20.10.2020 da Câmara Municipal, na parte em que deliberou a abertura do procedimento concursal para o recrutamento de 1 Técnico Superior detentor de licenciatura em Psicologia, revogou o procedimento concursal em causa nos presentes autos.

7.A presente revogação enquadra-se na alínea c) do n.º 2 do artigo 167.º do CPA; a decisão de revogação da deliberação da Câmara Municipal de 20.10.2020 e, consequentemente, a revogação do procedimento concursal para a ocupação de um lugar de Técnico Superior detentor de licenciatura na área de Psicologia, foi motivada por uma alteração objectiva das circunstâncias de facto, isto é, uma alteração das necessidades dos recursos humanos do Município ..., a qual foi determinada pela sentença proferida no âmbito do processo n.º 729/19.0BECBR que correu termos no presente Tribunal, a qual condenou o Recorrente a regularizar o vínculo precário da ora contra-interessada BB, mediante a constituição de uma relação jurídica de emprego público, por tempo indeterminado, para o desempenho das funções na área de psicologia;

8.A sentença que condenou o Município ... a constituir uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado na área de psicologia é prova bastante de que, tendo o Município criado apenas um lugar no mapa de pessoal – criação correspondente às suas necessidades –, com o preenchimento desse lugar por força da referida sentença, ficaram totalmente colmatadas as suas necessidades de recursos humanos na área da psicologia, incorrendo em erro de julgamento a sentença recorrida quando considera que não resulta suficientemente claro que a alteração objectiva das circunstâncias tenha ocorrido, pois é notório, óbvio e não carece de qualquer prova adicional, que ocorreu uma alteração objectiva das circunstâncias de facto que determinaram a abertura do procedimento concursal ora revogado pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal.

9. É inequívoco que os actos impugnados, que determinaram a revogação do procedimento concursal em crise nos presentes autos, foram motivados por factos supervenientes que alteraram as circunstâncias de facto que determinaram a abertura do procedimento concursal, pelo que nos encontramos no âmbito da alínea c) do n.º 2 do artigo 167.º do CPA.

10. A sentença recorrida incorreu em manifesta ingerência nas competências exclusivas do Município ... ao decidir nos termos em que decidiu, porquanto não é ao Tribunal que cumpre aferir e avaliar da necessidade e interesse em retomar/iniciar um procedimento concursal comum, para provimento por tempo indeterminado, de postos de trabalho de carreira/categoria de técnico superior, não podendo, por isso, o Tribunal impor ao Município a retoma ou iniciar um procedimento concursal quando não existe qualquer interesse público nesse procedimento.

11.Não é razoável nem mesmo legal pretender que o Município ... venha a retomar aquele procedimento concursal e, consequentemente, a contratar a ora Recorrida por tempo indeterminado, não existindo sequer tarefas para o respectivo posto de trabalho; tal imposição constituiria uma situação de grave prejuízo para o interesse público; a sentença recorrida, ao anular os actos administrativos impugnados e ao condenar o Município ... a retomar o procedimento concursal, é intromissiva, imiscuindo-se e interferindo com a área de autonomia contratual e decisória do Recorrente, violando assim o princípio da separação de poderes.

12.Por fim, os actos administrativos aqui impugnados não se encontram sujeitos ao direito de audiência dos interessados previsto nos artigos 121.º e seguintes do CPA; mas mesmo que assim se não se entenda, certo é que tal omissão constitui a preterição de uma formalidade não essencial, e assim destituída de efeito invalidante, pois caso a mesma tivesse sido cumprida, a decisão tomada pelo Município ... nunca poderia ter sido diferente, devendo ser negada relevância anulatória ao erro do ora Recorrente, na medida em que subsistem fundamentos bastantes para suportar a legalidade do acto e porque inexiste, em concreto, utilidade prática e efectiva de operar a anulação do acto, visto que o eventual vício existente não inquina a substância do conteúdo da decisão em causa, não possuindo a anulação qualquer sentido ou alcance, sendo a mesma totalmente inútil.

13. Pelo exposto, mal andou a sentença recorrida ao ter considerado procedente o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito e o vício de preterição de audiência prévia, resultando inequívoco da prova documental constante dos autos, bem como do processo administrativo instrutor junto, que ocorreu uma alteração objectiva das circunstâncias de facto que determinaram a abertura do procedimento concursal para a contratação de 1 técnico superior para o desempenho de funções na área de psicologia, determinando essa alteração – decorrente da sentença proferida no âmbito do processo n.º 729/19.0BECBR que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra – que o procedimento fosse revogado, pela actual desnecessidade de contratação de outro técnico superior para o desempenho das mesmíssimas funções no Município ....

14. Impõem-se assim a revogação da sentença recorrida na parte em que julgou procedentes os vícios de violação e de lei e de preterição da audiência de interessados, substituindo-a por acórdão que julgue totalmente improcedentes os pedidos formulados pela ora Recorrida.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso por se verificarem os alegados erros de julgamento e de violação do princípio da separação e interdependência de poderes assacados à sentença recorrida e, em consequência, deve revogar-se a sentença recorrida, proferindo-se acórdão que julgue improcedente a acção administrativa de procedimento de massa de impugnação do despacho do Presidente da Câmara Municipal ... de 21 de Abril de 2022, que procedeu à anulação do procedimento concursal aberto por aviso n.º ...21, Referência B, publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 76, de 20 de Abril de 2021 e da deliberação da Câmara Municipal ... de 28 de Abril de 2022, que revogou a deliberação de 20 de Outubro de 2020, assim se fazendo justiça!

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A Recorrida AA apresentou Contra alegações, cujas conclusões para aqui se extraem como segue:

III – CONCLUSÕES

1.ª A douta e irrepreensível sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em 22 de agosto de 2022, não merece qualquer reparou ou censura, tendo o tribunal a quo feito uma correta aplicação do direito.

2.ª É pacificamente aceite que o âmbito do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que apenas compete ao tribunal ad quem conhecer dos vícios e erros de julgamento assacados à sentença em recurso (v. art.ºs 144º, n.º2 CPTA e 639.º do CPC, e, entre outros, o Acº STA de 19-05-2005, Proc. nº 0209/05, o Acº STA, de 19/12/2006, Proc. nº 0594/06; Acº STA, de 15/03/01, Proc. nº 032607; Acº STA de 04/06/97, Pleno, Proc. nº 031245; Acº TCAN, de 17/09/2015, Proc. n.º 01055/14.6 BEPRT; e, Acº TCAS, de 18-06-2009, Proc. nº 00963).

3.ª A recorrente insurge-se contra a sentença em recurso por considerar que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao julgar procedente, em primeiro lugar, o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, alegando para o efeito que a publicação da lista de ordenação final dos candidatos não consubstancia um ato constitutivo de direitos e que, portanto, pode ser livremente revogado.

4.ª Salvo o devido respeito, parece-nos que o recorrente ignorou por completo a redação do n.º 1 do artigo 167.º do CPA que estabelece que “Os atos administrativos não podem ser revogados quando a sua irrevogabilidade resulte de vinculação legal ou quando deles resultem, para a Administração, obrigações legais ou direitos irrenunciáveis”.
Com efeito,

5.ª O artigo 28.º da Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de abril determina que No prazo de dois dias úteis após a conclusão da audiência prévia, a lista unitária de ordenação final dos candidatos aprovados, acompanhada das restantes deliberações do júri, incluindo as relativas à admissão e exclusão de candidaturas, ou da entidade responsável pela realização do procedimento, é submetida a homologação do dirigente máximo do órgão ou serviço que procedeu à sua publicitação” (destaques da autoria dos signatários).

6.ª Por sua vez, o artigo 30.º da mesma Portaria prevê que, em regra, o procedimento concursal cessa com a ocupação dos postos de trabalho ou, quando não possam ser totalmente ocupados, por: i) inexistência ou insuficiência de candidatos à prossecução do procedimento; ii) falta de acordo na negociação do posicionamento remuneratório entre o empregador público e os candidatos constantes da lista unitária de ordenação final.
Porém, excecionalmente, o “…procedimento concursal pode, ainda, cessar por ato devidamente fundamentado da entidade responsável pela sua realização, homologado pelo respetivo membro do Governo, desde que não se tenha ainda procedido à notificação da lista de ordenação final aos candidatos, no âmbito da audiência prévia (v. n.º 2 do artigo 30.º da Portaria n.º 125-A/2019, destaques da autoria dos signatários).
Ora,

7.ª Tendo em conta que no caso em apreço tinha já sido notificada a lista de ordenação final aos candidatos, no âmbito da audiência prévia, é por demais evidente que o recorrente tinha a obrigação legal de submeter a decisão do júri a homologação e o procedimento concursal não podia ser revogado.
Assim,

8.ª Não restam dúvidas que o tribunal a quo considerou, e bem, que o ato impugnado era ilegal, em primeiro lugar e acima de tudo, por violar o disposto no artigo 30.º da Portaria n.º 125-A/2019, dado que é a própria lei a determinar a irrevogabilidade do procedimento concursal após a realização da audiência prévia.
Na verdade,

9.ª O tribunal a quo só curou de averiguar se a graduação dos candidatos, em momento prévio à respetiva homologação, consubstanciava, ou não, um ato constitutivo de direitos, a título meramente incidental ou subsidiário e é apenas contra este vício que o recorrente se insurge.
Ora,

10.ª Ainda que se ignore que o tribunal a quo anulou os atos por os mesmo ofenderem o n.º 1 do artigo 167.º e que aquelas decisões eram irrevogáveis, o que não se aceita e apenas se coloca por mera cautela de patrocínio, sempre é por demais evidente que a graduação dos candidatos constitui um ato constitutivo de direitos e, como tal, apenas é revogável nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 167.º do CPA.

