Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00285/23.4BEMDL-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/12/2024
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:LEVANTAMENTO DO EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO;
ARTIGO 103º, Nº. 4 DO CPTA;
Sumário:
I – Conforme ditado pelo artigo 103º - A do C.P.T.A., o que está em causa não é ponderar valores ou interesses em si, mas danos ou prejuízos, que numa prognose relativa às circunstâncias do caso concreto, resultariam do levantamento ou não do efeito suspensivo dos efeitos do ato impugnado.

II- Perante a inexistência de prejuízos para a Autora - que não os invocou, limitando-se a caracterizar eventuais ilegalidades concursais tendentes a produzir prejuízos que apenas se verificariam na esfera pública - e carecidos de melhor densificação e demonstração em sede de marcha principal dos autos -, nenhuma ponderação criteriosa pode conduzir à conclusão que o interesse privado prevalece sobre o demais, de forma a justificar a manutenção do efeito suspensivo automático do presente procedimento concursal.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:

* *

I – RELATÓRIO

1. A [SCom01...], LDA, Autora nos autos de CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL em que é Entidade Demandada o MUNÍCIPIO ..., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da decisão judicial do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, editada em 25.09.2023, que julgou procedente o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático dos atos impugnados.

2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

1. A sentença recorrida padece de erro quanto ao juízo e valoração dos elementos de prova que constam dos autos, que deveriam ter servido para dar como provados factos necessários à manutenção do efeito suspensivo;

2. À semelhança da prova que o Tribunal a quo extraiu dos documentos que integram o processo administrativo, também os documentos infra identificados, devem, por identidade de razão, serem considerados prova bastante para demonstração dos factos que a Recorrente alegou na sua resposta, e que constituem factos essenciais para o bom julgamento do presente incidente.

3. Assim devem ser ADITADOS À MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA, com base na documentação junta pela Recorrente, e do processo administrativo junto pela Recorrida (meios de prova que não foram impugnados e que serviram para dar como provados os factos que constam da matéria de facto da sentença recorrida) os seguintes FACTOS:

15. De acordo com os documentos de habilitação que a empresa [SCom02...] entregou através da plataforma VORTAL (DOCUMENTOS JUNTOS A FLS. 1238 A 1355 DO SITAF com o requerimento com a refª. ...63 e igualmente juntos de forma desordenada como o PA), para os LOTES ..., ..., ..., ..., ..., ..., ...2, ...9, ...1, ...3 e ...6 verifica-se que, conforme os legais representantes da empresa declararam e porque os veículos com que se propõe executar os serviços possuem matrícula espanhola, no termo do prazo para entrega dos documentos de habilitação os veículos não se encontravam licenciados para o transporte de crianças (cf. artigo 5.° da Lei 13/2006 e Portaria 1350/2006);

16. Com base nesses mesmos documentos e também de acordo com a declaração que foi emitida pelos legais representantes da adjudicatária, nessa mesma data, a empresa não possuía motoristas que pudesse identificar e com os quais pretende assegurar a condução dos autocarros, estando a adjudicatária, segundo afirma, a “subrogar” motoristas de entre empresas concorrentes do setor e a, de entre esses motoristas, a selecionar os melhores motoristas para realizar o transporte escolar.

17. No termo do prazo de apresentação dos documentos de habilitação, nem do seu prazo adicional a Contrainteressada [SCom02...] não identificou no procedimento um único motorista portador da necessária licença para a condução dos veículos e para o transporte coletivo de crianças (cf. artigo 6.° da Lei 13/2006);

18. Consequentemente, como resulta do P.A. a [SCom02...] também não comprovou a idoneidade dos motoristas com que pretende executar tais serviços (cf. artigo 7.° da Lei 13/2006);

19. Todos os veículos identificados pela [SCom02...] não são da sua propriedade e apenas o veículo com a matrícula ..-..-GL apresenta certificado de aprovação em inspeção técnica extraordinária para o licenciamento do transporte de crianças, não juntando a empresa qualquer documento comprovativo de uma exploração conjunta ou de um acordo de cedência de veículos;

20. À empresa [SCom03...] foram adjudicados os Lotes ..., ...0, ...1, ...4, ...5, ...6, ...8, ...4, ...7, ...8 e ...9 (seja, um total de onze lotes), mas os documentos de habilitação que esta entregou através da plataforma VORTAL ( DOCUMENTOS juntos na plataforma SITAF A FLS. 824 A 892 e ss. do PA e a fls. 1360 a 1462 da oposição da Recorrente) também não permitem a celebração dos contratos, pois, apesar de serem apresentadas apólices de seguros de responsabilidade civil para onze veículos identificados com as matrículas ..-UJ-.., ..-..- RB, ..-..-SH, ..-..-JX, ..-IH-.., ..-VB-.., ..-LZ-.., ..-VB-.., ..-..-NQ, ..-HC-.. e ..- ..-EP:

