Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00088/10.6BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/12/2014
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Paula Santos
Descritores:OPOSIÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I. Se o recorrente pretende impugnar a matéria de facto da sentença recorrida mas para tanto limita-se a dizer de forma genérica que dos elementos dos autos, sem qualquer concretização dos meios de prova, resultaria matéria de facto diferente, não cumpre um dos ónus impostos pelo artigo 685.º-B do Código de Processo Civil, o que determina a rejeição do recurso nesta parte.
2. Tanto no âmbito do CPT como no da LGT, para se afirmar a responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas tributárias exige-se que os mesmos tenham exercido efectivamente ou de facto a gerência.
3. Provado que o oponente exerceu a gerência de facto no período em que terminou o prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em dívida ele é parte legítima na execução, salvo se provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento».*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:F...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO

F…, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de20.09.2013, que julgou totalmente improcedente a oposição por este deduzida à execução fiscal instaurada, originariamente, contra a sociedade de “P…, Lda.” para cobrança coerciva de dívidas provenientes de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo aos anos de 2007 e 2008 e Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relativo aos anos de 2005 e 2006 no valor global de €2.618,31 e acrescido, contra ele revertida pelo órgão de execução fiscal na qualidade de responsável subsidiário, cujo processo corre termos no Serviço de Finanças de Lamego, sob o nº 2542200601007254 e Apensos.

Peticionou ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu nos seguintes termos:«(…)deve a presente oposição ser recebida, julgada procedente, por provada e, a final , extinta a execução com base no disposto na alínea b) do nº1 do Arte. 204 do CPPT , Arte 23º nº1 e 4 , e Arte 24º da LGT».

Alicerçou a sua posição tendo para o feito invocado como fundamentos a sua ilegitimidade para a execução emergente (i) do não exercício da gerência de facto da devedora originária e (ii)da ausência de culpa pela insuficiência patrimonial da primitiva devedora para satisfazer os créditos fiscais.

Formulou nas respectivas alegações, a seguinte conclusão que se reproduz:
1. - O recorrente é parte ilegítima, pois nunca praticou atos de gerência no período das dívidas, cf. Art.° 24°, n.° 1, a), da LGT.
Nestes termos,
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na extinção da execução fiscal, para que assim se faça JUSTIÇA.

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência do presente do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.




DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

As questões suscitadas pelo Recorrente e delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões (nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º e 684º, nº s 3 e 4 todos do CP na redacção vigente à data “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT) são a de determinar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito ao decidir que o Recorrente foi gerente de facto da devedora originária no período a que se reportam as dívidas exequendas, teve culpa na insuficiência do património da executada originária para o pagamento das dívidas exequendas e, consequentemente, ao ter concluído pela improcedência da oposição.


FUNDAMENTOS
DE FACTO

Resulta da decisão recorrida como assente a seguinte factualidade:
1- Contra a sociedade comercial “P…, Lda.”, foram instaurados os seguintes processos de execução fiscal:
Tributo/Ano P.E.F. Instauração Quantia Exequenda
IMI/2005 2542200601007254 22.05.2006 € 0,00
IMI/2006 2542200701005456 19.05.2007 € 0,00
IVA/2008/01 2542200801004409 11.04.2008 € 809,73
IVA/2007/12 2542200801017691 02.09.2008 € 1.808,58
cfr. doc. de fls. 61 e sgs. dos autos.
______________________________________________________________________
2- Por despacho de 28.12.2009, após cumprimento do dever de audiência prévia, foi determinada a reversão da execução contra o aqui Oponente, para cujo teor se remete por uma questão de brevidade
cfr. doc. fls. 17 e sgs. dos autos.
3- Em 31.12.2009, o oponente foi citado, na qualidade de responsável subsidiário da sociedade executada.
cfr. doc. de fls. 10 e sgs. e 61 e sgs. dos autos.
4- Consta dos autos um documento assinado pelo Oponente, dirigido ao Diretor das Contribuições e Impostos, datado de 25.05.1994, no qual informa que a sociedade executada vai efetuar o processamento da faturação por meios computorizados.
cfr. doc. de fls. 39 dos autos.
5- Consta dos autos um documento assinado pelo Oponente na qualidade de sócio-gerente da sociedade executada originária, datado de 21.04.1995, no qual presta algumas informações sobre a mesma a um funcionário do Serviço de Finanças de Lamego.
cfr. doc. de fls. 40 dos autos.
6- Consta dos autos um documento assinado pelo Oponente, na qualidade de sócio-gerente da sociedade executada originária, apresentado no Serviço de Finanças de Lamego em 14.01.1997, a requerer a regularização das dívidas ao abrigo do art. 14º, nº 1 do DL 124/96 de 10 de Agosto.
cfr. doc. de fls. 46 dos autos.
7- Consta dos autos um documento assinado pelo Oponente, na qualidade de sócio-gerente da sociedade executada originária, dirigido ao Ministro das Finanças, apresentado no dia 24.02.1999 no Serviço de Finanças de Lamego, a requerer o pagamento da dívida em 150 prestações mensais.
cfr. doc. de fls. 44 dos autos.
8- Consta dos autos um documento assinado pelo Oponente, na qualidade de sócio-gerente da sociedade executada originária, dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Lamego, apresentado no dia 09.06.1999 no Serviço de Finanças de Lamego, a requerer o pagamento em prestações mensais da dívida da mesma.
cfr. doc. de fls. 42 dos autos.
9- Consta dos autos uma procuração passada a advogado, assinada pelo Oponente, na qualidade de sócio-gerente da sociedade executada originária, conferindo os mais amplos poderes forenses gerais em Direito permitidos, datada de 14.02.2006.
cfr. doc. de fls. 57 dos autos.