11.ª Na verdade, o recorrente socorre-se de um acórdão já bastante ultrapassado, proferido em 2004, antes, portanto, da decisão proferido pelo Pleno da Secção do Venerando Supremo Tribunal Administrativo, no qual ficou claro que a questão era, até àquela data, controversa, tendo deixado de o ser (v. Ac.º do Pleno do STA, de 22/06/2006, Proc. n.º 01164/04, disponível em www.dgsi.pt).

12.ª Sendo um ato constitutivo de direitos, o mesmo só poderia ser revogado caso tivesse havido uma alteração objetiva das circunstâncias de facto, o que não sucedeu, considerando que a contratação da contra-interessada BB não satisfaz a carência de um psicólogo, quer porque as funções desempenhadas por aquela no município não são idênticas as funções para as quais se lançou o procedimento concursal – a contra-interessada exerceu funções de animadora, o que resulta de forma inequívoca da sentença proferida no Proc. n.º 729/19.0BECBR -, quer porque a mesma ainda não foi contratada ou, pelo menos, não há indícios nesse sentido – aliás, nem se sabe se a mesma concorreu ou não ao procedimento cocnursal lançado para a regularização do seu vínculo precário.

13.ª Acresce que, a regularização do vínculo precário da contra-interessada passará por esta desempenhar as funções que já vinha exercendo e não quaisquer outras, como sejam as funções de psicóloga - se a contra-interessada se encontra a desempenhar funções de Psicóloga, como afirma o recorrente, então fá-lo de forma totalmente ilegal e em violação quer da sentença proferida pelo TAF de Coimbra no Proc. n.º 729/19.0BECBR, quer da própria lei que criou o programa de regularização dos vínculos precários.

14.ª A recorrente alega ainda que o aresto em recurso violou o princípio da separação de poderes e interdependência de poderes por ter condenado o Município ... a retomar o procedimento concursal. Porém, não lhe assiste qualquer razão, na medida em que é hoje pacífico que “…o CPTA permite cumular em processo de impugnação de atos administrativos pedidos como o pedido de condenação à adoção dos atos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado e dar cumprimento aos deveres que não foram cumpridos com fundamento nesse ato, o pedido de anulação ou declaração de nulidade do eventual contrato celebrado na sequência do ato ilegal e outros pedidos relacionados com a execução do contrato, quando o ato impugnado seja relativo a essa execução. Mas a cumulação não é obrigatória, podendo o autor optar por não o fazer. Ora, essa opção não o impede de fazer essas pretensões complementares em momento ulterior, no âmbito do processo de execução da sentença de anulação que venha a obter” (v. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2017, 4.ª Ed., pp. 1279 e 1280, sublinhado nosso).
E que

15.ª “O primeiro aspeto que importa assinalar a propósito do presente artigo 173.º é o de que, embora sistematicamente localizado a preceder o regime do processo de execução das sentenças de anulação de atos administrativos (cuja disciplina, como foi referido, só tem início no artigo 176.º), ele é perfeitamente autónomo em relação ao referido processo, consagrando soluções que tanto serão aplicáveis às pretensões em que só após a anulação contenciosa o interessado faça valer, pela via do processo de execução da sentença anulatória, como também (e sobretudo) às pretensões que, logo no âmbito do próprio processo impugnatório, sejam cumuladas: tanto num caso, como no outro, pretensões dirigidas à determinação judicial do conteúdo dos atos e operações que a Administração deve adotar para (re)constituir a situação que deveria existir se o ato ilegal não tivesse sido praticado” (v. AA. e ob. cit., pp. 1281 e 1282).

16.ª É igualmente improcedente a alegação de que a anulação da decisão de revogação do procedimento concursal é causadora de graves prejuízos para o interesse público. Se assim fosse, todas as entidades públicas poderiam alegar que as anulações decretadas pelos tribunais são causadoras de graves prejuízos. Compensaria praticar atos ilegais.
Por último,

17.ª É igualmente desprovido de sentido o argumento de que os atos impugnados não estavam sujeitos à audiência prévia e que a sua omissão se degradava numa formalidade não essencial, porquanto não resulta, de forma inequívoco, que se a recorrida tivesse sido ouvida antes da decisão final, a sua intervenção não poderia ter provocado uma reponderação da situação e, assim, influir na decisão final.

Nestes termos, Deve ser julgado improcedente o recurso interposto pelo recorrente, com as legais consequências.
Assim será cumprido o Direito e feita JUSTIÇA!”

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O Tribunal a quo proferiu despacho visando a admissão do recurso e a fixação dos seus efeitos.

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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, que o foi o sentido da sua improcedência.

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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.


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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que a declare nula, sempre tem de decidir “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.” [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA], reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

As questões que vêm suscitadas pelo Recorrente e patenteadas nas conclusões das suas Alegações, resumem-se essencialmente, em apreciar e decidir sobre se a Sentença recorrida incorre em erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, e de violação do princípio da separação de poderes [Cfr. conclusões 4, 6, 7, 8, 10, 11, 12 e 13 das Alegações de recurso].