a. Para o veículo com a matrícula ..-UJ-.. não é junta licença para transporte coletivo de crianças e para o veículo com a matrícula ..-..-EP a licença para transporte coletivo de crianças em automóvel ligeiro já está caducada;

b. Para o veículo com a matrícula ..-VB-.. a licença para o transporte coletivo de crianças em automóvel ligeiro caducará em 20.09.2023;

c. É junta uma licença para transporte coletivo de crianças em automóvel ligeiro para o veículo com a matrícula ..-HC-.. que já se encontra caducada e que não possui qualquer documento comprovativo do respetivo seguro;

d. São identificados apenas 8 (oito) motoristas para executar a prestação de serviços em 11 Lotes;

21. Quanto à Adjudicatária [SCom04...], classificada em primeiro lugar nos Lotes ... e ..., os documentos de habilitação (DOCUMENTOS juntos no SITAF de fls. 1425 a 1459) não cumprem com o previsto no artigo 6.° do Programa do Procedimento, pois não apresentou motorista habilitado com a licença para transporte coletivo

22. Para os autocarros que a [SCom04...] identifica como sendo aqueles com que se propõe executar a prestação de serviços, a empresa junta comprovativo do respetivo seguro para o veículo com a matrícula ..-..-SD cuja licença para o transporte coletivo de crianças expirou no dia 06.09.2023;

23. A [SCom04...] apresenta licença para o transporte coletivo de crianças para o autocarro com a matrícula ..-..-AH, mas não junta documento comprovativo do respetivo seguro;

24. A [SCom04...] junta uma declaração de seguro para o veículo com a matrícula ..-FN-.., mas não junta qualquer licença ou outro documento que permita concluir se se trata ou não de um autocarro (veículo pesado para transporte de pessoas);

25. A [SCom04...] não junta o título comprovativo da propriedade dos veículos.

4. A sentença recorrida incorre em erro quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de Direito (erro de julgamento) quando, na interpretação do artigo 103°-A do CPTA, determina que entre o interesse público em assegurar o transporte escolar das crianças (e o seu próprio direito ao ensino) e os interesses económicos da Recorrida, deve o primeiro primar sobre o segundo e daí o levantamento do efeito suspensivo automático da ação.

5. A análise efetuada pelo Tribunal a quo enferma do erro que, na interpretação e aplicação do disposto no n.° 2 in fine e do n.° 4 ambos do artigo 103.°-A do CPTA, os “interesses envolvidos” ou os “interesses suscetíveis de serem lesados” são necessariamente, de um lado, o interesse público e, de outro lado, um interesse particular de natureza económico-financeira.

6. O que a Recorrente defende no presente incidente é a própria legalidade do concurso público, salientando que as Contrainteressadas não comprovam documentalmente (como as regras do concurso lhes impõem) preencherem requisitos que o legislador fixa como sendo requisitos essenciais/obrigatórios para poderem efetuar o transporte rodoviário escolar de crianças.

7. E tais exigências legislativas têm uma razão de ser: a própria segurança e integridade física e moral das crianças que é, em si mesmo, um interesse público e que, nas circunstâncias concretas, estando já a ser assegurado o transporte das crianças, deve ser considerado preponderante.

8. O que foi solicitado ao Tribunal a quo foi um juízo de proporcionalidade e ponderação entre o transporte escolar como meio de assegurar o direito de acesso ao ensino e à aprendizagem (e que, no início do ano escolar já estava a ser assegurado), e o interesse de que esse transporte escolar a efetuar cumpra com as regras legislativas que visam conferir segurança ao transporte escolar de crianças, preservando a integridade física e moral destas, o que, face à matéria de facto que deve ser aditada, não se mostra assegurado.

9. Pelo que, neste juízo de ponderação é para nós manifesto, que estando assegurado o transporte escolar, deverá na falta de cumprimento por parte das Contrainteressadas dos requisitos previstos no caderno de encargos e na Lei 13/2006, manter-se o efeito suspensivo automático atribuído à presente ação por via do disposto no n.° 1 do artigo 103º-A do CPTA (…)”.


*
3. Notificado que foi para o efeito, o Recorrido produziu contra-alegações, que rematou da seguinte forma: “(…)

A. A prova que a Recorrente pretende extrair dos documentos juntos aos autos não têm qualquer relevância em termos do decretado levantamento do efeito suspensivo automático em causa.

B. No incidente do levantamento não estão em apreciação das questões relacionadas com eventuais ilegalidades, que possam levar à procedência da acção de impugnação, mas apenas a ponderação dos interesses identificados no nº 4 do art. 103-A do CPTA.

C. Deve-se indeferir o requerido aditamento à matéria de facto dada como provada.

D. O eventual facto de os concorrentes não estarem legalmente habilitados para realizar o transporte escolar não significa que não estejam em condições de o fazer com segurança.