b) Factos não provados:
Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.

Motivação:
A convicção do Tribunal resultou do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos, conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes.
Os depoimentos das testemunhas foram manifestamente insuficientes para rebater a prova documental existente nos autos.

Para uma melhor compreensão da situação fáctica e respectivo enquadramento jurídico e ao abrigo dos poderes que nos concede o art. 712.º (actual art. 662º) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), entendemos deixar registada factualidade pertinente, nos seguintes termos:

10-A executada originária “P…, Lda.”, é uma sociedade que tem por objecto social “o comércio por grosso de frutas e produtos hortícolas, importação e exportação ”tendo sido constituída em 14.01 1993 (cfr. doc. junto a fls. 31 a 33dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
11- Desde 14.01.1993até ao presente, encontram-se nomeados gerentes da sociedade “P…, Lda.”, o Oponente, F… e M… (cfr. Ap. 08/19930209 constante de cópia da certidão permanente emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Lamego junta a fls.31 a 33 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
12- A sociedade “P…, Lda.” obriga-se mediante a “assinatura um gerente ”(cfr. Ap. 08/19930209 constante de cópia da certidão permanente emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Lamego junta a fls.31 a 33 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “subjudice”, sendo que, a questão essencial suscitada pela recorrente resume-se, em suma, em saber se o ora Recorrido exerceu a gerência efectiva ou de facto da sociedade originária devedora, no período em que para tal foi nomeado e em que nasceram as dívidas exequendas que subsistem nos autos, de molde a poder ser responsabilizado pelo pagamento das mesmas.

Todavia, cumpre notar que na matéria das suas conclusões do recurso, o recorrente invectiva contra a sentença recorrida, desde logo, questionando a decisão que recaiu sobre a matéria de facto, sendo que constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se que o mesmo seja apreciado de imediato.

Do Erro de julgamento de facto.


Se bem depreendemos da “embrionária” conclusão de recurso, o Recorrente objurga a decisão objecto do presente recurso no entendimento de que o Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto porquanto, alega, que nunca praticou actos de gerência no período a que se reportam as dívidas exequendas:«Apesar de existirem vários atos como gerente, do oponente, ora recorrente, nenhum deles é referente ao período das dívidas em causa (IVA de 2007 e 2008), nem das datas da liquidação. Pelo que nos referidos períodos, nada consta que indicie o exercício da gerência de facto pelo recorrente. Assim ao contrário, do sentenciado, deve a decisão ser alterada por prova dos factos, assim o determina.» (Alegações 1,2 e 3 de recurso)

Antes de mais importa que nos debrucemos sobre os imperativos legais que regulam a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

No que concerne à impugnação da matéria de facto o artigo 685.º-B do Código de Processo Civil, então vigente, estabelecia um ónus para o recorrente, dispondo:

«1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.

3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe ao recorrido, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, podendo, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.

4 - Quando a gravação da audiência for efectuada através de meio que não permita a identificação precisa e separada dos depoimentos, as partes devem proceder às transcrições previstas nos números anteriores.

5 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 684.º-A.».

Esta norma conjugada com o que dispõe o artigo 712.º do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, permite concluir que este Tribunal Central Administrativo, com competência para a apreciação das questões de facto (artigo 38.º, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e artigo 280.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário), o pode fazer mas dentro de determinados parâmetros.