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“[…]
Com interesse para a decisão da presente ação, julga-se provada a seguinte factualidade:
1. Em 27 de junho de 2020, a assembleia municipal, sob proposta da Câmara Municipal ..., aprovou o mapa de pessoal para o ano de 2020, tendo previsto no mesmo três postos de trabalho para técnicos superiores no Gabinete de Desenvolvimento Económico, Social e Local, um deles detentor de licenciatura em psicologia – acordo e págs. 38 do doc. ... junto com o requerimento inicial;
2. Em 20 de outubro de 2020, a câmara municipal deliberou, entre o mais, aprovar a abertura de procedimento concursal para a celebração de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado a fim de ocupar os lugares mencionados no ponto antecedente, tendo em vista assegurar o cumprimento das obrigações de prestação de serviço público legalmente estabelecidas, ponderada a carência dos recursos humanos nos setores de atividade a que se destinam, bem como a evolução global dos recursos humanos na autarquia – cf. ponto 6 doc. ... junto com o requerimento inicial;
3. Em 5 de abril de 2021, o Presidente da câmara municipal fixou os métodos de seleção, o prazo para apresentação das candidaturas e os júris dos procedimentos concursais – cf. doc. ... junto com o requerimento inicial;
4. Em 8 de abril de 2021, o júri do procedimento concursal reuniu com vista à definição dos métodos de seleção, dos critérios de classificação final, dos documentos a apresentar pelos candidatos, das regras de admissão e exclusão dos candidatos e elaboração do aviso de abertura do procedimento concursal – cf. doc. ... junto com o requerimento inicial;
5. Em 22 de abril de 2021, foi publicitada na Bolsa de Emprego Público a abertura do procedimento concursal comum, na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado para a ocupação de 7 (sete) postos de trabalho previstos e não ocupados para a carreira e categoria de Técnico Superior, um deles na área de psicologia, que comportava o desenvolvimento das seguintes funções:
I. Responsabilidade, autonomia técnica e experiência no atendimento para orientação na procura de emprego e preparação de programas de estágios, promoção nos contactos com empresas no sentido de promover a cooperação e elaboração de protocolos de cooperação;
II. Desenvolva autonomamente consulta clinica de avaliação psicológica no domínio cognitivo emocional e comportamental de crianças adolescentes;
III. Apoio à implementação de projetos de intervenção social no concelho; Planeamento e organização de atividades de relevância social e comunitária;
IV. Avaliação e apoio psicopedagógico para a promoção do desenvolvimento e sucesso escolar;
V. Apoio técnico a projetos de desenvolvimento social nas áreas da infância e juventude e terceira idade;
VI. Desenvolvimento de programas de intervenção, promoção e capacitação em contexto educativo.
VII. Estudar e estruturar o perfil comportamental dos colaboradores do município, usando a psicologia para a gestão de pessoas em uma organização trazendo melhores resultados relacionados à gestão de pessoas; entender como cada colaborador pode contribuir para o desenvolvimento da empresa e a harmonia no ambiente de trabalho;
VIII. Ajudar na Gestão de conflitos mediando qualquer conflito que possa surgir dentro da organização;
IX. Contribuir para uma organização eficaz e eficiente dos recursos humanos do município avaliando o perfil de cada um dos trabalhadores propondo o lugar que mais se lhe adequa;
X. Execução de funções de apoio no âmbito das atribuições do Município, nomeadamente, no âmbito da educação, detetando as necessidades da comunidade educativa, com o fim de propor a realização de ações de prevenção e medidas adequadas.
XI. Identificar as principais consequências futuras dos impactos psicológicos da pandemia em diversas áreas (da escola, ao trabalho, à violência), retratando os processos de adaptação à(s) nova(s) realidade(s) e emitir orientações/direções e ações que possam ser úteis e ajudem a mitigar os seus efeitos negativos a nível social, económico. – cf. doc. ... junto com o requerimento inicial;
6. Em 9 de julho de 2021, o júri do concurso procedeu à abertura e análise das 54 candidaturas, entre as quais a da Requerente/Autora, tendo esta sido admitida – cf. doc. ... junto com o requerimento inicial;
7. A Requerente/Autora realizou a prova de conhecimentos, a avaliação psicológica, e a entrevista profissional de seleção tendo obtido nas mesmas, respetivamente, as pontuações de 17, 12 e 16 valores – acordo e docs. ... a ... juntos com o requerimento inicial;
8. O júri do procedimento concursal reuniu tendo elaborado a lista de ordenação final dos candidatos, na qual a aqui Requerente/Autora figura em 1.º lugar – cf. doc. ... junto com o requerimento inicial cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
9. Por mensagem de correio eletrónico datada de 11 de outubro de 2021 foi remetida aos candidatos a lista unitária de ordenação final do procedimento concursal comum, destinado à ocupação de 1(um)posto de trabalho de técnico superior (área de psicologia) – aberto pelo aviso de abertura n.º 7117-A/2021(extrato) publicado em 20/04/2021 no Diário da República, 2.ª Série, n.º 76, e Bolsa do Emprego Público com o Código de Oferta nº OE202104/055, para, querendo, se pronunciarem, em sede de audiência prévia - cf. doc. ... junto com o requerimento inicial;
10. Em 27 de dezembro de 2021, a Requerente/Autora solicitou informação sobre o desenvolvimento e ponto de situação do procedimento concursal em causa, nada tendo respondido o Requerido/Demandado – acordo e docs. ... e ...0 juntos com o requerimento inicial;
11. Em 1 de fevereiro de 2022, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra proferiu sentença no Proc. n.º 729/19.0BECBR, em que é Autora BB, Contrainteressada nos presente autos, a qual desempenhava funções de animadora na anteriormente denominada Unidade de Inserção na Vida Ativa, hoje denominado Gabinete de Inserção Profissional do Município ..., mediante vínculo considerado precário, ao abrigo de um Protocolo de Colaboração - cf. doc. ...1 junto com o requerimento inicial;
12. No desempenho das suas funções, a Contrainteressada orientava, apoiava e acompanhava jovens e adultos desempregados no seu percurso de inserção ou reinserção no mercado de trabalho, coadjuvado pelo desenvolvimento das suas competências pessoais, sociais e relacionais; promovia ações de informação sobre as medidas ativas de emprego e formação, oportunidades de emprego e de formação, programas comunitários de apoio à mobilidade no emprego ou na formação; promovia ações de apoio à procura de emprego e desenvolvimento da atitude empreendedora; fazia o encaminhamento dos jovens e dos adultos desempregados para ações de formação ou medidas de emprego; recebia e registava ofertas de emprego; fazia a apresentação de desempregados a ofertas de emprego; procedia à colocação de desempregados em ofertas de emprego; e controlava a apresentação periódica dos beneficiários das prestações de desemprego - cf. ponto E) dos factos provados da sentença correspondente ao doc. ...1 junto com o requerimento inicial;
13. Na decisão proferida no Proc. n.º 729/19.0BECBR, foi condenado o aqui Requerido a, em suma, proceder à abertura de um procedimento concursal destinado à regularização do vínculo da autora, mediante a constituição de uma relação jurídica de emprego público, por tempo indeterminado. Para concretizar a referida contratação, o Município ... deverá levar a cabo as operações materiais que se mostrarem eventualmente necessárias, nomeadamente, deverá o réu criar um posto de trabalho correspondente às funções desempenhadas pela mesma na área funcional de animadora e psicologia, proceder à abertura de um procedimento concursal de regularização destinado à ocupação daquele posto de trabalho ao qual será a autora candidata exclusiva, por ser a única a desempenhar as funções em causa no período legalmente exigido (…) - cf. doc. ...1 junto com o requerimento inicial cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
14. Em 17 de fevereiro de 2022, a Requerente/Autora repetiu o pedido de informação sobre o andamento do procedimento concursal, sem que tenha obtido qualquer resposta por parte do Requerido/Demandado – cf. doc. ...2 junto com o requerimento inicial;
15. Em 21 de abril de 2022 foi exarado pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal ... despacho com o seguinte teor:
Considerando que, por sentença judicial proferida a 1 de Fevereiro de 2022 na Acão Administrativa com o n.º 729/19.0BECBR e transitada em julgado em 17 de Março de 2022, processo que correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, no qual foi autora BB, o Município ... foi condenando a proceder à regularização da situação funcional da autora, mediante a constituição de uma relação jurídica de emprego público, através da abertura de um procedimento concursal de regularização nos termos dos artigos 2.º, 3.º, 5.º, 7.º, 8.º e 10.º da Lei n.º 112/2017, de 29 de Dezembro;
Considerando que, nos termos da dita sentença, para concretizar a referida condenação, deve o Município criar um posto de trabalho correspondente às funções desempenhadas pela autora na área funcional de animadora e psicologia e proceder à abertura do dito procedimento concursal ao qual será a autora candidata exclusiva, por ser a única a desempenhar as funções em causa no período legalmente exigido; e
Considerando que o preenchimento do dito posto de trabalho pela candidata exclusiva ao procedimento concursal satisfará integralmente as necessidades de pessoal do Município na área da Psicologia.
Propõe-se seja deliberado revogar, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 165.º do Código do Procedimento Administrativo, a deliberação de 20.10.2020 da Câmara Municipal, anterior à dita sentença judicial, na parte em que criou um lugar de Técnico Superior (área de Psicologia) no quadro de pessoal, e que determinou a abertura do procedimento concursal em curso no Município – Aviso (extrato) n.º 7117-A/2021, Referência B, publicado em D.R., 2.ª série, n.º 76, de 20 de Abril de 2021 – ainda não concluído, com fundamento na sua desnecessidade e assim por razões de oportunidade, considerando a boa gestão dos recursos do Município e por assim o impor o interesse público.
No uso da competência que me é conferida pela alínea a) do n.º 2 do artigo 35.º do Anexo I à Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, determino a anulação do procedimento concursal aberto por Aviso (extrato) n.º 7117-A/2021, Referência B, publicado em D.R., 2.ª Série, n.º 76, de 20 de abril de 2021 – cf. doc. ...4 junto com o requerimento inicial;
16. A decisão mencionada no ponto antecedente foi publicada no Diário da República n.º 94, 2.ª série, Parte H, de 16 de maio de 2022 – cf. doc. ...3 junto com o requerimento inicial;
17. Em reunião ordinária da câmara municipal, de 28 de abril de 2022, o Executivo deliberou “…por maioria, com 4 votos a favor e 2 contra, revogar, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 165º do Código de Procedimento Administrativo, a deliberação de 10-10-2020, anterior à dita sentença judicial, na parte em que criou um lugar de Técnico Superior (área de Psicologia) no quadro de pessoal, com fundamento da sua desnecessidade e assim por razões de oportunidade, considerando a boa gestão dos recursos do Município e por assim o impor o interesse público” – cf. doc. ...5 junto com o requerimento inicial;
18. Por despacho de 19 de maio de 2022 exarado pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal ..., foi determinada a abertura, na sequência da sentença judicial proferida em 01 de fevereiro de 2022, transitada em julgado em 17 de março de 2022, pelo prazo de 10 (dez) dias úteis, de procedimento concursal para a constituição de relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, no âmbito do programa de regularização extraordinária dos vínculos precários, para ocupação de um (1) posto de trabalho abaixo indicado, previsto e não ocupado no Mapa de Pessoal do Município Requerido para o ano de 2022, para a carreira/categoria de Técnico Superior - Psicologia, para afetar aos Serviços de Turismo e de Desenvolvimento Económico e Social Local, e para o exercício das funções previstas para as carreiras/categorias gerais, tal como definidas na LTFP, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na sua redação atual, e de acordo com o estabelecido no seu artigo88.º, às quais correspondem os graus de complexidade previstos no n.º 1 do artigo 86.º da mesma Lei, nomeadamente:
- Funções consultivas, de estudo, planeamento, programação, avaliação e aplicação de métodos e processos de natureza técnica e ou científica, que fundamentam e preparam a decisão. Elaboração, autonomamente ou em grupo, de pareceres e projetos, com diversos graus de complexidade, e execução de outras atividades de apoio geral ou especializado nas áreas de atuação comuns, instrumentais e operativas dos órgãos e serviços.
- Funções exercidas com responsabilidade e autonomia técnica, ainda que com enquadramento superior qualificado. Representação do órgão ou serviço em assuntos da sua especialidade, tomando opções de índole técnica, enquadradas por diretivas ou orientações superiores, às quais corresponde o grau de complexidade de nível 3; – cf. doc. ...6 junto com o requerimento inicial.
*
A decisão da matéria de facto efetuou-se, mediante o recorte dos factos pertinentes para o julgamento da presente causa em função da sua relevância jurídica, atentas as várias soluções plausíveis de direito (artigos 607.º, n.º 3 e 596.º do Código de Processo Civil), com base no exame dos documentos juntos aos autos (não impugnados; artigos 374.º e 376.º do Código Civil) e integrados no processo de administrativo (cuja veracidade não foi colocada em crise; artigos 370.º a 372.º do Código Civil), bem como na posição assumida pelas partes nos seus articulados iniciais (na parte em que foi possível obter a admissão por acordo; 574.º, n.º 2, 1ª parte, do Código de Processo Civil), tal como se encontra especificado nas várias alíneas da matéria de facto julgada como provada.
*
No mais, considera-se não provada, conclusiva, de direito ou sem relevância para a decisão a proferir, a matéria alegada a que se não fez referência.
É esta, em suma, a motivação que subjaz ao juízo probatório formulado.”

