Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01094/14.7BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/15/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PROFESSOR; DESTACAMENTO IMPOSTO; ANULAÇÃO DO ACTO;
INDEMNIZAÇÃO PELOS DANOS CAUSADOS PELO ACTO ANULADO; IMPOSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO;
ARTIGO 45º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS;
Sumário:
1. O facto de um professor ter concorrido para o lugar de professor titular de um agrupamento escolar para o qual foi destacado contra a sua vontade pelo acto anulado, não é relevante para o efeito de se lhe atribuir uma indemnização pelas consequências danosas do acto invalidado.

2. Tal facto não afasta o nexo causal, objectivo, entre o destacamento imposto e anulado e as consequências danosas dele decorrentes nem subjectivamente é censurável: qualquer bom pai de família colocado na situação deste professor teria, enquanto o acto de destacamento não fosse anulado, concorrido para uma posição de maior estabilidade, ainda que não no agrupamento escolar da sua preferência.

3. Ainda que existisse culpa por parte do professor a contribuir para a criação ou agravamento dos danos, no caso concreto a indenização sempre deveria ser atribuída por inteiro, tendo em conta o disposto no artigo 570º do Código Civil, porque a principal responsabilidade objectiva pela situação, na hipótese de não se considerar única, sempre seria do Ministério da Educação.

4. O legislador não distingue, no artigo 45º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, entre a impossibilidade absoluta de cumprimento do julgado anulatório ser imputável a uma ou a outra parte, para os efeitos de convolar o processo e ser atribuída uma indemnização ao autor; e onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete e aplicador da lei distinguir, pelo que ainda que a impossibilidade de execução do julgado seja imputável ao autor, sempre a este lhe cabe uma indemnização pela impossibilidade de execução do julgado anulatório.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Estado Português, representado pelo Ministério Público, veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 22.08.2021, pela qual foi julgada (parcialmente) procedente a acção intentada por «AA» contra o ora Recorrente e o Ministério da Educação para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, e condenou o ora Recorrente a pagar uma indemnização por danos morais e patrimoniais.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento tendo desaplicado o disposto no artigo 570.º do Código Civil que, no caso concreto, deveria ter conduzido à absolvição total do pedido, pela verificação da culpa do lesado e não, como foi decidido, à condenação do Réu.

Foram apresentadas contra-alegações, a defender a improcedência do recurso.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 22 de agosto de 2008 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga pela qual o Estado Português foi condenado nos pedidos indemnizatórios formulados pelo Autor.

II. A sentença em crise não teve em atenção, a factualidade e argumentação jurídica levados aos autos quer em sede da contestação apresentada, quer em sede das alegações produzidas, como também desconsiderou aquilo que na própria decisão recorrida se deu como provado, em concreto, os factos R) a V).

III. Importando apreciar como a atuação do Autor, com a sua candidatura ao concurso externo extraordinário para a categoria de professor titular, com o que nela inscreveu e com a aceitação da nomeação em lugar do quadro do Agrupamento de Escolas ..., na categoria de professor titular, influenciou a forma como o Autor se manteve no Agrupamento de Escolas ... até 31.08.2011.

IV. Com efeito, a manutenção do Autor no Agrupamento de Escolas ... até 31.08.2011, não resultou do ato administrativo anulado pela sentença proferida em 20.05.2011, no Processo n.º 173/07.2BEBRG mas do comportamento do Autor que ao candidatar –se ao concurso externo extraordinário para a categoria de professor titular, de forma voluntária contribui para a produção e agravamento dos danos pelos quais requer ser indemnizado.

V. Dos factos dados como provados não resulta que até à data da candidatura ao concurso em apreço e, outro tanto até à data de produção de efeitos da nomeação o Autor, tivesse perdido o seu lugar de quadro na Escola Secundária ..., em resultado da colocação que obteve no mesmo concurso.

VI. Se a colocação que obteve por ausência de componente letiva era, nos termos do regime dos concursos aplicável, temporária não se pode concluir que Autor, tivesse perdido o seu lugar de quadro na Escola Secundária ..., em resultado dessa colocação.