E. O direito ao ensino e à educação sobreleva o direito a um procedimento concursal conforme com as exigências legais que, na ótica da Recorrente teria sido violado, e de que o tribunal a final conhecerá no processo “principal” de contencioso pré-contratual.

F. Não existe, também, qualquer erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação do art. 103-A do CPTA na sentença recorrida (…)”.


*


*

4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

*

5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não exerceu a competência prevista no nº.1 do artigo 146º do CPTA.

*

6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

* *

II - QUESTÃO PRÉVIA

7. Existe uma questão prévia ao julgamento recursivo que tem que ver a admissibilidade dos documentos juntos pela Recorrente após a interposição do recurso jurisdicional.

8. Nos termos do disposto nº.1 do artigo 651º do CPC que “1. As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância.”.

9. Conforme ressuma grandemente do que se vem transcrever, a junção de documentos em sede de recurso apenas é possível com as alegações - e não já em momento posterior - e apenas nos casos de (i) impossibilidade objetiva ou subjetiva de apresentação de determinados documentos até aquele momento ou nos casos (ii) em que tal junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª Instância.

10. Cientes do que vem de expor, e volvendo ao caso concreto, cabe notar que o escrutínio da marcha processual é inequívoco na afirmação de que a Recorrente deduziu o presente recurso jurisdicional no passado dia 17.10.2023, que rematou nos termos e com alcance explicitados no ponto I) do presente aresto.

11. É também perentório no reconhecimento que a Recorrente, por requerimento autónomo atravessado nos autos no dia 26.10.2023, formulou um pedido de junção às suas alegações de recurso de dois [2] documentos, justificando tal atuação com base na força probatória de tais documentos relativamente à matéria constante das conclusões 2) e 3) das alegações de recurso, onde vem equacionada a bondade de julgamento de facto operado na decisão judicial recorrida.

12. Pese embora a motivação invocada pela Recorrente acobertar-se no campo de previsão legal da segunda situação excecional de admissibilidade de junção de documentos em sede de recurso, não pudemos deixar de atender ao citado artigo 651º, nº 1, nos termos do qual, a apresentação de documentos é limitada àquele momento processual, isto é, às alegações de recurso.

13. De facto, e quanto a esta temática, ressalte-se o expendido no Acórdão do S.T.J. de 12.09.2019 [processo n.º 1238/14.9TVLSB.L1.S2], consultável em www.dgsi.pt: “(…)

Como resulta do que dispõe o art. 651º, nº1 do CPC[1], a junção de documentos, em fase de recurso, apenas é consentida com as alegações.

Trata-se, aliás, de um mecanismo de utilização excecional, pois pressupõe a verificação das situações previstas no art. 425º ou que a apresentação do documento se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.

No caso em análise, a junção de novo documento teve lugar, não com o oferecimento das alegações, mas em requerimento posteriormente apresentado pelos recorrentes destinado à retificação de escrita cometidos naquela peça processual.

Conscientes de que aquela norma não dá cobertura à sua pretensão, acolhem-se ao disposto no nº 1 do art. 6º, que impõe ao juiz o dever de uma gestão processual que imprima celeridade à tramitação, recusando o que for impertinente ou dilatório e adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a obtenção, em prazo razoável, da justa composição do litígio.

Pretende-se, pois, obter uma tramitação expedita dentro dos mecanismos previstos na lei, e não a realização de atos não permitidos por lei, como seria a aceitação da prática de ato processual fora do prazo perentório a que está sujeito.

Seria ato não permitido a admissão de documento apresentado depois do prazo legal; sendo a junção de documento possível apenas com a apresentação da alegação de recurso, isso envolve a existência de um prazo perentório, já que se não prevê a possibilidade da sua prorrogação – cfr. art. 141º, nº 1 (…)”.

14. Reiterando esta linha jurisprudencial, entendemos ser forçosa a conclusão de que, em face da aquisição processual da ultrapassagem do prazo legal previsto, não assiste à Apelante o direito de juntar aos autos os documentos pretendidos, impondo-se o desentranhamento dos mesmos, o que se determina expressamente.

15. Custas pela Recorrente, com taxa de justiça de 2 [duas] UC´s.


* *

III – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

16. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

17. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a decisão judicial recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em (i) inadequada apreciação da matéria de facto, bem como em (ii) erro de julgamento de direito.

