Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00044/22.1BECBR |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 07/13/2023 |
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Tribunal: | TAF de Coimbra |
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Relator: | Irene Isabel Gomes das Neves |
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Descritores: | DESERÇÃO DA INSTÂNCIA; |
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Sumário: | I. A decisão que julgue deserta a instância tem de conter um juízo que aponte para a negligência da parte em termos de impulso processual. II. A lei não determina que a decisão a proferir seja precedida da audição prévia das partes. III. A negligência de que fala a lei é necessariamente a negligência retratada ou espelhada objetivamente no processo (negligência processual ou aparente). Se a parte não promove o andamento do processo e nenhuma justificação apresenta, e se nada existe no processo que inculque a ideia de que a inação se deve a causas estranhas à vontade da parte, está constituída uma situação de desinteresse, logo de negligência.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. «AA» (Recorrente) notificado da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, a qual julgou a instância deserta e, por conseguinte, extinta a impugnação judicial contra as retenções de IRS efetuadas pela Caixa Geral de Aposentações (CGA) ao Impugnante, no ano de 2016, na qualidade de substituto tributário, bem como contra a decisão de Recurso Hierárquico que as manteve, inconformado vem dela interpor o presente recurso jurisdicional. Alegou, formulando as seguintes conclusões: «1. A decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e direito ao ter julgado deserta a instância por alegadamente ter decorrido o prazo de 6 meses para o efeito sem ter sido desencadeado o incidente de habilitação por negligência das partes. 2. O despacho proferido pelo Tribunal a quo, de 19.05.2022, que determinou a suspensão da instância pelo falecimento do Recorrente não estipulou nenhum prazo de duração da suspensão, pelo que tal facto deveria ser aditado ao probatório. 3. Ao contrário do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo ao prazo de suspensão da instância aplica-se a suspensão para férias judicias preceituada no art. 138.º, n.º 1 do CPC. 4. O despacho que determinou a suspensão da instância presumiu-se, nos termos do disposto no art. 248.º, n.º 1 do CPC aplicável ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT, notificado ao mandatário do Recorrente em 11.07.2022. 5. Em 12.07.2022 iniciou-se a contagem do prazo de 6 meses para a dedução do incidente de habilitação, suspendendo-se, nos termos do preceituado no art. 138.º, n.º 1 do CPC, conjugado com o preceituado no art. 28.º da Lei da Organização do Sistema Judiciária, inicialmente, inicialmente entre em 16.07.2022 e 31.08.2022 (período férias judiciais do verão) e posteriormente entre 22.12.2022 e 3.01.2023 (período férias judiciais do Natal). 6. O ano de 2022 teve 365 dias, seis meses correspondem, por defeito, a 182 dias. 7. In casu, o prazo para apresentar o incidente de habilitação, tomando em consideração a suspensão dos períodos de férias judiciais supra mencionado, decorreu entre 24.05.2022 (início da contagem do prazo para apresentar o incidente de habilitação) e 16.07.2022 (data do início das férias judiciais de verão) 4 dias, entre 1.09.2022 e 22.12.2022, 112 dias e entre 4.01.2023 e 18.01.2023 (data da prolação da Sentença recorrida), 15 dias, totalizando 131 dias (4+112+15). 8. Em 18.01.2023, data da prolação da Sentença não haviam decorrido 6 meses (182 dias) mas apenas 131 dias, não se encontrando esgotado o prazo para desencadear o procedimento de habilitação. 9. A decisão recorrida mal andou ao decidir que a instância se encontrava deserta por decurso do prazo para apresentação do incidente de habilitação. 10. No processo em apreciação não houve negligência das partes que lhes seja imputável pela não apresentação do incidente de habilitação, não tendo sequer sido facultada a hipótese de pronuncia sobre a deserção da instância previamente à prolação da decisão recorrida. 