Todavia, a norma supra transcrita afasta, desde logo, a possibilidade de o Tribunal de recurso com competência em matéria de facto efectuar um novo julgamento ao fazer recair sobre o recorrente o ónus de, primeiro, indicar os concretos pontos de facto que pretende ver modificados e, segundo, indicar os concretos meios probatórios constantes do processo, do registo ou da gravação que imponham decisão diversa sobre aqueles pontos de facto.

Não são, assim, permitidos, sob pena de rejeição, recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido, ou seja, o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto, sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo.

O recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto terá, assim, sob pena de rejeição de, cumulativamente:

a) Especificar ou identificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

No caso dos autos, o recorrente não indicou os pontos concretos da matéria de facto que entende estarem incorrectamente julgados, incumprindo, assim, o primeiro dos ónus que sobre si recaía.

Acresce que também não cumpriu o segundo.

Se atentarmos na única conclusão de recurso formulada pelo Recorrente verificamos que não está indicado qual ou quais os meios de prova concretos que imporiam um julgamento diferente dos pontos da matéria de facto.

Na verdade, o interessado limita-se a concluir que « O recorrente é parte ilegítima, pois nunca praticou atos de gerência no período das dívidas, cf. Art.° 24°, n.° 1, a), da LGT sem fazer qualquer referência aos meios de prova concretos que inelutavelmente imporiam um julgamento diferente da matéria de facto.

Destarte, o Recorrente não satisfaz minimamente a exigência legal, porquanto não indica quais são os elementos dos autos a que se reporta, nem tão-pouco identifica as testemunhas cujos depoimentos levariam a decidir de forma diferente.

Sobre esta questão e neste sentido se pronunciou o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, no douto acórdão de 13.03.2012, lavrado no proc. n.º 5275/12, que parcialmente transcrevemos: “(…)o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 690.º-A do CPC - na redacção anterior ao DL n.º 303/07, de 24.08, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC -, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 690.º-A nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).

Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 690.º-A do CPC.

É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.

Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição.(…)».

Assim, considerando que o Recorrente não deu cumprimento aos normativos legais aplicáveis, está vedado a este tribunal de recurso conhecer do eventual erro de julgamento da matéria de facto, nesta parte.

Por último, cumpre referir que, em face do regime estabelecido no CPC ao nível da impugnação da matéria de facto, sob pena de a impugnação da decisão de facto se transformar em simples manifestação de inconsequente inconformismo, não cabe despacho de convite ao aperfeiçoamento das alegações/conclusões recursórias em matéria de impugnação da decisão de facto (cfr., neste exacto sentido, se pronuncia o douto acórdão da Relação de Lisboa de 13.03.2004, prolatado no proc. n.º 569/12.7TVLSB.L1-6); idem, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 115 e s.).

Assim, cabendo ao Recorrente demonstrar o alegado desacerto da valoração da prova efectuada, avançando, para tanto, os concretos motivos susceptíveis de fundar a sua divergência, no respeito, claro está, pelo ónus adjectivo que neste domínio sobre ele impendia, não tendo cumprido ónus que sobre si recaía, em conformidade com o preceituado no artigo 685.º-B, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil(actual 640º do CPC) rejeita-se o recurso na parte correspondente à impugnação da matéria de facto.


Do erro de julgamento de direito

Importa agora saber a sentença recorrida errou o julgamento na aplicação do direito, como alega a recorrente, violando o regime ínsito no artigo artigo 24.º n.º 1, alínea a) da Lei Geral Tributária.

Antes de responder à questão, nunca será por de mais salientar que o Recorrente não imputou à sentença nenhum erro de julgamento de direito com base na matéria de facto provada e não provada pelo Tribunal recorrido.

Perscrutado o teor da sua alegação de recurso verifica-se que o Recorrente não afirma que houve uma errada subsunção dos factos ao direito, ou que aqueles factos julgados provados e não provados conduziriam a solução oposta à adoptada.

O que efectivamente o Recorrente almejava, na sua primeira investida contra a decisão recorrida, foi que este Tribunal alterasse o julgamento da matéria de facto para, depois, com base nessa “nova matéria de facto então apurada ”, vir a alterar a solução de direito.

Como amplamente explanado supra, o primeiro passo do recorrente falhou, uma vez que o principal ónus que sobre ele impendia não foi cumprido pelo que a matéria de facto que este Tribunal tem de considerar é aquela que efectivamente foi fixada na sentença recorrida e que, como vimos, não foi eficazmente impugnada.

