Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00235/13.6BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/30/2023
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:CONTRATO DE EMPREITADA; CONSÓRCIO;
LISTICONSÓRCIO NECESSÁRIO ATIVO; DESACORDO DE LITISCONSORTE;
PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO;
Sumário:
1-O litisconsórcio necessário, previsto no artigo 33.º do CPC pressupõe a exigência, derivada da lei ou de negócio jurídico, de todos os interessados serem parte na ação, constituindo a falta de um deles motivo de ilegitimidade ad causam. Nos termos do n.º 2 desse preceito legal há ainda litisconsórcio necessário quando a natureza da relação jurídica o exige para que a decisão judicial a obter produza o seu efeito útil normal. E a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.

2-No contrato de consórcio externo, quanto ao objeto desse contrato, intercede entre os consorciados uma relação de litisconsórcio necessário.

3- A existência de divergências quanto à pretensão formulada por um ou mais litisconsortes em relação aos pedidos deduzidos numa ação relativa a alegados incumprimentos de um contrato de empreitada, em que do lado ativo se verifica a existência de uma relação litisconsorcial, não é impedimento a que ação prossiga os seus legais termos, para aferir da procedência ou improcedência dos pedidos formulados na ação, uma vez que, a confissão, desistência ou transação por banda de um dos litisconsortes não pode relevar a não ser para efeitos de custas.

4- Diferente posição, traduzir-se-ia numa negação do direito da autora consorciada de fazer valer em tribunal um direito a que se arroga, amarrando-a de forma intolerável a uma vontade ( da outra consorciada) que não é a sua, levando a que não pudesse ver apreciada pelos tribunais uma pretensão em relação à qual se acha com direito.

5- Salvo os casos excecionais previstos na lei, em que é possível o recurso à ação direta, o direito de acesso aos tribunais implica a possibilidade de os cidadãos e as empresas poderem lançar mão de meios que assegurem a tutela judicial das suas pretensões.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Norte:

