Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00887/23.9BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/11/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rosário Pais
Descritores:RAC;
PENHORA; VALOR DA CAUSA;
INCONSTITUCIONALIDADE;
Sumário:
I – Nos termos da alínea e), do nº 1, do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no contencioso associado à execução fiscal, o valor atendível para efeito, designadamente, de recurso, correspondente ao montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, exceto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior.

II - A alçada dos tribunais tributários de 1ª instância é de €5.000,00 para os processos iniciados a partir de 1 de janeiro de 2015.

III - A Constituição da República Portuguesa prevê expressamente os tribunais de recurso, por isso, o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.

IV - Não existe um ilimitado direito de recorrer de todas as decisões jurisdicionais, nem se pode, consequentemente, afirmar que a garantia da via judiciária, ou seja, o direito de acesso aos tribunais, envolva sempre, necessariamente, o direito a um duplo grau de jurisdição (com exceção do processo penal).

V - A inadmissibilidade de recurso, em determinadas situações previstas legalmente, não afronta o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa nem o direito de acesso à tutela jurisdicional efetiva, já que a Constituição não impõe a existência de um segundo grau de jurisdição.
VI - Pese embora o Recorrente não concretize os termos em que a norma da al. e), do nº 1, do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, infringe o direito consagrado no artigo 62º da CRP, não vemos em que medida tal violação possa ocorrer, pois a fixação do valor da causa em montante inferior ao da alçada do Tribunal recorrido não obsta à existência do direito de propriedade sobre a fração penhorada, nem à sua transmissão e, seguramente, não implica a privação arbitrária de tal direito
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. «AA», devidamente identificado nos autos, vem recorrer da sentença proferida em 12.10.2023 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual foi julgada improcedente a reclamação judicial do ato de penhora, realizada no âmbito do processo de execução fiscal nº ...01 e apensos, do imóvel inscrito sob o artigo urbano n.º ...95 - fração autónoma ... da União de Freguesias ... (... e ...) e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ...08 ....

1.2. O Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«20. De tudo quanto antecede, lícito é extrair os seguintes pontos conclusivos:
i) A Sentença aplica na fixação do valor da causa uma norma inconstitucional, pelo que, nessa medida, resulta nula;
ii) Essa norma é a da al. e) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT,
iii) e o valor a fixar em definitivo à causa será o de €.53.341,21;
iv) A Sentença é outrossim nula, por omissão de pronúncia quanto ao principal pedido formulado na reclamação ajuizada: o decretamento da suspensão da instância no presente processo,
v) pelo que deverá ser revogada e superiormente suprida a nulidade apontada.

Fundados termos por que, fazendo no caso, como sói, sã e inteira justiça, o Alto Tribunal Administrativo ad quem:
A) Revogará a Sentença recorrida,
B) de contínuo fixará à causa o valor de €.53.341,21,
C) subsequentemente decretando a suspensão da instância até decisão final no processo principal,
D) com todos os devidos legais efeitos,
tudo conforme vai expressamente REQUERIDO.».