**
Tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, aditamos ao probatório a factualidade que segue:

5A. O procedimento concursal foi publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 76, de 20 de abril de 2021, pelo Aviso (extrato) n.º 7117-A/2021 – Cfr. as folhas deste Diário oficial;

19. Nessa sequência, com o código de oferta OE202206/0439, o Município ... publicou na Bolsa de Emprego Público, um “procedimento concursal de regularização”, para constituição de um CTFP por tempo indeterminado, tendo por objectivo ter como oponente obrigatória, a ora Contra interessada BB, para cujo procedimento foram definidos como requisitos habilitacionais, a detenção de licenciatura em Psicologia, e a inscrição na Ordem dos Psicólogos, e quanto a cujo conteúdo funcional foi enunciado, entre o mais, o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“[…]
5.1. Conteúdos funcionais:
As funções previstas para as carreiras/categorias gerais, tal como definidas na LTFP, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na sua redação atual, e de acordo com o estabelecido no seu artigo 88.º, às quais correspondem os graus de complexidade previstos no n.º 1 do artigo 86.º da mesma Lei, nomeadamente:
- Funções consultivas, de estudo, planeamento, programação, avaliação e aplicação de métodos e processos de natureza técnica e ou científica, que fundamentam e preparam a decisão. Elaboração, autonomamente ou em grupo, de pareceres e projetos, com diversos graus de complexidade, e execução de outras atividades de apoio geral ou especializado nas áreas de atuação comuns, instrumentais e operativas dos órgãos e serviços.
- Funções exercidas com responsabilidade e autonomia técnica, ainda que com enquadramento superior qualificado. Representação do órgão ou serviço em assuntos da sua especialidade, tomando opções de índole técnica, enquadradas por diretivas ou orientações superiores, às quais corresponde o grau de complexidade de nível 3;
- A descrição das funções realizadas não prejudica a atribuição ao trabalhador de funções, não expressamente mencionadas, que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador detenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional, nos termos do n.º 1, artigo 81.º da LTFP.
[…]”
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IIIii - DE DIREITO

Está em apreço a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 22 de agosto de 2022, pela qual, com referência ao pedido formulado a final do Requerimento inicial pela Requerente, veio a julgar, em antecipação do juízo sobre a causa principal, a acção totalmente procedente e, em consequência, anulou os actos impugnados, condenando o Município ... a retomar o procedimento concursal publicitado pelo Aviso (extrato) n.º 7117-A/2021, Referência B, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 76, de 20 de abril de 2021, praticando todos os actos que, à luz das disposições legais aplicáveis, se mostrem devidos.

Como assim emerge das conclusões das Alegações de recurso apresentada pelo Recorrente, não versam as mesmas sobre a ocorrência de erro de julgamento em matéria de facto, pois que nesse conspecto nada faz incidir no âmbito da sua pretensão recursiva, resultando assim evidente para este Tribunal de recurso que o mesmo se conformou com a matéria de facto fixada.

Na base das Alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente está assim apenas a invocação de que a Sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de direito [por ter o Tribunal a quo julgado procedentes os vícios de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito e pela procedência do vício de preterição de audiência prévia], assim como da violação do princípio da sepração de poderes.

Nas Contra alegações apesentadas pela Recorrida, sustentou a mesma, em suma, que a Sentença proferida não merece qualquer reparo ou censura, por ter o Tribunal a quo feito uma correcta aplicação do direito, e nesse domínio, que o Réu não poderia ter feito cessar o procedimento concursal, porque tinha sido feita a notificação da ordenação final dos candidatos para efeitos da sua audiência prévia, como assim determinava o disposto no artigo 30.º da Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de abril, e que o Réu estava constituído na obrigação legal de submeter a decisão do júri a homologação, tratando-se de um acto constitutivo de direitos, que só poderia ser revogado caso tivesse havido uma alteração objectiva das circunstâncias de facto, o que não sucedeu, e que a “anulação“ do procedimento sempre deveria ter sido precedida da audiência prévia dos interessados.

Neste patamar.

Pela Sentença recorrida, o Tribunal a quo apreciou e decidiu, em suma, (i) que o Réu Município ..., ora Recorrente, ao ter “anulado” o procedimento concursal aberto por Aviso publicado no Diário da República, 2.ª série, em 20 de abril de 2021, na parte atinente à criação de um lugar de Técnico superior (área de Psicologia), quando os candidatos já tinham sido notificados da lista de ordenação final para efeitos da sua audiência prévia, violou o disposto no artigo 30.º da Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de abril, assim como o disposto no artigo 167.º, n.ºs 1 e 3 do CPA, padecendo dessa forma de violação de lei por erro nos pressupostos de direito; (ii) que o Réu Município ... não sustentou a ocorrência de alteração das circunstâncias de facto bastantes para justificar a revogação de um acto constitutivo de direitos à luz do artigo 167.º, n.º 2, alínea c) do CPA, pelo que a referida deliberação padece de violação de lei por erro nos pressupostos de facto; (iii) e que ao ter tomado a deliberação em causa sem a audiência prévia dos interessados, e sem a ter dispensado, o Réu Município ... violou o direito de participação da Autora, o que é determinante da invalidade do acto e conducente à sua anulação nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA.

Com o assim julgado não concorda o Recorrente.


Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Em sede do invocado erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, sustentou o Recorrente, em suma:

i1) que o acto administrativo consubstanciado na deliberação de revogação proferida pela Câmara Municipal ..., datada de 28 de abril de 2022, pela qual acolheu a proposta do Presidente da Câmara Municipal proferida por seu despacho datado de 21 de abril de 2022, e veio a revogar a deliberação da Câmara Municipal datada de 20 de outubro de 2022, e consequentemente, a revogar o procedimento concursal para a ocupação de um lugar de Técnico Superior detentor de licenciatura na área de Psicologia, foi motivado por uma alteração objectiva das circunstâncias de facto, e que por essa razão podia ser proferida, como foi, a decidida revogação, que se enquadra na alínea c) do n.º 2 do artigo 167.º do CPA, não se aplicando aqui os condicionalismos aplicáveis à revogação previstos neste mesmo artigo 167.º do CPA.

i2) que a publicação pelo júri do procedimento da lista de ordenação dos candidatos apenas conferiu à Autora ora Recorrida uma mera expectativa de vir a obter provimento no concurso, não consubstanciando por isso um acto constitutivo de direitos ou de interesses legalmente protegidos da Autora ora Recorrida, nem de qualquer outro candidato a concurso, pelo que não se aplicam aqui os condicionalismos aplicáveis à revogação previstos no artigo 167.º do CPA.

i3) que os actos administrativos impugnados não se encontram sujeitos ao direito de audiência dos interessados previsto nos artigos 121.º e seguintes do CPA, mas que mesmo que assim se não se entenda, que tal omissão constitui a preterição de uma formalidade não essencial, e assim destituída de efeito invalidante.

Em sede da invocada violação do princípio da sepração de poderes, sustentou o Recorrente, em suma, que o Tribunal a quo incorreu em manifesta ingerência nas suas competências exclusivas ao ter imposto a retoma do procedimento concursal quando não existe qualquer interesse público nesse procedimento, e que Sentença recorrida, ao anular os actos administrativos impugnados e ao condenar o Município ... a retomar o procedimento concursal, é intromissiva, imiscuindo-se e interferindo com a sua área de autonomia contratual e decisória.

Aqui chegados.

