Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00240/18.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/31/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:NOVO REGIME DO FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 59/2015, DE 21 DE ABRIL;
PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE REQUERIMENTO PARA PAGAMENTO DE CRÉDITOS EMERGENTES DE CONTRATO DE TRABALHO; CADUCIDADE; ARTIGOS 2º, Nº. 8 DO D.L Nº. 59/2015, DE 21 DE ABRIL; ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL N.º 328/2018, DE 27/06/2018.
Sumário:I – Os requerimentos para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho apresentados após 04.05.2015 ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.

II- Nos termos do art.º 2.º, n.º 8 do citado D.L. nº. 59/2015, o Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos o Fundo assegura o “(…) pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”

III- Em função do decidido pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 328/2018, de 27/06/2018, que julgou inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão, deve admitir-se a existência de causas de interrupção ou de suspensão, sob pena de, assim não sendo, tal norma violar - para além do direito da União Europeia e da Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia -, os princípios ínsitos nos art.ºs 13.º, 59.º, n.ºs 1 e 3 e 2.º da Constituição da República Portuguesa, incluindo o da igualdade e o da efetividade.

IV- Na situação recursiva, em face das regras de contagem de prazos prescritas nos art.ºs 297.º, 296.º e 279.º, al. c) do Código Civil, e aplicáveis ao prazo introduzido pelo art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS, e sopesando a jurisprudência emanada pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 328/2018, deve entender-se que, no período que mediou a propositura da ação de insolvência e respetiva prolação da sentença, ou seja, entre 05.05.2015 e 23.04.2017, esteve suspensa a contagem do prazo de caducidade de 1 ano previsto no nº. 8 do art.º 2.º do D.L. nº. 59/2015.

V- Pelo que, tendo os Recorrentes apresentado os seus requerimentos ao Réu em 05.06.2017 e 20.06.2017, respetivamente, sempre a apresentação de tal requerimento é tempestiva.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:G.M.M.M. e N.M.S.R.
Recorrido 1:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *

I – RELATÓRIO

G.M.M.M. e N.M.S.R., com os sinais dos autos, vêm intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante T.A.F. do Porto], de 30.11.2018, proferida no âmbito da presente Ação Administrativa intentada pelos Recorrentes contra o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, também com os sinais dos autos, que julgou improcedente a presente ação, e, consequentemente, absolveu o Réu do pedido.

Em alegações, os Recorrentes formularam as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso:

(…)
A - O Tribunal Constitucional, 1ª Secção, Acórdão 583/2018 de 8 Nov. 2018, Processo 188/2018 em que foi relator o M. Juiz Cons. Teles Pereira julgou “ É inconstitucional a norma segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.
B - Este entendimento aplica-se integralmente ao caso dos AA.
C- O contrato de trabalho (CT) dos AA. cessou em 13/4/2015.
D- A insolvência da J.. deu entrada em 5 de maio de 2015 e só foi decretada em 23 de abril de 2017, quase 2 anos depois de ser requerida pelos aqui AA..
E- Quando a requereram preenchiam todos os requisitos para terem direito ao FGS e os seus créditos estavam vencidos nos 6 meses que antecederam a propositura da ação de insolvência.
F- O FGS só pode ser requerido depois da entidade empregadora ser declarada insolvente.
G- Resulta desta premissa a declaração, que durante todo o período de pendência do processo de insolvência o prazo para requerer o FGS está suspenso.
H- No caso dos autos, só se podendo contar o período até à entrada do processo (de 13/4/2015 a 5 de maio de 2015, num total de 22 dias) e depois da sentença de insolvência até ao pedido de pagamento do FGS (de 23/4/2017 a 5/6/2017 e 20/6/2017, num total de 42 dias e de 57 dias ).
I - Descontando o período de suspensão, os AA. requereram o pagamento do FGS num prazo de 64 dias e 79 dias , não tendo violado qualquer prazo de prescrição ou caducidade.
SEM PRESCINDIR,
J- Durante a pendência da insolvência, e porque esta, apesar de se tratar dum processo de natureza urgente, estava a arrastar-se devido à demora duma perícia judicial ordenada pelo Tribunal, os AA. intentaram ação emergente de contrato de trabalho no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, na qual obtiveram sentença que condenou a J.. na totalidade do pedido, ou seja, no valor dos créditos reclamados ao FGS.
L - Tal processo interrompeu o prazo de prescrição dos créditos, que , após a prolação da mesma em 18/05/2016 ( notificada a 20/5/2016), começou a correr novamente só a partir do transito em julgado da decisão que pôs termos ao processo (vide n° 1 do art. 326° do Código Civil).
M - Assim sendo, como é, o transito em julgado só se operou em 25 de junho de 2016 ( 20/5 + 3 dias de dilação + 30 dias do prazo de recurso + 3 dias do prazo com multa), data em que voltou a correr novamente o prazo de prescrição de 1 ano.
N - O FGS foi requerido, respetivamente a 5/6/2017 e 20/6/2017, dentro, portanto, do prazo de prescrição de 1 ano.
O - Em todas as situações expostas, os AA. reclamaram os créditos atempadamente, falecendo o argumento do FGS de que não foram apresentados dentro do prazo de 1 ano após a cessação do contrato de trabalho.
P - Não ocorre, por isso, o motivo invocado pelo FGS para indeferir o pagamento dos créditos, designadamente o decurso do prazo previsto n° 8 do artº. 2º. do Dec. Lei n° 59/2015, de 21 de abril, o qual, não sendo de caducidade, conforme entendimento do Tribunal Constitucional, esteve suspenso durante todo o período de pendência da ação de insolvência (desde a entrada até à sentença que declara a insolvência da requerida) e depois com a propositura da ação no Tribunal do Trabalho.
Q- Outro entendimento, defrauda completamente o que esteve na origem da criação do FGS e o fim que o mesmo visa.
R- No entendimento sufragado pela decisão ora posta em crise, basta que o processo de insolvência dure mais de 1 ano (no atual estado dos Tribunais de Comércio qualquer insolvência contestada dura mais do que isso) para que todos os trabalhadores abrangidos deixem de ter direito ao FGS.
S -Não foi para isso que o FGS foi criado, não foi esse o espírito da Lei, nem pode ser esse o entendimento, sob pena de se estar a pôr em causa direitos fundamentais dos trabalhadores, o que a nossa Constituição não permite.
T - Do atrás exposto, resulta que os AA. , aqui recorrentes, praticaram todos os atos dentro dos prazos, estando os créditos por si reclamados e reconhecidos pela AI abrangidos pelas obrigações de pagamento que incumbem ao FGS .
U - A douta sentença violou o disposto no Dec. Lei n° 59/2015, de 21 de abril , designadamente no art. 2º e outros e o disposto no art. 59°, n° 3 da Constituição da República Portuguesa, pelo que deve proceder o presente recurso, revogando-se a sentença, com as legais consequência.
(…)”.