11. A eventual negligência das partes, com legitimidade para desencadear o incidente de habilitação, não opera de forma automática porquanto o motivo da suspensão tem impacto, conforme facilmente se reconhecerá, totalmente distinto das restantes situações previstas no art. 269.º, n.º 1 do CPC. 12. E no mesmo sentido do antecedente veja-se Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 7/03/2022, proferido no processo n.º 3334/19.7T8GDM.P1, disponível em www.dgsi.pt. TERMOS EM QUE DEVE PROCEDER O PRESENTE RECURSO E CONSEQUENTEMENTE SER ANULADA A SENTENÇA RECORRIDA COM A CONSEQUENTE BAIXA DOS AUTOS AO TRIBUNAL A QUO» 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 287 SITAF, no sentido da inadmissão do recurso, no qual conclui: «Insurgindo-se contra a decisão proferida no presente processo em 18/01/2023 e que, por deserção, julgou extinta a instância, nos termos do disposto nos artº 281º, nº1 e 277º, alínea c) do CPCivil, da mesma apresentou-se formalmente a recorrer, através de ilustre advogado a quem, em vida, conferira mandato judicial, o impugnante - cujo falecimento, em 18/03/2022, se encontra documentado nos autos (cfr. SITAF, p. 249) e determinara a prolação, em 07/07/2022, de despacho suspendendo a instância, até à (eventual) habilitação do ou dos respectivos sucessores (cfr. SITAF, p. 248 e arts 269º, nº1, alínea a), 270º, 276º, nº1, alínea a), 281º, nº1 e 351º e segs do CPCivil, todos preceitos nele citados). Sem prejuízo de, discordando-se da interpretação veiculada na peça recursória em questão, se considerar que: i) O prazo estabelecido no artº 281º, nº1 do CPCivil, porque superior a 6 meses, não se suspende nas férias judiciais (como, salvo o devido respeito, decorre cristalinamente da previsão normativa inserta no artº 138º, nº1 do CPCivil); ii) O despacho que determinou a suspensão da instância – notificado electrónicamente ao ilustre mandatário do falecido Autor em 08/07/2022 (cfr. SITAF, p. 253) - ao ressalvar e prevenir expressamente para a eventualidade da operância do prazo de deserção contemplado no cit. artº 281º, nº1 do CPCivil, objectivou a natureza e duração de tal prazo; iii) A declaração judicial da deserção da instância, nos termos estabelecidos no cit. artº 281º, nº1 do CPCivil, não exige, não pressupõe, nem está, “in casu”, condicionada à prévia audição das partes para efeitos de estabelecer a negligência pela relevada paragem do processo [como vem sendo constantemente reafirmado pela jurisprudência do STJ (cfr., para além dos arestos citados no despacho de sustentação constante de p.279 do SITAF, Acórdão de 22/02/2018, tirado no Proc. nº 473/14.4T8SCR, editado in www.dgsi.pt)], não sendo, assim, a decisão recorrida merecedora de reparo, afigura-se-nos que, em face do falecimento do impugnante [com a consequente cessação das suas personalidade e capacidade tributárias e, bem assim, caducidade do por ele conferido mandato judicial (cfr. arts 1174º alínea a) e 1175º, 2ª parte do CCivil)], o deduzido recurso se mostra legalmente inadmissível, não devendo conhecer-se do respectivo objecto (cfr. arts 15º, 16º da LGT e 577º, alínea c) do CPCivil). Relembrando-se, em todo o caso, que “(...) a deserção é uma ocorrência que extingue a instância, sem prejudicar o direito de ação e o direito material ou substancial em litígio. Quer dizer, extinta a instância por deserção, o autor conserva o direito de propor nova ação sobre o mesmo objeto. A deserção não opera, pois, sobre as situações jurídicas materiais que constituem o objeto do processo, mas apenas sobre a relação jurídica processual, que em consequência extingue. A deserção tem o mesmo alcance que a absolvição da instância: não afeta o direito à ação, nem o direito que pela ação se pretendia fazer valer, afeta unicamente a relação processual que se constituíra, a instância. É uma forma de caducidade, por efeito do decurso do tempo, do direito ao desenvolvimento de uma concreta instância, que faz cair todo o processo” (v. Acórdão nº 604/2018 do Tribunal Constitucional, publicado in www.tribunalconstitucional.pt). Neste entendimento, não se encontrando os tribunais superiores vinculados aos despachos que nos inferiores os admitiram (cfr. artº 641º, nº5 do CPCivil), deverá indeferir-se, por inadmissível, o apresentado requerimento recursório.» 1.4. Notificadas as partes ao abrigo do disposto no artigo 655º do CPC, nada disseram. 