VII. Assim sendo o lugar de vinculação do Autor não se alterou, nos termos do n.º 2 do artigo 8.º e da alínea b) do artigo 42.º daquele diploma legal, como se alteraria se a colocação fosse obtida em concurso interno para mudança de lugar de quadro realizado nos termos do mesmo diploma.

VIII. Só a candidatura do Autor ao concurso para acesso a professor titular aqui em apreço ao quadro do Agrupamento de Escolas ... implicou a mudança de agrupamento de escolas de provimento daquele, candidatura que foi por si apresentada de forma voluntária, livre e esclarecida.

IX. Sendo que com essa candidatura o Autor manifestou a vontade de ser provido como professor titular no Agrupamento de Escolas ..., ao mesmo tempo que aceitava as consequências que, uma mais que provável colocação no mesmo, conforme o tempo de serviço, cargos desempenhados e experiência profissional que o tribunal a quo deu como provados, deixavam antever.

X. E, uma das consequências dessa colocação e nomeação determinava que a retroação de efeitos da nomeação se produzisse a 1 de setembro de 2007, a mesma data em que a colocação obtida em concurso de destacamento por ausência de componente letiva produziu efeitos.

XI. Não podendo dizer –se que, atenta a data da publicação Decreto-Lei n.º 200/2007, de 22 de maio, Decreto-Lei n.º 104/2008, de 24 de junho e do DESPACHO N.º 3 / DGRHE / 2008, o Autor pudesse ter sido surpreendido com a retroação de efeitos da nomeação.

XII. Face à produção de efeitos da nomeação obtida no Agrupamento de Escolas ..., na sequência do concurso extraordinário para acesso à categoria de professor titular e conforme despacho de nomeação, que o Autor deve ser considerado provido em lugar de quadro daquele estabelecimento de ensino desde 1 de setembro de 2007.

XIII. Ora, o Autor aceitou sem reservas em 17.11.2008, a colocação que obteve na categoria de professor titular tendo, igualmente, aceite e sem reservas a sua nomeação para o mesmo quadro que foi proferida em 29.12.2008.

XIV. E, nem se compreenderia que de outra forma fosse atento o que o Autor indicou no âmbito do concurso de professor titular da qual resultava uma vontade expressa de: primo de ser provido na categoria de professore titular, secundo, de ser provido como professor titular do Agrupamento de Escolas ....

XV. Não obstante o Autor ter obtido colocação em 01.09.2007, por destacamento por ausência de componente letiva, no Agrupamento de Escolas ..., a retroação dos efeitos da nomeação resultante de concurso para professor titular como que absorvia os efeitos da primeira colocação e extinguia o vínculo de provimento com a Escola Secundária ....

XVI. O Tribunal a quo parte, de premissa errada quando considera que o Autor tinha inevitavelmente de concorrer ao concurso de professor titular em apreço quando, na verdade, tal candidatura ao concurso não era obrigatória.

XVII. Não se compreendendo como o Autor encontrando-se insatisfeito, em angústia e com todos os estados depressivos e patologias que alega ter padecido desde a data em que foi colocado no Agrupamento de Escolas ..., concorre um ano depois, para concurso que declaradamente o vai fazer permanecer no quadro do Agrupamento de Escolas ....

XVIII. Quando poderia ter continuado vinculado à Escola Secundária ... na categoria de professor sem que se verificasse qualquer diminuição do ponto de vista remuneratório.

XIX. O Autor não comunicou, em violação do dever de cooperação com o Tribunal que tinha obtido provimento como professor titular aos autos do Proc. n.º 1573/07.2BEBRG antes de nele ser proferida sentença de anulação do ato administrativo consubstanciado no destacamento por ausência de componente letiva para o Agrupamento de Escolas ....

XX. Só exigindo, nos referidos autos o cumprimento do julgado anulatório depois da carreira de professor titular ter sido extinta em 23.06.2010, com a publicação do Decreto – Lei n.º 75/2010, que conferiu nova redação ao ECD.