18. É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


* *

IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

* *


19. A Autora, aqui Recorrente, intentou a presente ação administrativa de contencioso pré-contratual contra a Entidade Demandada, aqui Recorrida, tendo formulado o seguinte petitório: “(…) Termos em que, e nos melhores de Direito, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência, serem:

a) anulados os atos de admissão das propostas apresentadas pela Contrainteressada [SCom02...], Lda. quanto aos Lotes ..., ..., ..., ..., ...9, ...1, ...3, ...6,

b) e, em consequência, sejam anulados os correspondentes atos de adjudicação proferidos quanto a estes lotes;

c) anulados os atos de admissão das propostas apresentadas pela Contrainteressada [SCom04...] quanto ao Lotes ... e ...

d) e, em consequência, sejam anulados os correspondentes atos de adjudicação proferidos quanto a estes lotes;

e) anulados os atos de admissão das propostas apresentadas pela Contrainteressada [SCom03...] quanto ao Lotes ..., ...0, ...1, ...4, ...5, ...6, ...8, ...4, ...7, ...8 e ...9

f) e, em consequência, sejam anulados os correspondentes atos de adjudicação proferidos quanto a estes lotes;

g) sejam anulados os contratos que, em consequência dos atos de adjudicação referidos b), d) e f) tenham, entretanto e eventualmente, sido celebrados com as Contrainteressadas;

h) Condenar o Réu a excluir as propostas apresentadas pelas Contrainteressadas e que se encontram referidas em a), c) e e) deste pedido;

i) Condenado o Réu a adjudicar à Autora e nos termos das propostas por esta apresentadas, os Lotes ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ...0, ...1, ...4, ...5, ...6, ...8, ...9, ...1, ...3, ...4, ...6, ...7, ...8, ...9 tudo no âmbito do concurso público internacional n.º 07/UCP/2023, lançado pelo Réu, na qualidade de Entidade Adjudicante, para a prestação de serviços de transporte terrestre de alunos em circuitos especiais, na área do Concelho ..., para o ano letivo de 2023/2024, publicado sob o Aviso n.º 9225/2023, na Parte L do diário da república 2ª série, n.º 107, de 02 de julho de 2023, tendo sido retificado pelo Aviso de prorrogação de prazo n.º 1257/2023, igualmente publicado no diário da república 2ª série, n.º 111, de 09 de junho, com a consequente condenação à celebração dos contratos de prestação de prestação de serviços (…)”.

20. No decurso do pleito, veio a Entidade Demandada suscitar o incidente de levantamento do efeitos suspensivos automáticos dos atos de adjudicação impugnados na presente ação, ao que respondeu a Autora nos termos e com o alcance explicitados a fls. 1238 e seguintes dos autos principal [suporte digital].

21. Em 25.09.2023, o Tribunal a quo promanou decisão judicial a julgar procedente o incidente suscitado nos autos, tendo determinado “(…) o levantamento do efeito suspensivo automático dos atos impugnados (…)”.

22. A ponderação de direito que estribou o apontado levantamento judicial do efeito suspensivo foi, sobretudo, a seguinte: “(…)

Neste caso, está em causa um procedimento pré-contratual para a aquisição de serviços de transporte escolar, já que cabe aos municípios, em particular ao seu órgão executivo assegurar, organizar e gerir os transportes escolares, incluindo elaborar e aprovar o plano de transporte escolar [cfr. artigos 23°, n° 1, al. c) e 33°, n° 1, al. gg) do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado pela Lei n° 75/2013, de 12 de setembro, bem como artigo 17° e ss. do Decreto-Lei 21/19, de 30 de janeiro].

Ora, como é óbvio, a competência em questão tem forte ligação à satisfação dos direitos fundamentais à educação e ao ensino da população escolar concelhia, tal como os mesmos são definidos pelos artigos 73° e 74° da Constituição da República Portuguesa (CRP), uma vez que as crianças e jovens dependem, em muitos casos, do transporte escolar para poder aceder aos estabelecimentos de ensino, em função da distância entre o seu local de residência e estes últimos, bem como da ausência de uma rede alternativa de transportes que ligue ambos os pontos.

Assim sendo, a organização e funcionamento da rede de transportes escolares mostra-se fulcral para a realização do interesse público municipal (e até nacional), corporizado na formação e qualificação das crianças e jovens residentes no concelho, assegurando a igualdade de oportunidades àqueles que moram em locais mais afastados dos estabelecimentos de ensino.

Do outro lado está o interesse económico da Autora em realizar a prestação de serviços colocada a concurso e à qual concorreu, mediante a contrapartida remuneratória correspondente à proposta por si apresentada para cada um dos lotes a concurso.

No entanto, aceitando que esse interesse se possa medir pelo valor de 200,00€/dia para o total de circuitos especiais impugnados, como admite a própria Requerente, trata-se de um valor que será sempre ressarcível por esta, na hipótese de procedência da presente ação e que, no confronto com o interesse público acima aludido, deve ceder a prevalência a este último, dada a sua enorme relevância, como flui do acima exposto.