1.5. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. Questões a decidir: Não nos revendo na posição do PGA que pugna pela inadmissibilidade do recurso, temos que as questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes: se a decisão de julgou deserta a instância incorreu em erro de julgamento quer de facto quer de direito. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto 2.1.1. Na ausência de fixação de matéria de facto dada como provada pela primeira instância, ao abrigo das faculdades que lhe estão adstritas e por se mostrar relevante para o conhecimento do presente recurso, fixam-se as seguintes ocorrências processuais que decorrem dos autos: A) A 07.07.2022, foi proferido despacho judicial nos seguintes termos: «Considerando que a ora signatária tem conhecimento, por dever de ofício, uma vez que é titular do processo n.º 442/21.8BECBR referido no artigo 9.º da contestação, do óbito do ora Impugnante, comunicado naqueles autos, extraia-se certidão do Assento de Óbito constante de fls. 310-311 do aludido processo (numeração fls. SITAF), e junte-se a mesma aos presentes autos. Após, fica suspensa a instância, nos termos do disposto nos artigos 269.º, n.º1, al. a) e 270.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi o artigo 2.º, al. e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Aguardem depois os autos que seja requerida a competente habilitação (cfr. art.º 276.º, n.º 1, al. a) e 351.º e ss. do CPC), sem prejuízo do prazo de deserção (cfr. art.º 281.º, n.º 1 do CPC). Notifique, com cópia da certidão a extrair.» - cfr. fls. 248 da paginação SITAF; B) O despacho referido na alínea antecedente e respectiva certidão ali mencionada, foram notificadas à Fazenda Pública e ao mandatário do Impugnante, por via eletrónica, a 08.07.2022 – cfr. fls. 252 e 253 da paginação SITAF; C) Conforme consta da certidão extraída dos autos 442/21.8BEBCR, a 28.04.2022, o Mandatário do Impugnante informou naqueles autos o falecimento deste em 18.03.2022, juntando cópia do assento de óbito – cfr. fls. 249 da paginação SITAF; D) A 18.01.2023, foi proferida a decisão ora em crise com o seguinte teor: «A presente instância foi suspensa por despacho de 07.07.2022 (fls. 248 e ss. do processo electrónico), por verificação do óbito do Impugnante, tendo sido devidamente notificados o mandatário constituído pelo Impugnante e o Representante da Fazenda Publica, que nada vieram dizer ou requerer aos autos. Prevê o artigo 281.º do Código do Processo Civil que ocorre a deserção da instância ao fim de seis meses quando, por negligência das partes, o processo se encontrar a aguardar, neste caso, a notificação da decisão que considere habilitado o sucessor do falecido Impugnante (cfr. art.º 269.º, n.º 1, al. a) e 276.º, n.º 1, al. a) do CPC), prazo esse que corre de modo contínuo, sem suspensão em férias judiciais, atento o disposto no artigo 138.º, n.º 1 do CPC. Assim sendo, e atento o disposto no artigo 281.º, n.os 1 e 4 do CPC (aplicável ex vi art.º 2.º, al. e) do CPPT), julga-se a presente instância deserta e, por conseguinte, extinta (cfr. artigo 277.º, al. c) do CPC). Custas pelo Impugnante, fixando-se o valor da acção no valor das retenções na fonte que se pretendiam anuladas: €6.141,10 (cfr. art.º 527.º, n.º 1, in fine, e e 306.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi art.º 2.º, al. e) do CPPT e art.º 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT). Registe. Notifique.» - cfr. fls. 255 da paginação SITAF. E) Em 22.02.2023 foi apresentado o presente recurso subscrito pelo ilustre advogado a quem, em vida, conferira mandato judicial, o impugnante – cfr. fls. 265 da paginação SITAF. 2.2. De direito Constitui objeto do presente recurso a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida a 18.01.2023, através da qual julgou deserta e, por consequência, extinta a instância. nos termos do disposto nos artº 281º, nº1 e 277º, alínea c) do Código de Processo Civil, [por falta de impulso processual, in casu, em virtude da falta de junção aos autos da habilitação de herdeiros, após a suspensão da instância, por morte do Impugnante]. Inconformado, o Recorrente, apresentou-se formalmente a recorrer, através de ilustre advogado a quem, em vida, conferira mandato judicial, o impugnante, alegando em síntese que o despacho que determinou a suspensão da instância não estipulou o prazo de duração do mesmo, que contrariamente ao entendimento sufragado pelo Tribunal ao prazo de suspensão da instância aplica-se a suspensão para férias judiciais preceituado no artigo 138º, n.