Ora, entendeu o Tribunal a quo que é pressuposto da responsabilidade subsidiária dos gerentes o exercício efectivo da gerência e que a Fazenda Pública fez a prova que sobre ela impendia, ou seja a prova de que o Oponente exerceu de facto a gerência, e que este não podia deixar de ser responsabilizado pelas dívidas exequendas ao abrigo do disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) da LGT por impender sobre ele uma presunção de culpa de que “a falta de pagamento não lhe é imputável” e o oponente não ter logrado provar nada neste domínio, designadamente, que não teve culpa na insuficiência do património da sociedade primitiva devedora para o pagamento das dívidas tributárias a ser exigidas na execução em apreço, e consentaneamente julgou o oponente parte legítima na execução, assim, decidindo:«(…) Vejamos a questão da gerência.
Como se pode verificar no teor do despacho de reversão, as dívidas in casu correspondem a IVA dos anos de 2007 e 2008. Apesar do Oponente alegar na sua petição inicial que nunca foi gerente da sociedade P…, Lda., mas sim a sua mulher, a verdade é que, conforme decorre do probatório, era este que assinava os mais variados documentos como representante legal daquela sociedade, obrigando-a nos seus precisos termos. Acresce o facto de o Oponente constar como gerente da referida sociedade desde a sua constituição, como decorre do despacho de reversão, (escritura pública da sua constituição e matrícula da conservatória que consta no despacho de reversão). Pelo que, sem necessidade de mais considerações, verifica-se que o Oponente era gerente à data dos factos em questão.
Vejamos a questão da culpa.
No caso em apreço as dívidas são enquadráveis na alínea b), daquele art. 24.º, n.º 1 da LGT, porquanto o prazo legal de pagamento ou entrega do imposto terminou no período de exercício do cargo do Oponente e, como tal, presume-se a sua culpa.
Assim, é ao Oponente que cabe ilidir essa presunção legal de culpa pela falta de pagamento.
Ora, o Oponente limitou-se a alegar que nunca dispôs na sociedade de meios de pagamento para solver as dívidas, nem nunca exerceu atos de disposição de bens societários da P…, Lda., que diminuíssem os direitos da Fazenda Pública de receber os seus impostos fiscais e que não está provado ou demonstrado o nexo de causalidade entre a inexistência de bens pertencentes à originária devedora em causa e a atuação do revertido.
E como acima se adiantou, não era à AT que incumbia demonstrar que a insuficiência dos bens da empresa deveu-se a culpa do Oponente. Era o Oponente que tinha que demonstrar que a insuficiência do património da sociedade para pagar as dívidas não foi consequência da sua atuação, ou seja, que não foi por sua culpa.
Ademais, o pagamento da dívida nos termos do D.L. 124/96, como consta dos factos provados já dizia respeito a dívidas dos anos de 1994 e 1995. Portanto, já desde aquela data que a executada originária tinha dívidas fiscais.
Constata-se ainda, da causa de pedir do Oponente, que este não alegou quaisquer factos para tentar ilidir a presunção da sua culpa pela insuficiência patrimonial da devedora originária. Apenas alega que não teve culpa e que os bens da sociedade já tinham sido penhorados e vendidos e que não podia adivinhar que a devedora viesse a ter liquidações adicionais para pagamento. Ora, como está bem de se ver, estas alegações não demonstram a falta de culpa do Oponente, bem pelo contrário.
Com efeito, nestas situações, o Oponente, tinha que alegar e demonstrar que fez tudo o que estava ao seu alcance para evitar a insuficiência patrimonial da sociedade comercial, nomeadamente que: ou procedeu a uma reestruturação da empresa visando a redução dos custos da atividade, ou que renegociou dívidas e prazos de pagamento com os seus credores visando o cumprimento das suas obrigações, ou que procurou novos mercados para a atividade da empresa visando o desenvolvimento da mesma, ou que, verificando a impossibilidade de prosseguir com a atividade da empresa, a apresentou a um processo de recuperação de empresa ou insolvência. Mas o Oponente limitou-se a referir que não era gerente e que não tinha culpa na insuficiência do património.
Não o tendo feito, isto é, não afastando a presunção de culpa que sobre o mesmo recaía, terá que improceder a oposição, também, quanto a este fundamento.
Acresce o facto, do IVA ser pago por terceiros e a obrigação do Oponente era apenas a de entregar esse imposto que foi pago por terceiros à Fazenda Pública, o que não o fez. Aliás, o Oponente não invocou qualquer facto que legitimasse a não entrega desse imposto, nem foram apresentadas quaisquer provas que o demonstrasse.
Pelo que, conclui-se que o Oponente é parte legítima no processo de execução fiscal e que o ato de reversão não padece de qualquer ilegalidade. »

Antes de mais, cumpre fazer uma breve rectificação, uma vez que a sentença subjudice refere, certamente por lapso, que as dívidas que estão na génese dos processos executivos em apreço reportam-se a IVA de 2007 e 2008 , quando na verdade os mesmos foram instaurados para cobrança coerciva de dívidas de IMI de 2005 e 2006 e IVA de 2007 e 2008.