Aliás, não obsta a tanto o facto de a Requerente ter lançado mão, entretanto, de um procedimento de ajuste direto para assegurar, até ao final do corrente ano, o transporte escolar dos alunos concelhios, quer porque essa solução é manifestamente provisória, não sendo certo que o presente processo chegue até lá ao seu termo, com o trânsito em julgado da respetiva sentença, quer porque validar outro entendimento seria abrir a porta para que se contornasse as normas legais que exigem a realização de concurso público para este tipo de procedimento pré-contratual, atendendo aos valores envolvidos (cfr. artigos 18° e 20° do CCP).

De facto, a razão de ser das normas legais que exigem a realização de concurso público para a contratualização deste tipo de serviço é a defesa dos princípios que regem a contratação pública, nomeadamente os princípios da concorrência, da transparência e da prossecução do interesse público (cfr. artigo 1°-A, n° 1 do CCP).

Em abono do entendimento aqui firmado, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30/04/2020, proferido no Proc. n° 01832/19.1BEBRG-S1 e disponível em www.dgsi.pt, sustenta o seguinte, versando caso análogo,:

“Revertendo ao caso em discussão, está em causa garantir o transporte escolar de um conjunto de 28 alunos para acederem á Escola.

Sobre o Estado recai a incumbência que lhe está constitucionalmente cometida de garantir a todos a concretização do direito ao ensino, designadamente, o acesso ao ensino básico universal, obrigatório e gratuito (vide artigo 74.° da CRP). O acesso universal e gratuito ao ensino básico é um direito constitucionalmente garantido e representa uma das mais importantes e emblemáticas atribuições do Estado Social.

O acesso á educação é absolutamente crucial à qualificação dos recursos humanos de um país e traduz o maior investimento que se pode realizar para formar cidadãos capazes.

Ora, os prejuízos decorrentes da não acessibilidade do conjunto de 28 alunos à escola não são comparáveis aos prejuízos, ainda que graves, que possam advir para a autora do levantamento do efeito suspensivo. É que, por banda da Autora, estão em causa prejuízos de índole estritamente económica, ao passo que por banda do Apelante está em causa a sua obrigação de garantir transporte escolar a um conjunto de alunos para que possam aceder ao ensino, interesse público que não pode ceder ante os interesses económicos da Apelada, uma vez que os prejuízos decorrentes da falta de transporte escolar contendem com o direito constitucional de acesso ao ensino básico.

Conforme se refere em Acórdãos deste TCAN, de 20.12.2019, processo 01846/19.1BEPRT- S1 e de 30.11.2017, processo 19/17.2BEVIS-A, citados pelo Apelante, o seu interesse em prosseguir as atribuições de fornecer de forma adequada um serviço público e o próprio interesse dos cidadãos em acederem a esse serviço público terá que prevalecer sobre qualquer interesse económico da Autora.

E quanto ao recurso ao ajuste direto para colmatar a falta de transporte dos 28 alunos à Escola, adiantada como possibilidade para evitar a falta de transporte para aqueles alunos, na linha da jurisprudência firmada pelo Acórdão deste TCAN, de 15/09/2017, proferido no processo 00320/17.5BEPRT-A. e como argui o Apelante « não é ónus da entidade demandada alegar e demonstrar a impossibilidade de poder lançar mão de “alternativos” “mecanismos de contratação urgente durante o período em que se mantém o efeito suspensivo automático:... a possibilidade de recurso aos mecanismos de contratação alternativa não relevam para a decisão a tomar no âmbito do incidente do pedido de levantamento suspensivo automático pois a permanência ou o levantamento do efeito suspensivo automático faz-se por referência ao contrato correspondente; pois, se fosse exigível a alegação e a prova da impossibilidade de uma contratação alternativa, abrir-se-ia a possibilidade de também esta vir a ser questionada e suspensa, implicando a necessidade de outra - e assim “ad infinitum”.»

(...).

3.7.Relativamente à não demonstração por parte do Apelante dos prejuízos que resultariam da falta de transporte escolar para aqueles alunos que seriam privados desse transporte, assim entendido na decisão recorrida, concordamos com o Apelante quando invoca que tais prejuízos traduzem um facto notório, na medida em que são factos notórios os factos que são do conhecimento geral ( artigo 412.°, n.°1 do CPC), ou seja, os factos conhecidos pelo juiz quando colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessidade de recorrer a operações lógicas nem a juízos presuntivos. Cfr. Alberto dos Reis, CPC Ant., 3.° Vol, pág. 259;

São assim factos notórios aqueles que sejam do conhecimento geral, ou seja, os que sejam do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação. Cfr. Acs. do STJ, de 01.07.04, proc. 04B2285 e de 23.02.05, proc. ......, sumários, fev./2005;

Dir-se-á que o transporte escolar conforme é do conhecimento geral se destina a propiciar às crianças e adolescentes transporte dos locais de residência para a Escola e vice-versa e, bem assim, que esses transportes são facultados pelas autarquias locais nos termos definidos na lei.