Depois de ter efectuado o saneamento dos autos, o Tribunal a quo elencou como questão a decidir, de saber se o despacho do Presidente da Câmara Municipal ..., de 21 de abril de 2022, que procedeu à anulação/cessação do procedimento concursal aberto por aviso (extrato) n.º 7117-A/2021, Referência B e a deliberação da Câmara Municipal ..., de 28 de abril de 2022, que revogou, em parte, a deliberação de 20 de outubro de 2020, padecem ou não das identificadas ilegalidades formais e materiais, e em caso afirmativo, saber se deve ser condenado o Município ..., a homologar a lista unitária de ordenação final dos candidatos, e a prover a Requerente/Autora no lugar posto a concurso e a contratá-la como Técnica Superior, na área de Psicologia, em regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado.

O Tribunal a quo convocou o direito aplicável em face da matéria de facto que deu por assente, segundo as várias soluções juridicamente admissíveis, tendo a final julgado a acção procedente, e porque focado numa acção com pedido direccionado para a condenação à prática do acto administrativo devido, decidiu pelo dever de retoma do procedimento concursal que o Réu havia decidido fazer cessar.

Neste conspecto, cumpre para aqui extrair a essencialidade da fundamentação aportada pelo Tribunal a quo e que foi determinante para efeitos de vir a julgar a acção totalmente procedente, e consequentemente, a anular os actos impugnados e bem assim a condenar o o Município a retomar o procedimento concursal praticando todos os actos que forem legalmente devidos:

Início da transcrição
“[...]
Nos termos do disposto no artigo 167.º do Código do Procedimento Administrativo, os atos administrativos que sejam válidos são “livremente revogáveis”, exceto, entre outras exceções, quando “deles resultem, para a Administração, obrigações legais” (cf. n.º 1 do referido artigo), ou quando sejam “constitutivos de direitos” (cf. n.º 2 do referido artigo).
O legislador considerou como constitutivos de direitos os atos administrativos que atribuam ou reconheçam situações jurídicas de vantagem ou eliminem ou limitem deveres, ónus, encargos ou sujeições, salvo quando a sua precariedade decorra da lei ou da natureza do ato (cf. artigo 167.º, n.º 3 do Código do Procedimento Administrativo).
É certo que, em geral, como defende o Requerido/Demandado, não pode afirmar-se que um ato que decide a abertura de um concurso seja um ato “constitutivo de direitos”, todavia, é inegável que, no caso que nos ocupa, esse ato se tinha já tornado irrevogável, face ao disposto na Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de abril.
Com efeito, em regra, o procedimento concursal cessa com a ocupação dos postos de trabalho constantes da publicitação ou quando estes não possam ser totalmente ocupados, e embora se admita que o mesmo possa cessar também por ato devidamente fundamentado da entidade responsável pela sua realização, essa cessação só pode ocorrer desde que não se tenha ainda procedido à notificação da lista de ordenação final aos candidatos, no âmbito da audiência prévia (cf. artigo 30.º, n.º 2 da referida Portaria).
Neste caso, como vimos, tinha já sido notificada a lista de ordenação final aos candidatos, no âmbito da audiência prévia, pelo que, a partir desse momento, se gerou para a administração a obrigação, legal, de dois dias úteis após o prazo para o exercício do direito audiência prévia, submeter a homologação do dirigente máximo do órgão ou serviço que procedeu à publicitação do concurso a lista unitária de ordenação final dos candidatos aprovados (cf. artigo 28.º da Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de abril), prosseguindo os trâmites do procedimento.
E, por ser assim, independentemente de se considerar, ou não, que estamos perante um ato constitutivo de direitos, o despacho do Sr. Presidente da câmara que “anulou” o procedimento concursal aqui em causa não pode manter-se na ordem jurídica, por violar o disposto no artigo 30.º da Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de abril e no artigo 167.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, padecendo do vício de violação de lei que a Requerida/Autora lhe assaca.
Ainda que assim não fosse, sempre se diga que, salvo melhor opinião, a graduação dos candidatos, mesmo em momento prévio à respetiva homologação, consubstancia já um ato constitutivo de direitos nos termos do artigo 167.º, n.º 3 do Código do Procedimento Administrativo, desde logo face ao que dispõe o citado artigo 30.º da Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de abril.
O ato trâmite consubstanciado na aprovação, pelo júri, da lista unitária de ordenação final dos candidatos, a partir do momento em que lhes é notificado para efeitos de exercício do direito de audiência prévia, reconhece, ao candidato graduado em primeiro lugar, indubitavelmente, uma “situação jurídica de vantagem”.
Note-se, aliás, que no caso presente a Requerente/Autora ficou graduada em 1.º lugar com a nota final de 15,20 valores (cerca de 1 valor acima da nota da candidata graduada em 2.º lugar), e que não foi alegado pela Entidade Requerida/Demandada que tenha sido exercido, por qualquer um dos candidatos, o direito de audição, ou que tenham sido invocados por qualquer um deles argumentos suscetíveis de alterar a ordenação final dos candidatos proposta pelo júri, de modo a por em causa essa situação jurídica de vantagem.
Por outro lado, este foi o entendimento propugnado no Acórdão do Pleno da Secção de CA do STA de 22.06.2006, exarado no Proc. n.º 01164/04 (disponível em www.dgsi.pt, bem como toda a jurisprudência doravante mencionada), de onde se destacam, pela sua pertinência para o caso vertente, as seguintes conclusões:
- O despacho que revoga todos os atos do procedimento de um concurso de provimento, determinando a sua anulação, quando tinham sido já realizadas todas as operações de seleção, classificação e graduação dos candidatos, tendo a respetiva lista de classificação final sido organizada e notificada aos concorrentes (entre os quais figuravam os recorrentes, graduados em 1º e 2º lugar, respetivamente), reveste a natureza de ato administrativo que produz efeitos externos atingindo a esfera jurídica dos recorrentes, lesando-os na medida em que os priva da posição de vantagem que adquiriram no decurso do procedimento do concurso.
- Na verdade, o princípio da boa-fé, consagrado no artigo 6°-A do CPA, impõe, que a Administração atue ponderada e coerentemente, na medida em que quando decide abrir um concurso suscita nos candidatos que a ele se apresentam a confiança de que visa prossegui-lo até à decisão final, sendo que tal confiança se vai consolidando à medida que vão sendo praticados sucessivos atos, provocando, do lado dos candidatos, sucessivas manifestações de vontade e a aquisição de posições de vantagem merecedoras de tutela jurídica.”.
É inequívoco, como se consagrou no Acórdão do TCAS de 02.07.2020, proferido no Proc. n.º 389/07.0BEBJA, que a prossecução do interesse público é o objetivo constitucional da administração pública, e constitui, por isso, momento teleologicamente necessário de qualquer atividade administrativa, de tal forma que a vontade da administração deve expressar o interesse público em cada caso concreto, mas esse objetivo deve ser sempre prosseguido no quadro da definição da lei, que é o núcleo central relevante do dizer normativo do interesse público.
Todavia, como se conclui no mesmo Acórdão, a conciliação entre estes dois parâmetros legais do proceder administrativo, exige, no caso de concurso público para recrutamento e seleção de pessoal, que a ponderação do interesse público tenha o seu momento privilegiado aquando da apreciação da necessidade e oportunidade de abrir o concurso, e da determinação das vagas a preencher dentro do prazo de validade do mesmo.
Ao estabelecer as regras – previstas no 30.º, n.º 2 da Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de abril e no artigo 167.º do Código do Procedimento Administrativo – da irrevogabilidade tanto dos atos dos quais resultem obrigações legais, como dos atos constitutivos de direitos, com fundamento em inconveniência para o interesse público, - ressalvadas, no caso dos atos constitutivos de direitos, as exceções do n.º 2 do artigo 167.º do Código do Procedimento Administrativo - o legislador já realizou a ponderação entre o princípio da prossecução do interesse público e o princípio da proteção da confiança.
De resto, o que o Requerido/Demandado alega, no sentido de que sempre se estaria perante alteração objetiva das circunstâncias de facto, o que permitira a revogação do ato em causa, não merece a concordância da signatária, desde logo porque, no quadro factual supra explanado, não resulta suficientemente claro que essa alteração objetiva tenha ocorrido.
Senão vejamos.
O Sr. Presidente da câmara sustentou o seu agir na circunstância de ter o Requerido/Demandado sido condenado por sentença judicial proferida a 1 de Fevereiro de 2022 na Acão Administrativa com o n.º 729/19.0BECBR a proceder à regularização da situação funcional da ali autora, mediante a constituição de uma relação jurídica de emprego público, através da abertura de um procedimento concursal de regularização nos termos dos artigos 2.º, 3.º, 5.º, 7.º, 8.º e 10.º da Lei n.º 112/2017, de 29 de Dezembro e, para concretizar a referida condenação, dever o Município criar um posto de trabalho correspondente às funções desempenhadas pela autora na área funcional de animadora e psicologia e proceder à abertura do dito procedimento concursal ao qual será a autora candidata exclusiva, por ser a única a desempenhar as funções em causa no período legalmente exigido.
Mais sustentou o ato impugnado na circunstância de o preenchimento do dito posto de trabalho pela candidata exclusiva ao procedimento concursal satisfazer integralmente as necessidades de pessoal do Município na área da Psicologia.
O ónus da prova dos pressupostos (designadamente fácticos) do ato impugnado (a existência de uma alteração objetiva das circunstâncias de facto que permita a revogação do procedimento concursal) cabia à entidade demandada (cf. neste sentido o Acórdão do TCAN de 13.11.2020, proferido no Proc. n.º 00090/15.1BECBR), sendo que não foram alegados factos nem resultam do processo administrativo elementos dos quais se possa retirar a conclusão formulada na contestação, de que “a manutenção do procedimento concursal em curso e ora em crise iria determinar a contratação de um Técnico Superior na área de Psicologia ao qual não iriam ser atribuídas quaisquer tarefas”.
Conforme salienta Mário Aroso de Almeida in “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2010, fls. 85 e ss.: “o reconhecimento pelo juiz do bem fundado da pretensão anulatória dirigida contra um ato administrativo é o resultado de um processo…que só julgado procedente se e na medida em que for negado o poder da Administração, enquanto autora do ato atacado. Por este motivo, há, neste domínio uma inversão das posições processuais das partes, por comparação com as posições que lhes correspondem no quadro da relação jurídica substantiva. Com efeito, embora, na relação processual, seja o impugnante quem surge como autor e a Administração figure como parte demandada, a verdade é que, no plano substantivo, é a Administração quem é titular da pretensão, que ela assumiu, pela positiva, com o ato que praticou, pelo que lhe corresponde a posição substantiva de autora, enquanto ao interessado na anulação corresponde a posição substantiva de demandado, que se vê forçado a contestar em juízo a posição assumida pela Administração, através da impugnação do ato que por ela foi praticado”, sendo assim “também se devem inverter, na análise do processo impugnatório, os termos que presidem à analise dos processos de outro tipo, o que se reveste de especial importância no que diz respeito à definição das regras de repartição do ónus da prova no processo impugnatório. Como estas regras, devem, com efeito, atender às posições substantivas que correspondem às partes na relação material que se encontra subjacente ao processo impugnatório, uma das mais importantes consequências que decorrem do reconhecimento de que o objeto do processo impugnatório se concretiza na negação do poder exercido com a emissão do ato impugnado, pelo que a averiguação do seu fundamento depende da apreciação dessa questão segundo as regras próprias que lhe devem corresponder, é a de que o ato impugnado deve ser anulado sempre que não se demonstre em juízo que os respetivos pressupostos se encontravam preenchidos e é sobre a Administração que recai o ónus de demonstrar o preenchimento desses pressupostos”.
Em suma, a Requerente/Autora não se encontra vinculada à demonstração de que a contratação da contrainteressada não vai colmatar a necessidade de uma psicóloga, bastando que possa pôr em dúvida a validade da posição adotada pela Administração e que foi desfavorável aos seus interesses.
E a verdade é que, no momento em que o Sr. Presidente da câmara exarou o seu despacho de revogação do procedimento concursal em crise, não podia certamente afirmar que a sua manutenção iria determinar a contratação de um Técnico Superior na área de Psicologia ao qual não iriam ser atribuídas quaisquer tarefas, pois que da decisão proferida no âmbito do processo n.º 729/19.0BECBR resultavam, imediatamente, satisfeitas as necessidades de pessoal do Município na área da Psicologia (necessidades essas que, de resto, não expõe). É que, naquela data, não tinha sequer determinado a abertura de outro procedimento concursal, conforme imposto por este Tribunal, não tendo ainda, por conseguinte, sido constituído qualquer vínculo com a contrainteressada (que, aliás, não estava obrigada a ser opositora ao procedimento que viesse a ser aberto com o objetivo de proceder à regularização do vínculo).
A dúvida relativamente à validade da posição adotada pela Administração ressalta também da circunstância de a contrainteressada BB desempenhar, previamente, e como resultou provado, funções de orientação, apoio e acompanhamento de jovens e adultos desempregados no seu percurso de inserção ou reinserção no mercado de trabalho, coadjuvado pelo desenvolvimento das suas competências pessoais, sociais e relacionais; promoção de ações de informação sobre as medidas ativas de emprego e formação, oportunidades de emprego e de formação, programas comunitários de apoio à mobilidade no emprego ou na formação; promoção de ações de apoio à procura de emprego e desenvolvimento da atitude empreendedora; encaminhamento dos jovens e dos adultos desempregados para ações de formação ou medidas de emprego; receção e registo de ofertas de emprego; apresentação de desempregados a ofertas de emprego; colocação de desempregados em ofertas de emprego; e controlo da apresentação periódica dos beneficiários das prestações de desemprego; e de o procedimento concursal revogado ter sido aberto com o desiderato de contratar um Técnico Superior, na área de psicologia, para o desenvolvimento das seguintes funções:
I. Responsabilidade, autonomia técnica e experiência no atendimento para orientação na procura de emprego e preparação de programas de estágios, promoção nos contactos com empresas no sentido de promover a cooperação e elaboração de protocolos de cooperação;
II. Desenvolva autonomamente consulta clinica de avaliação psicológica no domínio cognitivo emocional e comportamental de crianças adolescentes;
III. Apoio à implementação de projetos de intervenção social no concelho; Planeamento e organização de atividades de relevância social e comunitária;
IV. Avaliação e apoio psicopedagógico para a promoção do desenvolvimento e sucesso escolar;
V. Apoio técnico a projetos de desenvolvimento social nas áreas da infância e juventude e terceira idade;
VI. Desenvolvimento de programas de intervenção, promoção e capacitação em contexto educativo.
VII. Estudar e estruturar o perfil comportamental dos colaboradores do município, usando a psicologia para a gestão de pessoas em uma organização trazendo melhores resultados relacionados à gestão de pessoas; entender como cada colaborador pode contribuir para o desenvolvimento da empresa e a harmonia no ambiente de trabalho;
VIII. Ajudar na Gestão de conflitos mediando qualquer conflito que possa surgir dentro da organização;
IX. Contribuir para uma organização eficaz e eficiente dos recursos humanos do município avaliando o perfil de cada um dos trabalhadores propondo o lugar que mais se lhe adequa;
X. Execução de funções de apoio no âmbito das atribuições do Município, nomeadamente, no âmbito da educação, detetando as necessidades da comunidade educativa, com o fim de propor a realização de ações de prevenção e medidas adequadas.
XI. Identificar as principais consequências futuras dos impactos psicológicos da pandemia em diversas áreas (da escola, ao trabalho, à violência), retratando os processos de adaptação à(s) nova(s) realidade(s) e emitir orientações/direções e ações que possam ser úteis e ajudem a mitigar os seus efeitos negativos a nível social, económico.
Isto é, o que resultou provado é suficiente para concluir que as funções que o Técnico Superior a contratar iria exercer vão muito para além daquelas que a Autora no processo n.º 729/19.0BECBR vinha exercendo no Município.
Por fim, note-se, o Município não fez qualquer esforço probatório (e mesmo em termos de alegação, diga-se), nesta sede, para sustentar a conclusão de que ocorreu uma alteração das circunstâncias de facto bastante para justificar a revogação de um ato constitutivo de direitos à luz do disposto no artigo 167.º, n.º 2, al. c) do Código do Procedimento Administrativo.
Por conseguinte, atenta esta repartição do ónus da prova, é o Requerido/Demandado que sofre as consequências desvantajosas de não ter logrado convencer o Tribunal da materialidade dos factos (conclusivos) considerados, isto é, de que se encontram integralmente satisfeitas as necessidades de pessoal do Município na área da Psicologia.
Considerando, assim, o que acima ficou referido, é de concluir que o ato impugnado padece também do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto.
Passemos a analisar se se verificam os demais vícios.
[…]
Mais assaca a Requerente/Autora à decisão de proceder à revogação do ato de abertura do procedimento concursal o vício de preterição do direito de audiência prévia, que lhe é conferido pelo artigo 121.º do Código do Procedimento Administrativo.
O artigo em causa, concretizador do princípio da participação, vem densificar o referido princípio no âmbito do procedimento do ato administrativo, uma vez que aquele já se encontra consagrado, com carácter geral, para toda a atividade administrativa no artigo 12.º do Código do Procedimento Administrativo.
Fora dos casos em que, nos termos do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo, a sua realização pode ser, a audiência deve ter lugar, por forma a possibilitar o confronto dos pontos de vista da Administração e dos Administrados, contribuindo para o acerto das decisões administrativas e para que os interessados possam ao mesmo tempo exercer um controlo sobre as referidas decisões.
Defende o Requerido/Demandado que o procedimento concursal em curso, bem assim os atos nele praticados, não se consubstanciam em atos constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos, pelo que a decisão ora impugnada, isto é, o ato de revogação do procedimento concursal, é uma decisão que não afeta os direitos e interesses legalmente protegidos dos candidatos, pelo que não se encontra sujeita ao dever de audição dos interessados.
Todavia, como expusemos supra, no nosso entender, a graduação dos candidatos, mesmo em momento prévio à respetiva homologação, consubstancia já, para a Requerente/Autora, um ato constitutivo de direitos nos termos do artigo 167.º, n.º 3 do Código do Procedimento Administrativo, desde logo face ao que dispõe o artigo 30.º, n.º 2 da Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de abril.
O ato trâmite consubstanciado na aprovação, pelo júri, da lista unitária de ordenação final dos candidatos, na qual a Requerente/Autora foi graduada em 1.º lugar, a partir do momento em que lhe foi notificado para efeitos de exercício do direito de audiência prévia, reconhece-lhe, indubitavelmente, uma “situação jurídica de vantagem”, sobretudo quando não há notícia de qualquer candidato ter exercido o referido direito de molde a por em causa a graduação proposta pelo júri.
Ora, o direito de audiência prévia consagrado no Código do Procedimento Administrativo é, conforme se salientou, uma concretização do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito, previsto no artigo 267.º, n.º 5 do texto constitucional, ao estabelecer que “o processamento da atividade administrativa será objeto de lei especial que assegurará (...) a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhe digam respeito”, visando assegurar-lhes uma tutela preventiva contra lesões dos seus direitos ou interesses.
Ainda que o direito de audiência prévia não se assuma como um direito de natureza análoga a um direito fundamental, sempre que conforme referido supra, não estejamos perante uma situação em que seja legalmente admissível dispensar a sua realização, e não haja outros valores constitucionalmente relevantes que se lhe oponham, o direito de audiência não pode deixar de ser assegurado.
No caso sub judice sucede não ser invocada nenhuma destas situações que permitam a dispensa de realização de audiência prévia dos interessados, sendo certo que a decisão de revogar o procedimento concursal ao qual a Requerente/Autora havia sido opositora e no qual havia sido graduada, pelo júri, em 1.º lugar, não pode deixar de ser vista como uma decisão que lhe diz respeito, e que esta não teve oportunidade de se pronunciar no procedimento de formação dessa decisão de revogação.
Não tendo assegurado o direito de participação da Requerente/Autora, o Requerido/Demandado preteriu uma formalidade legal que implica a invalidade do ato final do procedimento – o ato de revogação do procedimento concursal – não sendo possível concluir que se aquela tivesse sido ouvida antes da decisão final, a sua intervenção no procedimento não poderia ter provocado uma reponderação da situação e, desse modo, influir na decisão final, o incumprimento do artigo 121.º do Código de Procedimento Administrativo terá efeitos invalidantes da decisão. Neste caso, não terá aplicação o princípio do aproveitamento do ato administrativo, por não ser possível concluir que a anulação do ato não traria qualquer vantagem para o interessado, deixando-o na mesma posição.
Nesta perspetiva, e não colhendo o argumentário expendido pela Entidade Requerida/Demandada é de concluir que o ato impugnado enferma também de vício procedimental que justifica a sua anulação (cf. artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo).
[…]
Resta saber qual é, no caso dos autos, a consequência da verificação dos vícios de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito e de preterição do direito de audição.
Não se verificando qualquer dos vícios mencionados no artigo 161.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, a sua consequência será, desde logo, a anulação dos atos impugnados.
E, na sua sequência, será forçoso condenar o Requerido/Demandado a prosseguir os termos do procedimento concursal anulado.
Na verdade, embora em regra o Tribunal não possa obrigar a Administração a retomar ou a iniciar um procedimento concursal quando não existe qualquer interesse ou utilidade, certo é que, para que tal não acontecesse, nesta sede, necessário seria que o Município Requerido tivesse alegado e comprovado factos dos quais resultasse que o cumprimento do dever de retomar o procedimento concursal originaria um excecional prejuízo para o interesse público (cf. neste sentido o Acórdão do STA de 24.09.2020, que revogou o Acórdão do TCAS convocado pelo Requerido/Demandado para sustentar a sua posição, proferido no processo executivo 089/10.4BEMDL-A, onde estava em causa a execução de sentença proferida em ação em que estava em causa uma situação em tudo idêntica à dos presentes autos). E, com efeito, esse excecional prejuízo não ressalta do que vem alegado pelo Município.
Assim sendo, a consequência a retirar da verificação dos vícios de preterição do direito de audição da Requerente/Autora e de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito dos atos que determinaram a revogação do procedimento concursal publicitado pelo Aviso (extrato) n.º 7117-A/2021, Referência B, publicado em D.R., 2.ª série, n.º 76, de 20 de abril de 2021 é a sua anulação, o que implica que o Município prossiga o referido procedimento, praticando todos os atos que, à luz das disposições legais aplicáveis, se mostrem devidos, o que infra se decidirá.
[...]“
Fim da transcrição.