I.RELATÓRIO

1.1.[SCom01...], Lda. (atualmente, “Massa Insolvente da [SCom01...], Lda.”), melhor identificada nos autos, intentou, na qualidade de chefe do Consórcio “[SCom02...], Lda./[SCom01...], Lda.”, a presente ação administrativa comum sob a forma ordinária, contra o [SCom03...], IPSS, com sede na Rua ..., em ... de Viriato, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe:
«a) O valor de trabalhos contratados executados, titulados pela fatura 2011021, no montante de 211.177,99€, acrescido de juros à taxa comercial desde a data de vencimento da fatura;
b) O valor de trabalhos a mais, titulados pela fatura 2011022, no montante de 405.158,13€, acrescido de juros à taxa comercial desde a data de vencimento da fatura;
c) O valor da garantia inicial e dos valores retidos nas faturas, no montante global de 228.399,02€, acrescida de juros à taxa comercial desde a data de vencimento da fatura;
d) Indemnização a título de lucros cessantes no montante de 212.204,10€, acrescida de juros à taxa comercial desde a citação até integral pagamento;
e) Indemnização pelos prejuízos causados no montante de 300.000,00€, acrescida de juros à taxa comercial desde a citação até integral pagamento.”
Alega, para tanto, em síntese, que no âmbito da sua atividade de engenharia e construção civil, a ré a convidou a candidatar-se à construção de uma creche, lar de idosos e serviço de apoio domiciliário que iria levar a cabo;
Com a vista a apresentar uma proposta para a execução da empreitada que o réu iria lançar, outorgou um contrato de Consórcio com a sociedade “[SCom02...], Lda.”, tendo-se estabelecido na cláusula 6.ª do mesmo contrato de consórcio, que a chefia do consórcio ficou a pertencer-lhe, tendo-lhe também ficado atribuída a direção administrativa e jurídica do mesmo consórcio;
A proposta para a empreitada da ré e com o referido objeto foi apresentada pelo Consórcio “[SCom02...], Lda./[SCom01...], Lda.” e aceite pelo réu, tendo o respetivo contrato de empreitada denominado “Contrato Administrativo de Construção de Creche, Lar de Idosos e Serviço de Apoio Domiciliário”, sido outorgado ao mesmo consórcio, em 30 de abril de 2009;
A referida empreitada foi adjudicada pelo preço global de € 2.417.279,74, a que acresceria o IVA à taxa legal, e o prazo de execução previsto foi de vinte meses ou seiscentos dias, incluindo sábados, domingos e feriados, com o seu início na data do auto de consignação, que se verificou em 30 de abril de 2009, tendo o seu terminus em 30 de dezembro de 2010;
No decurso da execução da obra surgiram diversas situações, alheias à vontade do consórcio, o que motivou que tivesse pedido prorrogações do prazo para a conclusão da obra, as quais foram sempre aceites pelo réu;
Em junho de 2011, decorrente de uma providência cautelar de destituição de gerente e contra o gerente da autora, «AA», este renunciou à gerência da autora, sendo que o mesmo gerente era também Diretor Técnico da empreitada em causa e, assim, apesar da oposição da autora e chefe do consórcio, o réu não aceitou haver alteração do referido Diretor Técnico da empreitada, passando o mesmo réu a ter um comportamento diferente ou contrário ao até aí adotado para com o empreiteiro, nomeadamente começando a faltar ao pagamento das faturas emitidas respeitantes a trabalhos executados, enumerando esses trabalhos e respetivas faturas;
Até à renúncia do referido diretor técnico efetuou pagamentos de faturas que ainda nem sequer estavam vencidas, mas após a renúncia daquele gerente, nem sequer na data de vencimento, o réu procedeu ao pagamento dos respetivos valores devidos;
Mais, o Réu até procedeu a diversos depósitos consignados na Banco 1... destinados ao pagamento de cheques pós-datados pelo referido gerente renunciante e, assim, atuando o réu em manifesto prejuízo da Chefe do Consórcio na medida em que os trabalhos em dívida tinham sido executados pela mesma e o valor das faturas à mesma pertence e, assim, violando o réu a cláusula sexta do contrato de empreitada, razão por que a autora tinha ou teve toda a legitimidade em não dar andamento aos trabalhos;
Porém, continuou a obra e a executar trabalhos até 10 de agosto de 2011 e sem que o réu tivesse efetuado os pagamentos a que estava obrigado, apesar de ter emitido os autos correspondentes, cuja aprovação solicitou ao réu;
Contudo, o réu rescindiu o contrato de empreitada por comunicação datada de 05/09/2011 e aplicou penalidades, o que a autora nunca aceitou, tendo havido ainda diversas tentativas para chegar a um entendimento com o réu, o que não se logrou obter;
A autora enviou ao réu as faturas das quantias em débito, que foram devolvidas, devendo ainda o réu as respetivas garantias ou montantes retidos para efeitos de garantia, como clausulado no contrato de empreitada, para além da garantia inicial, montantes estes que o réu terá ou tem de restituir por ter rescindido o contrato sem justa causa;
O réu é obrigado a indemnizar a autora pela rescisão do contrato sem justa causa, a título de lucros cessantes e, ainda, em indemnização por outros prejuízos causados;
Pugna pela procedência da ação.
1.2. Citada, a Entidade Demandada apresentou a sua contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invoca a exceção da ilegitimidade da Autora para a ação na medida em que o contrato de empreitada ajuizado foi celebrado com o consórcio constituído para o efeito pela autora e pela sociedade “[SCom02...], Lda”, tendo a Autora que se constituir em consórcio com a referida sociedade, uma vez que não possuía alvará que lhe permitisse concorrer à obra em causa;
Por si só a Autora não tinha legitimidade para apresentar qualquer proposta ao concurso lançado pelo réu para a execução da obra objeto da empreitada, só o podendo fazer em conjunto, seja em consórcio como o veio a fazer;
Mais refere que embora a direção administrativa e jurídica do consórcio lhe pertencesse, o certo é que nos termos do disposto no artigo 14º, nº 2, do Decreto-Lei nº 231/81, para que a Autora pudesse estar em juízo desacompanhada do outro membro do consórcio deveria este último conferir-lhe procuração especial para o efeito, o que manifestamente não ocorre nestes autos, pois a Autora surge sozinha sem mencionar que age também em representação da consorciada e não junta qualquer instrumento de representação capaz e, por isso, tratando-se de um litisconsórcio necessário, o mesmo é insanável, dado que a procuração especial deveria ser anterior à propositura da presente ação e a Autora apresenta-se como titular de um direito próprio e não conjunto, razão pela qual a Entidade Demandada deverá ser absolvida do pedido, nos termos do disposto no artigo 288º, nº 3, do CPC;
Arguiu também a exceção da caducidade do direito de ação, alegando que a mesma não foi intentada no prazo de 132 dias previsto no artigo 255º do Decreto-Lei nº 59/99, de 02.03, aqui aplicável;
Por fim, argui a exceção relativa à existência de causa prejudicial, por estar pendente a ação com processo n.º º 154/12.3BEVIS, na qual é autor o aqui réu e réus a autora e aquela sociedade consorciada com a mesma, tendo por objeto ou fundamento o contrato de empreitada ajuizado, sendo os pedidos nessa outra ação (i) a condenação das rés a pagarem ao autor as penalidades contratuais aplicadas no âmbito da referida empreitada (ii) a condenação das rés a perderem os depósitos de garantias prestadas no âmbito da mesma empreitada e (iii) a rés condenadas em indemnização cujo cálculo remete para execução de sentença;
Alega que a Autora nem sequer contestou aquela ação e nem, consequentemente, aí deduziu reconvenção, tendo nessa mesma ação já sido designada a data para a audiência de julgamento e, assim caso a aquela ação seja julgada procedente, a resolução/rescisão operada relativamente àquele mesmo contrato de empreitada, será julgada fundada;
Sendo assim, poderá haver nítida contradição entre julgados sobre a mesma matéria, razão por que deverá a presente ação ser suspensa até à decisão da referida ação, sendo que também não pode haver apensação de processos dado que seria uma forma de a aqui Autora contornar a falta de contestação que aí não deduziu.
Na defesa por impugnação, alegou, em síntese, que as pretensões da Autora não são compatíveis com a resolução/rescisão do contrato de empreitada por si feita e cujas consequências impedem a existência de qualquer pretensão da Autora;
Afirma que a Autora não cumpriu o prazo contratual estabelecido no contrato, apesar deste ter sido prorrogado, razão pela qual foram-lhe aplicadas multas contratuais, vindo a rescindir o contrato de empreitada que com a mesma celebrou, situação que lhe provocou danos emergentes e lucros cessantes ;
Refere que as consorciadas abandonaram completamente a obra em causa e, por isso, a Entidade Demandada teve que denunciar o contrato de empreitada em causa por incumprimento imputável ao mesmo consórcio, o que desde logo implica a perda por parte do consórcio de todas as garantias prestadas e nesta ação peticionadas, sendo que a obra não foi concluída;
Mais aduz que os pagamentos que fez antecipadamente teve como fim assegurar os pagamentos aos fornecedores da Autora e aos subempreiteiros, única forma destes se manterem em obra;
Discorda dos valores peticionados, cujas faturas devolveu, sendo que algumas se referem a autos de medição não aprovados por si e outras foram-lhe pagas, havendo trabalhos cujo pagamento é reclamado que não foram executados;
Adianta ainda que a Autora cedeu os créditos aqui reclamados a terceiros a quem a Entidade Demandada pagou;
Conclui pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido.
1.3. A Autora replicou, sustentando a improcedência das exceções invocadas, mas requereu a intervenção principal provocada da sua consorciada “[SCom02...], Lda.”;
Fundamentou esse chamamento no facto de a presente ação se fundar no contrato de empreitada outorgado entre a Entidade Demandada e o consórcio em que figuram como consorciadas a Autora e a chamada, não obstante os pedidos formulados na ação terem a ver com trabalhos realizados unicamente pela Autora, tratando-se de prejuízos sofridos apenas pela mesma.
1.4. Notificada, a Entidade Demandada treplicou, reiterando a falta de legitimidade da autora para a presente ação, a insusceptibilidade de a mesma ser suprida, pugnando pelo indeferimento do incidente de intervenção principal provocada da chamada, por falta de fundamento legal.
1.5. Por sentença proferida em 05/04/2014, o TAF de Viseu decidiu:
a) Indeferir o requerido incidente de intervenção principal provada da chamada “[SCom02...], L.da”; e, consequentemente, b) Julgar a presente acção improcedente, absolvendo-se o réu do pedido ou pedidos contra si formulados pela autora.”
1.6. A Autora interpôs recurso de apelação dessa sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte, que por acórdão 15/03/2019 concedeu parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e determinado que os autos baixassem à 1ª instância para deferimento da intervenção principal provocada, e posterior tramitação.
1.7. Desse acórdão, a Entidade Demandada interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, que por acórdão de 29/06/2020 decidiu não admitir a revista.
1.8. Por despacho de 25/06/2021, o TAF de Viseu, dado cumprimento ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15/03/2019, admitiu a intervenção principal provocada da sociedade “[SCom02...]”, e ordenou a sua citação nos termos e para os efeitos dos artigos 319º e ss. do CPC.
1.9.Citada, a sociedade “[SCom02...]” apresentou contestação, invocando, em síntese que : -“A ora Interveniente desde já declara que não faz seu qualquer articulado da Autora, [SCom01...], nem da Ré, [SCom03...] – IPSS”; – “Como sempre entendeu e continua a ser o seu entendimento nada tem a ver com os pedidos formulados pela A., pelo que os não subscreve e inclusive os rejeita”;– Tanto mais que, nada lhe pode ser imputável quer pela A. quer pela R. a que título seja”;
Invocou, ademais, a caducidade do direito de ação, sustentando para o efeito, que a Entidade Demandada, em 05/09/2011, rescindiu o contrato de empreitada e que a Autora apenas intentou a presente ação em 08/05/2013, ou seja, muito depois do decurso do prazo de caducidade de 132 dias previsto no artigo 255º do RJEOP;
Conclui, pugnando pela caducidade da presente ação e pela sua ilegitimidade.
1.10. A autora, replicou, pugnando pela improcedência das exceções deduzidas pela chamada, sua consorciada.
1.11.Proferiu-se despacho a dispensar a realização de audiência prévia, após o que se proferiu despacho saneador-sentença, no qual se fixou o valor da ação em € 1.356.939,23, constando do mesmo o seguinte dispositivo:
« VI – Decisão final
Ante o exposto:
a) Julga-se improcedente a exceção de ilegitimidade processual ativa da Chamada;
b) Julga-se procedente a exceção perentória de caducidade do direito de ação quanto às faturas nºs 2011021, no montante de € 211.177,99 (IVA incluído), relativa a trabalhos contratuais executados, e 2011022, no montante de € 405.158,13 (IVA incluído), relativa a trabalhos a mais, e, em consequência, absolve-se a Entidade Demandada do pedido;
c) Julga-se a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, absolve-se a Entidade Demandada dos pedidos.;
d) Condena-se a Autora no pagamento das custas processuais.
*
Registe e notifique.»
1.12. Inconformada com a decisão proferida, a Autora interpôs o presente recurso de apelação que culmina com as seguintes CONCLUSÕES:
«1. A autora, ora recorrente, [SCom01...], Lda., por si e em representação do Consórcio [SCom02...], Lda, instaurou contra o réu, [SCom03...], IPSS, ação administrativa comum com vista ao pagamento de diversos valores que considera devidos.
2. Tal pedido fundou-se no incumprimento pelo réu do contrato de empreitada de construção de uma creche, lar de idosos e serviço de apoio domiciliário, adjudicada pelo réu à recorrente em consórcio externo com a sociedade [SCom02...], Lda.
3. A direção administrativa e jurídica do referido consórcio, de acordo com a cláusula 6.ª do referido contrato de consórcio, foi atribuída à autora, na qualidade de chefe do consórcio.
4. O réu, a partir de dado momento, deixou de proceder ao pagamento de valores constantes de faturas referentes a trabalhos realizados pela recorrente.
5. Sucedendo que a cinco de Setembro de 2011, o réu comunicou à autora a “rescisão” do contrato de empreitada e a aplicação de penalidades.
6. A autora não aceitou, tendo solicitado a realização de uma reunião com o réu, durante a qual tomou conhecimento de descontos indevidamente efetuados pelo réu aos valores de faturas respeitantes a trabalhos realizados a pedido mesmo.
7. Considerando que o réu “rescindiu” o contrato sem justa causa, a recorrente peticiona o pagamento de uma indemnização pelos danos emergentes e lucros cessantes.
8. Ao que acrescem danos emergentes resultantes da perda de cota de mercado e impossibilidade de assumir compromissos decorrentes da situação financeira originada pelo não cumprimento do réu das obrigações que lhe incumbiam.
9. Bem como o montante dos trabalhos contratados e trabalhos a mais realizados.
10. Acrescendo ainda o valor das garantias inicialmente prestado e o valor posteriormente retido pelo réu.
11. Pedido a condenação do réu no pagamento do montante total de 1.356.939,23 €.
12. O réu apresentou contestação, alegando exceção de caducidade do direito de ação e ilegitimidade processual da recorrente
13. A recorrente replicou às exceções deduzidas na contestação e requereu, no caso de se entender que a autora não poderia intentar ação desacompanhada da outra consorciada, a intervenção principal da consorciada [SCom02...], Lda.
14. Em face dos referidos articulados, foi proferida a sentença, julgando verificada a exceção dilatória da ilegitimidade da autora.
15. Inconformada com tal decisão a autora interpôs recurso para este Venerando Tribunal, que proferiu Douto Acordão que concedeu parcial provimento ao recurso, tendo revogado a decisão proferida e determinado que os autos revertessem à 1ª instância para deferimento da intervenção principal provocada.
16. Citada a chamada, apresentou contestação, no âmbito da qual não impugna quaisquer factos alegados quer pela autora, quer pela ré, dizendo apenas: que “nada tem a ver com os pedidos formulados pela A., pelo que os não subscreve e inclusive os rejeita”; - Tanto mais que, nada lhe pode ser imputável quer pela A. quer pela R. a que título seja”;
17. Invoca ainda a caducidade do direito de ação e conclui dizendo que deve ser reconhecida a caducidade da presente ação e que deve ser declarada parte ilegítima na mesma.
18. A autora respondeu à matéria das exceções.
19. Sem qualquer produção de prova, foi, em 06/02/2023 proferida sentença que julgou procedente a exceção de caducidade quanto às faturas 2011021 e 2011022 e quanto aos restantes montantes peticionados, conclui pela improcedência dos pedidos, invocando a “divergência insanável de posições da Autora e Chamada”
20. A autora não se conforma com tal decisão daí o presente recurso.
21. No que respeita à exceção de caducidade relativamente ao pedido de condenação da ré no pagamento dos valores titulados pelas faturas 2011021 e 2011022, o M. Juiz do Tribunal a quo começa por referir que aos presentes autos é aplicável o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/99 de 02/03.
22. Ora, o contrato de empreitada em causa nos autos foi outorgado em 30 de abril de 2009.
23. O Decreto-Lei n.º 59/99 de 02/03 foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008 de 29/01, o qual entrou em vigor em 29/06/2008, ou seja, à data da outorga do contrato de empreitada em causa nos autos, já estava em vigor o Decreto-Lei n.º 18/2008 de 21/01, sendo esse o Regime aplicável e não o regime revogado do Decreto-Lei n.º 59/99 de 02/03.
24. Por conseguinte, as normas invocadas, nomeadamente o disposto no artigo 255º do Decreto-Lei n.º 59/99 de 02/03, não tem aplicação nos presentes autos.
25. Aplicável será o disposto no artigo 41º da Lei 15/2002 de 22 de fevereiro, segundo a qual a ação administrativa pode ser proposta a todo o tempo.
26. A decisão recorrida violou assim o disposto nos artigos 14º al. d), 16º e 18º do Decreto-Lei 18/2008 de 29 de janeiro e o disposto no artigo 41º da Lei 15/2002 de 22 de fevereiro.
27. Dir-se-á ainda o seguinte
28. Mesmo que fosse aplicável o Decreto-Lei n.º 59/99 ainda assim a sentença enfermava de vícios que impunham uma decisão no sentido de não se ter por verificada a exceção de caducidade.
29. Existe desde logo manifesto erro na apreciação da prova, na medida em que o M. Juiz do Tribunal recorrido não deu como provado o teor da carta enviada pela ré à autora, datada de 05/03/2012, na qual a mesma explica que valores considera incorretamente inseridos nas faturas 2011021 e 2011022, mas em momento algum refere expressa e inequivocamente que não paga os valores relativos aos trabalhos contratados e executados e aos trabalhos a mais.
30. Deve por isso ser alterada a matéria de facto dada como provada e incluído na mesma o teor da carta enviada pela ré à autora datada de 05/03/2012.
31. E alterando a matéria de facto, não pode dar-se por verificada a exceção de caducidade.
32. Por outro lado ainda, a autora, ora recorrente, quer na petição inicial quer na réplica, alegou factos que demonstram que a ré não se negou a pagar o valor dos trabalhos contratados e executados nem os trabalhos a mais, divergia sim da autora quanto ao aos trabalhos aí incluídos e respetivo montante.
33. O Tribunal a quo ao decidir sem a produção da prova requerida, não apreciou toda a prova, havendo, por conseguinte, um manifesto défice instrutório.
34. Tendo o M. Juiz deixado de apreciar questões que deveria ter apreciado.
35. O Tribunal a quo não permitiu que a autora fizesse prova dos factos pela mesma alegados e que a serem provados, não permitiriam concluir pela caducidade do direito de ação, impediu a autora de ver apreciado o mérito da causa, violando assim o direito constitucionalmente consagrado à tutela jurisdicional efetiva, violando dessa forma o disposto no artigo 20º da CRP.
36. Donde se conclui ainda que a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, aplicável através do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
37. No que respeita aos restantes valores, a Sentença recorrida incorreu em vício de julgamento jurídico ao julgar improcedente o pedido de condenação da entidade demandada no pagamento de trabalhos executados, trabalhos a mais, garantia, lucros cessantes e danos emergentes.
38. O articulado da Chamada não é bastante para determinar a improcedência dos pedidos.
39. A Autora atuou como chefe do consórcio, cobrando valores que lhe são devidos e que lhe cabiam segundo a distribuição prevista no contrato de consórcio.
40. A Chamada não impugna nem nega nenhum facto demonstrado pela Autora, nem imputa vícios às suas alegações.
41. Os factos articulados pela Autora devem considerar-se admitidos pela Chamada.
42. A posição da Chamada é processualmente inadmissível e não pode ser aceite.
43. Se a Chamada pretendia associar-se à posição da Entidade Demandada teria que ter feito seus os articulados da Entidade Demandada ou que demonstrar que tinha interesses contrapostos aos da Autora em termos de facto e de direito, não se limitando a afirmações genéricas e a invocar exceções.
44. Não se retira do articulado da Chamada há clara e insanável divergência entre as consorciadas quanto ao objeto da ação.
45. A conclusão contrária levaria a que se entendesse que uma das consorciadas poderia obstaculizar livremente o exercício dos direitos da outra Consorciada.