Mais é do conhecimento geral que caso não seja disponibilizado transporte escolar pela Apelante às crianças e adolescentes que residam na área do respetivo concelho, parte desses estudantes ficarão impedidos de ir á escola atenta a sua idade e a distância que intercede entre as respetivas residências e a Escola e os que conseguirem só o lograrão fazer com sacrifício, tendo de percorrer a pé distâncias consideráveis ou então com recurso a meios de transporte alternativos, designadamente, dos pais nem sempre disponíveis ou com prejuízo para os pais que, ou se verão impossibilitados de exercer a sua atividade profissional ou, caso não exerçam e disponham de transporte próprio, com custos acrescidos.

É notório que o impedimento daí decorrente para uma parte dos alunos de frequentar a escola e de outra parte o poder fazer apenas mediante sacrifícios acrescidos dos próprios e do seu agregado familiar, acaba por interferir na aprendizagem dos alunos e bem assim no seu bem-estar físico e psíquico bem como dos respetivos agregados familiares.

Os prejuízos associados a tais situações são factos notórios que nos termos do disposto no art.° 412.°, n.° 2 do CC não carecem de alegação, sequer de prova. Por conseguinte, o Apelante contrariamente ao que subjaz ao entendimento sufragado pela 1.a instância não se encontrava obrigado a provar as consequências adversas que resultariam para os estudantes e respetivos agregados familiares decorrentes de ficarem privados do transporte escolar que este lhes faculta.

Essas consequências nefastas e notórias que decorrem para as crianças e jovens estudantes e seus agregados familiares contendem com os direitos daqueles ao ensino e a uma formação plena e integral e sobrepõe-se aos interesses económicos da Apelada os quais, aliás, caso tenham sido postergados são suscetíveis de obter satisfação, designadamente em sede indemnizatória. Trata-se de interesses que não ficarão irremediavelmente prejudicados ao contrário do direito dos estudantes ao ensino e á aprendizagem, os quais uma vez sofridos já ninguém lhos poderá retirar.

Há uma indiscutível supremacia do interesse público a acautelar com o levantamento do efeito suspensivo automático em relação ao interesse que a apelada pretende ver assegurado com a manutenção do efeito suspensivo automático”.

Da jurisprudência citada retira-se, além do mais, que o referido procedimento de ajuste direto posterior à propositura da presente ação não pode nem deve ser tomado em consideração para efeitos de apreciação dos pressupostos do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, já que “a permanência ou o levantamento do efeito suspensivo automático faz-se por referência ao contrato correspondente”.

Por último, não cabe, no âmbito deste incidente, apreciar a regularidade dos documentos de habilitação apresentados pelas adjudicatárias, já que essa problemática se coloca a jusante dos atos de adjudicação (cfr. artigo 81° e ss. do CCP), cuja impugnação constitui o objeto da presente ação, e extravasa o âmbito do presente incidente, enxertando uma nova ação no mesmo ou, pelo menos, antecipando para este um juízo próprio da causa principal.

Na verdade, “num procedimento de concurso público, os documentos de habilitação do adjudicatário - ou de subcontratados, de cujas habilitações aquele se pretenda socorrer salvo em caso de diferente exigência constante das peças do procedimento ou de solicitação da Entidade Adjudicante, só têm de ser apresentados em momento seguinte à adjudicação, e não no momento da apresentação da proposta; o mesmo ocorrendo com as declarações de compromisso por parte de eventuais subcontratados (arts. 77° n° 2 a) e 81° do CCP e 2° da Portaria n° 372/2017, de 14/12)’ - (cfr. Ac. 18/11/2021, Proc. n° 0452/20.2BEALM, www.dgsi.pt).

Ora, “a caducidade de uma adjudicação não opera automaticamente, “ope legis”, tendo de resultar de uma decisão da entidade adjudicante no sentido da imputabilidade das suas causas ao adjudicatário, tomada após prévia audiência deste (art. 86° do CCP)’ (cfr. acórdão citado).

Deste modo, só depois de completada essa fase procedimental se poderá apreciar se a decisão de contratar enferma ou não de alguma causa de invalidade.

Assim sendo, a questão da eventual irregularidade dos documentos de habilitação não contende com a verificação dos pressupostos do presente incidente, não obstando à decisão de levantamento do efeito suspensivo automático (…)”.

23. Dissente a Recorrente do assim decidido, invocando “(…) erro quanto ao juízo e valoração dos elementos de prova que constam dos autos, que deveriam ter servido para dar como provados factos necessários à manutenção do efeito suspensivo (…)”.

24. Efetivamente, clama a Recorrente que subsiste factualidade relevante - melhor evidenciada no ponto 3) das conclusões de recurso e relacionada com o eventual incumprimento da legislação em matéria de transporte coletivo de crianças por parte dos concorrentes - para a boa decisão da causa que deveria ter sido oportunamente vertida no probatório coligido nos autos, o que não veio a suceder.