Conforme resulta da sua “solitária” conclusão de recurso, o Recorrente almeja eximir-se ao chamamento à execução, alicerçado na alegação de não é parte legítima para a execução uma vez que não praticou actos de gerência no período a que se reportam as dívidas tributárias.

Ora, considerando que o regime da responsabilidade subsidiária aplicável à situação subjudice é, inequivocamente, o plasmado do art. 24.º, n.º 1 alínea b) da LGT, preceito no qual se ancora o despacho de reversão, impera determinar se lhe assiste razão (Como já referido supra, é pacífico que o regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade. Na verdade, as normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Por isso, para a aplicação correcta da lei tem-se de aferir o momento em que o facto gerador da responsabilidade se verificou (cf. art. 12.º do Código Civil).Neste sentido, vide JORGE LOPES DE SOUSA, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, II volume, anotação 16 ao art. 204.º, págs. 334/335.

Antes do mais, e porque tal se nos afigura imprescindível à boa compreensão da questão controvertida, impõem-se alguns considerandos em torno da responsabilidade subsidiária dos gestores ou das pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de gestão em pessoas colectivas, pelas dívidas tributárias destas, tal como prevista no n.º 1 do art. 24.º, da LGT.

Conforme preceitua o normativo referido «1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si»(Redacção dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, e, por isso, em vigor à data a que se refere a dívida exequenda).

«a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a faltade pagamento».

Resulta da leitura do citado preceito como pressuposto primacial da responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores pelas dívidas das sociedades, o exercício efectivo da gerência ou administração. Ou seja, não basta a chamada gerência formal ou de direito, é necessária a gerência de facto.

A denominada gerência de facto de uma sociedade comercial consiste no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que se consubstanciam, nomeadamente, nas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que esta se verifique (lembre-se, a gerência de facto) é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo pacto social, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros – vide, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, in Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, p. 139.

É, pois, à administração tributária (AT), enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes ao exercício da gerência de facto - de acordo com a regra mater em sede de prova , que estabelece que quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos – artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.

Perscrutado o preceito em apreço, verificamos, ainda, que este revela uma clara delimitação no tempo da responsabilidade subsidiária (Não há responsabilidade subsidiária dos gestores relativamente às dívidas de impostos relativamente às quais não possa estabelecer-se uma conexão temporal nos termos das alínea a) ou b) do art. 24.º, n.º 1, da LGT.),bem como, um tratamento diferenciado das dívidas tributárias consoante a conexão das mesmas no tempo com o período de exercício do cargo de administração ou gestão. Ou seja, a alínea a) abrange a responsabilidade pelas dívidas tributária constituídas durante o exercício de funções dos gestores ou cujo prazo do respectivo pagamento ou entrega tenha terminado já depois desse exercício.

Consagra-se, assim, a responsabilidade dos gestores que exerceram as suas funções à época em que ocorreram os factos tributários ou que as exerceram durante o prazo legal de pagamento ou entrega da prestação tributária, mas antes do termo de tal prazo (Verifica-se, assim, um alargamento da responsabilidade subsidiária face ao anterior regime previsto no art. 13.º do Código de Processo Tributário, pois na vigência deste artigo a jurisprudência considerava que os administradores podiam ser responsáveis pelas dívidas mas só se estas tivessem o seu facto constitutivo ou o seu vencimento ocorresse durante o exercício do cargo).

Neste sentido, vide DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JOSÉ LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis Editores, 2.ª edição, anotação 7 ao art. 24.º, pág. 132.

Para além da definição do âmbito temporal da responsabilidade tributária subsidiária, o referido preceito consagra, como pressupostos desta, a verificação da insuficiência de bens para proceder ao pagamento das dívidas tributárias, tendo essa diminuição patrimonial sido causada culposamente pelo gestor.