Com o assim julgado não concorda o Recorrente, mas como assim julgamos, não lhe assiste razão alguma, pois que bem apreciou e decidiu o Tribunal a quo.

Vejamos então.

A solução jurídica aportada pelo Tribunal a quo tendo subjacente a matéria de facto constante do probatório não merece nenhuma censura, pois que de forma manifesta, a partir do momento em que o ora Recorrente Município ... notificou os concorrentes para efeitos da sua audiência prévia, face ao que constituía [o projecto] a lista de ordenação final dos candidatos, deixou de lhe assistir qualquer poder ou faculdade de fazer cessar o procedimento [designadamente por via do instituto da revogação da decisão que o declarou aberto aos interessados].

Tal é o que resulta de forma expressa do disposto no artigo 30.º da Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de abril [alterada e republicada pela Portaria n.º 12-A/2021, de 11 de janeiro], diploma que regulamenta a tramitação do procedimento concursal de recrutamento, nos termos do n.º 2 do artigo 37.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.

Sob esse normativo dispôs o legislador por que termos e pressupostos é que o procedimento concursal pode ser cessado, sendo que nesse domínio demarcou dois enquadramentos. Num 1.º, quando ocorre a ocupação de todos os postos de trabalho levados a publicação [no DR/BEP], ou quando os mesmos não chegam a ser todos ocupados, seja por falta de candidatos, seja por falta de acordo em torno do posicionamento remuneratório [Cfr. artigo 30.º, n.º 1, alíneas a) e b) da Portaria]. Num 2.º enquadramento, cuja ocorrência o legislador prevê a título excepcional, a entidade administrativa pode determinar a sua cessação mediante acto devidamente fundamentado. Porém, esta via de cessação não pode ser decidida ou efectuada a todo o tempo, pois que fixou o legislador que naquela eventualidade, a cessação não pode ser decidida se já tiver sido notificada aos concorrentes, para efeitos da sua audiência prévia, a lista de ordenação final [Cfr. artigo 30.º, n.º 2 da Portaria].

Como assim resulta do probatório [Cfr. pontos 9, 10, 14 e 15], o projecto contendo a lista unitária de graduação final foi remetida aos candidatos no dia 11 de outubro de 2021, visando a sua pronúncia [no prazo de 10 dias úteis], pelo que essa data é a que releva para efeitos de fixar o momento a partir do qual o Município passou a ficar constituído no dever de decidir, independentemente da existência de acto administrativo devidamente fundamentado a decidir pela cessação do procedimento [como patenteado nos autos].

Ou seja, não estando em causa nos autos nenhuma das situações a que se reporta o referido artigo 30.º, n.º 1, antes porém a decisão de cessação do procedimento depois de já ter sido efectuada a notificação da lista de ordenação final, apesar de no seio do ora Recorrente Município ... ter sido prolatado acto administrativo contendo a fundamentação que o mesmo teve por adequada para esse efeito [com invocação da alteração objectiva das circunstâncias de facto], essa decisão é manifestamente inválida, por ocorrência de violação de lei por erro nos respectivos pressupostos de facto e de direito, como assim apreciou, sem reparo, o Tribunal a quo, pois que a situação laboral/funcional da Contra interessada BB, a que se reporta a Sentença proferida no Processo n.º 729/19.0BECBR é totalmente diversa da situação a que se reporta a base do procedimento concursal a que se reportam os autos, desde logo, face à designação do cargo que desempenhava a Contra interessada e o respectivo conteúdo funcional, e a designação e conteúdo funcional a qual se reporta o procedimento concursal que visava o recrutamento de um(a) Psicólogo(a), e não de um(a) Animador(a).

São circunstâncias de facto objectivas, sem qualquer identidade ou semelhança.

Note-se que, como já assim dispunha o artigo 28.º da Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de abril, na sua redação originária, o legislador impôs às entidades administrativas a observância de um prazo para submissão da lista unitária de ordenação final dos concorrentes a homologação do dirigente máximo do órgão ou serviço que procedeu à publicitação do procedimento, então fixado no prazo de 5 dias úteis após a conclusão da audiência prévia, prazo esse que por via da alteração introduzida pela Portaria n.º 12-A/2021, de 11 de janeiro, foi reduzido para 2 dias úteis [o que traduz a preocupação do legislador de imprimir celeridade ao procedimento], alcançado que estava o momento definidor da graduação, alinhamento esse de que o legislador não se desviou pese embora a revogação da Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de abril, pela Portaria n.º 233/2022, de 09 de setembro [Cfr. neste sentido os artigos 25.º e 27.º desta Portaria, que veio proceder a uma nova regulamentação da tramitação do procedimento concursal de recrutamento, a que se reporta o artigo 37.º, n.º 2 da LGTFP], pois que manteve esse ditame temporal.