46. Assim se violando os princípios da tutela jurisdicional efetiva e da promoção do acesso à justiça.
47. Não é legítimo sujeitar um integrante de um consórcio, que se sente prejudicado e por isso pretende ser indemnizado nos danos sofridos, à vontade e bel-prazer de outro ou outros integrantes, que optasse por obstaculizar o exercício dos direitos de outro sem expor claramente argumentos de facto e de direito.
48. Tal corresponde a um manifesto desvirtuar do objeto do processo, e impedir a apreciação da posição de facto e de direito manifestada pela Autora, com o risco de a mesma não receber valores que lhe são devidos e de incorrer em avultadíssimos prejuízos sem que a sua pretensão seja devidamente julgada.
49. A Autora tem direito a ver apreciado o mérito da causa, não bastando uma posição obscura e imprecisa da Chamada para impedir tal apreciação em termos de fundo dos pedidos formulados.
50. A Sentença objeto de recurso, ao julgar improcedentes os pedidos da Autora, incorrido em erro de julgamento de direito, por violação do disposto nos artigos 12.º e 16.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 231/81 e do disposto nos artigos e 319.º e 574.º do Código de Processo Civil e do disposto nos artigos 2.º e 7.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, devendo a mesma ser revogada.
51. Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e determinando-se que os autos revertam à 1ª instância com vista à produção de prova.
Assim se fazendo JUSTIÇA.»
1.13. a Entidade Demandada contra-alegou, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«I- A Recorrente, em suma, baliza o seu recurso em dois aspetos:
Entende que a exceção da caducidade não deveria julgada procedente por duas ordens de razões:
A) Considera que o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/99 de 02/03, não seria aplicável nos presentes autos;
B) Considera que o Tribunal “a quo” não teve em conta uma comunicação datada de 05.03.2012 e que caso tivesse em conta tal comunicação não poderia ter julgado procedente a exceção da caducidade, considerando ainda que não se verificam os pressupostos do Art. 255.º do Decreto-Lei n.º 59/99 de 02/03.
Entende que ainda que, “O articulado da Chamada não é bastante para determinar a improcedência dos pedidos.” – (“[SCom02...], ld.ª)
II- A Recorrente alega que, como o contrato de empreitada em causa nos autos foi outorgado em 30 de abril de 2009 e o (...) Decreto-Lei n.º 59/99 de 02/03 foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008 de 29/01, o qual entrou em vigor em 29/06/2008, ou seja, à data da outorga do contrato de empreitada em causa nos autos, já estava em vigor o Decreto-Lei n.º 18/2008 de 21/01, sendo esse o Regime aplicável e não o regime revogado do Decreto-Lei n.º 59/99 de 02/03. (...)
III- Ora tal argumento não pode de forma alguma colher, pois o Código dos Contratos Públicos só é aplicável aos procedimentos de formação de contratos públicos iniciados após a data da sua entrada em vigor e à execução dos contratos que revistam natureza de contrato administrativo celebrados na sequência de procedimentos de formação iniciados após essa data.
IV- Ora, como a Recorrente bem sabe, o procedimento de que levou à celebração do Contrato objeto dos presentes autos iniciou-se em data anterior à entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos, razão pela qual se fez constar na cláusula décima segunda do contrato, que este “será regulado de acordo com o que referem os números um, ponto um, ponto dois e um, ponto três das “disposições gerais” das cláusulas Gerais do Caderno de Encargos.”, e nos termos do citado Caderno de Encargos, mais concretamente na alínea c) do ponto 1.1.1, se fez constar que ao contrato é aplicável o Dec. Lei 59/99 de 2 de Março, conforme documento ... junto com a P.I. e documento ... junto com a Contestação.
V- O que mereceu a concordância da Recorrente, pois conformou a sua atuação com o dito caderno de encargos e com o contrato e na P.I. funda o seu pedido neste mesmo regime e faz menção a este mesmo regime (Art. 89.º e 92.º da P.I.).
VI- Assim, não se entende a ora novíssima alegação que o Dec. Lei 59/99 de 2 de Março não é aplicável ao contrato, razão pela qual tal alegação deve improceder.
Sem prescindir e ainda quanto a esta alegação,
VII- Os recursos destinam-se a apreciar as decisões recorridas e não a conhecer “questões novas” não apreciadas nas decisões recorridas, e a Recorrente funda o seu pedido neste mesmo regime e faz menção a este mesmo regime (Art. 89.º e 92.º da P.I.), e a exceção da caducidade foi alegada na Contestação, tendo a Recorrente na Replica de 02.11.2021 e já anteriormente na Replica de 05.07.2013 feito menção ao Dec. Lei 59/99 de 2 de Março, e nunca nos autos veio pôr em causa a aplicação do citado regime. Destarte,
VIII- A Recorrente vem agora suscitar uma novíssima questão e que não foi apreciada na Sentença, sendo que o Tribunal “a quo” está limitado nos seus poderes de cognição e (...) não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes (...) – Artigo 608.º do CPC (art.º 660.º CPC 1961) n.º 2 in fine. Assim,
IX- E como é certo e sabido, o Recurso destina-se a uma reapreciação da Sentença de 1.ª Instância – Arts. 608.º n.º 2, 627º nº 1, 635º nºs 2 e 3 e 639º nº 1 do CPC, aplicáveis “ex vi” do artº 140º nº 3 do CPTA – e não a conhecer “questões novas” não apreciadas nas decisões recorridas, pelo que, a questão ora suscitada está fora do âmbito do recurso e por tal não pode ser apreciada. Além de que,
Mais uma vez sem prescindir
X- A Recorrente, além de saber que o procedimento se iniciou antes da entrada em vigor do C.C.P., conformou todo o seu comportamento anterior com tal regime e inclusive assinou o contrato, pelo que vir agora arguir que tal regime não é aplicável, é um abuso de direito, na vertente de “venire contra factum proprium”, o que expressamente se invoca.
XI- A Recorrente alega ainda que, não foi considerada pelo Tribunal “a quo” a comunicação de 05.03.2012 e que não se verificam os pressupostos de aplicação do Art. 255.º do Decreto-Lei n.º 59/99 de 02/03
XII- Conforme lapidarmente se refere na mui douta Sentença com sublinhados nossos: “Revertendo o entendimento firmado neste aresto, o qual perfilhamos, para os presentes autos, resulta dos pontos 20. e 21. do probatório que a Autora emitiu em 30.12.2011 as faturas nºs 2011021, no montante de € 211.177,99 (IVA incluído), relativa a trabalhos contratuais executados, e 2011022, no montante de € 405.158,13 (IVA incluído), relativa a trabalhos a mais, que enviou à Entidade Demandada, a qual, por carta datada de 18.01.2012, rececionada pela Autora em 19.01.2012, procedeu à devolução das mesmas, tendo feito constar da comunicação a seguinte referência expressa “Acusamos a recepção da V/ comunicação datada de 10.01.2012 e facturas anexas que por esta via devolvemos por entendermos não serem devidas” [cfr. ponto 22. do probatório]. Posteriormente, a Autora remeteu novamente as faturas, que foram outra vez devolvidas pela Entidade Demandada, em cuja comunicação, recebida pela Autora em 07.03.2012, uma vez mais, referia “Acusamos a recepção da V/ comunicação datada de 22 de Fevereiro e facturas anexas que por esta via pela 2.ª vez devolvemos por entendermos não serem devidas” [cfr. pontos 23. e 24. do probatório].
XIII- A Recorrente vem agora de forma algo inusitada peticionar uma alteração à matéria dada como provada, quando a comunicação de 05.03.2012 a que se refere, se encontra transcrita no ponto 24 da Matéria dada como provada e que foi tida em conta na apreciação crítica feita pelo Tribunal “a quo”, ficando sem se perceber o que afinal pretende a Recorrente quanto à modificação da matéria de facto.
XIV- Além de que, a Recorrente não cumpriu minimamente o ónus processual fixado no Art. 640.º n.º 1 do CPC, aplicável por via do Art. 140.º do CPTA, para que tal alegação fosse sequer admitida. Mas,
Ainda que assim não fosse, o que obviamente não se concede,
XV- Em 12.03.2012 a Recorrida intentou Ação Administrativa Comum contra a Recorrente e a sua consorciada, ora Chamada, em que peticiona o reconhecimento do fundamento da rescisão operada, o pagamento de penalidades contratuais e ainda a perca de todas as importâncias por parte das consorciadas relativas a garantias, importâncias retidas e quantias que se possam encontrar pendentes, conforme melhor consta do documento ... junto com a Contestação.
XVI- Logo, ainda que pudessem subsistir dúvidas, pelo menos desde 15.03.2012, data em que a Recorrente foi citada para o Processo 154/12.3BEVIS, esta tinha conhecimento da “decisão inequivocamente negativa” por parte da Recorrida, até porque, a Recorrente não contestou sequer a citada ação.
XVII- Ora, por força do disposto no artigo 255º do RJEOP, quer contemos o prazo de 132 dias úteis, desde 19.01.2012, desde 05.03.2012 ou de 15.03.2012, o certo é que a “(...) petição inicial deu entrada em juízo no dia 07.05.2013, pelo que já havia caducado o direito de intentar a ação quanto àquelas duas faturas, constituindo uma exceção perentória (cfr. artigos 493º, nº 3 e 496º, do CPC) (...) – conforme bem se refere na douta Sentença.
XVIII- Entende-se que a douta Sentença somente peca por não ter considerado que todos os pedidos formulados pela Recorrente estariam caducos, não se concordando a este propósito com a o Tribunal “a quo” quando refere que: “Quanto aos restantes montantes peticionados, não resulta dos autos que os mesmos tenham sido reclamados diretamente à Entidade Demandada, nem tão-pouco que esta tenha proferido uma “decisão inequivocamente negativa” quanto aos mesmos, pelo que quanto a estes não está caducado o direito de intentar ação.”
XIX- Na verdade, a Recorrida [SCom03...] ao intentar a ação que corre os seus termos sob o Processo 154/12.3BEVIS, coartou de forma cabal qualquer pretensão da Recorrida e que estivesse relacionada com o contrato de empreitada.
XX- Concluindo-se, pois, e com a precisão supramencionada, que a douta Sentença não merece qualquer censura a este propósito.
XXI- Ainda assim, mesmo que os argumentos apresentados pela Recorrente já supra analisados fossem procedentes, o que não se concede, o certo é que, e como bem refere o tribunal “a quo” “(...) face à divergência insanável de posições da Autora e Chamada, resta concluir pela improcedência dos pedidos.(...) (...) abrangendo também as faturas n's 2011021, no montante de € 211.177,99 (IVA incluído), relativa a trabalhos contratuais executados, e 2011022, no montante de € 405.158,13 (IVA incluído), relativa a trabalhos a mais. (...).”
XXII- A ora e aqui Contra [SCom04...], ld.ª, contestou nos seguintes termos (com sublinhados nossos): “Como sempre entendeu e continua a ser o seu entendimento nada tem a ver com os pedidos formulados pela A., pelo que os não subscreve e inclusive os rejeita.”
XXIII- Chamando à colação o douto Acórdão do S.T.A. proferido nos presentes autos quando remete para a fundamentação ínsita no douto Acórdão do T.C.A.N. também proferido nos presentes autos (com sublinhados nossos): “(...) É certo que a acção não pode transformar-se num forum onde as consorciadas venham dirimir as suas hipotéticas divergências internas, mas mesmo que essa hipótese se viesse a manifestar não afectaria a posição do Réu, uma vez que a falta de sintonia entre as consorciadas, pela própria natureza do consórcio, conduziria fatalmente à improcedência do pedido, na medida em que não se externasse uma vontade unívoca imputável ao consórcio, o mesmo é dizer, uma vontade expressa em uníssono pelas consorciadas. Com a vantagem suplementar, não despicienda para o Réu e para estabilização da relação jurídica em litígio, de o caso julgado se tornar assim extensível à Chamada.”
XXIV- E continuando na esteira dos citados Acórdãos mais uma vez com sublinhados nossos: “(...) Com efeito, toda a construção do acórdão do STA parte da constatação de, naquele caso, estar provado que as sociedades consorciadas da autora divergiam dela quanto à pretensão anulatória deduzida em juízo, como ressalta desde logo no sumário do citado Acórdão do STA, proferido 20/09/2011, no âmbito do processo n. 0 0556/11:
«V – Tendo uma das empresas integrantes do consórcio referido em I, que ficou graduada em 2.º lugar no concurso, demandado, sozinha, a entidade adjudicante, a adjudicatária e as suas consorciadas na qualidade de contra-interessadas, que, citadas nessa qualidade, nada disseram, e tendo sido considerado provado que essas sociedades não acompanhavam a autora na sua pretensão anulatória, verifica-se uma situação de ilegitimidade activa.
Atento o específico regime do contrato de consórcio, que foi enunciado em II a IV, essa ilegitimidade não é sanável mediante a intervenção principal provocada das consorciadas.
Nesta situação, de subsistência da ilegitimidade activa e, perante, a constatação de que, também pelas razões aduzidas em II a IV, o pedido não pode proceder, não deve haver lugar à absolvição da instância, mas sim à absolvição do réu do pedido (artigo 288.º, n.º 3, do CPC).»
XXV- Atenta a nossa já referida Contestação (da [SCom02...], ld.ª) em que não subscrevemos os pedidos formulados pela A-. ora Recorrente- e os rejeitamos, inexiste qualquer dúvida que não há consenso entre os membros do consórcio, visto que uma das titulares do direito de ação rejeita liminarmente os pedidos. Assim,
XXVI- E agora tirando as ilações dos doutos Acórdãos supra citados, verifica-se que já não se trata do suprimento de um pressuposto processual, mas sim de uma verdadeira divergência insanável entre os membros do consórcio, sendo que conforme bem se refere nos citados Acórdãos mais uma vez com sublinhados nossos: “(...) E assim, tal como conclui aquele AC. do STA, atenta a factualidade provada e relevante para a apreciação da invocada excepção da ilegitimidade da autora, temos que, sendo conjunta e incindível a titularidade do direito ou direitos de que a autora se arroga, e conjunção essa encabeçada na titularidade do consórcio constituído, só em conjunto e na referida titularidade enquanto consórcio, podem as empresas consorciadas (a autora a a chamada) têm o poder de exigir esse direito ou direitos do réu e consubstanciados no pedido ou pedidos formulados pela autora nesta acção e, por isso, dado inexistir essa convergência de vontades e exercido enquanto na titularidade do consórcio em que ambas se integram, nos termos do contrato de consórcio pelas mesma celebrado, não existe ou não existem os direitos reclamados ou peticionados pela autora e, por isso, a acção tem necessariamente de improceder.
XXVII- A ora e aqui Contra [SCom04...], ld.ª é completamente clara quando refere que não subscrevemos os pedidos formulados pela ora Recorrente e inclusive os rejeitamos, pelo que, entende-se que não poderia haver outro desfecho que não fosse a Absolvição da Recorrida [SCom02...], ld.ª do pedido, pelo que
XXVIII- A douta Sentença ora posta em crise deve ser mantida na íntegra absolvendo-se a Recorrida/Contra [SCom04...], ld.ª do pedido.
TERMOS EM QUE E COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS.
Deve o Recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a Sentença Recorrida
Assim se fazendo JUSTIÇA!»
1.14. A Chamada contra-alegou, fazendo suas as alegações e conclusões de recurso apresentadas pela Entidade Demandada.
1.15.O recurso foi admitido pela 1ª Instância como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, o que mereceu a nossa concordância.
1.16.O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1, do CPTA, não se pronunciou sobre o mérito do recurso.
1.17. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas mencionadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se o saneador- sentença recorrido enferma de:
a.1 nulidade por omissão de pronúncia- art.615.º, n.º1, al. d) do CPC;
a.2. erro de julgamento sobre a matéria de facto, por não ter incluído nos factos assentes o teor da comunicação datada de 05/03/2012, a qual imporia, se considerada, a improcedência da exceção de caducidade do direito de ação;
a.3. erro de julgamento em matéria de direito por nele se ter julgado procedente a exceção da caducidade do direito de ação em relação às faturas números 2011021 e 2011022, cujo pagamento reclamou na presente ação;
a.4. erro de julgamento em matéria de direito, por a decisão recorrida ter julgado improcedentes os demais pedidos formulados, em violação do disposto nos artigos 12.º e 16.º, n.º1 do DL n.º 231/81, artigos 319.º e 574.º do CPC e artigos 2.º a 7.º do CPTA.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1. A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos:
1. A Entidade Demandada abriu concurso/procedimento por ajuste direto com consulta prévia, com vista à realização de uma empreitada com a finalidade de construir uma creche, um lar de idosos e um serviço de apoio domiciliário [facto admitido por acordo].
2. A Autora foi convidada pela Entidade Demandada para apresentar uma proposta, tendo aquela, para efeitos daquele concurso e a fim de ao mesmo poder concorrer, por a mesma não possuir alvará que lhe permitisse concorrer à obra objeto do mesmo concurso, estabelecido com a sociedade [SCom02...], Lda. um contrato de Consórcio que denominaram por “[SCom02...], L.da”, o qual reduziram a escrito em 23 de Abril de 2009 [cf. contrato junto aos autos com a petição a fls. 20/26].
3. O consórcio identificado no ponto antecedente, no qual a Autora se integra, apresentou a sua proposta à Entidade Demandada para a realização da empreitada em causa, a qual foi aceite, e, por isso, a mesma empreitada foi-lhe adjudicada e celebrado o respetivo contrato de empreitada, em 30 de abril de 2009, denominado “Contrato Administrativo de Empreitada de Construção de Creche, lar de Idosos e Serviço de Apoio Domiciliário” [cf. contrato junto aos autos com a petição como documento nº ..., a fls. 27/32].
4. Além do mais, consta do contrato de Consórcio mencionado em b), sua cláusula 3.ª “O presente contrato tem por objecto definir as contribuições, as atribuições, as relações, as responsabilidades e os meios das consorciadas, durante a execução da empreitada “Construção de Creche, Lar de Idosos e Serviço de Apoio Domiciliário” em ... de Viriato – Carregal do Sal, cujo Dono da Obra é o [SCom03...] [cf. contrato junto aos autos com a petição a fls. 20/26].
5. Consta da cláusula 4.ª do mesmo contrato de consórcio: – O presente contrato entra em vigor na data da sua assinatura pelas partes; – O presente contrato deixa de vigorar com a verificação cumulativa dos seguintes factos: – O cumprimento integral e pontual de todas as obrigações decorrentes do contrato de empreitada; – A regularização de todas as contas e eventuais litígios com o Dono da Obra, bem como a libertação de todas as cauções e garantias; – A regularização de todas as contas ou eventuais diferendos entre as partes [cf. contrato junto aos autos com a petição a fls. 20/26].
6. Consta também da cláusula 6.ª do mesmo contrato de consórcio: – A Chefia do Consórcio é exercida pela Firma [SCom01...], L.da; – Ao Chefe do Consórcio compete: a) A direcção administrativa e jurídica do Consórcio; b) A execução das deliberações do Conselho de Administração, Orientação e Fiscalização [cf. contrato junto aos autos com a petição a fls. 20/26].
7. Consta também da cláusula 11.ª do mesmo contrato de consórcio: 1 – O presente contrato é celebrado “Intuito personae”, por isso, os direitos e obrigações que dele decorram para as consorciadas, são intransmissíveis, salvo o direito de cada uma de subcontratar parte ou partes definidas de fornecimentos ou trabalhos que lhes competem; 2-As consorciadas procurarão sempre conciliar equitativamente os seus interesses particulares num espírito amigável, colaboração e recíproca compreensão no que diga respeito à prossecução do objecto do presente contrato e do Consórcio; 3– As consorciadas têm, uma perante a outra, igualdade de direitos [cf. contrato junto aos autos com a petição a fls. 20/26].
8. Da cláusula 9.ª do mesmo contrato consta: 1– A contribuição de cada consorciada é a seguinte: – [SCom02...], L.da – 65%; – [SCom01...], L.da – 35%; 2-As contribuições constantes do n.º 1 poderão ser modificadas por mútuo consentimento das consorciadas, em função de outros trabalhos que lhes venham a ser adjudicados ou suprimidos pelo Dono da Obra; 3– No caso de haver novas adjudicações de trabalhos, as partes acordarão nas suas contribuições para a execução dos trabalhos respectivos [cf. contrato junto aos autos com a petição a fls. 20/26].
9. Da sua cláusula 10.ª, consta também: Cada uma das consorciadas obriga-se a executar os trabalhos correspondentes à sua contribuição [cf. contrato junto aos autos com a petição a fls. 20/26].
10. Consta também da cláusula 13.ª do mesmo contrato de consórcio, além do mais: 1– Das consorciadas perante o Dono da Obra: a) Qualquer das Consorciadas é responsável pelo integral cumprimento do contrato celebrado por ambas com o Dono da Obra [cf. contrato junto aos autos com a petição a fls. 20/26].
11. E ainda, consta da cláusula 15.ª, além do mais: 1 – São receitas do Consórcio fundamentalmente os pagamentos efectuados pelo Dono da Obra; 2 – A facturação dos trabalhos será efectuada pela empresa Chefe do consórcio [cf. contrato junto aos autos com a petição a fls. 20/26].
12. Em 24.06.2011, a Autora emitiu Auto nº ...6, o qual remeteu por carta datada de 01.07.2011 para a Entidade Demandada, com o seguinte teor [cf. documento junto com a petição inicial e que consta de fls. 126 a 130 do processo digital]:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