25. Também invoca a Recorrente que o interesse por si defendido não é um qualquer interesse de natureza económica, mas antes “(…) a própria legalidade do concurso público, salientando que as Contrainteressadas não comprovam documentalmente (como as regras do concurso lhes impõem) preencherem requisitos que o legislador fixa como sendo requisitos essenciais/obrigatórios para poderem efetuar o transporte rodoviário escolar de crianças (…)”.

26. Razão pela qual considera que o Tribunal a quo, ao identificar o “interesse particular” a ser lesado como sendo de natureza económico-financeira, e, nesse esteira, estabelecer o juízo de ponderação e proporcionalidade previsto no nº. 4 do artigo 103º-A do CPTA, incorreu em “(…) erro quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de Direito (…)”.

27. Vejamos, sublinhando, desde já, que dois esteios argumentativos que se vêm de elencar invocados, não obstante de natureza diversa, conexionam-se, pelo que serão objeto de análise conjunta.

28. Assim, e entrando no conhecimento dos mesmos, importa que se comece por sublinhar que, nos termos da normação vertida no nº. 4 do artigo 103º- A do C.P.T.A., “ (…) o efeito suspensivo é levantado quando, devidamente ponderados todos os interesses públicos e privados em presença, os prejuízos que resultariam da sua manutenção se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento (…)”.

29. Na interpretação desta normação, deve-se, necessariamente, proceder à clarificação dos conceitos indeterminados contidos na sua estatuição.

30. Assim, impera ressaltar que o interesse público é definido como o “(…) interesse coletivo, o interesse geral de uma determinada comunidade, é o bem comum (…)” [aresto do S.T.A.,de 01.02.2001, tirado no processo nº. 039384], incumbindo a prossecução e/ou a defesa deste ao Estado [latu sensu].

31. Já o “interesse privado” define-se como o interesse relacionado com objetivos individuais ou de empresas, maxime, o lucro, cuja defesa, como o próprio nome indica, compete aos próprios privados.

32. É da ponderação judicial da justaposição destes dois tipos de interesses que a lei faz depender o levantamento [ou não] do efeito suspensivo automático dos atos impugnados, bastando que os danos que decorrem para o interesse público [Entidade Pública] sejam superiores àqueles que podem advir para o interesse privado [Autora].

33. Munidos deste considerandos de enquadramento, e debruçando-nos sobre a sentença recorrida, verificamos que o Tribunal a quo relacionou o “interesse público” atingido com o procedimento concursal [para a aquisição de serviços de transporte escolar] visado nos autos com a satisfação “(…) dos direitos fundamentais à educação e ao ensino da população escolar concelhia, tal como os mesmos são definidos pelos artigos 73º e 74º da Constituição da República Portuguesa (CRP), uma vez que as crianças e jovens dependem, em muitos casos, do transporte escolar para poder aceder aos estabelecimentos de ensino, em função da distância entre o seu local de residência e estes últimos, bem como da ausência de uma rede alternativa de transportes que ligue ambos os pontos (…)”.

34. Observamos ainda que, quanto ao “interesse privado” em confronto, o Tribunal a quo integrou-o no domínio do “(…) interesse económico da Autora em realizar a prestação de serviços colocada a concurso e à qual concorreu, mediante a contrapartida remuneratória correspondente à proposta por si apresentada para cada um dos lotes a concurso (…)”.

35. Face a este “caixilho”, e assumindo, por um lado, que o efeito suspensivo determina a impossibilidade de prestação de serviços de transporte escolar com início no ano de 2024, e, por outro, que o interesse económico da Autora - cifrado no eventual prejuízo de € 200,00/dia - era facilmente ressarcível na hipótese da procedência a ação principal, efetuou uma majoração acrescida do “interesse público” face ao “interesse privado”, que justificou a levantamento do efeito suspensivo automático dos atos impugnados.

36. Adiante-se, desde já, que não temos nada a objetar ao assim decidido.

37. Realmente, escrutinados os fundamentos nos quais a Autora, e aqui Recorrente, sustenta o levantamento do efeito suspensivo automático - melhor explicitados a fls. 118 dos autos digitais -, constata-se que esta não invoca qualquer prejuízo pessoal que para si advenha com a manutenção daquele efeito, limitando-se a invocar o incumprimento da legislação em matéria de transporte coletivo de crianças por parte de alguns dos concorrentes, com isso, procurando demonstrar o prejuízo para o interesse público.

38. Ora, ao não invocar qualquer prejuízo pessoal, a Autora hipoteca todas as hipóteses do Tribunal proceder a um juízo de prognose que permita concluir, in casu, pela prevalência do interesse privado sobre o demais de forma a justificar o levantamento do efeito suspensivo automático do presente procedimento concursal.