º 1 do CPC, pelo que em 18.01.2023, data da Prolação da Sentença não haviam decorrido 6 meses, não se encontrando esgotado prazo para desencadear o procedimento de habilitação. Impõe-se, então, apreciar e conhecer as questões suscitadas no presente recurso, conforme supra enunciadas, sendo certo que o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [cfr. artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 2.º, alínea e) do CPPT.]. Paralelamente aos presentes autos de Impugnação Judicial, intentou o aqui Recorrente os autos, também eles de Impugnação Judicial n.º 442/21.8BEBCR, nos quais foi igualmente e na mesma data proferido decisão a julgar extinta a instância por deserção. Da similaridade da decisão decorre a duplicação in totum das alegações e conclusões de recurso apresentadas em ambos os processos, tal repetição é facilmente aferida do lapso contido na Conclusão 2. das alegações em que se alude à data de prolação do despacho que determinou a suspensão da instância, como sendo 19.05.2022, quando na realidade essa data corresponde ao processo n.º 442/21.8BEBCR, pois que nos presentes autos corresponde a 07.07.2022 (vide item A) da matéria de facto). Redundando, que as questões a tratar nos presentes já foram objecto de apreciação por este TCAN no âmbito daquele recurso. Na medida em que da matéria de facto fixada não decorre qualquer facto que imponha tratamento diverso, não vemos motivo para nos afastarmos do que aí ficou decidido, aderindo in totum aos fundamentos constantes do recente acórdão deste TCAN, proferido em 06.07.2023, no processo n.º 442/21.8BEBCR, e que aqui recuperamos na integra, nos seguintes termos: « Do Erro de julgamento de facto [conclusões 1. e 2.]. A primeira questão a apreciar prende-se com o alegado erro de julgamento de facto, porquanto, entende o recorrente, que o despacho objeto de recurso não estipulou nenhum prazo de duração da suspensão, pelo que “tal facto deveria ser aditado ao probatório”. Ora, quanto a esta primeira questão, dir-se-á, desde logo, que na decisão recorrida não foi elencada qualquer matéria factual, labor levado a cabo por este tribunal, conforme resulta do segmento “III.1 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO”, supra enunciado. Nesta medida, nada há que aditar ao probatório (inexistente). Por outro prisma, a alegação de que o despacho recorrido não estipulou nenhum prazo de duração de suspensão, não encerra em si mesmo “um facto simples”, constituindo, sim, uma ilação a retirar da análise do teor do despacho, pelo que sempre seria insuscetível de integrar matéria de facto. Nesta conformidade, sem necessidade de mais delongas, improcede, este segmento recursivo. Do erro de julgamento no que concerne à verificação dos pressupostos para declarar a deserção Neste âmbito, o Recorrente começa por defender que, ao contrário do decidido, “ao prazo de suspensão da instância aplica-se a suspensão para férias judiciais preceituada no art. 138.º, n.º 1 do CPC.” E, assim sendo, considera que, o despacho que, determinou a suspensão da instância, presumiu-se notificado ao mandatário, no dia 23.05.2022, nos termos do disposto no art. 248.º, n.º 1 do CPC. Pelo que, à data em que foi proferida a decisão de deserção, ou seja, 18.01.2023, não havia decorrido o prazo de 6 meses para desencadear o procedimento de habilitação. Para prosseguirmos na apreciação do thema decidendum assim delimitado, com vista a contextualizar o nosso objeto, recuperamos aqui parte do decidido: «A presente instância foi suspensa por despacho de 19.05.2022 (fls. 313 do processo electrónico), por verificação do óbito do Impugnante, tendo sido devidamente notificados o mandatário constituído pelo Impugnante e o Representante da Fazenda Publica, que nada vieram dizer ou requerer aos autos. Prevê o artigo 281.º do Código do Processo Civil que ocorre a deserção da instância ao fim de seis meses quando, por negligência das partes, o processo se encontrar a aguardar, neste caso, a notificação da decisão que considere habilitado o sucessor do falecido Impugnante (cfr. art.