13. Em 28.07.2011, a Autora emitiu Auto nº ...7, o qual remeteu por carta datada de 28.07.2011 para a Entidade Demandada, com o seguinte teor [cf. documento junto com a petição inicial e que consta de fls. 136 a 138 do processo digital]:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]




14. Em 30.08.2011, a Autora emitiu Auto nº ...8, o qual remeteu por carta datada de 30.08.2011 para a Entidade Demandada, com o seguinte teor [cf. documento junto com a petição inicial e que consta de fls. 142 a 143 do processo digital]:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]



15. Por carta datada de 05.09.2011, recebida pelo Consórcio em 06.09.2011, a Entidade Demandada enviou comunicação com o seguinte teor [cf. documento junto com a petição inicial e que consta de fls. 144 a 147 do processo digital]:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


16. Por carta registada com aviso de receção datada de 03.11.2011, a Autora remeteu à Entidade Demandada comunicação com o seguinte teor [cf. documento junto com a petição inicial e que consta de fls. 148 a 151 do processo digital]:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

17. Por carta datada de 02.12.2011, recebida pelo Consórcio em 05.12.2011, a Entidade Demandada enviou comunicação com o seguinte teor [cf. documento junto com a petição inicial e que consta de fls. 165 do processo digital]:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]



18. Decorrente da reunião realizada em 07.12.2011, resultou uma ata que a Autora teria prazo legal para analisar e para se pronunciar sobre um “Relatório de Obra” apresentado pela Entidade Demandada [facto admitido por acordo].
19. A Autora analisou o Relatório, acertou quantidades de trabalhos executados, fazendo uma ponderação entre os referidos autos ...6, ...7 e ...8 e aquele Relatório [facto admitido por acordo].
20. Após essa análise e em resultado da mesma, a Autora emitiu a fatura 2011021, no montante de € 211.177,99 (IVA incluído), relativa a trabalhos contratuais executado, que enviou à Entidade Demandada, com o seguinte teor [cf. documento junto com a petição inicial e que consta de fls. 166 a 168 do processo digital]:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


21. Após essa análise e em resultado da mesma, a Autora emitiu ainda a fatura 2011022, no montante de € 405.158,13 (IVA incluído), relativa a trabalhos a mais, que enviou à Entidade Demandada, com o seguinte teor [cf. documento junto com a petição inicial e que consta de fls. 169 a 174 do processo digital]:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]







22. Por carta datada de 18.01.2012, recebida pelo Consórcio em 19.01.2012, a Entidade Demandada enviou comunicação, devolvendo as duas faturas, com o seguinte teor [cf. documento junto com a petição inicial e que consta de fls. 175 a 186 do processo digital]:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]




23. Por carta datada de 22.02.2012, a Autora enviou novamente para a Entidade Demandada as referidas faturas, na qual fez constar a falta de fundamento dos motivos invocados para a devolução [cf. documento junto com a petição inicial e que consta de fls. 187 a 201 do processo digital].
24. Por carta datada de 05.03.2012, recebida pelo Consórcio em 07.03.2012, a Entidade Demandada enviou comunicação, devolvendo novamente as duas faturas, com o seguinte teor [cf. documento junto com a petição inicial e que consta de fls. 202 a 238 do processo digital]:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]



25. A petição inicial deu entrada neste Tribunal em 07.05.2013 [cf. registo na plataforma SITAF].
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Inexistem outros factos não provados com relevância para a decisão a proferir.
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III.B.DE DIREITO
3.2. A apelante não se conforma com o saneador-sentença proferido pela 1.ª Instância que julgou a presente ação totalmente improcedente, e com a decisão que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação quanto às faturas nºs 2011021, no montante de € 211.177,99 (IVA incluído), relativa a trabalhos contratuais executados, e 2011022, no montante de € 405.158,13 (IVA incluído), relativa a trabalhos a mais.
A apelante alicerça a sua discordância em relação à decisão que julgou procedente a exceção da caducidade do direito de ação em relação às faturas números 2011021 e 2011022, em três ordens de razão, a saber:
1.ª por entender que o RJEOP, aprovado pelo DL n.º 59/99, de 02/03, não é aplicável aos presentes autos, pelo que não se impunha observar o prazo de 132 dias úteis previsto no artigo 255.º, sendo antes aplicável o disposto no artigo 41.º do CPTA, na versão conferida pela Lei 15/2002, de 22 de fevereiro- vide conclusões formuladas sob os pontos 17 a 26;
2.ª por a seu ver, o Tribunal a quo não ter tido em devida conta uma comunicação datada de 05/03/2012, a qual imporia, se considerada, a improcedência da exceção de caducidade do direito de ação, pugnando pela alteração da matéria de facto dada como provada, de modo a incluir-se na mesma o teor dessa comunicação- vide conclusões formuladas sob os pontos 28 a 31;
3.ª por considerar que a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia- art.615.º, n.º1, al. d) do CPC- decorrente de não ter apreciado toda a prova de que dependia a demonstração dos factos alegados pela apelante, assim violando também o seu direito de acesso à tutela judicial efetiva consagrado no art.20.º da CRP- vide conclusões 32 a 36.
Quanto à decisão de improcedência dos pedidos formulados na ação, a apelante impetra-lhe erro de julgamento de direito, aduzindo para tanto que:
(i) o articulado da chamada não é bastante para justificar essa decisão, uma vez que, atuou como chefe do consórcio, cobrando valores que lhe são devidos e que lhe cabiam segundo a distribuição prevista no contrato de consórcio;
(ii) a Chamada não impugna nem nega nenhum facto demonstrado pela Autora, nem imputa vícios às suas alegações, não se retirando do seu articulado que haja uma clara e insanável divergência entre as consorciadas quanto ao objeto da ação;
(iii) não é legitimo sujeitar um integrante do consórcio, que se sente prejudicado e que por isso pretende ser indemnizado pelos danos sofridos, à vontade de outro, que opte por obstaculizar o exercício dos direitos do outro sem expor claramente argumentos de facto e de direito;
(iv) ao decidir julgar improcedentes os pedidos que formulou, a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, por violação do disposto nos artigos 12.º e 16.º, n.º1 do DL n.º 231/81, do disposto nos artigos 319.º e 574.º do CPC e do disposto nos artigos 2.º a 7.º do CPTA.