XXI. Se o Autor tivesse efetuado tal comunicação da mesma resultaria a impossibilidade de o Autor regressar à Escola Secundária ..., bem como numa decisão de inutilidade superveniente proferida no âmbito do Proc. n.º 1573/07.2BEBRG, inutilidade que seria de atribuir, não à Administração mas, outro sim, ao Autor dado que foi dele a iniciativa livre esclarecida de concorrer ao concurso de professor titular.

XXII. O Tribunal a quo não atendeu à atuação do Autor no Proc. n.º 1573/07.2BEBRG, designadamente que a mesma configurava abuso de direito porquanto aquele peticionava a atribuição de indemnização por danos que o mesmo ajudou a produzir em resultado da sua atuação superveniente que não comunicou aos autos, pedido em desrespeito dos limites impostos pela boa-fé.

XXIII. Desta forma, com a sua atuação o Autor contribuiu para os danos, agravando os mesmos, podendo dizer –se que é a nomeação em resultado do concurso de professor titular que é a causa adequada das deslocações para o Agrupamento de Escolas ... e não, um destacamento que deixou de existir, pelo que falece o nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos que a sentença recorrida deu como provado.

XXIV. Face aos factos dados como provados o nexo de causalidade que o Tribunal a quo deu como verificado inexiste no caso em concreto e, ainda que se pudesse considerar a sua verificação a mesma só poderia referir-se ao período compreendido entre 01.09.2007 e 28.11.2008, devendo nos presentes autos ser extraídas todas as consequências.

XXV. Com efeito, o facto alegadamente ilícito invocado para sustentar o pedido de indemnização formulado não é, só por si, adequado para a ocorrências dos danos patrimoniais e não patrimoniais que o Autor alega ter sofrido e que o Tribunal a quo deu, sem mais, como provados.

XXVI. Por outro lado, e mesmo sendo o regime legal aplicável o previsto no Decreto – Lei n.º 48051, de 21 de novembro de 1967, e não regime consagrado na Lei n.º 67/2007 não impedia o douto tribunal a quo de apreciar na questão em litigio, a culpa do lesado.

XXVII. Face aos factos dados como provados o Tribunal a quo, poderia e deveria ter apreciado a culpa do Autor e lesado nos termos do artigo 570.º do Código Civil.

XXVIII. Sucedendo, porém, que a sentença recorrida não teve em consideração o facto culposo do lesado, consubstanciado pela candidatura que apresentou ao concurso extraordinário para professor titular ao qual, recorde-se, não era obrigado a concorrer.

XXIX. Ainda que se entendesse que a retroação dos efeitos da nomeação não anulavam os efeitos já produzidos pelo ato ilícito, ainda assim, só estariam em causa os danos ocorridos entre a data de 01.09.2007 e a data de aceitação da nomeação no quadro do Agrupamento de Escolas ..., 17 de novembro de 2008.

XXX. Ora, a sentença a quo, contabilizou para efeitos de danos todo o período compreendido entre 01.09.2007 e 31.08.2011, quando pelo menos e por razões evidentes, a partir de 17.11.2008 e o Autor sempre se encontraria provido como docente titular do Agrupamento de Escolas ....

XXXI. Pelo que, ao decidir como decidiu, a douta sentença a quo incorreu em erro de julgamento.

Termos em que,

E nos melhores de Direito, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas, deverá o presente recurso ser admitido e ser julgado procedente, assim se fazendo a costumada Justiça.

*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

A) O Autor exerce funções de docente do ensino secundário desde 1980, sendo professor do quadro nomeação definitiva do Grupo 920 (Educação Física) - por acordo.

B) Pertence actuamente ao quadro de Escola Secundária ..., em ..., onde foi colocado em 1987 - por acordo.

C) Entre os anos lectivos de 2003/2004 e 2006/2007, esteve requisitado ao serviço do Instituto do Desporto de Portugal - por acordo.

D) No ano lectivo 2006/2007, também em regime de requisição, exerceu funções na Federação Portuguesa de Futebol - por acordo.

E) Terminada a requisição, o Autor apresentou-se ao seu lugar de origem, a Escola Secundária ... – por acordo.

