Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00190/20.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/14/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:LEGITIMIDADE ACTIVA; IMPUGNAÇÃO DE ACTO ADMINISTRATIVO;
INTERESSE DIRECTO; INTERESSE PESSOAL;
TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA;
Sumário:1 - Dispondo o artigo 9.º, n.º 1 do CPTA, em suma, que o Autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida, norma esta que encerra o princípio geral relativo à legitimidade, só pode recorrer a Tribunal em busca de tutela jurisdicional, em regra, quem alegue ser titular da relação jurídica administrativa donde emerge o conflito.

2 - Quando esteja em causa a propositura de uma acção cujo objecto seja a impugnação de acto administrativo, aquele princípio geral sofre adaptação pois que a legitimidade activa não depende para esse efeito da titularidade da referida relação jurídica controvertida, na medida em que o artigo 55.º, n.º 1, alínea a) do CPTA, se limita a dispor que o Autor deve ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.

3 - A legitimidade activa do demandante ocorre quando, por um lado, estamos perante uma situação de efectiva lesão que se repercute na sua esfera jurídica, causando-lhe directa e imediatamente prejuízos, e por outro, quando daí decorre uma real necessidade de tutela judicial que justifique a utilização do meio impugnatório, isto é, quando o interesse para que reclama protecção é directo e pessoal.

4 - Apesar do disposto do artigo 9.º do CPTA, não tem a Autora, todavia, para efeitos do disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea a) do CPTA, um interesse directo e tão pouco um interesse legalmente protegido, para o qual careça da concessão de tutela jurisdicional efectiva, pois que mesmo na eventualidade de ser conhecido do mérito do seu pedido, sempre a Autora ora Recorrente não congrega a virtualidade, e de forma manifesta, de lhe ser legítimo por legalmente devido, retirar qualquer benefício económico com repercussão na sua esfera jurídica patrimonial, e que seja digno de tutela judicial, seja porque já fosse detentora desse direito/interesse, seja porque o pode vir a adquirir por força de uma decisão judicial que apreciasse o bem fundado do mérito da sua pretensão impugnatória.

5 - Os Tribunais Administrativos não têm de assegurar a quem a eles recorra, a obtenção de uma decisão de mérito em todos e cada um dos processos que sejam intentados pelos interessados quando esteja em causa o que entendam ser necessário à defesa do que perspectivam ser os seus direitos e interesses legalmente protegidos, quando, precisamente, mesmo não sendo parte na relação material controvertida, não demonstram ser titulares de um interesse directo e pessoal, a que se reporta o artigo 55.º, n.º 1, alínea a) do CPTA.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


[SCom01...], Ld.ª [devidamente identificada nos autos], Autora na acção que intentou contra o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP [IMT], e onde identificou como Contra interessada a [SCom02...], Ld.ª [também ambos devidamente identificados nos autos], para efeitos de anulação da deliberação do Conselho directivo do IMT, de 23 de julho de 2019, que decidiu autorizar a prorrogação de prazo e manutenção do contrato de gestão celebrado com a CITV [SCom02...], inconformada com a Sentença proferida pelo TAF do Porto, pela qual julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade processual activa e absolveu da instância o Réu, assim como a Contra interessada, veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

CONCLUSÕES:
1ª O presente recurso jurisdicional foi interposto contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 11 de Novembro p.p., que julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa da ora A. – titular de um centro de inspecções – para impugnar a deliberação do IMT que prorrogou o prazo e manteve o contrato de gestão para a instalação de um outro centro de inspecções por parte da contra-interessada.
2º Salvo o devido respeito, o aresto em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento, violando o disposto nos art.os 9º e 55º do CPTA e o direito à tutela judicial efectiva, denegando essa mesma tutela a quem alegou ser prejudicado pela deliberação impugnada.
3º Na verdade, bastava ler a p.i. para se poder concluir que a A. alegou que a deliberação que autorizou a prorrogação e manutenção do contrato de gestão do centro de inspecções da contra-interessada lhe causava um prejuízo por se estar a autorizar um centro de inspecções na área de influência do da A. e isso comprometer a manutenção da sua cliente (v. art.º 17º, 18º e 24º da p.i.), o que, aliás, não deixa de ser reconhecido pelo Tribunal a quo.
4ª Ora, é pacífico que a legitimidade se afere em função da p.i., sendo partes legítimas os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo A., conforme também reconhece o próprio aresto em recurso ao até citar parte da doutrina que refere que a legitimidade é independente da titularidade da posição jurídica substantiva.
5ª Aliás, a nossa amais autorizada doutrina vem ensinando que “... A utilização da fórmula “interesse directo e pessoal”, em contraposição à lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos (...) aponta no sentido de que a legitimidade individual para impugnar actos administrativos não tem de basear-se na ofensa de um direito ou interesse legalmente protegido, mas se basta com a circunstância de o acto estar a provocar, no momento em que é impugnado, consequências desfavoráveis na esfera jurídica do autor, de modo que a anularão ou a declaracão de nulidade desse acto lhe traz, pessoalmente a ele, uma vantagem directa” (v. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, almedina, 5.º edição. 2021, págs. 238 e 239).
6ª Consequentemente, uma vez que a A. alegou na p.i. que a proximidade de um centro de inspecções da contra-interessada potenciava a concorrência e era susceptível de comprometer e afectar a clientela do seu centro de inspecções, é por demais manifesto que a A. tinha um interesse directo e pessoal em impugnar uma deliberação que considerava ilegal e que podia comprometer a manutenção da sua clientela e a sua sobrevivência enquanto empresa titular do centro de inspecções que passou a sofrer a concorrência do centro de inspecções da contra-interessada.
7ª Aliás, e em bom rigor, a legitimidade da A. para impugnar a deliberação em causa é bem evidente se se tiver em consideração que se a referida deliberação não tivesse sido proferida (ou se for anulada) o contato de gestão da contra-interessada teria caducado e, consequentemente, não teria sido edificado nem se poderia manter o centro de inspecções que concorria com o da A. e potencia a diminuição da sua clientela.
Nestes termos, Deve ser concedido provimento ao recurso jurisdicional, e, em consequência, revogada a sentença em recurso, com as legais consequências.
Assim será cumprido o Direito e feita JUSTIÇA!
[…]”

*

O Recorrido IMT, IP, apresentou Contra alegações, cujas conclusões para aqui se extraem como segue:

“[…]
1. Não está a douta sentença recorrida ferida de qualquer irregularidade, invalidade ou nulidade.
2. Não ocorreu erro de julgamento do Tribunal a quo por julgar verificada a exceção dilatória de ilegitimidade processual ativa e, em consequência, absolver a Entidade Demandada e a Contrainteressada da instância.
3. Bem decidiu a sentença em apreço.
Nestes termos, deverá ser negado provimento ao Recurso.
[…]”

*

Também a Recorrida [SCom02...], Ld.ª, apresentou Contra alegações, cujas conclusões para aqui se extraem como segue:

“[…]
A. Através da sentença recorrida, o Tribunal a quo julgou procedente, e bem, a exceção de ilegitimidade ativa da Autora, seguindo de perto, aliás, aquela que é a jurisprudência firmada do Supremo Tribunal Administrativo e, bem assim, a mais recente jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul, precisamente a propósito da abertura deste mesmo centro de inspeção automóvel e no âmbito de uma ação instaurada por uma empresa do mesmo grupo da Recorrente (cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 09.10.2020, proferido no âmbito do processo n.º 576/20.6BELSB-A).
B. Na senda da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que se mantém inalterada e juridicamente irrepreensível, o interesse pessoal da própria sobrevivência
económica, posta em causa pelo aparecimento de um novo concorrente, não é um interesse suficientemente qualificado para conferir legitimidade ativa, desde logo quando é manifesto que tal potencial prejuízo não decorre da ilegalidade ou legalidade do ato impugnado.
C. O Tribunal a quo limitou-se, e bem, a ajuizar que o interesse único e confessado da Recorrente era evitar a abertura de um novo CITV e que tal pretenso interesse “à não concorrência” não é um interesse legalmente protegido, em especial, no contexto de um mercado concorrencial.
D. A simplicidade com que o Tribunal a quo julgou a presente ação, e que se antevê que seja a mesma do Tribunal ad quem, deve-se à circunstância de ser manifesta a referida ilegitimidade, porquanto foi a própria Recorrente que reconheceu que com a propositura da presente ação pretendia apenas evitar a abertura e o funcionamento do CITV da aqui Recorrida.
E. É indiscutível que a Recorrente tem [a única] intenção de impedir a abertura e exploração do CITV da [SCom02...]; sucede, no entanto, que essa intenção não é, para este efeito, um interesse direto e, muito menos, um “interesse legalmente protegido”.
F. Não é um interesse direto porque, ao contrário do que alega a Recorrente, é falso que a abertura do CITV da [SCom02...] introduza a concorrência que a mesma refere, ou, pelo menos, nos termos em que a equaciona. E isto por uma razão manifestamente simples: a tese da Recorrente assenta numa falsa aparência de proximidade entre os dois centros e uma total ausência de outros centros em redor, fazendo com que a abertura de um condicione automaticamente o funcionamento do outro. O que é falso.
G. A Recorrente não alega um qualquer outro interesse e nem o mesmo existe: da eventual procedência da presente ação, a Recorrente não retira qualquer benefício para a sua esfera jurídica ou interesse de facto, que não seja o mencionado interesse ilegítimo em não sofrer concorrência.
H. Na verdade, a Recorrente limita-se a uma alegação genérica e inócua, defendendo que a abertura deste concreto CITV poderá (uma vez mais, em tese) colocar em crise a concorrência por força dos preços a praticar.
I. O CITV da aqui Recorrida situa-se num distrito distinto do CITV da Recorrente e o
IMT, na qualidade de entidade reguladora do setor, havia previamente entendido que
era necessária a abertura de um centro em .... E esse é o interesse público que a
improcedência da presente ação também permite salvaguardar.
J. Em conclusão: bem andou o Tribunal a quo a julgar procedente a exceção da
ilegitimidade da Recorrente, não merecendo a sentença recorrida qualquer reparo ou
censura.
[…]”

**

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

**

O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.