º 269.º, n.º 1, al. a) e 276.º, n.º 1, al. a) do CPC), prazo esse que corre de modo contínuo, sem suspensão em férias judiciais, atento o disposto no artigo 138.º, n.º 1 do CPC. Assim sendo, e atento o disposto no artigo 281.º, n.os 1 e 4 do CPC (aplicável ex vi art.º 2.º, al. e) do CPPT), julga-se a presente instância deserta e, por conseguinte, extinta (cfr. artigo 277.º, al. c) do CPC).» Sendo esta a fundamentação espelhada na decisão recorrida, não vemos razões para dela dissentir, como infra se exporá. Dispõe o art. 281.º do CPC., aplicável por força do disposto no art.º 2.º, alínea e) do CPPT, sob a epígrafe – Deserção da instância e dos recursos – que: «1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.» […]. 3- Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses. 4- A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator. […].» Por seu lado, estabelece o art. 138.º do CPC., sob o título – Regra da continuidade dos prazos – o seguinte: «1 - O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes. 2 - Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte. 3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de ponto.» - sublinhado nosso. Ora, como resulta do teor literal do n.º 1 deste último preceito legal em análise, o prazo processual, igual ou superior a seis meses, é contínuo e não se suspende durante as férias judiciais. Assim, o prazo de 6 meses previsto no art.º 281.º do CPC, para a deserção, ao contrário do propugnado pelo Recorrente, correu de forma contínua, não estando sujeito a qualquer suspensão durante as férias judiais. Mais se dirá que, o acórdão mencionado pelo Recorrente nas suas conclusões [12.], do Tribunal da Relação do Porto, de 17.03.2022, processo n.º 3334/19.7T8GDM.P1, não contraria este entendimento, pois, a questão que ali se colocava tinha a ver a com a suspensão dos prazos processuais decorrente da aplicação das normas especiais criadas durante o período da pandemia (vulgo Lei Covid), designadamente do n.º 1 do artigo 6.º-B, n.º 1 da Lei 4B/2021, que não está aqui em causa. Donde, não procede a pretensão do Recorrente. Aqui chegados, e avançando num outro patamar de análise, importa aferir da verificação dos demais pressupostos da deserção da instância, que o Recorrente coloca em causa. Nos termos do disposto no artigo 277.º, al. c) do CPC, “A instância extingue-se com: (…) c) A deserção.”. Ora, como se extrai do art. 281.º do CPC, constituem pressupostos cumulativos da deserção da instância: (i) a falta de impulso processual das partes, seja do Autor, Exequente ou Requerente, no prazo de 6 meses para o prosseguimento da instância – requisito de natureza objetiva e (ii) a inércia imputável a negligência das partes – requisito de natureza subjetiva. Trata-se de uma modalidade de extinção da instância que tem como objetivo principal promover a celeridade da justiça, evitar a delonga excessiva e anormal da instância e evitar o entorpecimento das causas. Como se afirma no acórdão do STJ, de 16.03.2023, processo n.º 543/18.0T8AVR.P1S1, disponível em www.dgsi.pt. «A deserção da instância é um instrumento que o legislador faculta aos tribunais para se libertarem dos processos em que o autor, por qualquer razão, não tem mais interesse em prosseguir. O prazo de deserção da instância foi encurtado exactamente para permitir uma melhor gestão dos recursos do tribunal e constranger as partes, sobretudo o autor a não entorpecerem a acção da justiça. Foi anulada a interrupção da instância, para que o tribunal tivesse de usar menos do seu tempo útil com um processo que aparenta já “estar moribundo”. O tribunal não só não está obrigado a inquirir as partes sobre a razão da sua inércia como o não deve fazer por ser um terceiro imparcial que não deve intrometer-se nas decisões que as partes têm liberdade de adoptar como seja, não prosseguir com um processo que instauraram.» Ora, a decisão recorrida julgou extinta a instância, por deserção [«A deserção extingue a instância, mas não a ação ou o direito que nela se pretendia fazer valer. Em princípio, a simples extinção da relação jurídica processual não impede que a mesma ação seja novamente proposta e que o direito