F) Contudo, no dia 7 de Agosto de 2007, o Autor foi verbalmente informado pelo (à data) Presidente do Conselho Executivo de que o seu lugar tinha sido ocupado, no ano lectivo de 2006/2007, por outro docente – por acordo.

G) Igualmente recebeu informação segundo a qual, dada a inexistência de horário disponível para o Autor, a Direcção iria desencadear o processo com vista ao seu destacamento por ausência da componente lectiva, seguindo as orientações constantes do documento publicado pela DGRHE, intitulado “orientações a observar pelo órgão de gestão das escolas e agrupamento de escolas quanto a distribuição do serviço docente, plurianualidades das colocações e renovação da contratação” – por acordo.

H) Discordando de tal decisão, em 9 de Agosto de 2007 o Autor apresentou reclamação da mesma – por acordo.

I) Tal reclamação foi indeferida por ofício datado de 13 de Setembro de 2007 – por acordo.

J) Entretanto, o processo de destacamento foi impulsionado, sem qualquer intervenção do Autor, pelo referido membro do Conselho Executivo, através da aplicação informática disponibilizada na página oficial da Direcção-Geral dos Recursos Humanos da Educação (DGRHE), de aceso exclusivo àquele órgão – por acordo.

K) E, em consequência do mesmo, em 31 de Agosto de 2007, o Autor foi destacado e colocado na Escola EB 2/3 das ..., em ..., onde começou a exercer funções em 1 de Setembro desse ano – por acordo.

L) Inconformado, em 12 de Setembro de 2007, o Autor apresentou recurso hierárquico da lista definitiva de colocação para a DGRHE, actual Direcção-Geral da Administração Escolar – por acordo.

M) E, em 15 de Outubro de 2007, recorreu hierarquicamente da decisão de destacamento – por acordo.

N) Na ausência de decisão relativamente a estes recursos, em 30 de Novembro de 2007, o Autor intentou contra o Ministério da Educação acção administrativa especial para impugnação do acto de destacamento por ausência de componente lectiva e de colocação na Escola EB 2/3 das ..., acção esta que correu termos na 2.ª Unidade Orgânica deste Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga sob o n.º 1573/07.2 BEBRG – por acordo.

O) Para fundamentar o seu pedido, o Autor alegou: “em suma, que é professor e foi destacado por ausência da componente lectiva na Escola EB 2/3 das ..., em .... Considerando que tal destacamento é ilegal pois esteve requisitado ao longo de apenas 4 anos sucessivos, não tendo ultrapassado o prazo de requisição contido no art. 69.º, n.º 3, do DL 1/98 de 2 de Janeiro e art. 69.º, n.º 1, do DL n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, não tendo a sua requisição dado origem à abertura de vaga pelo que se impugna a reocupação da sua vaga, que jamais perdeu e que, portanto, não poderia ter sido ocupada, como foi, por outro docente, que deveria ter regressado à sua escola de origem com o regresso do autor. Para além de violar a lei, entende que o acto impugnado viola os princípios da confiança, segurança, legalidade, justiça e boa fé” – por acordo.

P) Em Setembro de 2008, foi aberto concurso extraordinário para a categoria de professor titular, destinado aos docentes de nomeação definitiva com a categoria de professor, posicionados no índice remuneratório 340 – cf. documento de fls. 234 dos autos.

Q) Extrai-se do Aviso de abertura do concurso extraordinário para a categoria de professor titular:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cf. documento de fls. 234 e ss. dos autos.

R) Em 2008, o Autor apresentou candidatura ao concurso extraordinário para a categoria de professor titular – cf. documento de fls. 135 e ss. dos autos.

S) Em 14/11/2008, o Autor veio a constar das listas de classificação final do concurso extraordinário para a categoria de professor titular do Agrupamento de Escolas ... como nele provido – cf. documento de fls. 138 e ss. dos autos.

T) Nessa categoria, o Autor apresenta-se como estando provido no quadro de escola de código ...61 (Escola Secundária ...) e como concorrendo ao agrupamento de escolas de código ...94 (Agrupamento de Escolas ...) – cf. documento de fls. 142 e ss. dos autos.