***

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

***

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

As questões colocadas pela Recorrente estão delimitadas pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], e que se resumem a saber, se o Tribunal a quo errou no julgamento por si prosseguido e que está na base da decisão recorrida, quando julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa e consequentemente pela absolvição do Réu e da Contra interessada da instância, decisão essa que no entender da Recorrente viola o disposto nos artigos 9.º e 55.º do CPTA assim como o direito à tutela jurisdicional efectiva.

**

III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pelo Tribunal a quo, dela consta o que por facilidade para aqui extraímos, como segue:

“[…]
Com base nos documentos juntos aos autos e constantes do processo administrativo bem como na posição assumida pelas partes nos seus articulados, considera-se provada a seguinte factualidade:

A) A Autora é a entidade gestora do centro de inspecção de veículos sito na E.N. ...27, nºs 3515-3519, ..., ...;

B) Através do ofício com a referência ... 043200090928362, de 26.01.2015, a Entidade Demandada remeteu, para a Contra-Interessada, o contrato de gestão referente ao processo de candidatura n.º ...19, devidamente assinado, com data de 19.11.2014 – cfr. fls. 76 a 84 do PA;

D) Em 21.09.2015, a Contra-Interessada requereu, à Câmara Municipal ..., a licença de construção do centro de inspecção técnica de veículos – cfr. fls. 89 do PA;

E) A 13.10.2015, a Câmara Municipal ... emitiu a notificação n.º 11628, dirigida à Contra-Interessada, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida, da qual consta o seguinte (cfr. fls.112 e 113 do PA): (…) 2 – Analisada a instrução administrativa do processo verifica-se que: a) O requerente apresenta o pedido na qualidade de promitente-comprador do artigo rústico n.º ...97, pertencente à empresa [SCom03...] e Venda de Imóveis, S. A., apresentando uma autorização daquela empresa para apresentar o projecto de licenciamento junto desta Câmara Municipal (…). No entanto, e de acordo com o projecto apresentado o acesso é efectuado através do prédio a Norte com acesso à Rua ..., correspondente ao artigo n.º 13333, não tendo apresentado qualquer documento que demonstre que o mesmo pertence à [SCom02...] ou outra, como no presente caso, com a devida autorização e respetiva certidão da Conservatória do Registo Predial (…); -------------------------------------------------------------------------------------------- b) Os termos de responsabilidades apresentados fazem menção a demolições e destaque de parcela que o projeto não prevê, assim como só indicam o PDM, não fazendo qualquer menção ao RGEU e ao RMUE; --------------- c) A nível de processo em papel só foi apresentado um exemplar completo, não possuindo a cópia a totalidade das peças escritas, nomeadamente, memória descritiva, estimativa orçamental e ficha com os elementos estatísticos. 3 – (…) deverá notificar-se o requerente para, no prazo de 15 dias, proceder à entrega dos elementos indicados em 2, ficando suspensos os termos ulteriores do procedimento, sob pena de rejeição liminar.” ----------------------- (…);

F) Em 20.11.2015, a Contra-Interessada, (…) Na qualidade de titular (…) do processo de obras n.º ...15 (…), procedeu, junto da Câmara Municipal ..., à junção dos seguintes documentos e à seguinte comunicação (cfr. fls 111 do PA):
(…)
TERMOS DE RESPONSABILIDADE
CÓPIAS DA MEMÓRIA DESCRITIVA, ESTIMATIVA ORÇAMENTAL E FICHA COM OS ELEMENTOS ESTATÍSTICOS.
MAIS INFORMA QUE SE COMPROMETE A ANEXAR A CERTIDÃO DA CRP DO ARTIGO EM FALTA ATÉ À EMISSÃO DO ALVARÁ DE LICENÇA, PELO QUE, REQUER APROVAÇÃO DO PROJECTO DE ARQUITECTURA.
(…);

G) A 26.11.2015, a Câmara Municipal ... emitiu notificação, dirigida à Contra-Interessada, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida, com o seguinte destaque (cfr. fls.109 e 110 do PA):
(…)
2 - “(…) O requerente apresenta o pedido na qualidade de promitente-comprador do artigo rústico n.º ...97, pertencente à empresa [SCom03...] e Venda de Imóveis, S. A., apresentando uma autorização daquela empresa para apresentar o projecto de licenciamento junto desta Câmara Municipal (…). No entanto, e de acordo com o projecto apresentado o acesso é efectuado através do prédio a Norte com acesso à Rua ..., correspondente ao artigo n.º 13333, não tendo apresentado qualquer documento que demonstre que o mesmo pertence à [SCom02...] ou outra, como no presente caso, com a devida autorização e respetiva certidão da Conservatória do Registo Predial (…)”. No entanto a requerente não informa se o artigo n.º 13333 pertence à firma ou sendo propriedade de outrem não apresentou qualquer autorização para o fim pretendido. ---
3 – (…) notificar-se o requente para, no prazo de 15 dias, esclarecer o indicado em 2, ficando suspensos os termos ulteriores do procedimento, sob pena de rejeição liminar.” --------------------------------------------------
(…);

H) A 28.12.2015, a Contra-Interessada, (…) Na qualidade de titular (…) do processo de obras n.º ...15 (…) e (…) em resposta ao ofício, notificação n.º 13537, de 26/11/2015 (…), efectuou a seguinte comunicação à Câmara Municipal ... (cfr. fls 108 do PA):
(…)
NÃO SERÁ POSSÍVEL EM TEMPO ÚTIL OBTER O DOCUMENTO SOLICITADO, PELO QUE, SOLICITAMOS A APROVAÇÃO DO PROJECTO DE ARQUITECTURA E A EMISSÃO DE UMA LICENÇA PROVISÓRIA, ATENDENDO AOS PRAZO FIXADOS SUPERIORMENTE PELO IMT, PARA A CONSTRUÇÃO DO EDIFÍCIO DE SERVIÇOS.
(…)

I) A 11.07.2016, a Contra-Interessada, (…) Na qualidade de titular (…) do processo de obras n.º ...15 (…), procedeu, junto da Requerida, à junção dos seguintes documentos (cfr. fls 107 do PA):
(…)
PROJECTO DE ARQUITECTURA, ACESSOS E VEDAÇÕES APROVADOS PELAS INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, BEM COMO LICENÇA DE OBRAS.
CERTIDÃO DA CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL ACTUALIZADA
2 CÓPIAS DAS ALERAÇÕES AO PROJECTO DE ARQUITECTURA
CDROM COM PROCESSO DIGITAL
(…)

J) Através do Ofício n.º ...03..., de 03.08.2016, a Câmara Municipal ... informou a Contra-Interessada de que, na mesma data e com referência ao Processo n.º 28778/..., foram solicitados pareceres à Direcção-Geral de Recursos da Defesa Nacional, no âmbito da servidão militar do Aeródromo de ..., e às Infraestruturas de Portugal, S. A., no âmbito do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, pelo que deveria aguardar a resolução que viesse a ser tomada – cfr. fls. 90 do PA;

K) A 11.10.2016, a Contra-Interessada requereu à Entidade Demandada o prolongamento do prazo inicialmente estabelecido para a implementação do projecto do contrato de gestão, relativo ao processo de candidatura n.º ...19, juntando os documentos mencionados em C e D – cfr. fls. 85 do PA;

L) A 14.11.2016, a Câmara Municipal ... emitiu notificação, dirigida à Contra-Interessada, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida, com o seguinte destaque:
(…)
Informação Técnica do Serviço de Operações Urbanísticas (SOU)
(…)
3. Pareceres de Entidades Externas
3.1. Pelo SIRJUE foi solicitado parecer às seguintes entidades, Direcção-Geral de Recursos da Defesa Nacional, no âmbito da Servidão Militar e às Infraestruturas de Portugal, S. A., no âmbito do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, tendo sido emitidos parecer favorável por ambas as Entidades.
A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro emitiu decisão global favorável conforme ofício ...6.
(…)
5. Análise
5.1. A área impermeabilizada indicada nas peças escritas não confere com a representada nas peças desenhadas que é superior, pelo que tal deverá ser retificado; --------------------------------------------------------------------------------
5.2. Na memória descritiva, no referente à adequabilidade da pretensão face ao PDM, a mesma deverá referir-se também ao índice de ocupação. Informa-se também que o cálculo do índice de utilização deverá ser revisto uma vez que o mesmo deverá englobar a área referente aos cobertos, conforme o Decreto-Regulamentar 9/2009 de 29 de maio. ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
5.3. A pretensão não respeita o afastamento posterior mínimo de 6m, conforme a alínea g) do art. 81º do Regulamento do PDM; --------------------------------------------------------------------------------------------------------------
5.3. O plano de Acessibilidades deverá contemplar o percurso dos lugares de estacionamento até ao interior do edifício, com a indicação das soluções de detalhe métrico, técnico e construtivo, nomeadamente cotas e cotas altimétricas, esclarecendo as soluções adotadas em matéria de acessibilidade conforme o Anexo do Decreto-Lei nº 163/2006. ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
5.4. De acordo com a alínea b) do art. 74º do RMUE a pretensão é uma operação de impacto urbanístico relevante, pelo que o proprietário terá que proceder a uma compensação em espécie ou em numerário ao município nos termos dos artigos 76º e 77º do RMUE, ou seja: ------------------------------------------------------------------------
- Conforme o Quadro 3. Do ponto 2. Do art. 97 referente aos Parâmetros de dimensionamento do estacionamento e o art. 72º do RMUE, e sendo o tipo de ocupação Serviços, a pretensão deveria prever 43 lugares de estacionamento no interior do lote e no exterior 13 lugares de estacionamento, a pretensão só contempla no interior do lote ...0 lugares mais dois para deficientes e dois para camiões; --------------------------------
- quanto aos espaços verdes de utilização coletiva, conforme o art. 102º do Regulamento do PDM, deveria prever-se uma área total de 242,5m2 e quanto aos equipamentos de utilização coletiva deveria também prever-se uma área de 216,5m2. --------------------------------------------------------------------------------------------------------------
6. Proposta
6.1. Atento o atrás exposto propõe-se notificar o titular do processo para no prazo de 30 dias vir rever a pretensão face ao exposto nos pontos 5.1. a 5.3.. Deverá ser dado conhecimento ao requerente dos pareceres referidos no ponto 3.1. (enviar cópias) e do exposto no ponto 5.4..” -------------------------------------------------------
(…);

M) Através do Ofício com a referência ...55, de 24.01.2017, a Entidade Demandada remeteu para a Contra-Interessada, uma comunicação sob a epígrafe Contrato de Gestão relativo à candidatura n.º ...19 – (...) Pedido de prorrogação do prazo de 2 anos para aprovação do CITV (…), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, com o seguinte destaque (cfr. fls. 91 e 92 do PA):
(…)
1. O pedido de prorrogação do prazo de 2 anos (…) é tempestivo. Em 11.10.2016, deu entrada neste serviço (…) no decurso daquele prazo legal que termina em 26.01.2017.
2. (…) constata-se que (…) não foi apresentada a licença de obras de construção emitida pela Câmara Municipal (…) bem como, documento emitido por aquela edilidade, atestando a data em que o pedido de licenciamento em causa foi corretamente instruído/completo, para efeitos de emissão de concessão da referida licença de obras (…).