Quid iuris?
3.3.Considerando as questões que constituem objeto do presente recurso, diferentemente do critério seguido pela decisão recorrida, que começou por conhecer da exceção de caducidade do direito de ação quanto às faturas nºs 2011021, no montante de € 211.177,99 (IVA incluído), relativa a trabalhos contratuais executados, e 2011022, no montante de € 405.158,13 (IVA incluído), relativa a trabalhos a mais, para só depois concluir, perante a rejeição do objeto da ação por parte da chamada «pela improcedência dos pedidos formulados pela Autora, abrangendo também as faturas n.ºs 2011021…e 2011022…», iniciaremos a nossa abordagem pela última questão colocada pela apelante, que tem precedência lógica sobre as demais.
Seguindo o critério que delineamos, a primeira questão a decidir passa por aferir se o fundamento em que o Tribunal a quo se esteou para julgar improcedentes todos os pedidos formulados pela apelante, era apto a gerar uma tal consequência, ou seja, se o facto da consorciada da apelante na contestação que apresentou- subsequentemente a ter sido admitida a sua intervenção principal provocada, com fundamento na existência de uma relação litisconsorcial necessária entre os membros do consórcio externo formado por ambas as sociedades ( a autora e a interveniente )-, ter expressamente invocado não subscrever os pedidos formulados pela autora, mas antes os rejeitar, era condição suficiente para justificar, de per si, a imediata improcedência da ação.
Vejamos.
b.1. do erro de julgamento quanto ao mérito da decisão que julgou improcedentes todos os pedidos formulados pela Autora por violação dos artigos 12.º e 16.º do D.L. n.º 231/81, artigos 319.º e 574.º do CPC e 2.º e 7.º do CPTA.
3.4.A apelante considera que a decisão recorrida, ao julgar improcedentes os pedidos que formulou na ação com fundamento na posição assumida pela sua consorciada na contestação apresentada enferma de erro de julgamento em matéria de direito por violação dos artigos 12.º e 16.º do D.L. n.º 231/81, artigos 319.º e 574.º do CPC e 2.º e 7.º do CPTA.
Para tanto, sustenta que atuou como chefe do consórcio, cobrando valores que lhe são devidos e que lhe cabiam segundo a distribuição prevista no contrato de consórcio.
Começa por invocar que a Chamada não impugna nem nega nenhum facto demonstrado pela Autora, nem imputa vícios às suas alegações, devendo até os factos articulados pela Autora considerar-se admitidos pela Chamada, não se retirando do articulado da Chamada a existência de uma clara e insanável divergência entre as consorciadas quanto ao objeto da ação.
A entender-se de outra forma, considera que a posição da Chamada é processualmente inadmissível e não pode ser aceite, uma vez que se a mesma pretendia associar-se à posição da Entidade Demandada teria que ter feito seus os articulados da Entidade Demandada ou que demonstrar que tinha interesses contrapostos aos da Autora em termos de facto e de direito, não se limitando a afirmações genéricas e a invocar exceções.
Aduz que diferente entendimento, permite que uma das consorciadas possa obstaculizar livremente o exercício dos direitos da outra Consorciada, em violação dos princípios da tutela jurisdicional efetiva e da promoção do acesso à justiça, impedindo-se a apreciação da posição de facto e de direito manifestada pela autora, com o risco de a mesma não receber valores que lhe são devidos e de incorrer em avultadíssimos prejuízos sem que a sua pretensão seja devidamente julgada, pelo que, deve ser revogada a decisão recorrida e determinada a remessa dos autos à 1.ª Instância com vista à produção de prova.
Na decisão recorrida, recorde-se, o TAF de Viseu julgou improcedente a exceção da ilegitimidade ativa da consorciada da Autora, atento o Acórdão proferido pelo TCAN em 15/03/2019, mas considerando que a Chamada, na contestação que apresentou, rejeitou os pedidos formulados pela autora na ação, decidiu julgar a ação totalmente improcedente, o que fez, sustentando-se igualmente na fundamentação avançada por esse Acórdão do TCAN.
A senhora juiz a quo entendeu que «[…] estando assente que, presentemente, “existe demonstração da existência de divergências internas entre os membros do consórcio quanto ao objeto (causa de pedir e pedido) formulado na presente ação”, e sendo “certo que a ação não pode transformar-se num forum onde as consorciadas venham dirimir as suas hipotéticas divergências internas, mas mesmo que essa hipótese se viesse a manifestar não afetaria a posição do Réu, uma vez que a falta de sintonia entre as consorciadas, pela própria natureza do consórcio, conduziria fatalmente à improcedência do pedido, na medida em que não se externasse uma vontade unívoca imputável ao consórcio, o mesmo é dizer, uma vontade expressa em uníssono pelas consorciadas”, resta concluir pela improcedência dos pedidos formulados pela Autora, abrangendo também as faturas nºs 2011021, no montante de € 211.177,99 (IVA incluído), relativa a trabalhos contratuais executados, e 2011022, no montante de € 405.158,13 (IVA incluído), relativa a trabalhos a mais».
Concluiu a Senhora juiz a quo que «”… é conjunta e incindível a titularidade do direito ou direitos emergentes do contrato de empreitada em causa e também só em conjunto, em convergência de vontades e enquanto consórcio, as duas empresas consorciadas têm o poder de exigir esse direito ou direitos reclamados do réu. Ou seja ainda, “Não é concebível que a autora, individualmente, possa exigir esse direito ou direitos reclamados nesta ação, nem, tão pouco, que o possa fazer, para ambas, contra a vontade da outra”.», pelo que « face à divergência insanável de posições da Autora e Chamada, resta concluir pela improcedência dos pedidos.»
O entendimento sufragado pela Senhora Juiz a quo, malgrado encontre respaldo na jurisprudência que citou, e salvo o devido respeito, não nos convence, razão pela qual desde já expressamos que a decisão recorrida, neste segmento, não merece a nossa aquiescência.
Vejamos.
Iniciaremos a nossa abordagem pela enunciação do regime legal do contrato de consórcio e das razões pelas quais a jurisprudência dos tribunais superiores, designadamente, desta jurisdição, considera que estando em causa questões relativas ao objeto do contrato de consórcio nenhum dos consorciados poderá intentar uma ação sem que esteja acompanhado dos demais consorciados ou sem que requeira a intervenção principal provocada dos demais, para finalmente, entramos na questão de saber se, perante a divergência de um dos consorciados relativamente ao objeto de uma ação movida pelo outro (s) consorciado(s), essa ação está de per si fatalmente condenada ao insucesso, impondo-se julgar imediatamente improcedentes os pedidos formulados na ação, por esta não poder servir como palco para disputas internas entre os consorciados, e apenas ser possível conhecer do mérito da ação se os consorciados, na respetiva ação, revelarem uma mesma vontade, exteriorizada em uníssono, relativamente ao objeto da ação, como foi o entendimento propugnado na decisão sob sindicância.
Quanto ao contrato de Consórcio:
O contrato de consórcio é definido pelo Decreto-lei n.º 231/81, de 28/07, no artigo 1.º como sendo “O contrato pelo qual duas ou mais pessoas, singulares ou coletivas, que exercem uma atividade económica se obrigam entre si a, de forma concertada, realizar certa atividade ou efetuar certa contribuição com o fim de prosseguir qualquer dos objetivos referidos no artigo seguinte”.
De acordo com Engrácia Antunes- cfr. in “Direito dos Contratos Comerciais”
pág. 209- trata-se de um contrato de cooperação empresarial, entendendo-se “Por contratos de cooperação empresarial designamos genericamente aqueles acordos negociais, típicos ou atípicos, celebrados entre duas ou mais empresas jurídica e economicamente autónomas (singulares ou coletivas, públicas ou privadas, comerciais ou civis), com vista ao estabelecimento, organização e regulação de relações jurídicas duradouras para a realização de um fim económico comum.” .Este autor – in. ob. cit. pág. 390-, observa que “A delimitação dos contratos de cooperação interempresarial é extremamente complexa. Por um lado, domínio profundamente tributário da autonomia privada, a lei e a prática desenvolveram uma multiplicidade insistematizável de figuras contratuais que podem servir a cooperação entre empresas (contratos de sociedade, de KK, de AEIE, de consórcio, de associação em participação, de empreendimento comum, etc.) […].” Este autor- cfr. ob.cit. pág.392- defende serem “cinco as figuras contratuais nodais da cooperação interempresarial – o contrato de “joint venture”, o contrato de consórcio, o contrato de associação em participação, o contrato de agrupamento complementar de empresas, e o contrato de agrupamento de interesse económico.” .
Em relação ao consórcio, escreve que “O consórcio – designação através da qual o Decreto-Lei.°231/81, de 28 de julho, transplantou para a nossa ordem jurídica a “unincorporated joint venture” do mundo anglo-saxónico – define-se como o contrato através do qual duas ou mais empresas, singulares ou coletivas, se vinculam a realizar concertadamente determinada atividade ou efetuar certa contribuição com vista a prosseguir um dos tipos de atividade expressamente previstos na lei.”- cfr. ob.cit. pág. 398/399.
Por sua vez, o artigo 2.º do referido diploma, referindo-se ao objeto do contrato de consórcio estabelece que o consórcio terá um dos seguintes objetos: a) Realização de atos, materiais ou jurídicos, preparatórios quer de um determinado empreendimento, quer de uma atividade contínua; b) Execução de determinado empreendimento; c) Fornecimento a terceiros de bens, iguais ou complementares entre si, produzidos por cada um dos membros do consórcio; d) Pesquisa ou exploração de recursos naturais; e, e) Produção de bens que possam ser repartidos, em espécie, entre os membros do consórcio.
No caso, de acordo com a alegação das partes, e a matéria de facto provada, o objeto do consórcio externo celebrado entre a Apelante e a Chamada consistia na execução de uma empreitada de “Construção de Creche, Lar de Idosos e Serviço de Apoio Domiciliário” do [SCom03...], o que cai na previsão da al. b) “execução de determinado empreendimento”.
Para a boa compreensão do contrato de consórcio e da natureza dos interesses sociais que estão na base deste tipo contratual, e bem assim, do seu enquadramento jurídico, é útil atentar-se no preâmbulo do citado diploma, onde se escreveu designadamente o seguinte: “ (...) Quando várias empresas se reúnem para a execução de uma importante obra pública ou privada, é tão absurdo forçá-las a constituir entre si uma sociedade...como, tendo elas afastado voluntariamente este tipo de enquadramento, pretender que afinal foi uma sociedade – ainda por cima irregular – que elas efetivamente constituíram…O contrato agora expressamente regulamentado no nosso direito aparece chamado de “consórcio”, por ser essa denominação que a nossa prática tem consagrado e cobre grande parte das chamadas unincorporated joint ventures.
Não se confunde com as sociedades comerciais nem com os agrupamentos complementares de empresas, pois diferentes são os seus elementos.
Quanto às sociedades, basta notar que os membros do consórcio não exercem uma atividade em comum, pois cada um continua a exercer uma atividade própria, embora concertada com as atividades dos outros membros.
Quanto ao agrupamento complementar de empresas, visa também fins de cooperação entre empresas, mas em campos e com estruturas muito diversas das do consórcio. Na regulamentação do contrato de consórcio constante do presente diploma predominam preceitos supletivos.
Como já acima se disse, não é intuito do Governo estancar a imaginação dos interessados, mas, sim, por um lado, criar as grandes linhas definidoras do instituto e, por outro fornecer uma regulamentação tipo da qual os interessados possam afastar-se quando julguem conveniente e à qual eles possam introduzir os aditamentos que considerem aconselháveis”.
Feita esta enunciação expositiva, dir-se-á que, o que fundamentalmente distingue o consórcio – que é tributário da figura das “joint ventures” que tiveram o seu advento, na segunda metade do século passado – do contrato de sociedade é que, naquele, cada um dos consorciados continua a exercer uma atividade própria posto que concertada com os outros membros a que está associado. No contrato de sociedade, os sócios exercem uma atividade comum, que não poderá ser de simples fruição, visando a obtenção de lucros – art. 980º do Código Civil.
De acordo com Pedro Pais de Vasconcelos, pode dizer-se que “Conceptualmente, o consórcio é um contrato que se caracteriza pela associação e por certo fim comum económico. Tipologicamente, o consórcio relaciona-se em série com outros tipos associativos, como a sociedade comercial, com a associação em participação e com o agrupamento complementar de empresas.
A introdução deste tipo legal teve indisfarçavelmente em vista dotar o tecido empresarial com um contrato que correspondesse à unincorporated joint venture. É muito claro, nesse sentido, o que ficou a constar do relatório do Decreto-Lei n° 231/81, do qual vale a pena recordar este excerto:
Com o presente diploma, o Governo revela mais uma vez o seu empenho em colocar à disposição dos agentes económicos instrumentos jurídicos atuais ou atualizados, simples e seguros, onde possam enquadrar-se tipos de empreendimentos que a prática criou ou pelo menos tem vindo a esboçar. Aparecem regulados neste diploma dois contratos utilizáveis na cooperação entre empresas: um, velho, que se pretende remoçar - o contrato de associação em participação; outro, novo, que se pretende consagrar - o contrato de consórcio.». E relativamente à necessidade deste tipo contratual refere o mesmo autor «(...) quando várias empresas se reúnem para a execução de uma importante obra pública ou privada, é tão absurdo forçá-las a constituir entre si uma sociedade, numa das espécies de sociedades comerciais, como, tendo elas afastado voluntariamente esse tipo de enquadramento, pretender que afinal foi uma sociedade e ainda por cima irregular - que elas efetivamente constituíram.
Os exemplos podem multiplicar-se se pensarmos na reunião de empresas apenas para o estudo preparatório de um empreendimento a cuja execução depois elas concorram; nas associações para pesquisa e exploração de recursos naturais, em que os associados, públicos ou privados, queiram repartir os produtos extraídos e não os lucros da exploração, etc”- cfr. in Direito Comercial, I Volume, Almedina, 2011,Parte Geral, Contratos Mercantis, pág. 152 e ss.
Como refere Manuel António Pita - in “Contrato de Consórcio”, Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXX, n.º2, 1988, pág. 202- em alusão ao contrato de consórcio: “...A atividade económica é desenvolvida diretamente pelos consorciados; - se o contrato der lugar ao aparecimento de alguma organização, o seu objeto será concertar a atividade individual de cada uma das partes e não a prossecução de uma atividade económica”.
No que respeita às modalidades de consórcio, dispõe o artigo 5º o seguinte:
«1 - O consórcio diz-se interno quando:
a) As atividades ou os bens são fornecidos a um dos membros do consórcio e só este estabelece relações com terceiros;
b) As atividades ou os bens são fornecidos diretamente a terceiros por cada um dos membros do consórcio, sem expressa invocação dessa qualidade.
2 - O consórcio diz-se externo quando as atividades ou os bens são fornecidos diretamente a terceiros por cada um dos membros do consórcio, com expressa invocação dessa qualidade.
Segundo Hugo da Silva Tavares: Seguindo a classificação legal (cfr. o artigo 5º do diploma), podem distinguir-se duas modalidades de consórcio, tendo em conta a projeção externa deste, isto é, consoante aquele é ou não apresentado aos terceiros.
1. Consórcio interno:
Os consórcios internos são aqueles em que só um dos membros se relaciona com terceiros ou cujos membros ao fornecerem bens ou serviços a terceiros, não invocam a respetiva qualidade (artigo 5º do diploma).
Melhor dizendo, as atividades ou os bens são fornecidos a um dos membros do consórcio e só este estabelece relações com terceiros; ou as atividades ou os bens são fornecidos diretamente a terceiros por cada um dos membros do consórcio, mas sem expressa invocação dessa qualidade.
No consórcio interno, sendo convencionada a participação nos lucros e/ou nas perdas, aplica-se o regime da associação em participação (cfr. o artigo n° 25°, ex vi artigo 18° do diploma) quanto à determinação da participação dos consorciados nos lucros e/ou nas perdas.
Note-se, a este respeito, que muito embora o artigo 18° pareça aplicar-se às duas modalidades de consórcio interno previstas no artigo 5º n° 1, na verdade, aplica-se apenas aos consórcios internos previstos na alínea a) desta norma, já que nos consórcios previstos na alínea b) não há, por natureza, quaisquer lucros ou perdas a partilhar.
De facto, na segunda modalidade de consórcio interno, cada um dos consorciados fornece diretamente os bens ou as atividades a terceiros, recebendo destes o respetivo preço, e tendo assim ganhos ou prejuízos consoante o preço das atividades ou bens fornecidos exceda ou não o respetivo custo”- cfr. in O Contrato de Consórcio, Verbo Jurídico, 2017, pág.10.
Na definição dada por Pedro Pais de Vasconcelos: “São consórcios externos aqueles em que as atividades ou os bens são fornecidos diretamente a terceiros por cada um dos consorciados com invocação dessa qualidade ou da existência do consórcio.
O critério distintivo, tal como resulta da lei, é no fundo o carácter oculto ou patente do consórcio. São consórcios internos aqueles em que não é revelada a existência do consórcio e externos aqueles em que essa existência é revelada. O consórcio interno é uma estrutura contratual apenas relevante internamente entre os consorciados sem eficácia externa; no consórcio externo, a estrutura contratual do consórcio não se limita às relações internas entre os consorciados e projeta-se externamente ao relacionamento com terceiros. Como bem se compreende, a estrutura jurídica do consórcio interno é mais fluída e a do consórcio externo é mais densa.
O consórcio externo, tendo uma estrutura mais densa, pode ter um "conselho de orientação e fiscalização" e um "chefe do consórcio"- cfr. ob. cit. págs 155 e 156..
O “chefe do consórcio" (artigos 12° a 14°) tem funções internas e externas. Internamente, cabe-lhe, na falta de estipulação diversa, "organizar a cooperação entre as partes na realização do objeto do consórcio" e "promover as medidas necessárias à execução do contrato, empregando a diligência de um gestor criterioso e ordenado". Externamente, podem ser-lhe cometidos, por procuração dos consorciados, poderes de representação para emitir e receber declaração de terceiros relativas à celebração e execução de contratos, cumprir e reclamar o cumprimento de obrigações, expedir mercadorias, contratar técnicos e consultores. Esta lista não é exaustiva. Estes poderes de representação consideram-se exercidos no interesse de todos os consorciados quando não possam ser "especificamente relacionados com algum ou alguns membros do consórcio". E o que na prática se designa como "líder" do consórcio.
O consórcio externo pode ter uma denominação própria (artigo 15.º) mas a adoção de uma denominação não é obrigatória. Apesar de o consórcio externo alcançar alguma densidade estrutural, órgãos embrionários e até uma denominação própria, todas as posições e relações jurídicas que lhe respeitem são da titularidade dos consorciados. A responsabilidade civil é dos consorciados a quem os atos ilícitos sejam imputáveis (artigo 19°, n° 3). Também as receitas e despesas lhes pertencem e são distribuídas de acordo com o que for convencionado no contrato, embora a lei cuide de estabelecer regras supletivas (artigos 16° a 18°). Nas relações com terceiros não se presume a solidariedade ativa ou passiva dos consorciados (artigo 19°, n° 1 e 2).
É pacifico que os consórcios têm natureza contratual e não instituem uma pessoa jurídica diversa dos seus membros. Não têm personalidade jurídica.
No artigo 19º, n.º1, do diploma legal citado, que apenas define o regime de responsabilidade perante terceiros, no que se refere ao consórcio externo, estabelece-se que nas relações dos consorciados com terceiros não se presume o regime da solidariedade seja ela ativa ou passiva.
Significa tal que, o regime legal do contrato de consórcio afastou expressamente, o regime de solidariedade entre devedores comerciais previsto no artigo 100º do Código Comercial que define como regra que “ Nas obrigações comerciais os co-obrigados são solidários, salvo estipulação em contrário”.
Citando novamente Engrácia Antunes, o mesmo escreveu a este respeito, o seguinte, que subscrevemos:
“O DL. 231/81 regula um contrato obrigacional. Dele nascem direitos e obrigações para as partes contratantes, dando origem a uma associação interna.
Pretendeu-se apagar toda a relevância que tal grupo poderia ter face a terceiros. Estabelecendo-se normas derrogadoras do regime geral, especialmente o regime da solidariedade...São os membros que individualmente estabelecem relações com terceiros. Dada a função económica e social do consórcio, o legislador estabeleceu um regime privilegiado, derrogador do direito comum, afastando soluções jurídicas protetoras dos interesses de terceiros mas limitadoras da liberdade individual dos membros do grupo, especialmente a solidariedade passiva”.
Do contrato de consórcio não nasce um novo ente jurídico próprio, com vida jurídica nova, diferente dos consorciados – o consórcio não tem personalidade jurídica, logo não é suscetível de por si estar em juízo, permanecendo cada um dos seus membros responsável pelos atos que lhe forem imputáveis- cfr. ob. cit.pág.231.
No caso dos autos, atendendo ao contexto dos factos articulados e dos factos assentes resulta que o consórcio celebrado entre a autora e a chamada era externo, e foi celebrado tendo por objeto a execução da empreitada de “Construção de Creche, Lar de Idosos e Serviço de Apoio Domiciliário” do [SCom03...] ( al.b) do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 231/81, de 28/07). Mais resulta que a direção administrativa e jurídica do referido consórcio, de acordo com a cláusula 6.ª desse contrato de consórcio, foi atribuída à autora, na qualidade de chefe do consórcio, e que a contribuição de cada consorciada foi estabelecida em 65% para a Chamada e em 35% para a Autora ( Cláusula 9.ª).
Mais resulta provado que no dia 30 de abril de 2009, foi celebrado o contrato de empreitada entre o consórcio externo formado pela Autora e pela Chamada e a apelada, para a construção da referida obra e que a Autora, desacompanhada da sua consorciada, decidiu mover a presente ação contra a Dona da Obra, a ré/apelada, com vista a obter o pagamento de diversos valores que considera devidos, no montante total de 1.356.939,23 €, fundando os pedidos formulados num alegado incumprimento pela Ré ( Dona da Obra) das obrigações assumidas no contrato de empreitada de construção da referida obra- uma creche, lar de idosos e serviço de apoio domiciliário- obra essa que, conforme provado, foi adjudicada ao consórcio externo formado entre a autora e a sociedade [SCom02...], Lda.
Conforme se descreveu no relatório que acima elaboramos, a Ré contestou a ação, tendo começado por invocar a exceção dilatória da ilegitimidade ativa da autora para intentar a presente ação desacompanhada da sua consorciada, tendo a autora replicado, alegando que, pese embora os pedidos formulados se fundem em trabalhos realizados pela autora e prejuízos só pela mesma sofridos, e não obstante lhe ter sido atribuído o poder de direção administrativa e jurídica do consórcio, ante o disposto no artigo 14.º, n.º2 do D.L. n.º 231/81, de 28/07, coloca-se a questão da sua legitimidade por a ação não ter sido também instaurada pela chamada, pelo que, para colmatar a falta de intervenção da consorciada [SCom02...], Lda, requereu a intervenção principal provocada da referida consorciada.
O TAF de Viseu julgou improcedente o invocado incidente da intervenção principal provocada da consorciada da autora, por considerar que se estava perante uma situação de ilegitimidade ativa insuprível, dada a inexistência dos direitos reclamados na titularidade da autora, mas essa decisão veio a ser revogada por acórdão do TCAN, proferido em 15/03/2019, segundo o qual, in casu, não se verifica a situação que foi tratada pelo Acórdão do STA, de 20/09/2011, proferido no processo n.º 0556/11, seguido pela 1.ª Instância, tendo esta levado «demasiado longe a vontade de respeitar a lição do acórdão do STA, ao ponto de a desrespeitar».
Considerou o TCAN que no caso, diversamente da situação sobre que incidiu o referido acórdão do STA « não existe demonstração da existência de divergências internas entre os membros do consórcio quanto ao objeto ( causa de pedir e pedido) formulado na presente ação, como na sentença se explicita mediante a expressão “ mesmo desconhecendo a vontade da empresa chamada”». Ajuizou-se ainda nesse Acórdão do TCAN que: «É certo que a ação não pode transformar-se num fórum onde as consorciadas venham a dirimir as suas hipotéticas divergências internas, mas mesmo que essa hipótese se viesse a manifestar não afetaria a posição do Réu, uma vez que a falta de sintonia entre as consorciadas, pela própria natureza do consórcio, conduziria fatalmente à improcedência do pedido, na medida em que não se externasse uma vontade unívoca imputável ao consórcio, o mesmo é dizer, uma vontade expressa em uníssono pelas consorciadas. Com a vantagem suplementar, não despicienda para o Réu e para a estabilização da relação jurídica em litígio, de o caso julgado se tornar assi extensível à Chamada».
E concluiu o TCAN, acolhendo a jurisprudência veiculada no acórdão deste TCAN de 20/02/2015, proferido no processo n.º 00239/12.6BEMDL, no qual se decidiu que no caso aí tratado a recorrente não tinha legitimidade para demandar em juízo a recorrida desacompanhada da outra consorciada por se verificar uma situação de litisconsórcio necessário ativo, razão pela qual se impunha a absolvição da instância, determinando-se à 1.ª Instância que deferisse o incidente da intervenção principal provocada da sociedade consorciada da autora, a fim de os autos prosseguirem a tramitação subsequente.
Acontece que, admitida a intervenção principal provocada da sociedade consorciada da autora, e ordenada a sua citação, aquela apresentou contestação, na qual, para além de invocar a sua ilegitimidade, afirmou que: “nada tem a ver com os pedidos formulados pela A., pelo que os não subscreve e inclusive os rejeita”; - Tanto mais que, nada lhe pode ser imputável quer pela A. quer pela R. a que título seja”, invocando, ainda a caducidade do direito de ação.
Ora, na sequência deste articulado, entendeu o Tribunal a quo que, quanto à ilegitimidade da Chamada, a questão estava resolvida pelo Acórdão do TCAN, de 15/03/2019, indeferindo a arguição dessa exceção dilatória.
Porém, considerou que perante o articulado da contestação apresentado pela Sociedade Chamada, do qual resulta a existência de divergências entre a autora e aquela quanto ao objeto da ação, uma vez que a Chamada não só refere que não subscreve os pedidos formulados pela autora na ação, como os rejeita, se impunha julgar todos os pedidos formulados pela apelante na ação como improcedentes, o que decidiu.
E entendeu que essa decisão se impunha, apelando quer ao Acórdão deste TCAN, proferido nestes autos em 15/03/2019, acima citado e em parte transcrito, quer aos Acórdãos do STA de 10/09/2011, proferido no processo n.º 0556/11 e de 24/09/2008, proferido no processo n.º 402/08, lendo-se na decisão recorrida, designadamente, que:
«[…]
Sucede que, presentemente, e como se viu, aquela já demonstrou a sua posição quanto aos presentes autos (não subscrevendo e rejeitando os pedidos formulados pela Autora), pelo que não há razões para não acompanhar o entendimento vertido naquele Acórdão.
Assim, e estando assente que, presentemente, “existe demonstração da existência de divergências internas entre os membros do consórcio quanto ao objeto (causa de pedir e pedido) formulado na presente ação”, e sendo “certo que a ação não pode transformar-se num forum onde as consorciadas venham dirimir as suas hipotéticas divergências internas, mas mesmo que essa hipótese se viesse a manifestar não afetaria a posição do Réu, uma vez que a falta de sintonia entre as consorciadas, pela própria natureza do consórcio, conduziria fatalmente à improcedência do pedido, na medida em que não se externasse uma vontade unívoca imputável ao consórcio, o mesmo é dizer, uma vontade expressa em uníssono pelas consorciadas”, resta concluir que pela improcedência dos pedidos formulados pela Autora, abrangendo também as faturas nºs 2011021, no montante de € 211.177,99 (IVA incluído), relativa a trabalhos contratuais executados, e 2011022, no montante de € 405.158,13 (IVA incluído), relativa a trabalhos a mais.
[…]
Posto isto, face à divergência insanável de posições da Autora e Chamada, resta concluir pela improcedência dos pedidos.»
Avançando.
De acordo com a teoria da impressão do destinatário, acolhida no artigo 236.º do C.Civil, o sentido a retirar das declarações efetuadas pela Chamada na contestação, não pode ser outro senão o de que inexiste entre os membros do consórcio uma vontade comum, uníssona quanto ao objeto da presente ação. Trata-se de uma conclusão irrefutável, contrariamente ao entendimento que a apelante retira dessas afirmações.
A questão está em saber se perante essa constatação o Tribunal a quo podia julgar a ação imediatamente improcedente, como foi decidido, sem mais considerações ou indagações.
A apelante, recorde-se, entende que a consequência extraída pelo Tribunal a quo da posição perfilhada pela sua consorciada, conduz à aceitação da conclusão de que qualquer das sociedades constituídas em consórcio pode obstaculizar a pretensão de uma das consorciadas, que se sinta prejudicada, de exercer os seus direitos, o que viola os artigos 12.º e 16.º, nº 1 do DL 231/81, 319.º e 574.º do CPC e 2.º e 7.º do CPTA.
Não se ignora que num sistema jurídico que assenta na liberdade contratual (art. 405º do CC), em que se reconhece competir às pessoas a decisão de celebrarem ou não negócios jurídicos com vista a regularem as suas relações jurídicas com terceiros e de conformarem essas relações jurídicas, por acordo, nos termos que entendem ser mais conveniente para a salvaguarda dos seus direitos e interesses, como é o caso do sistema jurídico civil nacional, em que o Estado apenas se reserva um papel de regulação e de limitação dessa liberdade contratual quando esta colida com outros direitos ou interesses legalmente protegidos, naturalmente que, sempre que o exercício de um direito reconhecido por lei a um determinado sujeito esteja dependente do assentimento de outrem, em caso de recusa, impõe-se, por regra, respeitar a vontade individual do recusante, já que é a ele, e exclusivamente a ele, que incumbe analisar qual a melhor maneira de salvaguardar os seus direitos e interesses.
Daí que sempre que a lei reconheça um direito a vários sujeitos mas condicione o exercício do direito em causa ao acordo de todos esses sujeitos, em caso de um deles se negar a consentir no exercício do direito em causa, impõe-se respeitar essa opção, no respeito pela liberdade individual do recusante, tendo presente que o mesmo é aquele que está em melhores condições para poder avaliar qual o melhor modo de proteger os seus direitos e interesses.
No contrato de consórcio, não se está perante uma daquelas situações em que se exija ( a lei) que todos os consorciados tenham de estar de acordo para que um qualquer direito emergente do objeto do contrato de consórcio possa ser exercido contra terceiros, no caso, contra a Ré/apelada.
Embora se subscreva a jurisprudência de acordo com a qual entre os consorciados, quanto ao objeto do contrato de consórcio, intercede uma relação de litisconsórcio necessário, como tivemos oportunidade de relatar no Acórdão deste TCAN, de 30/04/2020, proferido no processo n.º 02193/18.1BEBRG, confirmado por Acórdão do STA, de 08/04/2021, na sequência da admissão do recurso de revista oportunamente interposto, daí não decorre que perante a divergência entre os litisconsortes quanto ao objeto de uma concreta ação em que se discuta uma relação jurídica decorrente do objeto do contrato de consórcio, como sucede no caso, em que estão em causa alegados incumprimentos do contrato de empreitada adjudicado ao consórcio formado pela autora e pela chamada, se tenha fatalmente de decidir pela improcedência da ação.
Do litisconsórcio necessário
Voltando à questão do litisconsórcio necessário, escrevemos no mencionado Acórdão do TCAN, de 30/04/2020 que:
« A pluralidade de partes principais pode assumir a forma de coligação (artigos 36.º a 38.º do CPC de 2013) ou de litisconsórcio (regulado nos artigos 32.º a 35.º do mesmo Código), o qual pressupõe uma pluralidade de partes principais, sem qualquer cumulação de objetos ou em que esta cumulação é alegada por todos os autores ou contra todos os réus.
O litisconsórcio necessário, previsto no artigo 33.º do CPC pressupõe a exigência, derivada da lei ou de negócio jurídico, de todos os interessados serem parte na ação, constituindo a falta de um deles motivo de ilegitimidade ad causam. Nos termos do n.º 2 desse preceito legal há ainda litisconsórcio necessário quando a natureza da relação jurídica o exige para que a decisão judicial a obter produza o seu efeito útil normal. E a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.
Como ensina ALBERTO DOS REIS- cfr. in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3ª Ed. reimpressão, 1980, Coimbra Editora, pp. 95 e ss- se este resultado não puder conseguir-se sem que estejam em juízo todos os interessados, estaremos em presença de um caso de litisconsórcio necessário emanado da própria natureza da relação jurídica.
Por outras palavras, se a relação litigiosa for de tal natureza, que, para se formar o caso julgado substancial, seja indispensável que a sentença vincule todos os interessados, todos eles têm de figurar na ação, visto, por um lado, ser inadmissível que se profira uma sentença inútil, e, por outro, ser intolerável, em princípio, que uma sentença tenha eficácia contra interessados diretos que não foram chamados à ação.
O desrespeito pelo litisconsórcio necessário tem como consequência a impossibilidade de composição definitiva do litígio.
Assim, no caso do litisconsórcio necessário, a sua ausência constitui obstáculo à declaração ou realização do direito, ou ainda, nas ações de simples apreciação de facto, à apreciação da existência deste.
O interesse em causa não comporta, pois, uma realização ou definição parcelar sem a presença de todos os interessados- cfr. LEBRE DE FREITAS, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, Coimbra Editora, 1999, p. 58.
Logo, devem estar em juízo, pela posição que ocupam em face da situação jurídica controvertida todas as pessoas que a ela não são estranhas para que “a causa seja julgada perante os verdadeiros e principais interessados na relação, de modo a não repetir-se”- cfr. Anselmo de Castro, Direito Processual Declaratório Civil, vol. II, p. 167, Remédio Marques in Ação Declarativa à luz do Código revisto, 2ª edição, p. 359.»; e Ac. do TCAN, de 20.02.2015, processo n.º 00239/12.6BEMDL.
No caso em análise, não tendo a Autora procuração especial outorgada pela outra consorciada para a representar em juízo, tendo-se concluído, como concluiu, que a pretensão que a Autora pretende fazer nos autos reclama a intervenção da outra consorciada, para que a decisão judicial a obter produza o seu efeito útil normal, a mesma tinha de figurar na ação como parte.
Como eximiamente se discorreu em Acórdão deste TCAN, proferido em 18/03/2011, no processo n.º 01262/10.0BEBRG, e relativamente a uma ação de contencioso pré-contratual onde um dos membros do agrupamento impugnou o ato de adjudicação, que não é o caso dos autos, em que estamos perante uma ação de condenação relativa a alegados incumprimentos do contrato de empreitada: “Em face desta doutrina e jurisprudência, com a qual se concorda, a recorrente carece efetivamente de legitimidade, já que, considerando a relação jurídico-administrativa configurada na ação, ela não é titular, por si mesma, de interesse direto e pessoal na procedência da ação, exigindo-se o litisconsórcio necessário ativo previsto no nº 2 do art. 28º do CPC.
Mas será que a ilegitimidade ativa poderia ser sanada com a intervenção provocada dos restantes membros do agrupamento?
(…) Seria contrário aos princípios da tutela jurisdicional efetiva e da promoção do acesso à justiça (arts. 2º e 7º do CPTA) se não existissem remédios eficazes e eficientes que facultassem ao litisconsorte o recurso à via judicial em caso de recusa ou desinteresse dos demais litisconsortes.
Numa situação destas, a possibilidade de o autor demandar e requerer a citação dos litisconsortes que não querem agir, já foi defendida na doutrina como um dos possíveis “remédios” para sanar a ilegitimidade ativa. Assim entendia, por exemplo, Palma Carlos que, após analisar as várias soluções que a doutrina de então propunha e de afastar a intervenção de terceiros, por ser totalmente inconciliável com o requisito da unidade de interesse do litisconsórcio obrigatório, considerava que «se algum dos litisconsortes ativos não quiser propor a ação, aquele que quiser agir estará, por si, em condições de propô-la, mas terá de chamar a juízo não só os titulares de interesse oposto, mas também o seus próprios litisconsortes, que ficarão processualmente numa posição semelhante à dos réus, in jus vocati, embora quanto à ação e ao direito que se faz valer tenham a posição de sujeitos ativos» (cfr. Ensaio sobre o litisconsórcio, Lisboa, 1956, pág. 242).
Perante a formulação dos atuais artigos 28º e 325º do CPC, a doutrina e jurisprudência consideram que a solução exata é provocar a intervenção dos contitulares do interesse do autor; Miguel Teixeira de Sousa diz que a forma como uma parte pode ultrapassar a recusa dos demais interessados em proporem, conjuntamente com ela, a ação é intentá-la sozinha e, simultaneamente, requerer a intervenção principal, como autores, dos demais interessados (cfr. Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, pág. 168 e jurisprudência aí citada); Lebre de Freitas observa justamente que, “embora a exigência da lei ou do negócio jurídico seja de intervenção dos vários interessados, é suficiente para garantir a integração do litisconsórcio necessário que tenha lugar a sua citação para intervirem”, acrescentando mesmo, a propósito, que “o requerimento de intervenção principal é o único meio que o autor tem ao seu alcance para assegurar o litisconsórcio ativo, quando quem com ele deveria estar associado não quer propor a ação (artºs 269º e 325º, nº 1)” (CPC Anotado, Vol. I, pág. 58); e em idêntico sentido se pronunciam Antunes Varela, J. Miguel Beleza e J. Sampaio Nora no Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 166, nota 1.
Nos termos do art. 325º do CPC, qualquer das partes pode assim chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária (nº 1), devendo o autor do chamamento alegar a causa do mesmo e justificar o interesse que através dele pretende acautelar (nº 3).
E nos termos do art. 320º do mesmo diploma e para que o terceiro possa ser chamado: a) tem que ter, em relação ao objeto da causa, um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos do art. 27º e 28º do CPC; b) ou deve poder coligar-se com o autor nos termos do art. 30º do CPC.
No caso vertente, a situação subsume-se na previsão da alínea a), pois a autora invoca relativamente aos chamados uma situação de litisconsórcio necessário, nos termos do artº 28º nº 2 do CPC, já que afirma que a intervenção se impõe para que haja legitimidade activa e também para que a ação tenha e produza o seu efeito útil normal.
A dedução do incidente de intervenção principal, como forma de resolver a dificuldade do autor em se apresentar em juízo juntamente com os seus associados, é também solução aplicável no processo administrativo. Se no domínio da LPTA havia alguma controvérsia sobre a admissibilidade desse tipo de intervenção, no âmbito do CPTA parece haver unanimidade em admitir-se em termos genéricos a intervenção de terceiros, nos mesmos termos que o processo civil.
Assim, consideram Aroso de Almeida e Vieira de Andrade que lêem no nº 8 do artigo 10º uma «previsão genérica», de aplicação subsidiária do regime de intervenção de terceiros do CPC (cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais administrativos, 2ª ed. pág. 66 e A Justiça Administrativa, 10ª ed. pág. 290, respetivamente).”»