U) Na sequência da referida candidatura, por despacho datado de 29 de dezembro de 2008, o Autor é nomeado em lugar de quadro do Agrupamento de Escolas das ..., na categoria de professor titular – cf. documento de fls. 144 e 145 dos autos.

V) Nomeação que o Autor já havia aceitado em 17 de Novembro de 2008 – cf. documento de fls. 144 e 145 dos autos.

W) Por sentença proferida em 20 de Maio de 2011, já transitada em julgado, a acção foi julgada procedente e, em consequência, anulado o acto de destacamento do Autor por ausência da componente lectiva e a colocação na Escola EB 2/3 das ..., condenando-se o Réu Ministério da Educação a reintegrar o Autor na Escola Secundária ... – por acordo.

X) Extrai-se da sentença que anulou o acto de destacamento: “Ora, uma vez que o afastamento em causa não ultrapassou quatro anos, a requisição não podia determinar a abertura de vaga. (...). Assim sendo, finda a requisição, o A. deveria ter sido reintegrado na sua vaga, na Escola Secundária .... Pelo que as orientações emanadas pela DGHE na qual se baseou toda a actuação da Ré violam a Lei ao permitir que um docente requisitado por período igual ou inferior a quatro anos não venha a ocupar o seu lugar de origem e seja destacado em detrimento de professores menos destacados. (...) Em suma, o R. violou os art.s 43.º, n.º 7, alínea b), 69.º, n.º 4, do DL n.º 20/2006. (...) E viola ainda os princípios da segurança e protecção da confiança, da justiça e da boa fé uma vez que o A. confiou que não seria prejudicado com a requisição em causa, como previsto legalmente, nos termos supra explicitados regressando assim ao seu lugar de origem, finda a mesma, não sendo ultrapassado por professores inferiormente graduados” – cf. documento de fls. 62 e ss. dos autos.

Y) Até ao cumprimento da sentença transitada em julgado, acto de destacamento produziu efeitos, tendo o Autor sido forçado a exercer funções na Escola EB 2/3 das ..., desde 1 de Setembro de 2007 até 31 de Agosto de 2011 – cf. documento de fls. 17 e ss., 81 e ss, horários de fls. 71 e ss. dos autos; bem como depoimento de todas as Testemunhas.

Z) O Autor passou a deslocar-se diariamente até à EB 2/3 das ... em transporte próprio, percorrendo (só ida), a partir da sua residência, mais 31,1 Km do que percorreria se estivesse a leccionar na Escola Secundária ... - cf. documento de fls. 68 a 70 dos autos e depoimento de todas as Testemunhas.

AA) No período em que exerceu funções na Escola EB 2/3 das ..., o Autor trabalhou um total de 738 dias - cf. documento de fls. 17 e ss. e 71 a 74 dos autos, bem como depoimento de todas as Testemunhas.

BB) Em 2007/2008, o Autor trabalhou 5 dias por semana - cf. documento de fls. 71 dos autos; cf. depoimento de todas as Testemunhas.

CC) Nesse ano escolar, o Autor trabalhou 220 dias - cf. documento de fls. 71 dos autos; cf. depoimento de todas as Testemunhas.

DD) Em 2008/2009, o Autor trabalhou 4 dias por semana - cf. documento de fls. 72 dos autos; cf. depoimento de todas as Testemunhas.

EE) Nesse ano escolar, o Autor trabalhou 174 dias - cf. documento de fls. 72 dos autos, cf. depoimento de todas as Testemunhas.

FF) Em 2009/2010, o Autor trabalhou 4 dias por semana - cf. documento de fls. 73 dos autos; cf. depoimento de todas as Testemunhas.

GG) Nesse ano escolar, o Autor trabalhou 173 dias - cf. documento de fls. 73 dos autos; cf. depoimento de todas as Testemunhas.

HH) Em 2010/2011, o Autor trabalhou 4 dias por semana - cf. documento de fls. 74 dos autos; cf. depoimento de todas as Testemunhas.