3. A contagem da prorrogação do prazo (…) está dependente da apresentação daquela autorização pela Câmara Municipal competente. (…) enquanto não for emitida aquela autorização, não se encontram reunidos os pressupostos para a contagem da prorrogação do prazo (…).
4. (…) o pedido de prorrogação remetido a este serviço, deve ser acompanhado de documentos emitido pela edilidade competente, atestando a data em que o pedido de licenciamento em causa foi corretamente instruído/completo, por motivo não imputável a V. Exa. para efeitos de emissão de concessão/autorização de licença de obras de construção (…).
5. Assim, para efeitos de instrução do pedido de prorrogação do prazo (…), fica notificado, para no prazo de 10 dias úteis, (…) apresentar documento em conformidade com o referido no ponto 4 da presente comunicação.

(…);

N) A 10.02.2017, através de carta registada, a Contra-Interessada remeteu, para a Entidade Demandada comprovativo do pedido de certidão que dirigiu à Câmara Municipal ..., cujo teor parcialmente transcreve: (…) Certidão atestando que o pedido de licenciamento com o n.º 2.../2015 foi correctamente instruído, por motivo não imputável à entidade gestora para efeitos de autorização de licença de obras de construção, no dia 21.09.2015 (…) – cfr. fls 94 a 98 do PA;
O) A 06.03.2017, a Contra-Interessada remeteu para a Entidade Demandada certidão emitida pela Câmara Municipal ..., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, com o seguinte destaque (cfr. fls. 99 e 101 do PA):

(…)
Certifico (…) que através do requerimento registado em vinte e dois de Setembro de dois mil e quinze (…) foi apresentado pela requerente, pedido de licenciamento de obras de construção de edificação destinada a Centro de Inspecção de Veículos, instruído de acordo com a Portaria número cento e treze de dois mil e quinze de vinte e dois de Abril, e em tramitação, para o prédio sito, na Avenida ..., da União das Freguesias ..., ..., ... e .... ---------------------------------------------------------------------
(…);

P) Através do ofício com a referência ...87, de 05.05.2017, a Entidade Demandada remeteu para a Contra-Interessada, carta de notificação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzidos, com o seguinte destaque (cfr. fls. 119. Do PA):

(…)
Através de v/comunicação entrada neste serviço em 06.03.2017, foi remetida certidão de 03.03.2017, emitida pela Câmara Municipal ... que atesta que o pedido de licenciamento de obras de construção (…) está instruído de acordo com a Portaria n.º 113/2015, de 22.04.
No entanto, constata-se que, na presente data, o processo de prorrogação de prazo não se encontra devidamente instruído por ainda não ter sido apresentado o alvará de construção de obras de edificação do centro de inspeção em causa.
Tendo em conta que o prazo de dois anos terminou em 27.01.2017, e que até ao presente, não foi apresentado o alvará de obras de construção e de edificação do CITV referido, fica notificado para, no prazo de 10 dias úteis, a contar da data da presente comunicação, apresentar o referido documento (…).
(…);

Q) A 24.05.2017, a Contra-Interessada dirigiu à Demandada uma exposição e pedido, cujo teor se dá qui por integralmente reproduzidos, com o seguinte destaque (cfr. fls. 176 do PA):

(…)
1. Tendo em conta o espírito da Deliberação do Conselho Directivo de 28.04.2015, e porque fez apresentar atempadamente comprovativo da recepção de processo de pedido de licença de obras na autarquia respectiva;
2. Instruído que foi com os elementos exigíveis pela Portaria 113/2015 de 22 de abril;
3. Ficou a aguardar a normal tramitação do respectivo processo;
4. Algo em que não pode interferir;
5. Pelo que o decurso de tempo que tal implica não é facto imputável à [SCom02...] Lda, enquanto entidade gestora;
6. (…)
7. Necessita obter documento a produzir por entidade terceira (…)
(…)
Assim, (…), solicitou à (…) Câmara Municipal a sua emissão
Requer (…):
Se considere satisfeita, naquilo que é responsabilidade da entidade gestora, a obrigação de comprovação;
(…)
Em conformidade com a falta de imputação à Requerente de qualquer sustação do prazo que tal determine, se considere prorrogado o prazo (…)

(…);

R) A 18.07.2017, através de e-mail, a Entidade Demandada dirigiu à Câmara Municipal ... e com referência ao pedido de licenciamento de obras de construção do centro de inspecção de veículos que esta considerara correctamente instruído em 02.02.2017, um pedido de informações, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (com o seguinte destaque (cfr. fls. 127 do PA);
(…)
- se o pedido (…) foi deferido e foi emitida (…) a licença de construção, e em que data?
- se o pedido (…) apenas foi considerado corretamente instruído em 03 Mar 2017, por motivo imputável ao requerente?
- Se (…), tendo havido demora (…), qual foi a sua duração e se esta se pode considerar como não sendo da responsabilidade da [SCom02...]?
- qual o motivo (…) que obsta à sua emissão?
- se (…) se verificou alteração do prédio previsto (…) para a instalação do CITV?
- se (…) se verificou (…) alteração da arquitetura ou das acessibilidades ao CITV previstas?
(…);

S) A 16.11.2017, a Contra-Interessada requereu à Câmara Municipal ..., a emissão do alvará de licença de obras de construção – cfr. fls. 198 a 212 do PA;
T) Através do ofício com a referência ...33, de 27.11.2017, a Entidade Demandada remeteu para a Contra-Interessada, carta de notificação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, com o seguinte destaque (cfr. fls. 133 do PA):

(…)
Por deliberação (…) de 8.11.2017, fica notificado da intenção de proceder à caducidade do contrato de acesso e permanência da atividade de inspeção técnica de veículos celebrado com o IMT, I. P. por ter ocorrido incumprimento do prazo legal e contratualmente estabelecido para aprovação do CITV localizado em ... (…)
(…) é fundamentada no facto da [SCom02...] ter apresentado neste Instituto em 11.10.2016, um pedido de prorrogação do prazo legal de dois anos (…), sem ter sido até ao presente, instruído documento comprovativo que permita a execução das obras de construção do CITV localizado em ..., ou documento comprovativo (…) justificando a não emissão do respetivo alvará de obras de construção, por motivo não imputável à entidade gestora em causa (…)
(…) o peticionado em 11.10.2016 (…) carece de fundamentação e motivo justificativo que permita sustentar a concessão do pedido de prorrogação do prazo (…), por se entender não haver motivo justificativo que fundamente o pedido (…)
(…)
(…) fica notificado, para (…) pronunciar-se, querendo, (…) no prazo de 10 (dez) dias úteis, a contar da presente notificação.
(…);

U) A 14.12.2017, a Contra-Interessada exerceu, por escrito, o seu direito de audiência prévia, no mesmo acto entregando à Entidade Demandada, Certidão do Município ..., de 03.03.2017, e o pedido de emissão de alvará de licença de obras de construção, de 16.11.2017 – cfr. 198 a 212 do PA;
V) A 18.12.2017, a Câmara Municipal ... emitiu o Alvará de Obras de Construção n.º ...17, relativo ao Processo n.º ...15 – cfr. fls.214 e 215 do PA;
W) A 22.12.2017, a Contra-Interessada requereu à Entidade Demandada, a junção do Alvará de Obras de Construção n.º 494/17, de 19.12.2017 – cfr. fls. 213 do PA;
X) A 05.02.2018, a Entidade Demandada solicitou à Câmara Municipal ... a informação que se transcreve: (…) se o tempo decorrido, desde a correta instrução do referido pedido de licenciamento (…) até ao pedido de emissão de alvará de obras de edificação, ocorreu por motivo não imputável à entidade requerente (…) – cfr. fls. 216 do PA;
Y) Através do seu Ofício n.º ...13..., de 27.02.2018, a Câmara Municipal ... respondeu ao pedido mencionado na alínea anterior, resposta que se dá aqui por integralmente reproduzida, com o seguinte destaque (cfr. fls. 218 do PA):

(…)
- O pedido de licenciamento (…) foi deferido por despacho (…) de 02/08/2017;
- O pedido de emissão do Alvará de Obras de Construção foi apresentado (…) 16/11/2017, tendo sido completado em 14/12/2017, sendo que (…) mereceu Despacho de deferimento a 18/12/2017;
- A pretensão foi apreciada (…) dentro dos prazos legais e regulamentares (…).
(…);

Z) Através do ofício com a referência ... 043200130140879, de 20.06.2018, a Entidade Demandada, por referência ao pedido de informação mencionada em Y, solicitou à Câmara Municipal ... a informação que se transcreve: (…) reitera-se os seus Bons Ofícios no sentido de ser prestada a informação, anteriormente solicitada por este serviço (…) – cfr. fls. 231 do PA;