substantivo exercido possa ser judicialmente reconhecido. Só assim não será se, em consequência dos efeitos da deserção da instância, os prazos de propositura da ação ou de prescrição do direito já estiverem findo. […]. [A] deserção é uma ocorrência que extingue a instância, sem prejudicar o direito de ação e o direito material ou substancial em litígio. Quer dizer, extinta a instância por deserção, o autor conserva o direito de propor nova ação sobre o mesmo objeto. A deserção não opera, pois, sobre as situações jurídicas materiais que constituem o objeto do processo, mas apenas sobre a relação jurídica processual, que em consequência extingue. A deserção tem o mesmo alcance que a absolvição da instância: não afeta o direito à ação, nem o direito que pela ação se pretendia fazer valer, afeta unicamente a relação processual que se constituíra, a instância.» Acórdão do TC de 14.11.2018, proc. n.º 604/2018, disponível em www.dgsi.pt.]. Vejamos, pois, se existem motivos para divergir do assim decidido. Conforme evola do elenco das ocorrências processuais acima assinaladas [alíneas A) e B)], o tribunal a quo, a 19.05.2022, proferiu despacho a determinar a suspensão da instância, na sequência da junção da cópia do assento de óbito do Impugnante, por parte do seu mandatário. Mais consignou neste despacho que os autos ficavam a aguardar que fosse requerida a competente habilitação de herdeiros, nos termos do disposto nos art.s 276.º, n.º 1, alínea a) e 351.º e ss. do CPC, sem prejuízo do prazo de deserção, conforme o disposto no art.º 281.º do CPC. Aquele despacho foi notificado ao Mandatário do Impugnante por notificação eletrónica no dia 19.05.2022 [cfr. alínea C), idem]. Assim, e tal como é assumido no presente recurso, o mandatário considera-se notificado no dia 23.05.2022 (segunda feira), nos termos do disposto no art.º 248.º do CPC. A instância veio a ser julgada deserta, pelo despacho ora em crise, a 18.01.2023 [alínea D)], ou seja, quase 8 meses decorridos sobre o despacho proferido a 19.05.2022 e sem que haja sido praticado qualquer ato no processo. Retomando a alegação do Recorrente quanto ao argumento de no despacho que determinou a suspensão não ter sido estipulado nenhum prazo de duração da suspensão, diremos que, tal omissão, não contamina a decisão com qualquer vício. Na verdade, no despacho faz-se referência ao prazo de deserção, conforme o disposto no n.º 1, do art. 281.º do CPC. Ora, o prazo de suspensão (6 meses) decorre direta e exclusivamente da lei (n.º 1 do aludido preceito legal), não estando na disponibilidade do tribunal a sua alteração. Acresce que, tendo o despacho sido notificado a mandatário, não pode vir invocar o desconhecimento da lei e sendo um jurista que exerce a sua profissão de modo publicamente avalizado pela Ordem dos Advogados sempre terá, no mínimo, que significar que conhece e sabe interpretar as normas jurídicas convocadas para o litígio. Nesta conformidade, encontra-se verificado o requisito de natureza objetiva – falta de impulso processual no período de 6 meses, como supra se deixou mencionado, soçobrando, pois, razão ao recorrente, quando conclui que “a decisão recorrida mal andou ao decidir que a instância se encontrava deserta por decurso do prazo para apresentação do incidente de habilitação.” Vejamos, agora, se, no presente caso, se a inércia é imputável a negligência das partes, concretamente ao Impugnante – requisito de natureza subjetiva. Neste âmbito, propugna o Recorrente que no “processo em apreciação não houve negligência das partes que lhes seja imputável pela não apresentação do incidente de habilitação, não tendo sequer sido facultada a hipótese de pronuncia sobre a deserção da instância previamente à prolação da decisão recorrida” [conclusão 10.]. E que a “eventual negligência das partes, com legitimidade para desencadear o incidente de habilitação, não opera de forma automática porquanto o motivo da suspensão tem impacto, conforme facilmente se reconhecerá, totalmente distinto das restantes situações previstas no art. 269.º, n.º 1 do CPC.” [conclusão 11.]