II) Nesse ano escolar, o Autor trabalhou 171 dias - cf. documento de fls. 74 dos autos; cf. depoimento de todas as Testemunhas.

JJ) Para esse efeito, percorreu um total de 44427,60 Km em deslocações de ida e volta entre a escola e a sua residência, que não teriam sido realizadas não fora o destacamento efectivado pela DGRH - cf. documento de fls. 68 a 70, 17 e ss., 71 a 74 dos autos, bem como depoimento de todas as Testemunhas.

KK) Suportando todos os gastos com essas deslocações - cf. Portaria n.º 88-A/2008, de 18 de Janeiro (2007/2008); Portaria n.° 30-A/2009, de 10 de Janeiro (2008/2009); Portaria n.° 1153-D/2008, de 31 de Dezembro.

LL) Para fazer valer a sua pretensão pelas vias administrativa e judicial, o Autor contratou serviços de advocacia, para o que despendeu o montante de € 2.958,15 – cf. documento de fls. 75 dos autos.

MM) Os serviços de advocacia compreenderam na fase procedimental, designadamente, elaboração de reclamação administrativa dirigida ao órgão decisor e de recurso hierárquico interposto para a Ministra da Educação, na fase judicial, elaboração de petição inicial e produção de alegações finais por escrito – cf. documento de fls. 23 e ss., e 38 e ss. dos autos; por consulta no SITAF da acção administrativa especial n.° 1573/07.2 BEBRG.

NN) O Autor sofria de doença cardíaca, tendo sido submetido a cirurgia para colocação de bypass – cf. depoimento de todas as Testemunhas.

OO) O Autor residia a 1 Km da Escola Secundária ... – cf. depoimento das Testemunhas «BB» e «CC».

PP) O destacamento julgado ilegal introduziu um factor de instabilidade a nível profissional que o Autor teve dificuldades de gerir – cf. depoimento das Testemunhas «BB»; «CC», «DD», «EE».

QQ) Frustração, angústia e preocupação, perda de entusiasmo e receio do futuro – cf. depoimento das Testemunhas «BB»; «CC», «DD», «EE».

RR) Durante quatro anos em que a sua situação não ficou judicialmente resolvida, o Autor sentiu grande ansiedade, inquietação e perturbação, com reflexos ao nível do seu humor e estabilidade emocional, capacidade de descanso nocturno – cf. depoimento das Testemunhas «BB»; «CC», «DD», «EE».

SS) Em 29 de Junho de 2011, após trânsito em julgado de tal decisão, e na ausência de qualquer diligência do Ministério da Educação para lhe dar cumprimento, o Autor requereu ao Director-Geral dos Recursos Humanos da Educação a adopção das medidas necessárias à sua reintegração na Escola Secundária ... - cf. documento de fls. 76 e ss. dos autos.

TT) Em resposta, por ofício datado de 13 de Julho de 2011, foi informado da sua reintegração com efeitos a partir de 1 de Setembro de 2008 - cf. documento de fls. 81 e ss. dos autos.

UU) Por exposição datada de 22 de Julho de 2011, o Autor solicitou à Direcção-Geral correção da data referente à produção dos efeitos da reintegração - cf. documento de fls. 82 e ss. dos autos.

VV) Mediante ofício de 16 de Dezembro de 2011, tal Entidade veio reiterar a informação anteriormente dada - cf. documento de fls. 85 dos autos.

WW) Mediante novo requerimento, expedido em 9 de Fevereiro de 2012, veio o Autor invocar a ilegalidade dessa reintegração e solicitar a produção dos seus efeitos a partir de 1 de Setembro de 2007, bem como o ressarcimento dos danos sofridos em virtude da prática dos actos administrativos judicialmente anulados e à data computados - cf. documento de fls. 86 e ss. dos autos.

XX) Só após esta última actuação do Autor é que a DGRHE reconheceu que os efeitos da reintegração se reportam à apontada data, não se tendo, contudo, pronunciado relativamente ao ressarcimento dos danos - cf. documento de fls. 93 e ss. dos autos.