AA) Através do Ofício n.º ...11..., de 24.07.2018, a Câmara Municipal ... respondeu ao pedido de informação mencionado na alínea anterior, resposta cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, com o seguinte destaque (cfr. fls. 237 a 240 do PA):
(…)
Em 22/09/2015, a [SCom02...] (…) apresentou (…) pedido de licenciamento de obras de construção (…) que constituiu o Processo n.º 2... (…).
(…) tendo merecido despacho de aperfeiçoamento (…) de 22/10/2015, notificado (…) através da missiva 11628 (…).
Através do reg.º n.º 35969, de 20/11/2015, foram apresentados alguns elementos, não completando devidamente o despacho (…).
(…) tornou a ser objecto de Despacho (…) de 25/11/2015, no sentido de aperfeiçoamento do pedido, notificado através da missiva n.º 13537, de 26/11/2015.
Através do reg.º 20601 de 11/07/2016, foram apresentados os documentos que completaram a (…) operação urbanística, tendo merecido pedido de consulta às entidades que (…) devem emitir parecer, autorização ou aprovação (…).
Após receção da Decisão Global da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, foi efetuada a (…) análise técnica, resultando que deveria ser apresentado projeto corrigido (…) conforme despacho (.) de 11/11/2016, comunicado (.) através da missiva n.º ...89 de 14/11/2016.
Em 06/02/2017, a titular (…) apresentou (…) novas peças desenhadas e escritas, tendo merecido despacho de deferimento a 20/02/2017 referente à aprovação do projeto de arquitetura (…), tendo a titular sido notificada através da missiva n.º 1854 de 21/02/2017.
Através do requerimento n.º 14897 de 15/05/2017, foram apresentados os projetos das especialidades, sendo que no referente às obras de urbanização a 21/06/2017 foram promovidas consultas à Divisão do Ambiente e à Divisão de Projetos e Obras Municipais, que responderam respetivamente a 22/06/2017 e a 07/07/2017.
(…) a 18/07/2017, o técnico autor do projeto (…) foi contactado (…) no sentido de apresentar os elementos em falta e corrigidos os Termos de Responsabilidade, sendo que a 20/07/2017 foram entregues novos documentos. Por Despacho de 02/08/2017 foi deferido o pedido de licenciamento de obras de construção de edificação destinada a Centro de Inspecção de Veículos e construção de acesso à E. N. ..7 (obras de urbanização), conforme notificação n.º 7330 de 10/08/2017.
Através do requerimento (…) de 16/11/2017 é solicitado a emissão do (…) alvará.
Este pedido foi deferido por Despacho (…) de 18/12/2017, e emitido o Alvará de Obras de Construção n.º ...17
(…) a pretensão foi sempre apreciada (…) dentro dos prazos estabelecidos legais e regulamentares (…).
(…) sempre que era apresentado (…) um novo requerimento na sequência de qualquer exigência que fosse feita
(…).
*
Nada mais se provou com interesse para a decisão.
[…]”

**

IIIii - DE DIREITO

Está em causa a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que tendo apreciado a pretensão que lhe foi dirigida pela Autora, ora Recorrente [no sentido da anulação da deliberação do Conselho directivo do IMT, de 23 de julho de 2019, que decidiu autorizar a prorrogação de prazo e manutenção do contrato de gestão celebrado com a CITV [SCom02...]], veio a julgar procedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa, e nesse patamar a absolver da instância o Réu assim como a Contra interessada.

Como assim dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC, as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, para efeitos de poderem ser evidenciadas perante o Tribunal Superior as irregularidades de que a Sentença pode enfermar [que se reportam a nulidades que afectam a Sentença do ponto de vista formal e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade], assim como os erros de julgamento de facto e/ou de direito, que por si são resultantes de desacerto tomado pelo Tribunal na formação da sua convicção em torno da realidade factual, ou da interpretação e aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Neste patamar.

Sendo vários os fundamentos alegados na Petição inicial para efeitos da impugnação do acto administrativo em causa, o Tribunal a quo julgou todavia pela procedência da referida excepção dilatória, que havia sido suscitada pela Contra interessada [SCom02...], Ld.ª na sua Contestação, razão porque não foi assim conhecido do fundo do pedido que a ele trouxe a Autora ora Recorrente.

Contra o assim decidido [isto é, em face da decidida procedência da falta de legitimidade activa da Autora] se insurge a Recorrente, reconduzindo as conclusões das suas Alegações de recurso ao que julgamos subsumir-se num único fundamento, o de que o Tribunal a quo incorreu em flagrante erro de julgamento, por ter incorrido na violação do disposto nos artigos 9.º e 55.º, ambos do CPTA, assim como por ter violado o princípio da tutela jurisdicional efectiva, sustentando em suma, que alegou ser prejudicada pela deliberação impugnada, e que o Tribunal a quo lhe denegou essa tutela judicial.

A Recorrente sustenta nas conclusões das suas Alegações de recurso, em suma, que tem legitimidade activa para formular nos autos o pedido que apresentou na sua Petição inicial, que está em conformidade com a causa de pedir aí patenteada, e que ao contrário do que assim foi julgado pelo Tribunal a quo a deliberação impugnada causa-lhe prejuízo, na medida em que a abertura de um novo CITV compromete a manutenção da sua clientela, a sua sobrevivência enquanto empresa titular de um CITV, sendo que a sua legitimidade activa advém dos termos como assim configurou a relação material controvertida, e dessa forma, enfatiza que tem assim um interesse directo e pessoal nessa impugnação, por ter passado a sofrer a concorrência de uma outra estrutura que se dedica ao mesmo ramo de actividade, e por outro lado, que se não tivesse sido proferida a deliberação impugnada, não teria sido, a final, edificado o prédio, nem se poderia manter em funcionamento o CITV, não ficando assim prejudicada a diminuição da sua clientela.

Por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos os artigos 9.º e 55, ambos do CPTA, como segue:

Artigo 9.º
Legitimidade activa
1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte e no capítulo II do título II, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
2 - Independentemente de ter interesse pessoal na demanda, [sublinhado da autoria deste TCA Norte] qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, assim como para promover a execução das correspondentes decisões jurisdicionais.


Artigo 55.º
Legitimidade activa
1 - Tem legitimidade para impugnar um acto administrativo: [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
a) Quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos; [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
b) O Ministério Público;
c) Entidades públicas e privadas, quanto aos direitos e interesses que lhes cumpra defender;
d) Órgãos administrativos, relativamente a atos praticados por outros órgãos da mesma pessoa coletiva pública;
e) Presidentes de órgãos colegiais, em relação a actos praticados pelo respectivo órgão, bem como outras autoridades, em defesa da legalidade administrativa, nos casos previstos na lei;
f) Pessoas e entidades mencionadas no n.º 2 do artigo 9.º
2 - A qualquer eleitor, no gozo dos seus direitos civis e políticos, é permitido impugnar as decisões e deliberações adotadas por órgãos das autarquias locais sediadas na circunscrição onde se encontre recenseado, assim como das entidades instituídas por autarquias locais ou que destas dependam.
3 - A intervenção do interessado no procedimento em que tenha sido praticado o acto administrativo constitui mera presunção de legitimidade para a sua impugnação.”

Por seu turno, o direito à tutela judicial efectiva, está constitucionalmente garantido como direito fundamental dos cidadãos, em especial perante a justiça administrativa, quando sejam titulares de posições jurídicas subjectivas, nos termos do disposto nos artigos 20.º e 268.º, n.ºs 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa [Cfr. neste sentido, M. Fernanda dos Santos Maçãs, A Suspensão Judicial da Eficácia dos Actos Administrativos e a Garantia Constitucional da Tutela Judicial Efectiva, Boletim da Faculdade de Direito, Studia Jurídica 22, Coimbra, Coimbra Editora, 1996, p. 272-276.]

A garantia decorrente destes preceitos abrange todos os mecanismos que sejam adequados à defesa e protecção dos direitos e interesses dos cidadãos que entendam estar a ser lesados por um qualquer acto ilegal da Administração, com repercussões objectivas [de ordem subjectiva] na sua esfera jurídica.

Os Tribunais Administrativos, titulares de um contencioso de plena jurisdição, devem administrar a justiça tendo em vista a tutela requerida, para satisfação de direitos ou interesses, em termos idênticos ao que vem formulado no artigo 2.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Daí decorre também que os Tribunais não têm de assegurar a quem a eles recorra, a obtenção de uma decisão de mérito em todos e cada um dos processos que sejam intentados pelos interessados quando esteja em causa o que entendam ser necessário à defesa do que perspectivam ser os seus direitos e interesses legalmente protegidos, quando, precisamente, mesmo não sendo partes na relação material controvertida, não demonstram ser titulares de um interesse directo e pessoal, a que se reporta o artigo 55.º, n.º 1, alínea a) do CPTA.