Não estabelecendo a lei qualquer presunção relativamente a esses pressupostos, recai sobre a Administração o ónus da prova dos mesmos (De acordo com a regra geral de distribuição do ónus da prova, segundo a qual «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (art. 342.º, n.º 1, do CC). Também no domínio do procedimento tributário, a lei estipula que «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque» (art. 74.º, n.º 1, da LGT), regra que devemos ter por transponível para o processo judicial tributário. Neste sentido, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, I volume,

Já na previsão legal da alínea b) deste art. 24.º, n.º 1, da LGT, regime ao qual se subsume a situação decidenda, o legislador estabelece a imputação da falta de entrega ou pagamentos dos tributos ao gestor que, tendo o prazo de pagamento ou de entrega da prestação tributária terminado no seu período de gerência, os não tenha efectuado, a menos que se demonstre que não lhe foi imputável essa falta. Ou seja, faz recair sobre o gestor o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária, uma vez que tal imputabilidade se presume.

Esta presunção, apesar de contrária à regra geral da responsabilidade extracontratual prevista no art. 487.º do Código Civil (Nos termos do art. 487.º, n.º 1, do CC: «É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa».) compreende-se no presente caso, pois se o gestor não tiver culpa pela falta de pagamento ou de entrega do imposto ocorrida no período em que exerceu funções, ser-lhe-á fácil prová-lo ( Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, anotação 32 ao art. 204.º, pág. 356. ).

Note-se que, embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida.

Logo, demonstrada que seja a falta de pagamento da dívida tributária por parte da originária devedora (e tal demonstração, em sede executiva, está feita através do próprio título), recairá sobre o gestor o ónus da prova da falta de culpa por tal facto, tendo sempre presente que a lei impõe a quem exerça funções de gestão/administração em pessoas colectivas ou ente fiscalmente equiparados «o cumprimento dos deveres tributários das entidades por si representadas» (art. 32.º da LGT).

Em suma, o legislador, por certo ponderando, por um lado, razões de justiça e, por outro lado, as necessidades de eficácia do próprio instituto, entendeu proceder a uma distribuição do ónus da prova consoante o prazo de pagamento das dívidas tributárias tenha ou não terminado durante o exercício do cargo do gestor, limitando o ónus da prova a cargo deste aos casos em que o fundamento da responsabilidade for a violação do dever fundamental de pagar impostos vencidos no período de administração/gerência, nos restantes casos de violação de outro tipo de obrigações acessórias ou do dever de zelo na administração do património societário, entendeu o legislador colocar esse ónus a cargo da AT.

Feita esta breve incursão nos domínios da responsabilidade subsidiária prevista no art. 24.º, n.º 1, da LGT importa que atentemos no probatório para determinar se assiste razão ao Recorrente ao afirmar que não exerceu a gerência de facto da sociedade “P… Lda.” no período em que se se reporta a dívida exequenda.

Desde já podemos adiantar que não lhe assiste razão. Senão vejamos.

Perscrutado o probatório verificamos que o tribunal a quo apurou a seguinte factualidade que, por simplicidade de exposição, sinteticamente se elenca, nos seguintes termos:

- O Recorrente/Oponente encontrava-se nomeado gerente da devedora originária no período a que se reportam as dívidas exequendas, nomeadamente no período em que terminou o prazo legal de pagamento ou entrega dos impostos em dívida;

- O Recorrente, assinou o documento dirigido ao Diretor das Contribuições e Impostos, datado de 25.05.1994, no qual informa que a sociedade executada vai efetuar o processamento da faturação por meios computorizados. (cfr. doc. de fls. 39 dos autos);
- O Recorrente assinou um documento na qualidade de sócio-gerente da sociedade executada originária, datado de 21.04.1995, no qual presta algumas informações sobre a mesma a um funcionário do Serviço de Finanças de Lamego.(cfr. doc. de fls. 40 dos autos).
- O Recorrente assinou na qualidade de sócio-gerente da sociedade executada originária, apresentado no Serviço de Finanças de Lamego em 14.01.1997, a requerer a regularização das dívidas ao abrigo do art. 14º, nº 1 do DL 124/96 de 10 de Agosto. (cfr. doc. de fls. 46 dos autos).
-O Recorrente assinou um documento, na qualidade de sócio-gerente da sociedade executada originária, dirigido ao Ministro das Finanças, apresentado no dia 24.02.1999 no Serviço de Finanças de Lamego, a requerer o pagamento da dívida em 150 prestações mensais.(cfr. doc. de fls. 44 dos autos).
- O Recorrente assinou um documento, na qualidade de sócio-gerente da sociedade executada originária, dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Lamego, apresentado no dia 09.06.1999 no Serviço de Finanças de Lamego, a requerer o pagamento em prestações mensais da dívida da mesma. (cfr. doc. de fls. 42 dos autos).
- O Recorrente outorgou uma procuração forense na qualidade de sócio-gerente da sociedade executada originária, conferindo ao Ilustre Advogado ali indicado os mais amplos poderes forenses gerais em Direito permitidos, datada de 14.02.2006. (cfr. doc. de fls. 57 dos autos).