Não oferece dúvida que estando a autora e a chamada agrupadas em consórcio externo, existe uma situação de litisconsórcio necessário ativo - cf. entre vários os Acs. do STA n º 1367/03, de 06/08/2003, nº 54/04, de 02/03/2004, nº 489/04, de 08/06/2004, nº 402/08, de 24/09/2008, nº 216/08, de 02/11/2010, do TCAN nº 01262/10.0BEBRG, nº 18/03/2011, nº 00239/12.6BEMDL, de 20/02/2015 e nº 00235/13.6BEVIS, de 15/03/2019. Na doutrina, vide, CALDEIRA, Marco – “Um por todos…” ou “Juntos até que a morte os separe”? – Agrupamentos e litisconsórcio no contencioso pré-contratual, in CJA, Braga, Cejur, nº 107, Set/Out. 2014, pp. 8-22; SOUSA, Miguel Teixeira de - Estudos sobre o Novo Processo Civil. 2ª ed. Lisboa: Lex, 1997, pp.167-168.
Acontece que, como já vimos, existe uma clara divergência da consorciada da autora em relação ao objeto da presente ação, a qual expressamente assumiu na contestação que não só não subscreve os pedidos formulados pela autora como os rejeita, não restando qualquer dúvida em como não acompanha a autora na pretensão que deduziu contra a entidade demandada, inexistindo, assim uma “vontade unívoca imputável ao consórcio, o mesmo é dizer, uma vontade expressa em uníssono pelas consorciadas”.
A decisão recorrida, que viu na divergência da chamada fundamento para logo julgar improcedentes os pedidos formulados pela apelante na ação, assentou na jurisprudência veiculada pelo Acórdão do STA, de 20/09/2011, processo n.º 0556/11, no qual se considerou que o direito à adjudicação no âmbito de um procedimento a que concorreu um consórcio, reside apenas na esfera jurídica do consórcio e não relativamente a cada um dos seus membros, e daí que, somente o consórcio poderá demandar a entidade adjudicante uma vez que “a proposta apresentada não é divisível em quatro, separadas e parcelares, correspondentes às prestações individuais de cada uma das sociedades”.
Antes de mais importa precisar que no citado acórdão do STA estava em causa uma ação impugnatória visando a anulação de um ato de adjudicação, em que se considerou que a pretensão da autora seria a de conseguir a adjudicação e o contrato lançado a concurso, situação em que, por isso, se entendeu que a mesma não podia aspirar a ocupar sozinha a posição de adjudicatária, que só era atribuível ao conjunto de todas as titulares da proposta classificada em segundo lugar, pelo que não teria, por si só qualquer interesse em obter a anulação do ato de adjudicação, situação diferente da que temos em análise.
O referido Acórdão do STA, acolheu, por sua vez, a jurisprudência veiculada pelo Acórdão do STA, de 24/09/2008, proferido no processo n.º 0402/08, em cujo sumário se obtemperou:
«I - Apresentando-se duas empresas em consórcio externo, como opositoras ao concurso para, concertadamente, fornecerem bens ao réu, com expressa invocação dessa qualidade, a despeito da pluralidade das consorciadas, a respetiva proposta comum é unitária e singular.
II - E, sob pena da perda da respetiva identidade, para efeitos do concurso, a proposta não é divisível em duas, separadas e parcelares, correspondentes às prestações individuais de cada uma das empresas.