. Quanto a este aspeto cumpre dizer que o Recorrente afirma de forma conclusiva que não houve negligência sem que invoque qualquer facto concreto que impedisse a dedução do incidente de habilitação de herdeiros e permitisse a regular tramitação do processo, conforme lhe incumbia. Aliás, diga-se que, o próprio mandatário no requerimento em que deu conhecimento ao tribunal do óbito do Impugnante, apresentado a 28.04.2022, afirma que “a breve prazo será desencadeado o competente incidente de habilitação” [alínea A)], o que como brota claro não aconteceu. Como se refere no acórdão do STJ, de 16.03.2023, processo n.º 543/18.0T8AVR.P1S1, já mencionado, com proficiente fundamentação que aqui se acolhe: «(…). A lei não impõe qualquer obrigação de notificar o autor para indagar das razões pelas quais manteve o processo parado, pendente do seu impulso processual. No art. 281º do Código de Processo Civil quando menciona que: “(…) considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses “ não pretendeu o legislador que o tribunal abrisse um inquérito sobre as razões que levaram o autor a agir como agiu quando poderia ter agido diversamente e deduzido o incidente de habilitação em falta. A expressão – por negligência das partes – tem em vista circunscrever a deserção da instância às situações em que o processo se encontre parado por falta de impulso processual das partes não sendo aplicável quando o processo se encontra parado por motivos imputáveis ao próprio tribunal ou a terceiros. Tal negligência preenche-se com a violação de um dever de cuidado, neste caso de deduzir o incidente de habilitação e permitir, assim a regular tramitação do processo cujo ónus incumbia ao autor e não se mostra satisfeito. Este ónus poderia ter sido afastado pelo autor se, actuando com obediência ao princípio da cooperação, caso se defrontasse com qualquer impedimento à dedução do incidente de habilitação de herdeiros, viesse, oportunamente, dar disso conta ao tribunal e solicitar apoio na remoção desse eventual obstáculo. Naturalmente que há sempre obstáculos para os quais o tribunal não é meio próprio para facilitar a remoção, mas, em todo o caso, compete à parte de quem depende a prática de um acto para normal processamento dos autos, como aqui acontece com a autora, usar da sua capacidade para o remover e pedir a intervenção do tribunal se tal se justificar para remover qualquer obstáculo à dedução do incidente. […]. O tribunal não só não está obrigado a inquirir as partes sobre a razão da sua inércia como o não deve fazer por ser um terceiro imparcial que não deve intrometer-se nas decisões que as partes têm liberdade de adoptar como seja, não prosseguir com um processo que instauraram. Criar artificialmente neste procedimento um incidente de prova da negligência da parte, para além da negligência objectiva de deixar o processo pendente sem praticar neles atempadamente os actos devidos, num mau uso, quando não num uso abusivo dos recursos públicos, sobretudo quando se litiga com o benefício de apoio judiciário pago pelo erário público, para recolher desculpas, notificar delas a parte contrária, vir a considerá-las fundadas ou infundadas e só depois poder declarar a deserção da instância, inviabilizará concretamente o referido encurtamento do prazo estabelecido pelo legislador, tanto mais que sempre poderão ser praticados actos até ao terceiro dia útil depois do prazo concedido e este não deverá ser inferior a 10 dias para cada parte, multiplicando o trabalho do tribunal sem razão justificável. Se ocorrer um motivo sério que impediu a parte de praticar o acto devido no prazo legal, circunstância que a recorrente não alegou, e que será de ocorrência rara, sempre a parte poderá lançar mão da arguição do justo impedimento nessa prática e fazer prosseguir os autos. Este instrumento processual é adequado a garantir plenamente o princípio de auto-responsabilização das partes, permitindo simultaneamente ultrapassar as situações que justificadamente impediram a parte de agir diligentemente no processo. Durante o curso do prazo de deserção da instância se existirem circunstâncias justificadoras da inacção processual incumbe à parte dá-las a conhecer no processo para evitar que se complete o prazo de deserção da instância.» - sublinhado da nossa autoria. No mesmo sentido, ver, ainda, a título de exemplo, acórdão do STJ, de 05.05.2022, proc. n.