Ora, ainda, que ancorado na prova documental junta aos autos pela AT (e que a prova testemunhal apresentada pelo interessado não logrou rebater) o Tribunal a quo apurou que o Recorrente praticou sucessivos actos de gerência, tendo, obviamente, concluído que este era efectivamente gerente de direito e de facto da sociedade “P… Lda.”no período em que terminou o prazo legal de pagamento ou entrega dos impostos exigidos na execução que está na génese dos presentes autos.
Todavia, não deixa de ser, no mínimo “curiosa” a postura processual do Oponente, (quiçá, censurável), em sede de recurso, quando restringe a sua alegação inicial, no sentido de que não praticou actos de gerência no período a que se reportam as dívidas exequendas, para, desta forma, face a uma leitura ( diga-se, apressada) do probatório ver sustentada a sua posição atendendo a que a factualidade assente alude a um período temporal anterior à data da constituição da dívida que está na origem dos autos executivos, ou seja de 1995 a 1999.
Porém, olvida, desde logo, o Oponente a outorga da procuração forense na qualidade de sócio gerente da primitiva devedora em 14 de Fevereiro de 2006, o que se atentarmos no lapso temporal em que decorre a assinatura pelo impetrante dos aludidos documentos no interesse, em nome e representação daquela, denunciam uma clara prática continuada de actos de gerência, contrariamente ao alegado no seu articulado inicial.
Contudo, sem sucesso. Senão vejamos.
Perscrutado todo o vertido na petição inicial verificamos que a estratégia processual do Oponente foi integralmente dirigida no sentido de fazer vingar a tese de que este jamais”exerceu a gerência de facto da primitiva devedora, nomeadamente quando refere naquele articulado que: “…apesar de figurar formalmente como gerente , o oponente nunca praticou actos de gerência ou disposição, em nome e no interesse da sociedade “P…, Lda., (…) o facto de passar a figurar como gerente da sociedade deveu-se ao facto de ser marido de Maria de Lurdes ….e não pelo facto de ser intenção do mesmo ou daquele que este viesse , com efeito a exercer a gerência….Apesar de o oponente ter sido nomeado gerente no acto de constituição da sociedade, era sócia Maria de Lurdes… a quem incumbia gerir a sociedade, fazendo compras de mercadorias (frutas), atendendo a clientela, reunindo toda a documentação necessária à escrituração da sociedade, procedendo a pagamento dos impostos , taxas e outras contribuições e tratando de tudo o mais necessário ao desenvolvimento da sua actividade comercial …. A administração da sociedade esteve exclusivamente confiada à referida Maria de Lurdes ….e deste modo o oponente não estava inteirado da actividade , negócios e situação patrimonial , financeira e tributária da Sociedade , e jamais foi chamado a tomar decisões ou a opinar sobre o que quer que fosse. Jamais contratou trabalhadores, lhes deu ordens, instruções ou directivas, ou fez cessar contratos de trabalho. Jamais encomendou , nem adquiriu , nem alienou equipamentos , bens ou materiais…Jamais efectuou ou recebeu pagamentos. Não tomou, nem propôs decisões, iniciativas ou estratégias, nem praticou nenhum acto ou omissão voluntários, susceptível de integrar o exercício da gerência da identificada empresa... (realce e sublinhado nosso)»

Considerando que são os administradores/gerentes quem exterioriza a vontade das pessoas colectivas nos mais diversos negócios/actos jurídicos e através dos quais se manifesta a respectiva capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes em que tais agentes/gestores estão investidos, lhes permitem uma actuação determinante na condução das mesmas com vista à prossecução do seu objecto social.

Ora face a esta descrição da função do gestor, como classificar a intervenção do Oponente aquando da aposição da sua assinatura em documentos diversos e procuração forense na qualidade de sócio gerente da sociedade executada e no exclusivo interesse desta, senão a do exercício efectivo da gerência (lembre-se, em manifesta contradição com o alegado na petição inicial)???