III - Sendo assim, dada a sua singularidade, se, porventura, a proposta conquistar o direito à adjudicação, esse direito não radica em cada uma das sociedades, mas nelas enquanto consorciadas;
IV - Deste modo é conjunta e incindível a titularidade do direito à adjudicação e também só em conjunto, em convergência de vontades, as duas empresas consorciadas têm, no plano substantivo, o poder de a exigir.»

Em ambos os acórdãos estavam em causa atos praticados no âmbito de um procedimento pré-contratual, concretamente, o ato de adjudicação. E, em ambos os casos, uma das empresas integrantes do consórcio que concorreu ao respetivo concurso público e que nessa qualidade, apresentou a respetiva proposta, não se conformou com esse ato de adjudicação, decidindo impugna-lo desacompanhada das demais consorciadas, pretendendo obter decisão judicial que reconhecesse o direito à adjudicação à proposta apresentada pelo consórcio que integrava.
E foi nesse contexto, que o STA proferiu a jurisprudência que a decisão recorrida acolheu, não obstante, no caso em concreto, não se estar perante um ato praticado no âmbito de um procedimento pré-contratual mas já no âmbito da execução do contrato de empreitada que foi celebrado na sequência da adjudicação da obra em causa ao consórcio externo formado pela autora e pela chamada, o que constitui um detalhe cujo relevo não é despiciendo considerar para a questão que nos ocupa neste momento.
Como sabemos, quer no domínio do Decreto-lei n.º 59/99, de 02/03, quer no âmbito do CCP, o legislador previu a possibilidade de as empresas se agruparem para efeitos de concorrem aos procedimentos de contratação pública, o que, aliás, era também consentido pelas leis comunitárias, admitindo-se a apresentação de uma proposta conjunta. Atualmente, essa possibilidade está expressamente prevista no artigo 54.º do CCP. A apresentação de uma “proposta conjunta” não pode deixar de ter implicações procedimentais muito relevantes na fase pré-contratual, como seja a exigência da estabilidade da proposta e o regime de solidariedade dos membros do agrupamento pela manutenção da proposta e, bem assim, a exigência do “exercício conjunto ou mandatado dos direitos ( deveres e ónus) procedimentais do agrupamento”.
MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA- in Estudos de Contratação Pública-II”, Coimbra Editora, 2010, pág.149-150- escreve a este respeito que: « Neste caso, os direitos, deveres e ónus inerentes à apresentação (e defesa) da proposta conjunta cabem, conjuntamente também, a todas as empresas agrupadas e deveriam ser exercidas por todas elas…pois que nenhuma das empresas associadas é o “concorrente”, e só a este é reconhecida a titularidade ( e permitido o exercício) das posições procedimentais correspondentes a esse estatuto»
Porém, este mesmo autor, refere mais à frente que: « Dos direitos e deveres só exercitáveis conjuntamente, que exigem a intervenção de ( ou perante) todos os associados no mesmo sentido, há que destacar, talvez, aqueles casos em que eles podem manifestar-se isoladamente dos seus parceiro, em relação à sua posição no procedimento ou à (frustração da ) expectativa de contratar. É o que eventualmente sucederá, com o exercício de direitos de caráter indemnizatório que qualquer das empresas associadas pretender exercer ( em medida correspondente à sua participação) na sequência de ato ilegal procedimental, que prejudique a posição adjudicatória do agrupamento de empresas”, observando, em nota de rodapé, que esta posição está longe de ser pacífica.
É interessante verificar a evolução da jurisprudência comunitária, que em alguns acórdãos tem vindo a pronunciar-se em sentido divergente da jurisprudência nacional mesmo quanto à necessidade do litisconsórcio necessário relativamente a ações de impugnação de atos pré-contratuais, como sucedeu em 2007, quando o TJUE foi chamado a pronunciar-se sobre questão semelhante, na sequência do reenvio do Consiglio Stato cipriota, porquanto este órgão questionava o âmbito de aplicação do acórdão Espace Trianon e Sofibail. Em consequência, determinou o TJUE que a legislação comunitária impõe somente um limiar mínimo de acesso ao recurso judicial pelo que, o direito europeu não se opõe à previsão de legitimidade ativa a um membro do agrupamento que individualmente interponha uma ação de impugnação da decisão de adjudicação. Soma-se a esta posição, as conclusões do Advogado Geral Paolo Mengozzi, no âmbito do Processo C-492/06, junto do Tribunal de Justiça. Com efeito, este entendeu que “cada um dos membros de um consórcio têm um direito autónomo de recurso relativamente aos atos que acarretam prejuízo para o próprio consórcio”. Para o Advogado Geral, esta solução jurídica respeita, por um lado, as diretivas comunitárias e, por outro, o princípio da tutela jurisdicional efetiva. Acrescenta ainda que, não se encontrando na legislação uma solução expressa para o caso sub iudice, dever-se-á aplicar o princípio geral que favorece a interposição de recurso. De outra forma, o mesmo adverte que poderiam existir situações de abuso porquanto poderia “o adjudicatário de um contrato público (…) impedir a interposição de recursos conseguindo que pelo menos um membro dos consórcios concorrentes deixasse de ter interesse em interpô-lo: isto, por exemplo, pela proposta de uma subcontratação por parte do vencedor”.
A nível da doutrina nacional, veja-se a posição assumida por Marco Caldeira, no artigo acima mencionado, para quem “a posição do impugnante solitário é (ou poderá ser) legítima e, por conseguinte, digna de tutela, traduzida na permissão de acesso às vias contenciosas de reação contra um ato que lhe é (não só a ele, é certo, mas também a ele) lesivo.”
Este autor critica a jurisprudência nacional que tem vindo a ser prolatada relativamente à falta de legitimidade singular de um dos membros do agrupamento para intentar uma ação judicial no âmbito de ato praticado no âmbito de um procedimento pré-contratual.
Nesse desiderato, Marco Caldeira começa por chamar a atenção para o facto de a alegada falta de interesse na celebração do contrato- que a jurisprudência nacional extrai do facto de certas empresas do agrupamento não pretenderem impugnar o ato de adjudicação noutra proposta que não a apresentada pelo respetivo agrupamento de empresas- ter subjacente um conjunto de fatores potencialmente impeditivos de interposição da ação de impugnação por todos os membros do agrupamento, nomeadamente dificuldades económicas ou o receio em “hostilizar a entidade adjudicante”.
A seu ver, embora passível de ser interpretada como renúncia ao direito de ação, a não interposição de ação não significa necessariamente a perda de interesse em celebrar o contrato e daí que, a apresentação de um dos membros em juízo não obsta a que os restantes membros do agrupamento, em caso de procedência da ação, outorguem o contrato, beneficiando dos efeitos externos positivos da sentença.
Este autor observa que a jurisprudência do STA, cinge-se apenas às ações que venham a ser julgadas procedentes, que conduzem à “intervenção conjunta do agrupamento”.
Adianta ainda, que parte da doutrina e jurisprudência nacional e internacional sustenta que a ação de impugnação poderá ser proposta por quem apenas tem um interesse “atendível” ou “legitimo” porquanto procura somente uma vantagem num procedimento concursal futuro ou a proteção da concorrência no setor em que opera.
Para ilustrar a sua tese, coloca a hipótese de uma situação em que se verifique uma situação de revogação do ato de adjudicação, por “impossibilidade legal” e conclui que, neste caso, pelo facto de não haver lugar à celebração de novo contrato, não haverá lugar a um juízo de prognose relativo ao interesse dos membros do agrupamento.
Num segundo momento, refere-se às situações em que a entidade adjudicante, na sequência da anulação da adjudicação, encontra-se obrigada a proferir nova decisão de adjudicação, desta vez, em relação ao agrupamento e adianta que, neste caso, “o impugnante é co-destinatário de um ato administrativo constitutivo de direitos, o que significa que, caso a entidade venha depois a revogar aquele ato ou a incumprir as obrigações que do mesmo decorrem, o impugnante poderá demandar a entidade adjudicante, em sede de ação judicial de responsabilidade civil”. Por sua vez, comprovando-se por sentença transitada em julgado que o contrato deveria ter sido adjudicado ao agrupamento e os seus membros se recusarem a celebrar o novo contrato, constituiria o membro do agrupamento que atuou isoladamente, no direito a ser indemnizado por violação da obrigação em se associarem na modalidade jurídica prevista, nos termos do n.º 4 do artigo 54.º do CCP.

Voltando ao caso em apreciação, importa considerar a jurisprudência vertida no Acórdão do STA, de 29/04/2021, proferido no processo n.º 0292/08.7BEBJA, onde se escreveu o seguinte:
« […]
Por outro lado, seria efetivamente contrário aos princípios da tutela jurisdicional efetiva e da promoção do acesso à justiça (artºs 2º e 7º do CPTA), que não existissem soluções jurídicas e eficientes que facultassem ao litisconsorte o recurso à via judicial em caso de recusa ou desinteresse dos demais litisconsortes.
Igualmente não seria legítimo sujeitar um integrante de um consórcio, que se sente prejudicado e por isso pretende ser indemnizado nos danos sofridos, à vontade e bel-prazer de outro ou outros integrantes, em propor ação; daí que a única via de que dispõe é o chamamento a juízo – intervenção principal provocada – alegando a causa do mesmo e justificando o interesse que através dele pretende acautelar [como fez a autora] sob pena de não ver acautelada a tutela judicial efetiva e ver preterido o seu direito.
Também, neste sentido, apontam Aroso de Almeida e Vieira de Andrade ao considerarem no nº 10 do artº 10º do CPTA, uma «previsão genérica», de aplicação subsidiária do regime de intervenção de terceiros do CPC – cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., pág. 66 e A Justiça Administrativa, 10ª ed., pág. 290,
Igualmente a recente jurisprudência do TJUE [pese embora, baseada em factos não rigorosamente iguais aos dos presentes autos] não afasta a fundamentação acolhida no acórdão recorrido.
Veja-se a Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21.12.1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras e de fornecimentos, alterada pelo artº 41º da Diretiva 92/50/CEE do Conselho, de 18.06.1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, cujo artº 1º tem a seguinte redação:
«1. Os Estados-membros tomarão as medidas necessárias para garantir que, no que se refere aos processos de adjudicação abrangidos pelo âmbito de aplicação das Diretivas 71/305/CEE, 77/62/CEE e 92/50/CEE(13), as medidas necessárias para garantir que as decisões tomadas pelas entidades adjudicantes possam ser objeto de recursos eficazes e, sobretudo, tão rápidos quanto possível, nas condições previstas nos artigos seguintes e, novamente, no nº 7 do artigo 2º, com o fundamento de que essas decisões tenham violado o direito comunitário em matéria de contratos públicos ou as regras nacionais que transpõem esse direito».
A interpretação desta norma foi sofrendo alguma evolução.
Assim, no Processo C-129/04, em sede de decisão prejudicial, o TJUE declarou que o artº 1º da Diretiva 89/665/CEE deveria ser interpretado no sentido de que não se opõe a que, segundo o direito nacional, só o conjunto de membros de um consórcio que não dispõe de personalidade jurídica que, enquanto tal, tenha participado num procedimento de adjudicação de um contrato público, e ao qual não tenha adjudicado o referido contrato, pode interpor recurso da decisão de adjudicação e não unicamente um dos seus membros a título individual.
Porém, em processos da mesma natureza, já se decidiu de forma diferente.
Veja-se a propósito os Processos C-145/08 e C-149/08, onde já se declarou diferentemente, no seguinte sentido:
a) «A possibilidade, para cada um dos membros de um agrupamento, de pedir ao juiz competente que lhe seja concedida uma indemnização dependerá (ou não) da circunstância de todos os outros membros do agrupamento pretenderem interpor recurso de anulação, quando o prejuízo sofrido pelos membros do agrupamento, a título individual, pela não adjudicação do contrato, pode ser diferente em função do grau de despesas em que os membros incorreram para efeitos de participação nesse contrato, podendo o interesse de cada um dos membros do agrupamento em pedir a anulação de uma decisão ser diferente e podendo perguntar-se se, neste contexto processual, o princípio da proteção jurisdicional efetiva estabelecido na Diretiva 89/665/CEE é salvaguardado;
b) a possibilidade de, inicialmente, o recurso em causa ter sido interposto pelo agrupamento enquanto tal e pelos seus sete membros, na Quarta Secção do Symvoulio tis Epikrateias e esta formação de julgamento declarar inadmissível o recurso relativamente ao agrupamento e a quatro dos seus membros, pelo facto de o seu advogado não estar por eles devidamente mandatado para o efeito e, relativamente aos três restantes membros do agrupamento, remeteu o processo, atendendo à sua importância, ao plenário desse órgão jurisdicional, aplicando-se a jurisprudência até então assente, segundo a qual era também admissível o recurso interporto por determinados membros de um agrupamento».
Ou seja, nestes processos o TJUE declarou que:
«o direito da União, em particular o direito à proteção jurisdicional efetiva, opõe-se a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, interpretada no sentido de que os membros de um consórcio, proponente num processo de adjudicação de um contrato público, são privados da possibilidade de pedir, a título individual, uma indemnização pelos danos que sofreram individualmente em consequência de uma decisão adotada por uma autoridade, diferente da entidade adjudicante, envolvida nesse processo em conformidade com as normas nacionais aplicáveis e, que pode ter influência sobre o desenrolar deste processo».
Cremos, pois, que o direito da União Europeia, designadamente, o supra referido, não se afasta da interpretação feita, no caso concreto, no acórdão recorrido, no sentido de ser possível o suprimento da exceção de ilegitimidade ativa da autora, por preterição de litisconsórcio ativo necessário, por via da intervenção principal provocada da sua consorciada B............, S.A».
No caso em análise, como se disse, não estamos perante a impugnação de um ato de adjudicação mas perante um litigio que surge no âmbito da execução de um contrato de empreitada, pelo que, desde logo, não nos parece aceitável extrapolar o entendimento da jurisprudência nacional invocado na decisão recorrida, que é relativo à falta de interesse na celebração do contrato por parte do membro de um agrupamento, detetado em ações de contencioso pré-contratual, para outras situações como aquela que temos em mãos, em que, em bom rigor, não se pode afirmar que as pretensões formuladas pela Autora sejam indivisíveis, de tal modo que, perante a rejeição ou oposição de um ou dos demais litisconsortes, o autor fique de mãos atadas, vendo a sua pretensão gorar-se sem mais.