39. Para obviar a tal situação, o Tribunal a quo - certamente, fazendo uso de uma atuação pro actione -, integrou o interesse da Autora na campo do “benefício económico” emergente da adjudicação concursal, tendo, a partir daí, efetuado a ponderação que já é conhecida, e que desembocou no levantamento do efeito suspensivo dos atos impugnados.

40. A Recorrente pretende conduzir em discussão no seu recurso o entendimento de que o Tribunal a quo errou ao assim decidir, pois não foi o dano económico que invocou, mas antes o “(…) interesse de que esse transporte escolar a efetuar cumpra com as regras legislativas que visam conferir segurança ao transporte escolar de crianças, preservando a integridade física e moral destas (…)”.

41. Ainda que se admita a certeza da alegação recursiva, temos, para nós, que os termos em que a Recorrente desenvolve a mesma são incapazes de fulminar a sentença recorrida com o imputado erro de julgamento de direito.

42. Na verdade, a possibilidade de uma entidade privada invocar outro interesse para além do dano económico esgota-se no campo dos objetivos prosseguidos por tal entidade, aqui destacando-se a proteção de propriedade privada, o ganho de benefícios fiscais e adopção de certas políticas e diretrizes publicas [lobby].

43. Ora, esse não é o caso dos autos.

44. Realmente, o interesse traduzido no desejo de cumprimento da legislação em matéria de transporte escolar em nada tem que ver com o escopo das entidades privadas, sendo antes integrável no domínio da condução das políticas públicas de promoção do ensino e de segurança e condução rodoviária, ou seja, no campo de interesse público.

45. Como é sabido, é às “entidades públicas” que cabe prosseguir e promover a defesa do interesse público, não podendo os privados arrogar-se em tais atribuições e competências, ademais e especialmente, com vista a justificar a manutenção de um “status quo” que só a eles aproveita.

46. Admitir o contrário, seria admitir a perversão da liturgia processual gizada para o contencioso pré-contratual, em particular para o incidente de levantamento do efeito suspensivo, com prejuízo para a comunidade em geral.

47. Adicionalmente, cumpre salientar que o objeto confesso” do incidente em análise é a ponderação de danos ou prejuízos, que, numa prognose relativa às circunstâncias do caso concreto, resultariam do levantamento ou não do efeito suspensivo dos efeitos dos atos impugnados.

48. Certo é que não é o apuramento da legalidade ou ilegalidade concursal [que aparenta ser aqui o verdadeiro propósito da Recorrente], pelo que devem os fundamentos de facto e de direito relativamente à eventual ilegalidade da actuação da Administração supra aduzidos, na medida em implicam exegese e cognição plena, de facto e de direito, constituir matéria da marcha principal dos autos e nele ser conhecidos.

49. Tudo isto para concluir que a alegação em torno do eventual incumprimento da legislação em matéria de transporte coletivo de crianças como forma de caraterização do “interesse privado” não assume qualquer relevância para o “esquema das coisas” previsto no nº. 4 do artigo 103º-A do C.P.T.A.

50. Neste enquadramento, isto é, perante a inexistência de prejuízos para a Autora – que não os invocou, limitando-se a caracterizar eventuais ilegalidades concursais tendentes a produzir prejuízos que apenas se verificariam na esfera pública – e carecidos de melhor densificação e demonstração em sede de marcha principal dos autos -, nenhuma ponderação criteriosa pode conduzir à conclusão que o interesse privado prevalece sobre o demais, de forma a justificar a manutenção do efeito suspensivo automático do presente procedimento concursal.

51. E este julgamento tem repercussão nos demais vetores sustentadores do recurso em análise.

52. Efetivamente, a falência da argumentação da Recorrente em torno do “(…) erro quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de Direito (…)” transporta-nos para evidência da inocuidade e insuficiência do tecido fáctico pretendido aditar de per se, conjugados um com o outro, ou conjuntamente com os demais provados – para alterar a decisão da causa.

53. E nesta impossibilidade de “apropriação” da alegação da Recorrente com recurso ao aditamento do quadro fáctico pretendido reside o “punctum saliens” distintivo da falta de préstimo à boa decisão de causa.

54. Assim deriva, naturalmente, que se não antolha a existência de qualquer fio condutor lógico jurídico que justifique o aditamento da materialidade invocada pela Recorrente ao probatório reunido nos autos.

55. Concludentemente, improcedem as todas conclusões de recurso em análise.

56. Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a decisão judicial recorrida.

57. Ao que se provirá no dispositivo.


* *


V – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, confirmando-se a decisão judicial recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Registe e Notifique-se.


* *

Porto, 12 de janeiro de 2023,


Ricardo de Oliveira e Sousa

Luís Migueis Garcia em substituição

Helena Maria Mesquita Ribeiro