Neste conspecto, cumpre para aqui extrair a essencialidade da fundamentação aportada pelo Tribunal a quo na decisão sob recurso, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Considerando o quadro factual antecedente e a argumentação expendida pelas partes, detenhamo-nos, agora, desde logo, sobre a sobre a matéria exceptiva suscitada, isto é, da ilegitimidade processual activa que, a ser procedente, determina a absolvição da instância - cf. artigo 89º, nº 2 e nº 4, alínea e), do CPTA, e o artigo 278º, nº 1, alínea d), do CPC ex vi artigo 1º do CPTA.
[…]
In casu, está em causa saber se a Autora detém legitimidade processual activa na presente acção, o que importa que se traga à colação o modo como a mesma configura o seu pedido, sem esquecer que todo o pedido assenta numa causa de pedir (cf. artigo 581º, nºs 3 e 4, do CPC), a qual deve ser considerada para o efeito.
Ora, a Autora alega que a deliberação do Conselho Directivo do IMT de 23 de julho de 2019, que autorizou a prorrogação de prazo e manutenção do contrato de gestão celebrado com a CITV [SCom02...], padece do vício de violação de lei, na medida em que, não se tendo verificado qualquer facto que o justificasse, prorrogou o prazo e, consequentemente, manteve o contrato de gestão do centro de inspecção técnica de veículos de ..., celebrado com a Contra-Interessada, com inobservância da regra relativa à caducidade do contrato, determinante da respectiva cessação, que operava, ope legis, pelo decurso do prazo previsto na lei.
Compulsados os articulados, tendo em conta a configuração que a Autora dá ao seu pedido e causa de pedir, depreende-se que entende que detém legitimidade particular, em consonância com o artigo 55º, nº 1, alínea a), do CPTA. A Autora entende, sobretudo, que tem legitimidade activa fundada num interesse individual, visto que tem na mesma região um Centro de Inspecções que serve os cidadãos que necessitam do respectivo serviço, e que a construção do novo Centro vai interferir de forma essencial na clientela formada pela Autora. Mais sustenta que demonstrou ter um interesse legítimo, legalmente protegido, de defender a clientela que constituiu no seguimento de um procedimento concursal alargado, tendo interesse em impedir a concorrência que considera desleal e ilegal da Contrainteressada, decorrente do licenciamento ilegal de um Centro que esta veio a construir (e poderá licenciar) ao arrepio das regras legalmente estipuladas; que também tem legitimidade para interpor a presente acção nos termos em que a colocou que resultam de uma actuação ilegal da Entidade Demandada, em detrimento das regras legais e concursais aplicáveis à adjudicação e celebração do contrato de gestão do centro de inspeções que a Contra-Interessada pretende licenciar.
A regra geral é a de que a legitimidade processual activa é aferida pela relação material controvertida tal como é apresentada pelo autor (cf. artigo 9º, nº 1, do CPTA) e, consoante o objecto do processo, a legitimidade activa pode compreender algumas especificidades (cf. artigos 55º, 57º, 68º, 73º e 77º-A do CPTA).
Assim, o artigo 55º do CPTA elenca algumas normas especiais aplicáveis ao contencioso de impugnação dos actos administrativos. Primeiro, a legitimidade activa pode assentar na alegação de um interesse individual, isto é, de um interesse específico do autor, caracterizado como um interesse individual e directo. Segundo, a legitimidade activa pode fundar-se no interesse público, subjectivado no interesse próprio do Estado e dos demais regionais e locais, que pode ser tutelado, tanto pelas pessoas colectivas públicas, no âmbito das relações jurídicas inter-administrativas, como pelo Mistério Público, no exercício da acção pública em defesa do interesse geral da legalidade. Terceiro, a legitimidade activa pode estribar-se num interesse difuso, entendido como um interesse relativo à comunidade globalmente considerada ou a um grupo indeterminado de cidadãos, que se expressa através da relação a um certo bem jurídico, designadamente a saúde, o ambiente, o urbanismo. Quarto, a legitimidade activa pode, ainda, ter fundamento num interesse colectivo, o qual se pode definir como um interesse particular comum a grupos ou categorias organizadas de cidadãos, que é referenciado a certos valores jurídico-económicos ou sócio-profissionais (cf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª ed., Almedina, 2017, pp. 371-372).
Tendo em conta a alegação da Autora, releva aqui, especialmente, a legitimidade activa fundada num interesse individual, à luz dos normativos aplicáveis.
É de notar que a alínea a) do nº 1 do artigo 55º do CPTA procede a uma densificação da legitimidade particular, a qual só se reconhece a quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
No caso da legitimidade particular, prevista no artigo 55º, nº 1, alínea a), do CPTA, esta desdobra-se em dois requisitos fundamentais, a saber, o interesse pessoal e o interesse directo. O primeiro consiste na utilidade, benefício ou vantagem que o autor efectivamente retira da anulação ou declaração de nulidade do acto administrativo. O segundo consiste num interesse actual e efectivo na remoção do acto administrativo da ordem jurídica, não cabendo aí o interesse meramente reflexo, indirecto, eventual ou meramente hipotético. Este interesse directo evidencia, de certo modo, uma manifestação do pressuposto processual do interesse em agir, complementar da legitimidade activa, que se traduz na concreta necessidade e utilidade de instaurar e fazer prosseguir a acção em juízo, mediante a verificação objectiva de um interesse real e actual e digno de tutela jurisdicional (cf. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa – Lições, 16ª ed., 2017, pp. 292-293). Posto isto, saliente-se que faltando um desses requisitos, o autor carecerá de legitimidade processual activa particular.
Ora, em defesa da legitimidade ativa para intentar a presente acção, a A. faz apelo ao seu interesse em impedir o funcionamento, no mercado, de um CITV que reputa de ilegal e que o mesmo lesa a sua esfera jurídica, porquanto, criará, na sua proximidade, concorrência de mercado. A A. reivindica, ainda, a defesa da legalidade no sentido de assegurar que a contrainteressada não permaneça com o exercício da actividade quando terá caducado o contrato de gestão que celebrou com o IMT e que este não podia ter emitido autorização no sentido da sua prorrogação.
Sucede que tal interesse na reposição da legalidade não corresponde a um interesse pessoal da A., no sentido de que dele a A. retire para a sua esfera jurídica uma utilidade. Acresce que também não resulta provado que a A. tenha um interesse pessoal e direto na impugnação da deliberação Conselho Directivo do IMT de 23 de julho de 2019, que autorizou a prorrogação de prazo e manutenção do contrato de gestão celebrado com a CITV [SCom02...], tanto mais que nada refere a propósito de uma eventual participação no procedimento administrativo que antecedeu a celebração do contrato entre o IMT e a Contra-Interessada, de forma a aquilatar da eventual relevância para si da pretendida declaração de caducidade do contrato, na hipótese de ser declarada a caducidade do referido contrato.
Colocando-se a hipótese de proceder a alegação da A. – isto é, considerando-se que a caducidade do contrato de gestão vinha a ser declarada –, não se compreende onde está, nesse desfecho, a utilidade concreta, efectiva e directa, para a Autora.
Recorde-se que o artigo 55º, nº 1, alínea a), do CPTA, exige um interesse actual e efectivo na remoção do acto administrativo da ordem jurídica, não bastando o interesse meramente reflexo, indirecto, eventual ou meramente hipotético. Aquele normativo processual, referindo-se ao interesse em agir, exige uma concreta necessidade e utilidade de instaurar e fazer prosseguir a acção em juízo.
Nessa óptica, conclui-se que o mero interesse em impedir o funcionamento de outro CITV, no mercado e na proximidade do centro que a A, tem em local próximo, não consubstancia um interesse directo, com efectividade e relevância suficiente para mobilizar a acção administrativa. Assim, se não vier acompanhada da demonstração de um interesse directo na utilidade do meio contencioso administrativo, não tem a Autora legitimidade processual.
Por outro lado, também não existe, como alega a Autora, legitimidade activa se o interesse assenta apenas em ver os órgãos administrativos a cumprirem, objectivamente, aquilo que a Autora entende que é a lei aplicável ao caso. A Autora alega, de uma ou de outra forma, que é a própria ilegalidade que constitui fundamento da sua pretensão deduzida em juízo. Só que, como se viu, a lei não lhes reconhece um direito subjectivo público concreto e individualizado que tenha como objecto a mera correcção da actuação administrativa. Pois bem, a legitimidade para sindicar actos administrativos por força da sua ilegalidade, do prisma meramente objectivo, independentemente do interesse individual, apenas se reconhece a quem demonstre ter legitimidade popular social – de acordo com os artigos 52º, nº 3, da CRP, 9º, nº 2, do CPTA, e 1º da LAP, que não sucede in casu –, ou ao Ministério Público, a quem compete a perseguição geral legalidade objectiva, na perspectiva do interesse público, no exercício da legitimidade pública, nos termos do artigo 55º, nº 1, alínea b), do CPTA, bem como do artigo 51º do ETAF e dos artigos 202º e 224º, nº 1, da CRP.
Por tudo quanto se expôs, em síntese, não se descortinando qualquer vantagem e/ou benefício específico com a anulação da decisão administrativa posta em crise nos autos, nem se vislumbrando, na alegação da Autora, qualquer interesse de toda a comunidade que legitime a intervenção desta, conclui-se que se verifica a invocada excepção de ilegitimidade processual activa, com a consequente absolvição da instância da Entidade Demandada e da Contra-Interessada, em conformidade com o artigo 89º, nº 2 e nº 4, alínea e), do CPTA, e o artigo 278º, nº 1, alínea d), do CPC ex vi artigo 1º do CPTA.
*
IV.
Em face do exposto, julga-se verificada a excepção dilatória de ilegitimidade processual activa e, em consequência, absolvem-se a Entidade Demandada e a Contra-Interessada da presente instância.
[…]”
Fim da transcrição

Atento o que deixamos extraído supra e tendo por referência a causa de pedir e o pedido que lhe é imanente, formulado a final da Petição inicial, apreciou e decidiu o Tribunal a quo, em suma, que o interesse alegado pela Autora, ora Recorrente, em torno de ser impedida a entrada e funcionamento no mercado de outro CITV, que fica situado na imediação geográfica de onde possui o seu CITV, não consubstancia um interesse directo na utilidade de meio contencioso com efectividade e relevância suficiente para mobilizar a acção administrativa, e no fundo, porque o interesse da Autora assenta no pressuposto de que os órgãos administrativos, neste caso o IMT, IP, deve cumprir, objectivamente, aquilo que a mesma [Autora] entende que é a lei aplicável ao caso.

Ou seja, alega a Autora, em essência, que por ter ocorrido a caducidade do contrato de gestão do CITV, e que ao ter prosseguido pelo licenciamento do CITV da Contra interessada, foi violada a Lei pelo Réu, e que é a própria ilegalidade em concreto que constitui fundamento da sua pretensão deduzida em juízo.

Apreciou e decidiu o Tribunal a quo, nesse patamar, que a lei não reconhece à Autora um direito subjectivo público concreto e individualizado que tenha como objecto a mera correcção da actuação administrativa, e nesse conspecto, que a legitimidade para sindicar actos administrativos por força da sua ilegalidade, do ponde de vista meramente objectivo, independentemente do interesse individual, que apenas se reconhece a quem demonstre ter legitimidade popular social, ou ao Ministério Público, o que assim não ocorre nos autos.

Aqui chegados.

Atentas as conclusões patenteadas as final das Alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, desde já julgamos que não lhe assiste razão alguma, pois que bem decidiu o Tribunal a quo, e que a Sentença recorrida vai assim ser confirmada.

Efectivamente, estando imanente à causa de pedir, assim como subjacente ao pedido formulado a final da Petição inicial, uma motivação da Autora ora Recorrente que conflui no sentido de impedir a abertura e exploração do CITV da Contra interessada [SCom02...], Ld.ª, essa sua pretensão não assenta num interesse directo e muito menos num interesse legalmente protegido.

De resto, a sustentação pela Recorrente nas conclusões das suas Alegações de recurso que está violado o princípio da tutela jurisdicional efectiva, com fundamento em que o Tribunal a quo lhe veda o acesso ao Tribunal e ao direito, por não lhe reconhecer legitimidade activa para sindicar jurisdicionalmente a deliberação do Réu, que refere constituir fonte de prejuízo para si, quando essa sua legitimidade advém do disposto nos artigo 9.º e 55.º, ambos do CPTA, encerra a final um juízo conclusivo.

O julgamento tirado pelo Tribunal a quo, constante do probatório por si fixado, assentou, como assim resulta da fundamentação da motivação da matéria de facto, “… nos documentos juntos aos autos e constantes do processo administrativo bem como na posição assumida pelas partes nos seus articulados …”.