1.3. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.4. O DMMP junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer no sentido de que «deverá, confirmando-se o valor sentencialmente atribuído à causa, negar-se provimento ao interposto recurso (não se tomando conhecimento da nele invocada nulidade, por inadmissibilidade legal do mesmo).».
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Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 36º, nº 2, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se, na fixação do valor da causa, a sentença aplicou uma norma inconstitucional, se tal valor deve ser fixado em €53.341,21 e se ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«3.1. Com interesse para a decisão a proferir, julgam-se provados os seguintes factos:
1. Contra «BB», NIF ...77, foram instaurados e correm termos pelo Serviço de Finanças ..., os seguintes processos de execução fiscal:
1.1. n.º ...01 e apensos (n.º ...94, n.º ...33, n.º ...............301, n.º ...34, n.º ...48, n.º ...28, n.º ...06;
1.2. n.º ...82 e apensos (n.º ...51, n.º ...29);
1.3. n.º ...04; (cfr. fls. 18/59 do SITAF).
2. Os processos de execução fiscal m.i. no ponto anterior dizem respeito a dívidas de IMI dos anos de 2012, 2013, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021. - cfr. fls. 18/59 do SITAF.
3. A executada faleceu em 10.01.2010. - cfr. informação do Serviço de Finanças a fls. 14/17 do SITAF.
4. Em 17.11.2022, foi o herdeiro «AA», aqui reclamante, citado nos termos e para os efeitos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 155.º do C.P.P.T. - cfr. fls. 11/12 do SITAF, cujo teor se tem por reproduzido.
5. No âmbito dos processos de execução fiscal m.i. no ponto 1., em 15.02.2023, foi efetuada a penhora da fração autónoma designada pela letra ..., do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua ...., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...08 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...95 - fração autónoma ..., da União de Freguesias ... (... e ...) e .... - cfr. auto de penhora a fls. 10 do SITAF.
6. Pelo ofício n.º ...29, de 15.03.2023, remetido por carta registada com aviso de receção, foi o aqui reclamante notificado da penhora a que alude o ponto que antecede. - cfr. fls. 11 do SITAF, cujo teor se tem por reproduzido.
7. O aviso de receção que acompanhou a notificação a que alude o ponto que antecede foi assinado em 27.03.2023. - cfr. fls. 18 e ss. do SITAF.
8. Em 06.04.2023, foi remetida para o Serviço de Finanças, via correio eletrónico, a petição inicial que deu origem aos presentes autos. - cfr. fls. 3/13 do SITAF.
9. Após análise da petição, o Serviço de Finanças, deu razão ao reclamante relativamente ao alegado nas alíneas i), ii) e iii) das conclusões, determinando a correção da citação nos termos do artigo 155.º do C.P.P.T. - cfr. informação do Serviço de Finanças a fls. 14/17 do SITAF.
10. Pelo ofício n.º ...95, de 12.04.2023, foi remetida nova citação nos termos do artigo 155.º do C.P.P.T., com o seguinte teor: [imagem no documento original]
11. A citação a que alude o ponto que antecede anulou a citação referida no ponto 4. - cfr. fls. 65/66 do SITAF.
12. Em 20.04.2023, o Serviço de Finanças enviou ao aqui reclamante um email através do qual o informa que lhe foi dada razão relativamente ao alegado nas alíneas i), ii) e iii), do capítulo “III - CONCLUSÃO. O PEDIDO RECLAMATÓRIO” e notifica para, em 10 dias, informar o Serviço se pretende que a reclamação seja enviada para Tribunal. - cfr. fls. 66 do SITAF.
13. O reclamante nada veio dizer. - cfr. informação do Serviço de Finanças a fls. 14/17 do SITAF.
14. Pelo ofício do Tribunal com a referência "......400”, de 09.06.2023, o Tribunal notificou o reclamante para se, face à nova citação, pretendia o prosseguimento dos autos. - cfr. fls. 74 do SITAF.
15. Por requerimento de 23.06.2023, veio o aqui reclamante dizer que pretende o prosseguimento dos autos. - cfr. fls. 77 do SITAF.
16. Corre termos neste Tribunal sob o n.º 1682/22.8BEBRG, uma ação administrativa na qual é autor o aqui reclamante e réu o Estado Português e na qual o autor peticiona seja o réu condenado a pagar a “importância devida a título de indemnização por danos materiais e morais, a ser liquidade a final, depois de proferida sentença de condenação genérica (…).”. - consulta do processo n.º 1682/22.8BEBRG no SITAF.
17. No processo referido no ponto que antecede ainda não proferida decisão. - consulta do processo n.º 1682/22.8BEBRG no SITAF.
3.2. Factos não provados:
Para além dos referidos supra, não foram provados outros factos com relevância para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto dada como provada:
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou do exame crítico dos documentos e informações constantes dos autos e dos processos de execução fiscal, os quais não foram impugnados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.».