YY) Deste modo, o Autor ainda teve de esperar cerca de 8 meses após o trânsito em julgado da decisão anulatória para ver a sua situação definitivamente sanada - cf. documentos de fls. 76 a 93 dos autos

ZZ) Tendo, ao longo deste período, continuado a incomodar-se com a situação e arrastar o sentimento de frustração anteriormente desenvolvido em virtude da acção do Réu - cf. depoimento das Testemunhas «BB»; «CC», «DD», «EE».



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III - Enquadramento jurídico.

O Recorrente assenta a sua afirmação basicamente neste pressuposto: a manutenção do Autor, ora Recorrido, no Agrupamento de Escolas ... até 31.08.2011, não resultou do acto administrativo anulado pela sentença proferida em 20.05.2011, no Processo n.º 173/07.2BEBRG, mas do comportamento do Autor que ao candidatar –se ao concurso externo extraordinário para a categoria de professor titular, de forma voluntária contribui para a produção e agravamento dos danos pelos quais requer ser indemnizado.

Pressuposto errado que, por o ser, faz claudicar toda a sua tese de recurso.

A colocação do ora Recorrido como professor titular no Agrupamento de Escolas ..., até 31.08.2011 não se ficou a dever, objectivamente, ao facto de este ter concorrido ao lugar.

Ficou a dever-se, pelo contrário, ao acto anulado, de destacamento do Autor por ausência da componente lectiva e a colocação na Escola EB 2/3 das ..., e ao incumprimento do julgado anulatório que tinha também condenado o Ministério da Educação a reintegrar o Autor na Escola Secundária ....

Tanto assim que essa colocação, a pedido do Autor, no Agrupamento de Escolas ..., não impediu que o julgado anulatório fosse cumprido, a seu pedido e insistência, e o Autor fosse colocado com efeitos reportados a 2007 na Escola Secundária ....

Ou seja, por decisão do Tribunal, transitada em julgado, o vínculo jurídico de provimento que ligava o Autor à Escola ... não se extinguiu com o concurso e colocação do Autor como professor titular no Agrupamento de Escolas ....

Ter ou não perdido o seu lugar Escola Secundária ... em consequência do acto impugnado é irrelevante a partir do momento em que o Autor foi impedido, por vontade do Ministério da Educação, de ocupar esse lugar e o direito passou a ser discutido em Tribunal.

Relevante é que o Tribunal definiu que o Autor sempre teve esse direito, desde que regressou ao serviço docente, e que não o pôde exercer por força do acto impugnado e da persistência do Ministério da Educação em não cumprir o julgado anulatório.

Mas ainda que objectivamente fosse imputável a colocação do Autor, como professor titular na Escola EB 2/3 das ..., tal facto não lhe poderia ser censurável, afastando o seu direito de indemnização por não estar colocado na Escola Secundária ....

Dispõe o artigo 570º do Código Civil, sob a epígrafe “Culpa do lesado”, no seu n.º1:

“Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.

Resulta deste preceito, desde logo, que ainda que exista culpa do lesado o direito de indemnização não é automaticamente afastado. Pode até o direito de indemnização permanecer na sua totalidade ainda que exista culpa do lesado.

No caso concreto, ainda que existisse culpa do lesado sempre o direito de indemnização deveria permanecer integral porque a principal responsabilidade objectiva pela situação, na hipótese de não se considerar única, sempre seria do Ministério da Educação.

Por outro lado, esclarece o artigo 487º do Código Civil, sob a epígrafe “Culpa”, no seu n.º 2:

“A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”.

Sendo ainda incerto o resultado da impugnação, e colocado entre a alternativa de estar colocado na Escola EB 2/3 das ... por destacamento imposto ou estar colocado nesta Escola na situação mais segura e estável de professor titular, é compreensível que tivesse optado pela segunda alternativa.

Um bom pai de família colocado no seu lugar não teria agido de modo diferente.

Quanto ao facto de o Autor só ter exigindo o cumprimento do julgado anulatório depois de a carreira de professor titular ter sido extinta em 23.06.2010, com a publicação do Decreto – Lei n.º 75/2010, que conferiu nova redacção ao Estatuto da Carreira Docente, não se vê qual o relevo que possa ter para a decisão do caso.