Ora, em sede das questões que lhe cumpria apreciar, estava desde logo o julgamento da matéria integrativa de excepção, em torno do que a Recorrente não imputa à Sentença recorrida a ocorrência de erro de julgamento em matéria de facto, pois que sobre esta valência assim não trata nas suas Alegações de recurso e respectivas conclusões, razão por que, como assim julgamos, com esse julgamento se conformou o Recorrente.

Resultando os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, essencialmente, de incidência documental, mormente, de documentos produzidos e provindos do seio do Réu, por constantes do Processo Administrativo, a Recorrente não cumpre cabalmente com o ónus que sobre si impende por força do disposto no artigo 639.º, n.º 2, alínea s a), b) e c) do CPC, por que termos e pressupostos é que outro devia ser o julgamento do Tribunal a quo, quando é certo que, muito concretamente, na fundamentação de direito aportada pelo Tribunal a quo para efeitos de decidir pela procedência da excepção dilatória da ilegitimidade activa, convocou a aplicação dos artigos 9.º e 55.º ambos do CPTA, que são aqueles que a Recorrente, precisamente, invoca como tendo sido violados pelo Tribunal a quo.

Lida a Sentença recorrida dela se extrai que a Mm.ª Juíza, depois de efectuar o saneamento dos autos, e de ter fixado o probatório, indentificou como questão imediata a decidir, a da ocorrência da invocada excepção dilatória, e com referência aos elementos de prova que a suportam, enunciou os termos e fundamentos que conduziram à procedência do pedido, tendo estribado juridica e amplamente a sua posição, especificando os fundamentos de facto e de direito que segundo a sua livre apreciação e de acordo com a convicção que veio a formar, justificam a decisão, dando assim cumprimento ao disposto no artigo 607.º, n.º 3 do CPC, a saber, da ilegitimidade activa da Autora ora Recorrente.

É de salientar que este TCA Norte, por seu Acórdão datado de 15 de maio de 2020, já apreciou e decidiu em sede cautelar, o recurso jurisdicional interposto pela Requerente, aqui Autora ora Recorrente, da Sentença que julgou pela improcedência do pedido de adopção de tutela cautelar, no Processo n.º 3182/19.4BEPRT, que foi intentado como preliminar da presente acção principal, sendo certo que nessa forma de processo, o que competia ao TAF do Porto era apreciar e decidir sobre a verificação dos requisites determinantes para efeitos do decretamento da providência cautelar requerida.

Mas por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos parte desse Acórdão, como segue:

Início da transcrição
“[…]
A Recorrente não provou, no entanto, em que medida a abertura do referido CITV afetaria o seu modelo de negócio e/ou se o afetaria efetivamente. Não provou, igualmente, em que medida é que tal hipotético prejuízo seria “atual”, uma vez que tem conhecimento desde 01.04.2014 que o Conselho Diretivo do IMT deliberou aprovar a candidatura da Recorrida para a abertura do aludido centro. Ou seja, assente numa premissa que não demonstrou (in casu, que a abertura de um novo centro implicaria, de facto, um prejuízo para o normal funcionamento do seu CITV), e por referência a valores insustentados, a Recorrente elaborou uma tese hipotética e sem qualquer evidência factual, com o único propósito de salvaguardar uma situação de aparente monopólio naquela região.
Não há uma “aparência do bom direito” ou fumus boni iuris, desde logo, porque não se perspetiva a elevada probabilidade de, em sede de acção principal, vir a Requerente a obter uma decisão de procedência da sua pretensão.
Mais, tendo ficado provado - como ficou - que não estava em causa qualquer incumprimento das obrigações assumidas pela aqui Recorrida e, bem assim, que o atraso verificado na emissão do alvará não lhe era imputável, o IMT estava, pelo menos ao abrigo das suas anteriores deliberações sobre a matéria, vinculado a decidir no sentido em que o fez.
[…]
Ora, o nosso ordenamento jurídico não tutela, e bem, o direito à “não concorrência”, pelo que o interesse manifestado pela Recorrente não seria sequer atendível para este efeito.
[…]
Porém, em momento algum, a ora Recorrente alega ou sequer demonstra através de evidências sérias os riscos que invoca; não alega nem logra provar qual o possível impacto económico que a abertura do CITV da Recorrida poderia causar; não contextualiza ou menciona, sequer, a verdadeira realidade económica do seu centro.
A Recorrente limitou-se, como notou o Tribunal a quo, a inventar um cenário hipotético e sem qualquer adesão à sua realidade, apenas com o intuito de aparentar um prejuízo iminente que não é capaz de sustentar factualmente.
Mais do que isso, a Recorrente pretendeu induzir o Tribunal a quo em erro, defendendo que a abertura “tardia” do CITV da Recorrida poderia (uma vez mais, em tese) colocar em crise a concorrência por força dos preços a praticar.
Como é sabido, os preços praticados pelos CITV são fixos e tabelados para todos os centros (cfr. o artigo 21.º da Lei n.º 11/2011, de 26 de abril), pelo que o seu argumento não procede: um maior número de CITV apenas tem a virtualidade de permitir maior escolha aos consumidores, promovendo a qualidade do serviço, para a realização de inspeções aos veículos que a lei impõe […]”.
[…]”
Fim da transcrição

Ora, não tendo o TAF do Porto, na Sentença proferida em sede cautelar, apreciado da verificação da ilegitimidade activa da Requerente, aqui ora Recorrente, porque assim então não foi identificado como questão a decidir, de todo o modo, tendo o pedido cautelar sido julgado improcedente e tendo a Requerente interposto recurso de Apelação, este TCA Norte veio a apreciar em torno da [não] ocorrência do fumus iuris e do periculum in mora, em termos que por si eram já substancialmente determinantes de um juízo em torno da ilegitimidade activa da Requerente.

Ou seja, já então era patente a evidência da falta de um interesse directo da aí Requerente em torno da deliberação suspendenda, e mais ainda, de um interesse legalmente protegido em torno da [não] abertura do CITV da Contra interessada [SCom02...], Ld.ª.

E neste sentido, em torno da apreciação e decisão dos termos e pressupostos em que se dá como verificada a ilegitimidade activa da Autora, por falta de interesse directo e pessoal, para aqui também extraímos jurisprudência do STA [na qual nos revemos inteiramente], fixada pelo seu Acórdão datado de 29 de outubro de 2009, proferido no recurso [de revista] n.º 01054/08, como segue:

Início da transcrição
“[...]
A questão que se nos coloca é, pois, como se vê, a de saber se a Autora (ora Recorrida) tem legitimidade para impugnar a (1) deliberação da CM de ... que reconheceu interesse público na construção do Centro Comercial aqui em causa e (2) o acto que o licenciou.
1. A legitimidade é, como se sabe, um pressuposto processual, isto é, uma condição cuja verificação é indispensável à obtenção da pronúncia do Tribunal sobre o mérito da causa.
O princípio geral relativo à sua aplicação na esfera administrativa encontra-se no art.º 9.º/1 do CPTA onde se lê que “sem prejuízo do disposto no número seguinte e do que no art.º 40.º e no âmbito da acção administrativa especial se estabelece neste código, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida”. O que, quer dizer que, por princípio, só se poderá apresentar a litigar em juízo quem alegue ser titular da relação jurídica administrativa donde emerge o conflito.
Todavia, esse princípio sofre adaptação quando está em causa a propositura de uma acção administrativa especial já que, neste caso, a lei não elege a titularidade da referida relação como critério de aferição da legitimidade activa visto se limitar a exigir que o autor alegue “ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos” (art.º 55.º/1/a) do CPTA). O que alarga a possibilidade daquele que não é titular da relação material controvertida poder propor uma acção deste tipo, para tanto lhe bastando alegar que é titular de um interesse directo e pessoal e de que este foi lesado, ainda que reflexamente, pelo acto que quer ver anulado. Sendo que o critério para se ajuizar da necessidade de tutela judicial é, precisamente, a utilidade ou vantagem que ele possa retirar da anulação contenciosa, atenta a sua intrínseca conexão com os efeitos imediatos do acto impugnado Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, in CPTA Anotado, pg. 55. Vd. também Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 3ª ed., pág. 93 e Acórdão do Pleno deste STA de 21/02/02, rec. 40.961.
O que nos permite, desde já, retirar duas importantes conclusões para a solução do presente caso: a primeira, a de que se pode recorrer a juízo sem se ser titular da relação jurídica administrativa donde emerge a lesão e, a segunda, a de que não basta a invocação de um qualquer direito ou interesse para, automaticamente, se ter legitimidade activa visto ser necessário que esse interesse seja directo e pessoal e, além disso, seja legítimo, isto é, tenha a cobertura do direito.
E, porque assim, e porque a titularidade de um interesse
directo e pessoal é fundamental para definir o conceito de legitimidade cumpre definir o que se deve entender por interesse directo e pessoal.
1. 1 E nesse labor importa adoptar critérios abrangentes não só porque o art. 268.º/4 da CRP garante a todos os interessados “a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”, mas também porque este Tribunal tem entendido que, ao nível dos pressupostos processuais e em homenagem aos princípios antiformalista e pro actione, a lei deve ser interpretada de modo a que se privilegie o acesso ao direito e a uma tutela judicial efectiva Vejam-se a propósito os Acórdãos de 2/6/99 (rec. 44.498), de 7/12/99 (rec. 45.014), de 15/12/99 (rec. 37.886), de 16/8/00 (rec. 46.518) e de 9/4/02 (rec. 48.200).. E, por isso, é de rejeitar uma interpretação restritiva do que se deve entender interesse directo e pessoal, já que isso poderia limitar o acesso à referida tutela, o que não significa que a mera invocação da violação de um direito ou interesse legalmente protegido baste para o autor ver reconhecida a sua legitimidade já que, não sendo a ilegalidade do acto critério para se aferir da legitimidade do autor, este só poderá ser declarado parte legítima quando alegue que o acto violador, para além de ilegal, é lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e que retira vantagens imediatas da sua anulação. Ou seja, e regressando ao texto legal, importa que o autor invoque a titularidade de um interesse directo e pessoal e não meramente longínquo, eventual ou hipotético Este já era o regime que se colhia no Cod. Administrativo e no RSTA (Vd. seus art.ºs 821.º/2 e 46.º/1, respectivamente). A única diferença que se pode apontar é a de que nestes se referia, expressamente, que o interesse para além de ter de ser directo e pessoal tinha de ser legítimo, o que agora não acontece, mas essa diferença é irrelevante já que não fará sentido conceder legitimidade a alguém que se apresente em juízo a peticionar o reconhecimento de um interesse sem cobertura legal e, portanto, ilegítimo.
Por fim – e para complemento do que se acaba de dizer - importa referir que a verificação da legitimidade deve ser reportada ao momento da propositura da acção visto que, enquanto pressuposto processual, ela tem de estar presente “quando a instância tem início, e não antes, em que a anulação contenciosa não passa de mera possibilidade que o administrado poderá ou não a vir a utilizar. Na medida em que a legitimidade relaciona o interesse da parte e o desfecho do processo, só a existência real e conjectural desse processo é susceptível de convocar a necessidade do preenchimento do requisito.” – Acórdão deste STA de 10/11/2004 (rec. 1576/03)
1. 2. Encontrando-nos no âmbito de uma acção impugnatória em que o interesse alegadamente atingido é de natureza individual, vejamos se os factos invocados pela Autora como justificativos da sua legitimidade podem ser reveladores da titularidade de um interesse directo e pessoal, questão nem sempre fácil de dilucidar pelas dúvidas e incertezas que, por vezes, suscita.
Com efeito, e muito embora seja pacífico que o interesse é directo “quando o benefício resultante da anulação do acto recorrido tiver repercussão imediata no interessado” e que é pessoal “quando a repercussão da anulação do acto recorrido se projectar na própria esfera jurídica do interessado” Prof. F Amaral, in Direito Administrativo, vol. IV, pg.s 170 e 171. e que, por isso, o carácter pessoal do interesse está relacionado com a utilidade ou vantagem que o autor retira da anulação do acto e que esse benefício tem de ser directo, isto é, tem de ter repercussão imediata na sua esfera jurídica, as dificuldades surgem quando se trata de aplicar tais conceitos ao caso concreto. E isto porque, como nota M. Aroso de Almeida, “o pressuposto da legitimidade não se confunde com o do interesse processual ou interesse em agir. Com efeito, pode não haver qualquer dúvida quanto à questão de saber se quem está em juízo é parte na relação material controvertida, tal como o Autor a configurou ..... e no entanto poder questionar-se a existência de uma necessidade efectiva de tutela judiciária e, portanto, de factos objectivos que tornem necessário o recurso à via judicial.” . Vd. ainda as considerações feitas na mesma Obra a fls. 37 e 38 e 57 a 61 e, entre outros, Acórdão do Pleno de 21/02/02, rec. 40.961. E, porque assim é, salienta o mesmo Autor, o interesse processual, sempre teve grande relevância no contencioso administrativo, maxime na impugnação dos actos administrativos, “designadamente para se aferir da actualidade dos interesses dos recorrentes particulares, em termos de saber se os recursos contenciosos eram interpostos contra actos administrativos eficazes, que infligissem lesões efectivas, que não apenas potenciais ou hipotéticas (interesse directo) e uma vez esgotadas as eventuais vias de impugnação administrativa necessária”. - Aroso de Almeida, “O Novo Regime do Processo Nos Tribunais Administrativos”, 2.ª ed., pg. 57, com sublinhado nosso Vd. Obra citada, a fls. 58. Vd. também F. Cadilha Dicionário de Contencioso Administrativo, pg. 297.
Podemos, pois, concluir que a indispensável e efectiva ligação entre o autor e o interesse cuja protecção reclama só garante a sua legitimidade quando, por um lado, ocorre uma situação de efectiva lesão que se repercute na sua esfera jurídica, causando-lhe directa e imediatamente prejuízos, e, por outro, quando daí decorre uma real necessidade de tutela judicial que justifique a utilização do meio impugnatório. Parte legítima é, assim, todo aquele que retire da anulação do acto impugnado um benefício concreto - patrimonial ou moral - não contrário à lei, que directa e imediatamente se reflecte na sua esfera jurídica pessoal. E, a contrario, que não gozam de legitimidade aqueles cujo interesse não é directo e imediato e, por isso, que a tutela requerida se traduz num benefício actual mas meramente hipotético e longínquo A este propósito podem ver-se M. de Andrade “Noções Elementares de processo Civil”, pg. 83 e 84., M. Caetano Manual de Direito Administrativo 10.ª ed., pg 1356 a 1361 e, entre muitos outros, os Acórdãos deste STA de 24/10/96, (rec. 40.500) de 22/6/99 (rec. 44.568), de 24/2/00 (rec. 40.961), de 18/5/00 (rec. 45894), de 11/1/01 (rec. 46.770), de 16/3/01 (rec. 40.961), de 25/9/01 (rec. 46.301), de 26/11/03 (rec. 46/02), de 3/03/04 (rec. 1.240/03) , de 16/06/2004 (rec. 953/03) e de 10/11/2004 (rec. 1576/03).
Assente que a legitimidade é uma condição de interposição de uma acção que deve ser aferida em função da titularidade dos interesses directos e pessoais emergentes da relação jurídica administrativa, tal como ela é configurada pelo autor, importa analisar se os interesses invocados pela Autora, ora Recorrida, foram, de facto, directa e pessoalmente lesados pelos actos impugnados, pois que só se tal acontecer é que se poderá dizer que ela é parte legítima nesta acção.
2. A Autora propôs a presente acção imputando aos actos impugnados - a deliberação da CM de ... que reconheceu interesse público na construção de um Centro Comercial naquele concelho e o despacho do Vereador daquela Câmara que o licenciou – os seguintes vícios: erro nos seus pressupostos de facto e de direito, desrespeito pelo Estatuto dos Eleitos Locais, desvio de poder e violação dos instrumentos de gestão territorial aplicáveis.
Os RR questionaram a legitimidade da Autora com o fundamento de que ela não havia invocado qualquer facto de onde pudesse perceber-se que tinha interesse pessoal e directo naquela impugnação, tendo ela respondido que a entrada em funcionamento daquele Centro abalaria seriamente a actividade dos estabelecimentos comerciais existentes na área, designadamente os de que era proprietária, tornando-os economicamente inviáveis, e que tal conduziria ao seu encerramento e ao consequente despedimento dos seus trabalhadores. Acrescentou, ainda, que o licenciamento impugnado significava a permissão de construção de um equipamento comercial numa zona industrial.
O que quer dizer que a Autora fundou a sua legitimidade nos reflexos que aquele acto licenciador tinha na sua esfera jurídica apelando para as incontornáveis dificuldades económicas que a concorrência acrescida, decorrente da entrada em funcionamento daquele Centro, lhe iria provocar e para a possibilidade delas porem em causa a sua sobrevivência económica. Ou seja, o bem jurídico que ela se apresentou a defender foi o interesse pessoal da sua própria sobrevivência, posta em causa pelo aparecimento de um novo concorrente de dimensão e poder económicos muito superiores aos seus.
Mas esse interesse não é suficientemente qualificado para lhe conferir legitimidade activa visto não ser directo e isto porque resultando os prejuízos alegados não do acto licenciador mas da concorrência acrescida que a instalação de uma nova superfície comercial irá trazer é forçoso concluir que não é aquele acto que irá causar os invocados prejuízos, ou seja, o interesse invocado pela Autora não é actual e imediato. Por outro lado, e ao contrário do que se sustenta no Acórdão recorrido, não se pode afirmar que os alegados prejuízos sejam certos visto nada garantir a sua inevitabilidade.
Aliás, os interesses prosseguidos pelas normas que a Recorrida crê violadas são alheios a questões de concorrência, logo é longínqua a relação entre o interesse invocado e a legalidade que ela pretende repor pelo que, também por este prisma, carece de interesse directo na anulação.
Finalmente, a actividade a que a Recorrida se dedica não está legalmente condicionada e, porque o não está, ela não pode questionar a liberdade de comércio e impedir a abertura de estabelecimentos que lhe façam concorrência.
Em suma: os interesses que a Autora pretende alcançar, muito embora possam vir a ser reflexamente atingidos pelos actos impugnados, não são directos por não se repercutirem de forma directa e imediata, e com efeitos lesivos, na sua esfera jurídica patrimonial. Tanto basta para se poder afirmar que
a mesma não legitimidade para propor a presente acção.
[...]“
Fim da transcrição

De resto, em situação em tudo similar aquela que foi objecto de recuso jurisdicional do referido Processo n.º 3182/19.4BEPRT, sobre o que recaiu Acórdão deste TCA Norte, datado de 15 de maio de 2020, já transitado em julgado, em que estava em apreço o licenciamento e entrada em funcionamento do mesmo CITV da [SCom02...], em ..., em 10 de setembro de 2020 foi proferido pelo TCA Sul Acórdão no Processo n.º 576/20.6BELSB-A [que de resto foi sinalizado pela Recorrida [SCom02...] sob a alínea A) das conclusões das Alegações de recurso], no qual, entre o mais, foi apreciada e decidida da (i)ilegitimidade activa da aí Requerente/Recorrente, sendo que os termos e os pressupostos em que a mesma fundou a causa de pedir e o respectivo pedido [que também visava a deliberação do Conselho Directivo do IMT, datada de 23 de julho de 2019] eram similares ao que estão agora em apreço nos presentes autos.