Certo é que o Oponente ao invés de esclarecer as razões ou particulares circunstâncias que (eventualmente) o levaram o outorgar documentos em nome e representação da primitiva devedora, teimosa e ferreamente insistiu na tese de que jamais exerceu a gerência, jamais definiu estratégias, jamais praticou actos ou omissões voluntários susceptíveis de integrar o exercício da gerência da originária devedora. Tal justificação era tanto mais imperiosa, quanto a sociedade obrigava-se mediante a assinatura de um único gerente, facto que só por si clamava por um claro e inequívoco esclarecimento, atendendo ao facto de que a alegada gerente era a mulher do Oponente.

Se bem que apreciados isoladamente cada um dos factos apurados pelo Tribunal, estes não lograssem traduzir por si só o exercício da gerência pelo Recorrente, contudo, conjugados entre si e “lidos” à luz das regras da experiência comum, representam a realidade aventada pela Administração Tributária, concretamente de que o interessado efectivamente acompanhava e dirigia os destinos da sociedade de “P…,Lda.”, nomeadamente promovendo as diligências para a regularização de dívidas tributárias, constituindo mandatário para representação desta em juízo etc.

Constatada a prática continuada (pelo menos até 2006) de actos de gerência pelo Oponente, impunha-se que este, para se eximir à responsabilidade pelas dívidas tributárias que lhe vinha imputada, tivesse esclarecido cabalmente a sua intervenção em nome da representação da sociedade executada, mediante a outorga de documentos constantes dos autos, ao invés de, pueril e peremptoriamente, negar os factos que ressaltavam à evidência e plasmada na prova documental carreada para os autos pela Exequente.

Assim, tendo presente que a AT logrou fazer a prova que sobre ela impendia, ou seja de que o Oponente era gerente da sociedade originária devedora no período em que deveriam ter sido entregues os montantes devidos a título de IVA e de IMI e que constituem a dívida exequenda, ficamos aptos a concluir que, in casu, a tese sufragada pelo recorrente não merece acolhimento.
No caso subjudice, resultando inequívoco que o Oponente geriu a sociedade executada e que o prazo legal de pagamento dos impostos em dívida terminou no período do exercício do seu cargo, o afastamento da sua responsabilidade pelo respectivo pagamento, por falta de culpa (no caso vertente por insuficiência patrimonial daquela) encontra-se inexoravelmente dependente da prova de tal circunstancialismo de facto (prova essa que, como já referido, cumpria ao Oponente, por sobre ele recair o respectivo ónus, à luz do regime legal aplicável).
Destarte, impendia, pois, sobre o Recorrente o ónus de, afastando a presunção de culpa que sobre ele o legislador fez recair, persuadir o Tribunal de que tomou todas as diligências e cautelas que um gestor prudente e responsável teria tomado nas mesmas circunstâncias e, no caso de não conseguir, persuadi-lo, através de prova positiva e directa, da inverificação do facto presumido (culpa).
Do cotejo da prova produzida nos autos, resulta que o impetrante nada logrou provar neste sentido, uma vez que toda a sua estratégia processual foi dirigida no sentido de fazer vingar a tese de que jamais exerceu a gerência de facto.
Assim, uma vez que nos termos do artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT, o que releva para a exclusão da responsabilidade subsidiária imputada ao oponente, ora Recorrente, é a demonstração da falta de culpa pelo não pagamento da dívida tributária exequenda e que o Recorrente não logrou fazer qualquer prova no sentido de que tal falta de pagamento não lhe é imputável, deve responder pela dívida em causa nos autos ao abrigo do citado normativo, pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao considerar preenchidos os pressupostos da reversão e em consequência ao julgar Oponente parte legítima na execução, não merecendo, por isso, provimento o recurso.
CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I. Se o recorrente pretende impugnar a matéria de facto da sentença recorrida mas para tanto limita-se a dizer de forma genérica que dos elementos dos autos, sem qualquer concretização dos meios de prova, resultaria matéria de facto diferente, não cumpre um dos ónus impostos pelo artigo 685.º-B do Código de Processo Civil, o que determina a rejeição do recurso nesta parte.

2. Tanto no âmbito do CPT como no da LGT, para se afirmar a responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas tributárias exige-se que os mesmos tenham exercido efectivamente ou de facto a gerência.

3. Provado que o oponente exerceu a gerência de facto no período em que terminou o prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em dívida ele é parte legítima na execução, salvo se provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento».

DECISÃO

Termos em que, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente

Porto, 12 de Dezembro de 2014

Ass. Ana Paula Santos

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Vital Lopes