3.2. DE DIREITO
O Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal a quo, por entender, em síntese resumida, que o valor da ação foi fixado com base numa norma inconstitucional, a do artigo 97º-A, nº 1, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, por ser flagrante o contraste entre este preceito normativo e quer o do artigo 302º, nº 1, do CPC, que estabelece que se a ação tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, «o valor desta determina o valor da causa», quer o da al. d) do artigo 33º do CPTA, dispondo que quando estejam em causa atos ablativos da propriedade ou de outros direitos reais, «o valor da causa é determinado pelo valor do direito sacrificado». Conclui, por isso, que a invocada norma do CPPT avulta como materialmente inconstitucional por ofensa aos princípios jusfundamentais da tutela jurisdicional efetiva e do direito constitucional à propriedade privada.
O princípio da tutela jurisdicional efetiva é um direito fundamental previsto na Constituição da República Portuguesa (CRP) que implica, em primeiro lugar, o direito de acesso aos tribunais para defesa de direitos individuais, não podendo as normas que modelam este acesso obstaculizá-lo ao ponto de o tornar impossível ou dificultá-lo de forma não objetivamente exigível.
Este princípio implica, ainda, que o tribunal que julgue a causa seja independente (artigo 203º e 216º da CRP), que a sua competência esteja previamente definida - princípio do juiz natural (artigo 32º, nº 9 da CRP) -, não podendo ainda a justiça ser denegada por motivos económicos (artigo 20º, nº 1, 2ª parte da CRP).
O princípio da tutela jurisdicional efetiva pressupõe também que as partes no processo possuam um arsenal de poderes processuais que lhes permita influir na decisão final da lide, poderes em relação aos quais o legislador ordinário possui uma razoável dose de discricionariedade de atribuição, tendo este, em qualquer caso, de mover-se na órbita do direito a um processo equitativo (artigo 20º, nº 4 da CRP), e no respeito pelo princípio do contraditório (artigo 32º, nº 5, in fine, consagrado a propósito do processo penal, embora extensivo, por paridade de razões, a todas as formas de processo).
O princípio da tutela jurisdicional efetiva implica, por fim, que a sentença emanada pelo tribunal competente obtenha plena concretização, satisfazendo cabalmente os interesses materiais de quem obteve vencimento, nomeadamente que a decisão tenha sido tomada em prazo razoável (artigo 20º, nº 4 da CRP), que seja respeitado o caso julgado (artigo 282º, nº 3 da CRP) e que a sentença seja efetivamente executada (artigo 205º, nº 3 da CRP).
Se bem compreendemos a alegação do Recorrente, este invoca o princípio em questão na primeira das referidas vertentes, ou seja, no sentido de que a mencionada norma da alínea e), do nº 1, do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ao implicar, no caso, a fixação do valor da causa em montante inferior ao da alçada dos Tribunais de 1ª instância, obstaculiza a defesa do seu direito individual, ao ponto de o tornar impossível ou dificultá-lo de forma não objetivamente exigível.
No entanto, não se nos afigura que assim seja.
Conforme se refere no acórdão deste TCAN de 08-02-2018, proferido no processo nº 00504/16.3BEPNF, disponível para consulta em http://www.gde.mj.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/800499a44e14f4a0802582830033907d?OpenDocument, relatado pela 1ª Adjunta do presente processo: «(…) o direito ao duplo grau de jurisdição não se traduz no atropelo da lei, ou seja na ultrapassagem das normas que regulam esse direito.
«A jurisprudência do Tribunal Constitucional já, por várias vezes, afirmou que em matéria de direito ao recurso jurisdicional, não resulta da Constituição, em termos genéricos, nenhuma garantia do duplo grau de jurisdição e que tal direito não faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, expressamente consagrado no artigo 20.º da Constituição» (cfr. os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 239/97, 510/2003, 44/2008, 339/2011 e 396/14 todos in www.tribconstitucional.pt, e, bem assim Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª edição, nota XXI ao artigo 20.º, pp. 449 a 452, e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4.ª edição revista, nota XIV ao artigo 20.º, p. 418).
Como ficou sublinhado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 396/14, de 07.05.2014, «o direito que o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição a todos assegura de “acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos” consiste no “direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade)”. Da previsão constitucional decorre ainda que a tutela jurisdicional dos direitos e interesses legalmente protegidos deve ser efetuada “mediante processo equitativo” e cujos procedimentos possibilitem uma “decisão em prazo razoável” e sejam “caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos” (n.ºs 4 e 5 do referido artigo 20.º da CRP).
A exigência de um duplo grau de jurisdição apenas está expressamente consagrada no âmbito do processo penal e relativamente a decisões condenatórias ou que afetem a liberdade do arguido (artigo 32.º, n.º 1, da CRP). Para além disso, esse direito é considerado por alguma doutrina e jurisprudência, embora com fundamentação não inteiramente coincidente, como inerente à proteção contra decisões jurisdicionais que imponham restrições a direitos, liberdades e garantias pessoais.
Fora desses domínios específicos, o legislador ordinário goza de ampla margem de conformação do direito ao recurso, podendo regular diversamente a possibilidade e o modo de impugnação das decisões jurisdicionais».

No fundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem reafirmado que não existe um ilimitado direito de recorrer de todas as decisões jurisdicionais, nem se pode, consequentemente, afirmar que a garantia da via judiciária, ou seja, o direito de acesso aos tribunais, envolva sempre, necessariamente, o direito a um duplo grau de jurisdição (com excepção do processo penal) – vide Ac. 510/2003, de 28.10.2003 (Diário da República II Série, de 6.1.2004).
Neste mesmo sentido tem sido a posição tomada pelo Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão, como decorre dos Acórdãos da Secção de Contencioso Administrativo proferidos nos processos n.º 1960/03 e n.º 603/09 e ainda do Acórdão da Secção de Contencioso Tributário de 11/07/2012, proferido no recurso n.º 509/12 (recurso de revista excepcional).
Concluindo, a não admissibilidade do recurso, in casu, não afronta o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa nem o direito de acesso à tutela jurisdicional efectiva, já que a Constituição não impõe a existência de um segundo grau de jurisdição.
Como tem sido afirmado pelo Tribunal Constitucional, a nossa Lei Fundamental não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo/tributário, nem em processo civil, pelo que o legislador apenas não pode suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer. Como se pode ler no seu acórdão n.º 36/2009, de 20/01/2009, «(...) relativamente ao direito de acesso aos tribunais, constitui reiterado entendimento deste Tribunal o de que do artigo 20.º, n.º 1, da CRP não decorre um direito geral a um duplo grau de jurisdição (…)
Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (cf. os citados Acórdãos nºs 31/87 e 65/88, e ainda n.º 178/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 12.º, p. 569); sobre o direito à tutela jurisdicional, ainda Acórdãos n.º 359/86 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8.º, p. 605), n.º 24/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11.º, p. 525) e n.º 450/89 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 13.º, p. 1307).»».
A norma em questão não viola, portanto, o princípio da tutela jurisdicional efetiva.
Por sua vez, a norma do artigo 62º da nossa Constituição, que regula o “Direito de propriedade privada”, «refere explicitamente o direito à propriedade e o direito à sua transmissão em vida ou por morte (nº 1), contendo ainda uma garantia de permanência: o direito à não privação arbitrária do direito de propriedade de que se é titular (nº 2). Nesta última garantia se manifesta claramente a tutela do direito de propriedade, enquanto tutela do “adquirido” – direito já pressuposto pela consagração da liberdade de transmissão e verdadeiro eixo central do “radical subjectivo” (a expressão é do Acórdão n.º 421/2009) presente na garantia constitucional da propriedade.» - cfr. Joaquim de Sousa Ribeiro, “O DIREITO DE PROPRIEDADE NA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL”, disponível para consulta em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/conteudo/files/textos/textos0202_trilateral2009.pdf.
Pese embora o Recorrente não concretize os termos em que a referida norma da al. e) do nº 1, do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, infringe o direito consagrado no artigo 62º da CRP, não vemos em que medida tal violação possa ocorrer, pois a fixação do valor da causa em montante inferior ao da alçada do Tribunal recorrido não obsta à existência do direito de propriedade sobre a fração penhorada, nem à sua transmissão e, seguramente, não implica a privação arbitrária de tal direito.
Daqui se infere que a norma do Código de Procedimento e de Processo Tributário em causa não enferma da inconstitucionalidade invocada pelo Recorrente, nem vislumbramos que ofenda qualquer outra norma ou princípio constitucionais.
A presente reclamação visa o ato de penhora da fração autónoma de prédio urbano, pelo que o valor da causa deve ser fixado, nos termos da alínea e), do nº 1, do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no correspondente ao montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, exceto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior. Constatando-se que o valor da dívida exequenda (1.948,18€) é inferior ao valor do imóvel penhorado (53.341,21€), o valor da causa fixado naquele primeiro montante afigura-se correto.
Assim, não pode ser atendido o recurso na parte referente ao valor da causa e, por consequência, é o mesmo inadmissível quanto à parte restante.
Com efeito, nos termos do artigo 280º, nº 2 do CPPT, “O recurso das decisões que, em primeiro grau de jurisdição, tenham conhecido do mérito da causa é admitido nos processos de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, quando a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se somente, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, ao valor da causa”.
No caso, o valor da causa fixado na sentença e igualmente a sucumbência para o oponente/recorrente cifra-se no mesmo montante, ou seja, € 1.948,18.
Ou seja, o valor deste processo encontra-se definitivamente fixado em € 1.948,18, sendo que a alçada dos Tribunais tributários de 1ª instância, inicialmente fixada em ¼ da alçada dos tribunais judiciais de 1ª instância, foi alterada, pela Lei nº 82-B/2014, de 31 de dezembro, passando a ter valor correspondente à alçada dos tribunais judiciais de 1ª instância, ou seja, de 5.000€.
Esta alteração produziu efeitos desde 1 de janeiro de 2015 e o facto de não ter tido reflexo no artigo 6º, nº 2, do ETAF não interfere com a vigência e aplicabilidade da mencionada alteração, porquanto, nos termos do estatuído no artigo 7º, nº 2 do CC, a lei posterior revoga a anterior não só quando expressamente o declara, como, ainda, como é o caso em análise, seja com ela incompatível.
Nos termos do nº 6, do artigo 6º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), a admissibilidade dos recursos, por efeito das alçadas, é regulada pela lei em vigor à data em que seja instaurada a ação – cfr., com a mesma redação, o artigo 44º, nº 3 da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26 de agosto).
Dispunha, por sua vez, o artigo 280º, nº 4, do CPPT, na redação original, que «Não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar um quarto das alçadas fixadas para os tribunais judiciais de 1.ª instância.».
Este artigo foi alterado pela Lei nº 118/2019, de 17/09, passando, o seu nº 2, a ter a seguinte redação: «O recurso das decisões que, em primeiro grau de jurisdição, tenham conhecido do mérito da causa é admitido nos processos de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, quando a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se somente, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, ao valor da causa.».
Por força do artigo 13º da Lei nº 118/2019, «1 - As alterações efetuadas pela presente lei ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/99, de 26 de outubro, na sua redação atual, são imediatamente aplicáveis, com as seguintes exceções: (…).».
Deste modo, ao recurso da sentença proferida nestes autos, é aplicável o nº 2 do artigo 280º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na sua redação atual, uma vez que este processo, por ter sido instaurado após 1 de janeiro de 2012, não está abrangido por qualquer das exceções previstas na alínea c), do nº 1, do artigo 13º deste último diploma legal.
Nesta conformidade, o recurso interposto pelo Recorrente apenas seria admissível se o valor da causa ultrapassasse 5.000,00€, o que, de acordo com o valor fixado a este processo, não sucede.