E neste sentido, em torno da decidida ilegitimidade activa da Autora, por falta de interesse directo e pessoal, para aqui também extraímos parte desse Acórdão do TCA Sul, já transitado em julgado, a cujo julgamento aderimos sem reservas [com as adaptações que mostrem necessárias, designadamente em sede da matéria de facto], a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito [cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil], como segue:

Início da transcrição
“[...]
No caso em apreço, a Recorrente insurge-se contra o(s) ato(s) suspendendo(s) invocando vícios formais e de violação de lei – cfr. § 4.º e 5.º das alegações de recurso - «do fumus boni iuris» - designadamente, a ocorrência da alegada caducidade do contrato de gestão e consequente impossibilidade de prorrogação de algo que já não estava em vigor – e que «(…) se a I...... pretendia voltar a celebrar um contrato de gestão com o IMT, cabia-lhe unicamente voltar a participar num procedimento previsto no artigo 6.° da Lei n.° 11/2011, de modo a providenciar a selecção da candidatura que obtivesse vencimento segundo os critérios previstos na lei - a sua ou a de qualquer outra candidata.
E tal assim era, recorde-se, porque, tal como sucede na formação da generalidade dos contratos públicos, o procedimento burocrático previsto na lei não corresponde a uma mera formalidade vazia; pelo contrário, destina-se a conferir oportunidades iguais, justas e não discriminatórias a todos os interessados em contratar.
A I...... obteve, em 2014, a selecção da sua candidatura porque a apresentou sob o pressuposto de que executaria o projecto que constaria do contrato de gestão no prazo de dois anos a partir da sua celebração.
Se não tivesse assumido esse compromisso, outra candidatura teria sido seleccionada.(…)» (cfr. ponto 63 das alegações de recurso).
A Recorrente não invoca que concorreu ao procedimento de 2014 e que, consequentemente, poderia ter sido a beneficiária da não assunção do compromisso pela Contrainteressada de que executaria o projeto que constaria do contrato de gestão no prazo de dois anos a partir da sua celebração, ou sequer o seu interesse em se candidatar ao novo procedimento que sugere, referindo-se sempre “outra candidata” como direta beneficiária – quanto ao procedimento de 2014 – ou potencial beneficiária – com a abertura de um novo procedimento, que sugere.
Ou seja, dúvidas não há que a Recorrente alega um proveito abstrato e genérico que decorre da mera reposição da legalidade, alegadamente, violada pelos atos em apreço. Mas voltaremos a esta questão.
Os danos e prejuízos invocados pela Recorrente em sede de periculum in mora, mas que para si consubstanciam o seu interesse direto e pessoal na demanda – não resultam, como vimos, da(s) ilegalidade(s) que imputa ao(s) ato(s) suspendendo(s)/impugnado(s), pois, mesmo que este(s) fosse(m) legal(ais), a Recorrente iria sofrer tais prejuízos da mesma forma, ao manter-se a localização do centro em ..., pois, sobre as ilegalidades imputadas a tal(ais) ato(s) a Recorrente não se retira, como vimos – tanto que não invocou -, que nenhum centro de inspeção ali possa funcionar, antes pelo contrário.
Os prejuízos invocados pela Recorrente são consequência do funcionamento de mais um centro de inspeção naquele local, quer os atos que o autorizam sejam legais ou ilegais - cfr. decorre da leitura das alegações de recurso e das respetivas conclusões, designadamente, dos pontos já identificados.
Assim, o que decorre dos autos é que a Recorrente assume nos autos uma defesa de pendor exclusivamente objetivo ou de estrita legalidade, pois que os prejuízos por si invocados – e dos quais se poderá inferir o seu interesse na demanda - não são consequência direta dos vícios imputados ao(s) ato(s) impugnado(s).
Ora, não sendo o contencioso administrativo de impugnação de atos um contencioso de mera legalidade – exceção feita à ação pública, como já referido – o interesse direto e pessoal na demanda, que se manifesta na lesão que se repercutirá na esfera jurídica do particular interessado, tem de se revelar como uma consequência direta dos vícios imputados ao(s) ato(s) impugnado(s) e não como consequência meramente eventual.
Não basta alegar que as normas ou os atos jurídicos são ilegais, sendo ainda necessário estabelecer, mesmo que sumariamente, um nexo causal entre essa ilegalidade, a lesão invocada pelo autor e a tutela reclamada para essa mesma lesão(4).
Não sendo possível estabelecer uma ligação direta entre as ilegalidades imputadas ao(s) ato(s) impugnado(s) e uma lesão da posição jurídica subjetiva da Recorrente, que, aliás, não foi invocada - a RECORRENTE não invoca que concorreu ao procedimento de 2014 e que, consequentemente, poderia ter sido a beneficiária da não assunção do compromisso pela Contrainteressada de que executaria o projeto que constaria do contrato de gestão no prazo de dois anos a partir da sua celebração, ou sequer o seu interesse em candidatar-se ao novo procedimento que sugere, referindo sempre “outra candidata” como direta beneficiária – quanto ao procedimento de 2014 – ou potencial beneficiária – com a abertura de um novo procedimento -, não sendo possível estabelecer uma relação de causalidade entre a ilegalidade de tal(ais) ato(s) e os prejuízos invocados, imperioso se torna concluir que a alegação da Recorrente é de pendor marcadamente objetivo e não subjetivo, razões pelas quais esta carece de legitimidade ativa na demanda em apreço.
Nestes termos e por todos os fundamentos expostos, por falta de legitimidade ativa, na medida em que não é titular de um interesse direto, deverá manter-se, embora com distinta fundamentação, a sentença recorrida, que absolveu da instância o Requerido, ora Recorrido, IMT, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas em sede de recurso.
[…]”
Fim da transcrição

Aqui renovando a linha jurisprudencial acima enunciada, por julgar este TCA Norte que a Autora se motiva unicamente por querer impedir o licenciamento, abertura e funcionamento do CITV da Contra interessada no mercado da inspecção periódica de veículos, em local que é territorialmente próximo daquele que é seu e tem em funcionamento, julgamos que a sua pretensão não consubstancia um interesse directo, com efectividade e relevância suficiente para que a Autora possa impugnar judicialmente um acto administrativo que não lhe é dirigido, não sendo indispensável o recurso à acção judicial para a salvaguarda daqueles que são os seus invocados direitos e interesses [da Autora], ou seja, por não carecer a Autora de tutela jurisdicional efectiva [Cfr. artigo 2.º do CPTA].

Efectivamente, a Autora não é titular de um interesse qualificado que lhe confira legitimidade activa, pois que o seu único fito se centra, a final, por via da sustentada ilegalidade da actuação do IMT, IP, em que seja impedido de abrir e manter-se em funcionamento, aberto ao público, o CITAV da Contra interessada, o que não configura um interesse legalmente protegido.

Apesar do disposto do artigo 9.º do CPTA, não tem a Autora, todavia, para efeitos do disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea a) do CPTA, um interesse directo e tão pouco um interesse legalmente protegido, para o qual careça da concessão de tutela jurisdicional efectiva, pois que mesmo na eventualidade de ser conhecido do mérito do seu pedido, sempre a Autora ora Recorrente não congrega a virtualidade, e de deforma manifesta, de lhe ser legítimo por legalmente devido, retirar qualquer benefício económico com repercussão na sua esfera jurídica patrimonial, e que seja digna de tutela judicial, seja porque já fosse detentora desse direito, seja porque o pode vir a adquirir por força de uma decisão judicial que apreciasse o bem fundado do mérito da sua pretensão impugnatória.

A invocada concorrência que o CITV-Ovar da Contra interessada, mais não é, a final, do que um incómodo resultante do regular funcionamento do mercado, por ter sido decidido pela entidade administrativa materialmente competente, ser necessária a instalação de um CITV em ..., e a tanto não pode a Autora ora Recorrente opor-se, nem tão pouco a título de eventual defesa da concreta legalidade.

Julgamos assim que o Tribunal a quo julgou com acerto em torno da constatada ilegitimidade activa da Autora sendo que a solução jurídica a que aí se chegou e que aqui reiteramos, não é colocada em causa pela Recorrente nas conclusões das Alegações do recurso de Apelação ora em apreço.

Termos em que, a pretensão recursiva do Recorrente tem assim de improceder na sua totalidade, por não padecer a Sentença recorrente do erro de julgamento que lhe vem por si apontado, mais concretamente por não lhe assistir razão ao defender [a Recorrente] que o Tribunal a quo violou os artigos 9.º e 55.º do CPTA, assim como o princípio da tutela jurisdicional efectiva, e que errou o Tribunal a quo quando decidiu pela ocorrência da sua ilegitimidade activa.

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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:





Descritores: Legitimidade activa; Impugnação de acto administrativo; Interesse directo; Interesse pessoal; Tutela jurisdicional efectiva.

1 - Dispondo o artigo 9.º, n.º 1 do CPTA, em suma, que o Autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida, norma esta que encerra o princípio geral relativo à legitimidade, só pode recorrer a Tribunal em busca de tutela jurisdicional, em regra, quem alegue ser titular da relação jurídica administrativa donde emerge o conflito.

2 - Quando esteja em causa a propositura de uma acção cujo objecto seja a impugnação de acto administrativo, aquele princípio geral sofre adaptação pois que a legitimidade activa não depende para esse efeito da titularidade da referida relação jurídica controvertida, na medida em que o artigo 55.º, n.º 1, alínea a) do CPTA, se limita a dispor que o Autor deve ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.

3 - A legitimidade activa do demandante ocorre quando, por um lado, estamos perante uma situação de efectiva lesão que se repercute na sua esfera jurídica, causando-lhe directa e imediatamente prejuízos, e por outro, quando daí decorre uma real necessidade de tutela judicial que justifique a utilização do meio impugnatório, isto é, quando o interesse para que reclama protecção é directo e pessoal.

4 - Apesar do disposto do artigo 9.º do CPTA, não tem a Autora, todavia, para efeitos do disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea a) do CPTA, um interesse directo e tão pouco um interesse legalmente protegido, para o qual careça da concessão de tutela jurisdicional efectiva, pois que mesmo na eventualidade de ser conhecido do mérito do seu pedido, sempre a Autora ora Recorrente não congrega a virtualidade, e de forma manifesta, de lhe ser legítimo por legalmente devido, retirar qualquer benefício económico com repercussão na sua esfera jurídica patrimonial, e que seja digno de tutela judicial, seja porque já fosse detentora desse direito/interesse, seja porque o pode vir a adquirir por força de uma decisão judicial que apreciasse o bem fundado do mérito da sua pretensão impugnatória.

5 - Os Tribunais Administrativos não têm de assegurar a quem a eles recorra, a obtenção de uma decisão de mérito em todos e cada um dos processos que sejam intentados pelos interessados quando esteja em causa o que entendam ser necessário à defesa do que perspectivam ser os seus direitos e interesses legalmente protegidos, quando, precisamente, mesmo não sendo parte na relação material controvertida, não demonstram ser titulares de um interesse directo e pessoal, a que se reporta o artigo 55.º, n.º 1, alínea a) do CPTA.

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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pela Autora, [SCom01...], Ld.ª, mantendo a Sentença recorrida.


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Custas a cargo da Recorrente – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.




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Porto, 14 de julho de 2023.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Antero Salvador
Helena Ribeiro