Aliás, um tal entendimento, não está em sintonia com a disciplina legal contida nos artigos 353.º, n.º2 do Cód. Civil, 283º e 298.º do CPC que regula os efeitos da confissão, da desistência e da transação efetuadas pelos litisconsortes.
No n.º2 do artigo 352.º do Cód. Civil dispõe-se que:« A confissão feita pelo litisconsorte é eficaz, se o litisconsórcio for voluntário, embora o seu efeito se restrinja ao interesse do confitente; mas não o é, se o litisconsórcio for necessário».
Por sua vez, no artigo 283.º do CPC, sob a epigrafe “Liberdade de desistência, confissão e transação” estabelece-se que:
«1-O autor pode, em qualquer altura, desistir de todo o pedido ou de parte dele, como o réu pode confessar todo ou parte do pedido.
2- É licito também às partes, em qualquer estado da instância, transigir sobre o objeto da causa».
Por fim, no artigo 288.º do CPC, sob a epigrafe “ Confissão, desistência e transação no caso de litisconsórcio”, estipula-se que:
«1- No caso de litisconsórcio voluntário, é livre a confissão, a desistência e a transação individual, limitada ao interesse de cada um na causa;
2- No caso de litisconsórcio necessário, a confissão, a desistência ou a transação de algum dos litisconsortes só produz efeitos quanto a custas, seguindo-se o disposto no n.º2 do artigo 528.º».
No artigo 283.º prevê-se a possibilidade de as partes poderem dispor do objeto da pretensão, como manifestação do princípio do dispositivo. Contudo, «[n]os casos de litisconsórcio, as normas que estatuem a liberdade de celebrar negócio de autocomposição do litigio (art.283), e permitem, embora condicionalmente, desistir da instância (art.286-1) carecem de ser adaptadas. O problema não se põe quando todos os litisconsortes desistem do pedido ou da instância, confessam o pedido ou celebram transação, mas quando só algum ou alguns deles o querem fazer.
[…]
Sendo o litisconsórcio necessário (art.33), já não é possível circunscrever o efeito do ato ao interesse do seu autor, visto que, por lei, por negocio jurídico ou pela natureza da relação jurídica, o efeito útil da decisão só se produzirá perante todos os litisconsortes, sendo assim, incindível. A ação é única (art.35), carecendo duma decisão uniforme e vinculativa para todos, pelo que a desistência do pedido ou da instância, a confissão do pedido e a transação só surtem efeito quanto a custas»- cfr. Código de Processo Civil Anotado, por José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Vol. I, 4.ª Ed., Almedina, págs. 582 e 583.
Considerando que no litisconsórcio há uma única ação com pluralidade de sujeitos, compreende-se que nenhuma das atuações previstas no artigo 288.º do CPC« produz efeitos em situações de litisconsórcio necessário, prosseguindo a ação os seus termos normais se e enquanto não houver posição comum adotada por todos os litisconsortes, limitando-se os efeitos à matéria de custas, nos termos do art. 528.º, n.º2”- cfr. Código de Processo Civil, Vol.I, anotado por António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Almedina, 2.ª Ed., pag.354.
De acordo com o disposto no art.º 35.º do CPC “[n]o caso de litisconsórcio necessário, há uma única ação com pluralidade de sujeitos; no litisconsórcio voluntário, há uma simples acumulação de ações, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes.”
O Professor Miguel Teixeira de Sousa considera que o sentido prático deste preceito é reduzido e além disso, algo equivocado (cfr. CPC
ONLINE, versão de 2021.07, pp. 45 e 46). No seguimento do já defendido em “Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª edição, 1997, Lex, pp. 171 a 174”, Miguel Teixeira de Sousa demonstra que há situações de litisconsórcio necessário em que a decisão final não é necessariamente uniforme face a cada um dos consortes (caso do litisconsórcio necessário por convenção, em que um dos devedores demonstra ter pago a sua parte na dívida) e casos de litisconsórcio voluntário em que a decisão final tem, necessariamente, de ser uniforme (ação de anulação de deliberação social proposta por alguns dos sócios). Assim, segundo aquele ilustre Professor, “nos preceitos que se referem ao conteúdo da decisão e que procuram diferenciar as situações em que ela deve ser uniforme para todos os litisconsortes ou pode ser distinta para cada um deles, onde se fala de litisconsórcio necessário ou voluntário, dever-se-ia antes falar de litisconsórcio unitário ou simples” (Estudos, ob. cit., p. 172).
Ora, também por apelo à disciplina legal contida nos artigos supra transcritos, encontramos apoio para considerar que a existência de divergências quanto à pretensão formulada por um ou mais litisconsortes em relação aos pedidos deduzidos numa ação relativa a alegados incumprimentos de um contrato de empreitada, em que do lado ativo se verifica a existência de uma relação litisconsorcial, daí não decorre um impedimento a que a ação prossiga os seus legais termos, para aferir da procedência ou improcedência dos pedidos formulados na ação, uma vez que, a confissão, desistência ou transação por banda de um dos litisconsortes não pode relevar a não ser para efeitos de custas.
Sendo assim, se transpusermos a disciplina legal que resulta destes preceitos para a situação em análise, não podemos senão concluir que a circunstância de inexistir uma posição comum por banda de todos os litisconsortes necessários na ação movida pela aqui apelante, nem por isso a ação deixará de prosseguir os seus legais termos, sendo essa conduta processual da sociedade consorciada da Autora que ser avaliada pelo Tribunal a quo, no momento devido, sem que, por força da posição assumida no seu articulado, o mesmo fique impedido ou desde logo dispensado de prosseguir com a tramitação da ação, por fatalmente terem os pedidos de improceder.
A posição perfilhada na decisão recorrida traduzir-se-ia numa negação do direito da autora de fazer valer em tribunal um direito a que se arroga, amarrando-a de forma intolerável a uma vontade que não é a sua, levando a que não pudesse ver apreciada pelos tribunais uma pretensão em relação à qual se acha com direito, só porque, existindo uma pluralidade ativa, uma das litisconsortes entende nada ter a reclamar em relação ao modo como, no caso, o contrato de empreitada foi cumprido pela apelada, não se estando, no caso, perante uma obrigação indivisível.
Lê-se no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/2017, que: «O artigo 20.º da CRP garante a todos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente legítimos (n.º 1), determinando ainda que esse direito fundamental possa ser efetivamente exercido através de um processo equitativo (n.º 4).
O direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º, CRP – enquanto «norma-princípio estruturante do Estado de Direito Democrático (art. 2.º)» (J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anotação ao artigo 20.º, p. 409) – constitui, porventura, a maior das garantias de defesa dos demais direitos fundamentais dos cidadãos, compreendendo o direito de ação ou de acesso aos tribunais, o direito ao processo perante os tribunais, o direito à decisão da causa pelos tribunais e o direito à execução das decisões dos tribunais (cfr. idem, p. 414). Por seu turno, deve este direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, sobretudo na vertente do direito de ação, ser efetivado mediante um processo equitativo, que reclama, também nas palavras de. J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA (cfr. ob. cit., p. 415): «(1) direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo (…); (2) o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas; (3) direito a prazos razoáveis de ação ou de recurso (…); (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em tempo razoável; (6) direito ao conhecimento dos dados processuais; (7) direito à prova, isto é, à apresentação de provas destinadas a demonstrar e provar os factos alegados em juízo; (8) direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas peias formalísticas».
O artigo 20.º da Constituição garante a todos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente legítimos, impondo igualmente que esse direito se efetive – na conformação normativa pelo legislador e na concreta condução do processo pelo juiz – através de um processo equitativo (n.º 4).
A posição assumida pela decisão recorrida, salvo melhor opinião, viola o direito constitucional de acesso ao Direitos e aos Tribunais consagrado no artigo 20º da lei fundamental e traduzir-se-ia num sacrifício insuportável dos direitos da ora apelante, pelo que, a mesma padece do vício de inconstitucionalidade material, por violação do direito de acesso à tutela jurisdicional efetiva. Enfatize-se que, salvo os casos excecionais previstos na lei, em que é possível o recurso à ação direta o direito de acesso aos tribunais implica a possibilidade de os cidadãos e as empresas poderem lançar mão de meios que assegurem a tutela das suas pretensões.
Termos em que se revoga a decisão recorrida no segmento em que julgou todos os pedidos improcedentes com base no presente fundamento de recurso.
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b.2. da caducidade do direito de ação: (i) da nulidade da decisão recorrida que julgou verificada a caducidade do direito de ação por omissão de pronúncia, por não ter levado aos factos assentes matéria que lá deveria constar; (ii) do erro de julgamento quanto ao mérito dessa decisão.
A apelante não se conforma com o saneador-sentença proferido pela 1.ª Instância que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação quanto às faturas n.º 2011021, no montante de € 211.177,99 (IVA incluído), relativa a trabalhos contratuais executados, e n.º 2011022, no montante de € 405.158,13 (IVA incluído), relativa a trabalhos a mais.
A apelante alicerça a sua discordância em relação à decisão que julgou procedente a exceção da caducidade do direito de ação em relação às faturas números 2011021 e 2011022, em três ordens de razão, a saber:
1.ª por entender que o RJEOP, aprovado pelo DL n.º 59/99, de 02/03, não é aplicável aos presentes autos, pelo que não se impunha observar o prazo de 132 dias úteis previsto no artigo 255.º, sendo antes aplicável o disposto no artigo 41.º do CPTA, na versão conferida pela Lei 15/2002, de 22 de fevereiro- vide conclusões formuladas sob os pontos 17 a 26;
2.ª por a seu ver, o Tribunal a quo não ter tido em devida conta uma comunicação datada de 05/03/2012, a qual imporia, se considerada, a improcedência da exceção de caducidade do direito de ação, pugnando pela alteração da matéria de facto dada como provada, de modo a incluir-se na mesma o teor dessa comunicação- vide conclusões formuladas sob os pontos 28 a 31;
3.ª por considerar que a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia- art.615.º, n.º1, al. d) do CPC- decorrente de não ter apreciado toda a prova de que dependia a demonstração dos factos alegados pela apelante, assim violando também o seu direito de acesso à tutela judicial efetiva consagrado no art.20.º da CRP- vide conclusões 32 a 36.
As apeladas, por sua vez, contra-alegam que não assiste qualquer razão à apelante, uma vez que o procedimento que levou à celebração do contrato objeto dos presentes autos iniciou-se em data anterior à entrada em vigor do CCP, e daí a razão pela qual se fez constar da cláusula 12.ª do contrato, que ele « será regulado de acordo com o que referem os números um, ponto dois e um, ponto três das “disposições Gerais do Caderno de Encargos”, prevendo-se no Caderno de Encargos, que ao contrato em causa é aplicável o regime do DL 59/99, de 02/03, facto que mereceu a concordância da apelante, que conformou a sua atuação com o dito Caderno de Encargos, assinou o contrato de empreitada e na p.i., funda o seu pedido neste regime, invocando-o nos artigos 89.º e 92.º desse articulado.
Mais alegam que se trata de questão nova só agora colocada pela Apelante e que não foi apreciada na sentença, pelo que tal questão está fora do âmbito do recurso e não pode ser agora conhecida por este Tribunal ad quem.
Ademais, sustentam que tendo a apelante conformado todo o seu comportamento anterior com tal regime e assinado o próprio contrato, vir agora arguir que esse regime não é aplicável configura uma situação de abuso de direito, na vertente do “venire contra factum proprium”, que expressamente invocam.
Quanto à alegada não consideração pelo Tribunal a quo da comunicação de 05/03/2012, matéria que a apelante advoga dever ser incluída no elenco dos factos assentes, sob pena de nulidade da sentença por omissão de pronúncia, as apeladas aduzem que essa comunicação se encontra transcrita no ponto 24 dos factos assentes e que não se percebe a razão dessa pretendida alteração, para além de não terem sido cumpridos, sequer, os ónus do art.640.º, n.º1 do CPC ex vi art.140.º do CPTA. Mas ainda que assim não fosse, pelo menos desde a data em que a apelante foi citada para a ação com processo n.º 154/12.3BEVIS, o que ocorreu no dia 15/03/2012, a mesma teve conhecimento da “decisão inequivocamente negativa” por parte da Ré/recorrida, até porque a mesma não contestou a referida ação, pelo que, também por este prisma o prazo de 132 dias úteis previstos no art. 255.º do RJEOP já se tinha esgotado quando a presente ação foi intentada.
Assim, propugnam pela manutenção da sentença a qual «somente peca por defeito por não ter considerado que todos os pedido formulados pela Recorrente estariam caducos…».
Quid iuris?
(i)da nulidade da decisão por omissão de pronúncia: al.d), n.º1 do art. 615.º do CPC
As causas determinativas de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente enunciadas no n.º 1 do art.º 615º do CPC, e conforme decorre das diversas alíneas desse preceito, reportam-se a vícios formais da sentença, acórdão (art.º 666º, n.º 1 do CPC) ou despacho (art.º 613º, n.º 3 do CPC) em si mesmos considerados, decorrentes de na sua elaboração e/ou estruturação o tribunal não ter respeitado as normas processuais que regulam essa sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão neles proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo de cognição, em termos de fundamentos - causa de pedir -, o que se reconduz à nulidade por omissão e excesso de pronúncia, respetivamente - e/ou de pretensão – pedido -, o que se traduz na nulidade por condenação ultra petitum, tratando-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, acórdão ou despacho em si mesmos considerados, ou seja, reafirma-se, vícios formais que afetam essas decisões de per se e/ou os limites à sombra dos quais são proferidas.
Entre as causas determinativas de nulidade da sentença, acórdão ou despacho, conta-se a nulidade por omissão ou excesso de pronúncia, a que alude a al. d), do n.º 1 do art. 615º.
Trata-se de nulidades que se relacionam com o preceituado no art. 608º, n.º 2 do CPC, que impõe ao juiz a obrigação de resolver na sentença (despacho ou acórdão) todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Note-se que a nulidade da decisão judicial por omissão ou excesso de pronúncia é uma decorrência do princípio do dispositivo, segundo o qual, na sua dimensão tradicional, “o processo é coisa ou negócio das partes”, é “uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, cumprindo ao juiz arbitrar “a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado”, princípio esse de que, entre outras consequências, decorre que cabe às partes instaurar a ação e, através do pedido, causa de pedir e da defesa, circunscreverem o thema decidendum, mas também do princípio do contraditório, o qual, na sua atual dimensão positiva, proíbe a prolação de decisões surpresa (art. 3º, n.º 3 do CPC), ao postergar a indefesa e, consequentemente, ao reconhecer-se às partes o direito de conduzirem ativamente o processo e de influírem para a decisão a ser nele proferida- cfr. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374.
Porém, como já alertava Alberto dos Rei, impõe-se distinguir entre “questões” e “razões ou argumentos”. “(…) uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”- cfr. Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143.
Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas pelas partes determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões- cfr. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374..
Os argumentos convocáveis pelas partes para decidir certa questão nos termos em que por elas são propugnados, não se identificam, por isso, com a questão a decidir. Daí que o não conhecimento desses argumentos ou o deficiente conhecimento dos mesmos, embora possam afetar a correção jurídica ou a conveniência doutrinária da decisão e certamente que põem em crise o valor persuasivo desta, dado que nela o julgador não cuidou em rebater toda a argumentação que lhe foi apresentada pelas partes, principalmente, a argumentação contra a solução jurídica que acabou por dar à questão decidenda, não inquina essa decisão de nulidade, nomeadamente, por omissão de pronúncia.
Do mesmo modo, apenas o conhecimento pelo tribunal de questões não suscitadas pelas partes nos seus articulados e de que não possa conhecer oficiosamente, determina a invalidade da sentença por excesso de pronúncia.
“Questões”, não se confundem com os “argumentos” que as partes invocam em defesa dos seus pontos de vista ou para afastar o ponto de vista da parte contrária.
Na esteira da doutrina e da jurisprudência, dir-se-á que “questões” são os núcleo fáctico-jurídico essenciais, centrais, nucleares, relevantes ou importantes submetidos pelas partes ao escrutínio do tribunal para dirimir a controvérsia entre elas existentes e cuja resolução lhe submetem, atentos os sujeitos, pedidos, causas de pedir e exceções por elas deduzidas ou que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres ou doutrinas expendidos no esgrimir das teses em confronto- cfr. Acs. STJ. 30/10/2003, Proc. 03B3024; 04/03/2004, Proc. 04B522; 31/05/2005, Proc. 05B1730; 11/10/2005, Proc. 05B2666; 15/12/2005, Proc. 05B3974, todos in base de dados da DGSI. .
Revertendo aos ensinamentos de Alberto dos Reis, “…assim como a ação se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir (…), também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”- cfr. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, 5º vol., pág. 54.
Precise-se que muito embora atualmente, na sequência da revisão ao CPC operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, o julgamento da matéria de facto se contenha na sentença final, os erros de julgamento da matéria de facto não constituem, em regra, causa de nulidade da sentença, nomeadamente, por omissão ou excesso de pronúncia ou por falta de fundamentação, porquanto o julgamento da matéria de facto encontra-se sujeito a um regime de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou a contradição da decisão ou a falta da sua motivação/fundamentação -, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação, não constituindo, por conseguinte, em regra, causa de nulidade da sentença, mas antes sendo suscetíveis de dar lugar à atuação pela 2.ª Instância dos poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto operada pela 1ª Instância, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 662º do CPC.
Não falta, aliás, quem advogue que os erros de julgamento da matéria de facto nunca por nunca constituem causa de nulidade da sentença, continuando válida a distinção que na versão anterior à revisão do CPC se impunha operar entre erros de julgamento da matéria de facto e sentença propriamente dita, a qual versava apenas quanto ao julgamento da matéria de direito (mérito).
No entanto, perante as alterações introduzidas ao CPC pela Lei n.º 41/2003, em que a decisão sobre a matéria de facto passou a integrar a própria sentença, na senda da doutrina sufragada por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, entendemos que se é certo que a deslocação da decisão da matéria de facto e da sua fundamentação/motivação para a própria sentença não afasta a distinção que se impõe operar entre decisão sobre a matéria de facto e decisão sobre a matéria de direito, nem o regime específico do art. 662º, n.ºs 1 e 2 do CPC a que se encontram subordinados os vícios que afetam o julgamento da matéria de facto, não se pode concluir que os erros de julgamento da matéria de facto, em caso algum, constituam causa de invalidade da sentença, nos termos do art. 615º, uma vez que esses erros poderão ser de tal modo graves que acabem por se reconduzir a um dos tipos de nulidade da própria sentença enunciados no n.º 1 do art. 615º do CPC, que levem à invalidação desta, como é o caso de uma sentença em que o juiz omite totalmente a declaração e a discriminação dos factos que julgou provados e/ou omite totalmente a discriminação dos factos que julgou não provados e/ou omite totalmente a motivação/fundamentação do julgamento de facto que realizou – cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, págs. 707 a 708 e 733 a 734..
Também não ocorre o vício determinativo da nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando determinada questão não passou despercebida ao tribunal, mas este decide erroneamente que apreciação dessa questão se encontra prejudicada face à decisão de uma anterior questão de que conheceu, posto que, nesse caso, o que existe é erro de julgamento, mais concretamente, erro de julgamento da matéria de direito.
No caso, a apelante assaca à decisão recorrida no segmento em que julgou verificada a exceção da caducidade do direito de ação, o vício de nulidade por omissão de pronúncia nos termos da al. a) do n.º1 do art.º 615.º do CPC, por alegadamente o Tribunal a quo não ter incluído no elenco dos factos assentes o teor da carta enviada pela ré à autora datada de 05/03/2012, pretendendo que se adite essa matéria aos factos assentes e não se ter pronunciado sobre matéria alegada e que era relevante para a decisão da causa.
A apelante não tem qualquer razão. Em primeiro lugar, a matéria que pretende ver aditada relativamente à carta de 05/03/2012, já consta ta expressamente do ponto 24 da fundamentação de facto da decisão recorrida, pelo que não pode pretender o aditamento de matéria que já se encontra inserida nesse elenco.
Em relação á demais matéria que diz ter alegado e que devia constar dos factos assentes, a apelante não identificou que matéria era essa que considera relevante e que devia constar e as razões pelas quais a considera relevante, incumprindo os ónus de impugnação previstos no artigo 640.º do CPC.
Ademais, como acima se explanou, as omissões de matéria de facto do elenco dos factos assentes ou não assentes, a ocorrerem, muito dificilmente configuram uma omissão de pronuncia, mas antes, a verificar-se tal situação, estaremos perante um erro de julgamento.
Termos em que sem necessidade de mais considerações, se impõe julgar improcedente a assacada nulidade por omissão de pronúncia, que assim se rejeita.
(ii) do erro de julgamento quanto ao mérito da decisão que julgou verificada a caducidade do direito de ação.
A Ré Dona da Obra, ora apelada, e a Chamada, também apelada, arguiram nas respetivas contestações, a exceção da caducidade do direito de ação relativamente aos pedidos formulados pela autora na p.i., com fundamento nos mesmos argumentos que acima se indicaram, que repetiram em sede de contra-alegações de recurso.
A autora replicou, pugnando pela improcedência da referida exceção, sustentando, em síntese, que os valores peticionados a título de trabalhos contratados e trabalhos a mais, ambos executados, são baseados na execução do contrato de empreitada e são devidos, não pelo facto de ter havido a alegada resolução do contrato de empreitada, mas por se tratarem de trabalhos que foram executados e que ainda não foram pagos. Quanto aos demais valores peticionados, os mesmos também se baseiam no contrato de empreitada e na atuação da Ré durante a sua execução. Por fim, refere que não se verificam os pressupostos de que depende a aplicação do disposto no artigo 255.º do DL 59/99, faltando a deliberação da Ré no sentido de negar os valores peticionados.
O Tribunal a quo decidiu, sobre a invocada exceção da caducidade, que « aos presentes autos, é aplicável o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (RJEOP), aprovado pelo Decreto-Lei nº 59/99, de 02.03.», em cujo artigo 254.º, n.º1 do RJEOP se estipulava que “[r]evestirão a forma de ação as questões submetidas ao julgamento dos tribunais administrativos sobre interpretação, validade ou execução do contrato”, e em cujo artigo 255.º sob a epígrafe “Prazo de caducidade” se previa que: “As ações deverão ser propostas, quando outro prazo não esteja fixado na lei, no prazo de 132 dias contados desde a data da notificação ao empreiteiro da decisão ou deliberação do órgão competente para praticar atos definitivos, em virtude da qual seja negado algum direito ou pretensão do empreiteiro ou o dono da obra se arrogue direito que a outra parte não considere fundado.”
E apoiando-se na jurisprudência veiculada no Acórdão deste TCAN, de 06/03/2015, proferido no processo 01279/10.5BEBRG-A, no qual se assevera ser «… ponto assente que as ações em que se suscitem questões sobre “interpretação, validade ou execução do contrato de empreitada” deverão ser propostas no prazo de 132 dias, contados desde a data da notificação ao empreiteiro da decisão ou deliberação do órgão competente para praticar atos definitivos, em virtude do qual seja negado algum direito ou pretensão do empreiteiro ou o dono da obra se arrogue direito que a outra parte não considere fundado [cfr. artigo 255.º do RJEOP]», proferiu a seguinte decisão que passamos a transcrever:
«[…]
Revertendo o entendimento firmado neste aresto, o qual perfilhamos, para os presentes autos, resulta dos pontos 20. e 21. do probatório que a Autora emitiu em 30.12.2011 as faturas nºs 2011021, no montante de € 211.177,99 (IVA incluído), relativa a trabalhos contratuais executados, e 2011022, no montante de € 405.158,13 (IVA incluído), relativa a trabalhos a mais, que enviou à Entidade Demandada, a qual, por carta datada de 18.01.2012, rececionada pela Autora em 19.01.2012, procedeu à devolução das mesmas, tendo feito constar da comunicação a seguinte referência expressa “Acusamos a recepção da V/ comunicação datada de 10.01.2012 e facturas anexas que por esta via devolvemos por entendermos não serem devidas” [cfr. ponto 22. do probatório]. Posteriormente, a Autora remeteu novamente as faturas, que foram outra vez devolvidas pela Entidade Demandada, em cuja comunicação, recebida pela Autora em 07.03.2012, uma vez mais, referia “Acusamos a recepção da V/ comunicação datada de 22 de Fevereiro e facturas anexas que por esta via pela 2.ª vez devolvemos por entendermos não serem devidas” [cfr. pontos 23. e 24. do probatório].
Ora, dúvidas não há de que quanto a ambas as faturas a Entidade Demandada proferiu uma “decisão inequivocamente negativa”, motivo pelo qual a partir do momento em que a Autora recebeu tal comunicação, concretamente em 19.01.2012, dispunha o Consórcio, por força do disposto no artigo 255º do RJEOP, do prazo de 132 dias úteis para intentar ação, ou seja, até ao dia 27.07.2012, que por ocorrer em férias judiciais, passaria para o dia 01.09.2012.
Sucede que, e como resulta do ponto 25. do probatório, a petição inicial deu entrada em juízo no dia 07.05.2013, pelo que já havia caducado o direito de intentar a ação quanto àquelas duas faturas, constituindo uma exceção perentória (cfr. artigos 493º, nº 3 e 496º, do CPC).
Quanto aos restantes montantes peticionados, não resulta dos autos que os mesmos tenham sido reclamados diretamente à Entidade Demandada, nem tão-pouco que esta tenha proferido uma “decisão inequivocamente negativa” quanto aos mesmos, pelo que quanto a estes não está caducado o direito de intentar ação.
Termos em que, é parcialmente procedente a exceção de caducidade, concretamente quanto às faturas nºs 2011021, no montante de € 211.177,99 (IVA incluído), relativa a trabalhos contratuais executados, e 2011022, no montante de € 405.158,13 (IVA incluído), relativa a trabalhos a mais.»
Não se mostra dubitativo, que à data em que o contrato de empreitada em causa nestes autos foi celebrado, já estava em vigor o Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, o qual revogou, designadamente, o Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março. Contudo, de acordo com o disposto no artigo 16.º, n.º 1 do C.C.P., o CCP apenas é aplicável aos procedimentos de formação dos contratos públicos iniciados após a data da sua entrada em vigor e à execução dos contratos que revistam natureza de contrato administrativo celebrados na sequência de procedimentos de formação iniciados após essa data.
É também um facto que no caso em análise, não existe informação nos autos sobre a data em que a dona da obra iniciou o procedimento de formação do contrato em análise, máxime, não sabemos sequer a data em que foi elaborado o caderno de encargos para que remete o contrato de empreitada celebrado entre as partes.
Sendo assim, dir-se-á que se estivéssemos em presença de um contrato administrativo, sujeito imperativamente à disciplina legal das empreitadas de obras públicas, ter-se-ia de apurar previamente à decisão sobre a caducidade do direito de ação ao abrigo do regime legal ínsito no artigo 255.º do DL 59/99, qual a data em que foi iniciado o procedimento de formação do contrato para e só perante a prova de que essa data precedeu a entrada em vigor do CCP, se ter o regime do DL 59/99, como aplicável.
Porém, in casu, a verdade é que as partes que outorgaram o contrato de empreitada em discussão não são pessoas coletivas de direito público, nem se encontravam investidas de prerrogativas de direito público, quando o celebraram. Em bem da verdade, nenhuma das partes contraentes é “entidade pública ou concessionário”, nem “sujeito privado, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos.
Como tal, na situação do autos, é incontornável que estamos perante um contrato privado que as partes decidiram sujeitar a um regime de direito substantivo público, regime esse que foi o previso no DL n.º 59/99.
Ora, é consabido que nas relações jurídicas de natureza privada as partes detêm ampla liberdade para definirem o conteúdo dos contratos que celebram, de acordo, aliás, com o princípio da liberdade contratual estabelecido no artigo 405.º do Código Civil. A autonomia privada apenas é restringida por força de normas imperativas ou injuntivas e de princípios gerais de direito.
Apesar de o contrato de empreitada de obra particular se encontrar especificamente regulado no Código Civil (artigos 1207.º a 1230.º), é frequente que as partes determinem a aplicação do regime jurídico previsto para as empreitadas de obras públicas.
«Na verdade, a aplicação de regras de direito público funda-se no acordo das partes que, ao abrigo da liberdade contratual, escolheram um regime jurídico substantivo de direito público para disciplinar a sua relação jurídica, que não se lhes aplicaria não fosse a opção convencional.
[…] no caso de existir remissão contratual específica para o Código dos Contratos Públicos, não deverão restar grandes dúvidas de que a vontade real das partes manifestada nessa remissão terá sido que as disposições constantes naquele diploma legal se devem ter por aplicáveis, sem prejuízo de normas imperativas previstas na lei civil e das demais cláusulas contratuais.»- cfr.” Aplicação de normas substantivas de direito público a contratos de empreitada de obra particular: um caso de fuga para o direito público?, Pedro Vieira da Gama Lobo Xavier e Vasco Xavier da Gama Lobo Ribeiro de Mesquita.
Ou como também dá conta Pedro Romano Martinez- in Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, 2ª edição, pág. 322): “…não raras vezes, em contratos de empreitada regulados pelo Direito Privado, as partes remetem para regras de Direito Público, designadamente o Decreto-Lei respeitante ao regime das empreitadas de obras públicas. (…) Sempre que tal ocorra, as referidas normas não se aplicam por imposição legal, mas em virtude da disposição contratual que para elas remete.”
Ainda como se sumariou no Acórdão do TRL, de 02/06/2021, proferido no processo n.º 666/15.7T8GH.L1.6 : « Caso o dono da obra não seja nenhuma das entidades referidas no art.º3.º, n.º1 do Código dos Contratos Públicos, é aplicável à empreitada o regime dos artºs 1207.º e segs do Código Civil, o que não obsta a que as partes, no âmbito da liberdade contratual, possam acordar na aplicação supletiva de normas do Regime Jurídico de Empreitadas de Obras Públicas, DL 59/99, ainda que revogado, Porém, a aplicação supletiva dessas normas não retira à empreitada a natureza de empreitada de direito civil».
Sendo assim, salvo melhor opinião, não tem qualquer fundamento a invocação por parte da apelante da inaplicabilidade ao caso do artigo 255.º do RJEOP, por à data em que foi celebrado o contrato de empreitada já estar em vigor o CCP. Veja-se que, não só não é essa a data que releva mesmo que estivéssemos perante um contrato administrativo sujeito imperativamente às normas do CCP, como, porque se está perante um contrato privado que as partes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, quiseram submeter ao regime do D.L. n.º 59/99, sem excluir nenhuma das suas disposições - como resulta expressamente da cláusula 12.ª do contrato de empreitada subscrito pela apelante, regime que, aliás, a mesma invoca nos artigos 89.º e 92.º da p.i.- pelo que mesmo que esse regime estivesse revogado, sempre o poderiam fazer e sujeitar o referido contrato a essa disciplina.
Deste modo, e ultrapassada toda e qualquer questão que se pudesse suscitar sobre a competência material dos tribunais administrativos para conhecer da presente ação, importa apenas verificar se perante a disciplina legal dos artigos 254.º e 255.º do DL n.º 59/99, ocorre ou não a caducidade do direito de ação relativamente às faturas n.ºs 2011021 e 2011022, atinentes, respetivamente, a trabalhos executados e a trabalhos a mais.
O artigo 254º do DL 59/99, previa, sob a epígrafe “Forma de processo”, que as questões submetidas ao julgamento dos tribunais administrativos sobre interpretação, validade ou execução do contrato deveriam seguir a forma de ação, o que, aliás, também decorria do disposto no artigo 37º,nº1,al.h), do CPTA (aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro).
Note-se que, nos termos do artigo 41º do CPTA, na sua redação originaria, previa-se que a ação administrativa comum podia ser proposta a todo o tempo “…sem prejuízo do disposto na lei substantiva”.
Quanto aos contratos de empreitadas, o artigo 255º do DL. nº 59/99 (RJEOP), sob a epígrafe “prazo de caducidade”, dispunha, porém, que: “As ações deverão ser propostas, quando outro prazo não esteja fixado na lei, no prazo de 132 dias contados desde a data da notificação ao empreiteiro da decisão ou deliberação do órgão competente para praticar atos definitivos, em virtude da qual seja negado algum direito ou pretensão do empreiteiro ou o dono da obra se arrogue direito que a outra parte não considere fundado.”
Simultaneamente o DL nº 59/99 (RJEOP) previa à data que tais ações (aquelas a que se referia o artigo 254º daquele diploma) deviam “…ser precedidas de tentativa de conciliação extrajudicial perante uma comissão composta por um representante de cada uma das partes e presidida pelo presidente do Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes ou pelo membro qualificado do mesmo Conselho que aquele, para o efeito, designar” (cfr. artigo 260º nº 1), a ser requerida em requerimento “…contendo, além da identificação do requerido, a exposição dos factos referentes ao pedido e a sua fundamentação” (cfr. artigo 261º nº 1).
Sendo que o artigo 264º estipulava, sob a epígrafe “interrupção da prescrição e da caducidade” o seguinte: “o pedido de tentativa de conciliação interrompe o prazo de prescrição do direito e de caducidade da respetiva ação, que voltarão a correr 22 dias depois da data em que o requerente receba documento comprovativo da impossibilidade de realização ou da inviabilidade da diligência”.
E o artigo 263º, sob a epígrafe “
não conciliação”, que: “Se se frustrar a conciliação ou, por facto imputável a qualquer das partes, não for possível realizar a diligência e ainda se for recusada a homologação ao acordo efetuado ou esta homologação não se verificar no prazo de 44 dias contados da data em que tenha sido solicitada, será entregue ao requerente, para efeitos do disposto no artigo 254.º, cópia do auto respetivo, acompanhada, se for caso disso, de documento comprovativo da situação ocorrida”.
Pelo DL. nº 18/2008, de 29 de janeiro (que aprovou o Código dos Contratos Públicos, estabelecendo a disciplina aplicável à contratação pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo) foram imediatamente revogados, com produção de efeitos ao dia seguinte ao da sua publicação (i. é, 30/01/2008), os artigos 260º a 264º do DL. nº 59/99, deixando de ser aplicados aos contratos já celebrados sem prejuízo dos processos de conciliação pendentes àquela data (cfr. artigo 18º daquele diploma).
É consabido que no âmbito da vigência do DL. nº 59/99 (RJEOP), constituía entendimento pacífico que o artigo 255º desse diploma exigia que o órgão que detinha competência para a prática de atos definitivos emitisse uma pronúncia expressa sobre a pretensão do empreiteiro.
Nesse sentido se pronunciou o STA nos acórdãos de 08/10/2003, Proc. n.º 0298/03; de 05/02/2009, Proc. n.º 0938/08 e de 15/05/2013, Proc. n.º 01251/12, sendo neles uniforme o entendimento de que, mesmo quando haja ato expresso (com respetiva notificação) o prazo de caducidade previsto naquele normativo apenas se inicia quando se esteja perante ato ou deliberação que consubstancie decisão definitiva tomada pelo órgão competente para o efeito.
Efetivamente a letra da lei conduz precisamente no sentido de que é a notificação (através da qual é levada ao conhecimento do empreiteiro) da decisão final expressa do dono da obra, tomada pelo respetivo órgão competente, que constitui o termo inicial do prazo de caducidade de 132 dias ali previsto.
Por outro lado, também se entendia que a caducidade do direito de ação, nas ações administrativas comuns, era uma exceção substantiva, a determinar a improcedência do pedido, conforme era entendido pelo Tribunais superiores- cfr. Acórdão do TCAS, de 10/01/2013, processo nº 07674/11; do TCAN, de 06/03/2015, processo nº 01279/10.5 BEBRG e de 19/11/2015, processo nº 01342/08.2BEPRT.
Ora, resulta provado nos autos que a Ré/apelada- vide ponto 24 do elenco dos factos provados- por carta datada de 05/03/2012 e recebida em 07/03/2012, procedeu a uma nova devolução dessas faturas, referindo, além do mais, que « V/Exa não cumpriu o contrato estabelecido, tão pouco manifestou interesse em permitir a outra empresa que constitui o Consórcio o pudesse fazer». ( negrito nosso)
A resposta contida nesta missiva que foi enviada pelo dono da obra à apelante constitui uma decisão expressa por meio da qual aquele lhe negou a pretensão a obter o pagamento dessas faturas. Essa decisão expressa foi notificada à apelante.
Nestes casos, conforme se sumariou em Acórdão do TCAS, de 14/05/2015, proferido no processo n.º 06695/10: “Nestas ações o prazo de caducidade do direito de ação é de 132 dias, contados desde a data da notificação da decisão ou deliberação proferidas pelo órgão competente para a prática de atos definitivos que negue algum direito ou pretensão do empreiteiro; exige-se, assim, que este órgão emita uma pronúncia expressa sobre a pretensão do empreiteiro, pelo que não há aqui lugar ao indeferimento tácito nos termos do artigo 109º do CPA
E o prazo de 132 dias úteis em causa, conta-se da “ ocorrência ou da cognoscibilidade do facto gerador do direito que integra a respetiva causa de pedir” e de acordo com o disposto no art.º 274.º do mesmo diploma, a saber: (i) não se inclui na contagem o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr; (ii) o prazo começa a correr independentemente de quaisquer formalidades e suspende-se nos sábados, domingos e feriados nacionais, e, finalmente;(iii) o termo do prazo que caia em dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o ato não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o 1.º dia útil seguinte.
Ou seja, o momento que determina o início da contagem do referido prazo de 132 dias úteis é o da notificação do ato que denegou a pretensão indemnizatória, e a contabilização do prazo refere-se a dias úteis.
Como se sumariou em Acórdão deste TCAN, de 28/06/2018, proferido no processo n.º 01000/16,4BEPRT: « O prazo de caducidade de 132 dias [ artigo 255.º do DL 59/99, de 02 de março, (RJEOP)], contado em dias úteis [ artigo 274.º, n.º1, alínea b) do DL 59/99], tem o seu dies a quo na ata da notificação ao empreiteiro da decisão ou deliberação do órgão competente para praticar atos definitivos, em virtude da qual seja negado algum direito ou pretensão do empreiteiro ou dono da obra se arrogue direito que a outra parte não considere fundado»
Logo, contando 132 dias desde o dia seguinte ao dia 07/05/2012- data em que a apelante foi notificada da devolução das referidas faturas e das razões pelas quais a apelada não assumia o respetivo pagamento- é patente que, quando deu entrada em juízo a petição inicial dos presentes autos, há muito que aquele prazo se tinha esgotado, pelo que se impunha julgar caducado o direito de a apelante intentar a respetiva ação.
Considerando que quanto aos demais pedidos não foi impugnada a decisão recorrida, a qual transitou em julgado, nos termos da qual se ajuizou que em relação «aos restantes montantes peticionados, não resulta dos autos que os mesmos tenham sido reclamados diretamente à Entidade Demandada, nem tão-pouco que esta tenha proferido uma “ decisão inequivocamente negativa” quanto aos mesmos, pelo que, quanto a estes não está caducado o direito de intentar a ação”» importa que os presentes autos prossigam a sua posterior tramitação a fim de o Tribunal a quo se pronunciar sobre o respetivo mérito, o que se decide.
IV-DECISÃO

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte, subsecção de Contratos Públicos, em conceder parcial provimento ao recurso interposto pela apelante e, em consequência:
a. confirmam a decisão recorrida no segmento em que julgou verificada exceção da caducidade do direito de ação quanto às faturas n.ºs 2011021, no montante de € 211.177,99( IVA incluído), e n.º 2011022, no montante de € 405.158,13 (IVA incluído), e em que absolveu a Ré destes pedidos.
b. revogam a decisão recorrida no segmento em que julgou improcedentes os pedidos formulados pela autora com fundamento na existência de divergências entre a Autora e a Chamada, enquanto membros de um consórcio externo e em consequência, ordenam o prosseguimento dos autos para conhecimento dos demais pedidos formulados pela Autora, se a tal nada mais obstar.

Custas pela Apelante e pelas Apeladas, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 45% para a primeira e 55% para as apeladas ((art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 30 de novembro de 2023

Helena Ribeiro
Antero Pires Salvador
Ricardo de Oliveira e Sousa