*
Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I – Nos termos da alínea e), do nº 1, do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no contencioso associado à execução fiscal, o valor atendível para efeito, designadamente, de recurso, correspondente ao montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, exceto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior.
II - A alçada dos tribunais tributários de 1ª instância é de €5.000,00 para os processos iniciados a partir de 1 de janeiro de 2015.
III - A Constituição da República Portuguesa prevê expressamente os tribunais de recurso, por isso, o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.
IV - Não existe um ilimitado direito de recorrer de todas as decisões jurisdicionais, nem se pode, consequentemente, afirmar que a garantia da via judiciária, ou seja, o direito de acesso aos tribunais, envolva sempre, necessariamente, o direito a um duplo grau de jurisdição (com exceção do processo penal).
V - A inadmissibilidade de recurso, em determinadas situações previstas legalmente, não afronta o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa nem o direito de acesso à tutela jurisdicional efetiva, já que a Constituição não impõe a existência de um segundo grau de jurisdição.
VI - Pese embora o Recorrente não concretize os termos em que a norma da al. e), do nº 1, do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, infringe o direito consagrado no artigo 62º da CRP, não vemos em que medida tal violação possa ocorrer, pois a fixação do valor da causa em montante inferior ao da alçada do Tribunal recorrido não obsta à existência do direito de propriedade sobre a fração penhorada, nem à sua transmissão e, seguramente, não implica a privação arbitrária de tal direito.

5. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, na parte referente ao valor da ação, e não conhecer do mesmo, na parte restante.

Custas a cargo do Recorrente, que aqui sai vencido, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Porto, 11 de janeiro de 2024

Maria do Rosário Pais – Relatora
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio – 1ª Adjunta
Cláudia Almeida – 2ª Adjunta