Ou pedido de cumprimento do julgado anulatório foi feito em tempo ou não. E não consta dos autos que a questão da intempestividade do pedido de execução do julgado anulatório tivesse sido sequer suscitada.

Quanto à obrigação de comunicação de extinção da carreira de professor titular, como causa de impossibilidade de cumprimento do julgado anulatório, não cabia ao Autor fazê-la, mas ao Ministério da Educação.

Como claramente resulta do disposto no n.º3 do artigo 163º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais , onde se determina que:

“A invocação de legítima causa de inexecução deve ser fundamentada e notificada ao interessado”.

Ora o Ministério da Educação, a quem cumpria a execução do julgado, não só não invocou a impossibilidade de execução do julgado, como lhe competia, como até informou o Autor, por ofício de 13.07.2011, da sua reintegração com efeitos a 13.09.2008 e, depois, com efeitos reportados a 01.09.2007 – factos provados nas alíneas TT) a XX).

E ainda que se impusesse ao Autor tal comunicação, do facto de ter sido extinta a carreira de professor titular não resultava a impossibilidade de retorno do Autor à Escola Secundária ....

Ora a indemnização pedida e concedida não se fundamenta na perda do direito a exercer funções de professor titular, única realidade que deixou de ser possível. A indemnização pedida e concedida fundamenta-se em o Autor ter sido impedido, como era seu direito, de exercer funções de docente na Escola Secundária ....

Daqui decorre que não se impunha a decisão de inutilidade, melhor, de impossibilidade superveniente legal da lide, a proferir no âmbito do Proc. n.º 1573/07.2BEBRG.

Mas ainda que existisse uma impossibilidade de anular o acto impugnado, tal facto apenas seria relevante na acção 1573/07.2BEBRG, onde se pedia – e foi declarada – a anulação do acto.

Aqui pede-se uma indemnização pelo facto de o Autor ter estado ilegalmente impedido de exercer funções de docente na Escola Secundária ... entre 01.09.2007 e 31.08.2011.

Quanto a este pedido não se verifica qualquer impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

Em todo o caso, a impossibilidade superveniente da lide na acção de impugnação nunca determinaria a extinção do direito de indemnização, mas antes a sua convolação objectiva do processo, com vista, precisamente, à fixação de uma indemnização.

Conforme dispõe o artigo 45º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sob a epígrafe “Modificação do objecto do processo”:

“1 - Quando se verifique que a pretensão do autor é fundada, mas que à satisfação dos seus interesses obsta, no todo ou em parte, a existência de uma situação de impossibilidade absoluta, ou a entidade demandada demonstre que o cumprimento dos deveres a que seria condenada originaria um excecional prejuízo para o interesse público, o tribunal profere decisão na qual:
a) Reconhece o bem fundado da pretensão do autor;
b) Reconhece a existência da circunstância que obsta, no todo ou em parte, à emissão da pronúncia solicitada;
c) Reconhece o direito do autor a ser indemnizado por esse facto; e
d) Convida as partes a acordarem no montante da indemnização devida no prazo de 30 dias, que pode ser prorrogado até 60 dias, caso seja previsível que o acordo venha a concretizar-se dentro daquele prazo.

(...)”.

O legislador não distingue entre a impossibilidade absoluta de cumprimento do julgado anulatório ser imputável a uma ou a outra parte, para os efeitos de convolar o processo e ser atribuída uma indemnização ao autor.

E onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete e aplicador da lei distinguir.

Pelo que sempre caberia ao Autor o direito a indemnização pedida e atribuída.

Sendo que o período de referência da indemnização, entre 01.09.2007 e 31.08.2011, está correcto pois foi o período em que o Autor esteve ilegalmente impedido de exercer funções de docente na Escola Secundária ... por força do acto impugnado e anulado, como acima vimos.


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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

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Porto, 15.12.2023

Rogério Martins
Nuno Coutinho
Isabel Costa