Operada a notificação para audiência prévia dos concorrentes, estava legalmente vedado ao Município ..., fazer cessar o procedimento, ainda que para tanto tenha prolatado acto devidamente fundamentado, como assim produziu e o Tribunal a quo julgou e bem, não padecer de falta de fundamentação, antes porém de erro nos pressupostos de facto.

Com efeito, bem decidiu o Tribunal a quo quando julgou pela violação do artigo 30.º, n.º 2 da Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de abril, e outrossim, pela violação do disposto no artigo 167.º, n.ºs 1, 2 alínea c) e 3 do CPA, por inexistência, em concreto, de fundamento de facto para a actuação do Município em torno da invocação da alteração objectiva das circunstâncias que o motivaram a abrir o procedimento concursal, a coberto da prolação da Sentença proferida no Processo n.º 729/19.0BECBR, em que a ora Contra interessada BB figurava como Autora e o ora Réu Município ..., também como Réu, e desde logo, porque a função prosseguida por aquela era de Animadora, com um concreto conteúdo funcional [Cfr. pontos 11 e 12 do probatório], e não de Psicóloga [Cfr. pontos 5, 18 e 19 do probatório].

Inexistindo fundamento objectivo algum para a invocação por parte do Réu Município ..., da ocorrência de alteração objectiva das circunstâncias de facto, tendo em vista fazer cessar o procedimento concursal, e porque os concorrentes já tinham sido notificados para efeitos da sua audiência prévia, estava mais que cristalizado na esfera jurídica da Autora ora Recorrida, um acto constitutivo de direitos, pois que por efeitos dessa notificação e atento o seu posicionamento em 1.º lugar, estava claramente numa situação jurídica de vantagem, sendo que, qualquer acto administrativo que entretanto se interpusesse na relação jurídica administrativa estabelecida, e com efeitos negativos, obviamente que é/seria claramente lesivo da sua esfera de direitos e interesses, por ser apto a produzir efeitos jurídicos externos, atenta a situação de facto em que ficou investida.

E sendo esse acto apto a provocar lesões na esfera jurídica da Autora, não podia o Município ... deixar de associar a Autora a uma sua decisão de fazer cessar o procedimento, notificando-a nos termos e para efeitos da sua audiência prévia [Cfr. artigo 121.º e seguintes do CPA], julgando nós, ao contrário do que defende o Recorrente, que uma decisão do Réu no sentido de fazer a audiência não se revelaria indiferente ou inútil.

Atenta a notificação em 11 de outubro de 2021, para efeitos da audiência prévia dos concorrentes, com remessa da lista de ordenação final, e face ao disposto no referido artigo 30.º, n.º 2, da Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de abril, estava reunido o pressuposto necessário para que fosse obstado a que o Município ..., pudesse fazer cessar o procedimento concursal, resultando assim esta irrevogabilidade de uma vinculação legal, para além de que, estava o Município ... constituído numa obrigação legal de “facere”, assente no pressuposto de facto e de direito de que após a notificação dos concorrentes para audiência prévia, e decorrido o respectivo prazo [de 10 dias – Cfr. artigos 86.º, n.º 2, 87.º e 122.º, todos do CPA], mormente, depois de cumpridas as formalidades devidas por força da prestação de audiência prévia por algum dos concorrentes, a lista de graduação final devia ser submetida a homologação, no prazo de 2 dias úteis.

Não tendo este prazo de 2 dias úteis sido respeitado pelo Município ..., e mais do que isso, não tendo sido proferido qualquer decisão no procedimento concursal que não aquela a que se reporta ao despacho do Presidente da Câmara Municipal datado de 21 de abril de 2022 [Cfr. ponto 15 do probatório], portanto, decorridos cerca de 6 meses sobre aquela data de 11 de outubro de 2021, é manifesto o incumprimento do dever de decisão por parte do Município ..., o que confere à Autora ora Recorrida, a faculdade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados [Cfr. artigo 129.º do CPA], como assim fez mediante a interposição do Requerimento inicial que motivou os presentes autos de processo cautelar [assim como com a interposição da Petição inicial que motivou os autos de Processo n.º 265/2.7BECBR-A] e que motivou a antecipação do juízo sobre a causa principal [Cfr. despacho antecedente da Sentença recorrida], que a final e em suma, visava a condenação do Réu na prática do acto administrativo legalmente devido.

A Sentença proferida não bule assim com o princípio da separação de poderes, como invocado pelo Recorrente, pois que em face do que apreciou o Tribunal a quo, que conheceu e decidiu pela invalidade dos actos impugnados, a consequência jurídico-processual que daí se retira é que o Réu está constituído no dever de retomar o procedimento concursal que tinha declarado cessado, ancorando-se o segmento decisório do Tribunal a quo em não mais do que prevê o artigo 71.º do CPTA, cingiu-se a fixar o necessário balizamento da ulterior actuação do Município ..., e que passa, face ao que resulta do probatório, pela retoma do procedimento concursal ao momento procedimental subsequente à notificação aos concorrentes da lista de graduação final para efeitos da sua audiência prévia, seguindo-se os demais termos que se mostrem legalmente devidos [neste sentido, Cfr. Vieira de Andrade, in “Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, 2.ª edição, Almedina, 2001, página 363, e Freitas do Amaral e Aroso de Almeida, in “Grandes Linhas de Reforma do Contencioso Administrativo”, Almedina, 3.ª edição, página 59].

Em suma, não padece a Sentença recorrida dos erros de julgamento que lhe vêm imputados pelo Recorrente, pois que o Tribunal a quo apreciou e decidiu com acerto, quando julgou que o Réu ora Recorrente, violou o disposto no artigo 30.º da Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de abril, assim como o disposto no artigo 167.º, n.ºs 1 e 3 do CPA; que face aos fundamentos apontados para sustentação da ocorrência de alteração das circunstâncias de facto bastantes para justificar a revogação de um acto constitutivo de direitos, o Réu ora Recorrido violou o disposto no artigo 167.º, n.º 2, alínea c) do CPA; que violou o direito de participação procedimental da Autora ora Recorrida face aos actos impugnados, sem a sua audiência prévia, e sem a ter dispensado; e finalmente, porque a decisão tomada a final da Sentença proferida, no sentido da retoma do procedimento concursal. não consubstancia qualquer ingerência na essência do que é o poder administrativo e de execução do Réu ora Recorrente, antes sendo uma consequência jus-processual do julgamento anulatório dos actos administrativos impugnados.

De modo que, a pretensão recursiva do Recorrente tem assim de falecer na sua totalidade.

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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Procedimento concursal; Lista de ordenação final; Audiência prévia; Alteração objectiva das circunstâncias de facto; Cessação do procedimento; Princípio da separação de poderes.

1 – Nos termos do disposto no artigo 30.º, n.º 2 da Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de abril [alterada e republicada pela Portaria n.º 12-A/2021, de 11 de janeiro], a entidade administrativa pode determinar a cessação do procedimento concursal mediante acto devidamente fundamentado, o que de todo o modo não pode ser decidido a todo o tempo, pois que fixou o legislador que nessa eventualidade, a cessação não pode ser decidida se já tiver sido notificada aos concorrentes, para efeitos da sua audiência prévia, a lista de ordenação final.

2 – Enferma de erro nos pressupostos de facto, que deriva a final em violação do disposto no artigo 167.º n.º 2, alínea c) do CPA, a decisão proferida no seio do Réu Município pela qual é feito cessar o procedimento concursal com fundamento em acto administrativo que tem por base uma realidade de facto diversa da existente.

3 - A Sentença proferida não bule com o princípio da separação de poderes, pois que em face do que apreciou o Tribunal a quo, que conheceu e decidiu pela invalidade dos actos impugnados, a consequência jurídico-processual que daí se retira é que o Réu está constituído no dever de retomar o procedimento concursal que tinha declarado cessado, ancorando-se o segmento decisório do Tribunal a quo em não mais do que prevê o artigo 71.º do CPTA, cingiu-se a fixar o necessário balizamento da ulterior actuação do Réu Município, e que passa, face ao que resulta do probatório, pela retoma do procedimento concursal ao momento procedimental subsequente à notificação aos concorrentes da lista de graduação final para efeitos da sua audiência prévia, seguindo-se os demais termos que se mostrem legalmente devidos.

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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente Município ..., confirmando assim a Sentença recorrida.
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Custas a cargo do Recorrente – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.

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Porto, 13 de janeiro de 2023.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Antero Salvador
Helena Ribeiro