º 1652/16.5T8PNF.P1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt, em que se afirma: «A conduta negligente conducente à deserção da instância consubstancia-se numa situação de inércia imputável à parte, ou seja, em que esteja em causa um ato ou atividade unicamente dependente da sua iniciativa. A decisão que julgue deserta a instância tem de conter um juízo que aponte para a negligência da parte em termos de impulso processual A lei não determina que a decisão a proferir seja precedida da audição prévia das partes. A negligência de que fala a lei é necessariamente a negligência retratada ou espelhada objetivamente no processo (negligência processual ou aparente). Se a parte não promove o andamento do processo e nenhuma justificação apresenta, e se nada existe no processo que inculque a ideia de que a inação se deve a causas estranhas à vontade da parte, está constituída uma situação de desinteresse, logo de negligência.» Com o mesmo entendimento vide, ainda, acórdão do STA, Secção do Contencioso Administrativo, de 09.02.2023, processo n.º 0706/12.1BEAVR (que seguiu a fundamentação espelhada no acórdão do STJ, de 05.05.2022, proc. n.º 1652/16.5T8PNF.P1.S1, acabado de mencionar), em que se deixou sumariado o seguinte: «I – A negligência para efeitos de preenchimento do pressuposto legal do n.º 1 do artigo 281.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA (deserção), é fundamentada na inércia processual das partes pelo período temporal superior a seis meses, não reclamando um juízo autónomo sobre a conduta processual, embora se trate de um efeito processual que resulta da declaração do tribunal e não do mero decurso daquele prazo.». No mesmo sentido, para além dos acórdãos já mencionados, tem-se pronunciado, atualmente, de forma praticamente uniforme, o STJ, como decorre, a título de exemplo, das referências feitas pela Meritíssima Juiz, no seu despacho de sustentação: Acórdãos de 08.03.2018 (225/15.4T8VNG.P1-A.S1), 12.01.2021 (3820/17.3T8SNT.L1.S1), 20.04.2021 (27911/18.4T8LSB.L1.S1) e, ainda, o acórdão de 22.02.2018 (473/14.4T8SCR). Neste seguimento, afastamo-nos da jurisprudência citada pelo recorrente na conclusão 12. [acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 7.03.2022, proferido no processo n.º 3334/19.7T8GDM.P1.]. Transpondo esta fundamentação para o caso concreto, concluímos que, na presente situação, existiu negligência por violação de um dever de cuidado, por não ter sido deduzido o incidente de habilitação que permitisse a regular tramitação do processo, ónus que incumbia ao Recorrente e que não se mostra cumprido, não tendo, também, sido aportada para o processo qualquer razão impeditiva da não promoção, durante o período de seis meses. Outrossim, não estava o tribunal obrigado a proceder a qualquer notificação das partes previamente à prolação da decisão de deserção. Destarte, no caso objeto, encontra-se, demonstrada que a inércia é imputável a negligência do Impugnante – requisito de natureza subjetiva. Neste conspecto, conclui-se que a decisão recorrida não padece dos erros que lhe vinham imputados, o que determina a sua confirmação e manutenção na ordem jurídica.» - (fim de transcrição do acórdão) Não podemos deixar de concordar e aderir ao explanado e assim decidido. Sendo que o facto de nos presentes autos o despacho a determinar a suspensão da instância ter ocorrido em 07.07.2022 não contunde com o exposto, sendo de negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida no ordenamento jurídico. 2.3. Conclusões I. A decisão que julgue deserta a instância tem de conter um juízo que aponte para a negligência da parte em termos de impulso processual. II. A lei não determina que a decisão a proferir seja precedida da audição prévia das partes. III. A negligência de que fala a lei é necessariamente a negligência retratada ou espelhada objetivamente no processo (negligência processual ou aparente). Se a parte não promove o andamento do processo e nenhuma justificação apresenta, e se nada existe no processo que inculque a ideia de que a inação se deve a causas estranhas à vontade da parte, está constituída uma situação de desinteresse, logo de negligência. 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida na ordem jurídica. Custas pelo Recorrente. Porto, 13 de julho de 2023 Irene Isabel das Neves Ana Paula Santos Cristina Nova |