*

Notificado que foi para o efeito, o Recorrido apresentou contra-alegações que concluiu da seguinte forma:

“(…)

A. Os requerimentos dos AA. foram apresentados ao FGS em 19.06.2017 e 02.06.2017, altura em que se encontrava em vigor o novo diploma legal regulador do FGS, DL 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015.

B. Assim, os referidos requerimentos do A. Fora apreciados à luz deste diploma legal.

C. Este diploma previa um prazo de 1 ano a contar da cessação do contrato de trabalho para que seja apresentado junto dos serviços da Segurança Social o requerimento para pagamento de créditos emergentes pela cessação do contrato de trabalho.

D. De resto, já o anterior regime legal, previsto na Lei 35/2004, de 29/07, estabelecia no seu art.° 319.° 3, um prazo para a apresentação do requerimento para pagamento de créditos emergentes pela cessação do contrato de trabalho, que era de 3 meses antes do termo do prazo de prescrição, ou seja 1 ano a contar da cessação do contrato de trabalho.

E. Deste modo se verifica que sempre existiu um prazo para apresentação dos requerimentos ao FGS, sendo que o atual regime prevê um prazo de caducidade findo o qual cessa o direito de os ex-trabalhadores das EE insolventes requererem o pagamento dos créditos ao FGS.

F. Prazo este que, na situação concreta, também está ultrapassado à luz do anterior diploma legal Lei 35/2004, de 29/07.

G. Sendo aplicável o novo regime, de acordo com o art.° 3.° do DL 59/2015, de 21.04, e consequentemente o prazo de caducidade nele previsto, temos de considerar como estando legalmente esgotado o prazo para a apresentação dos requerimentos ao FGS, à luz do diploma DL 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015,

Termos em que, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que mantenha a decisão de indeferimento proferida pela Exma. Senhora Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial.

(…)”.


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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

*

O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da procedência do presente recurso jurisdicional.

*

Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

* *
II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir nos autos resume-se a saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos descritos nos autos, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação “(…) do disposto no Dec. Lei n° 59/2015, de 21 de abril , designadamente no art. 2º e outros e o disposto no art. 59°, n° 3 da Constituição da República Portuguesa (…)”.
* *
III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
“(…)

1. Os AA. foram admitidos ao serviço da sociedade J..-Fabricação de Mobiliário e Equipamento para Comércio, Lda. ao abrigo do contrato de trabalho celebrado em, respetivamente, 02/04/2009 e 01/10/2010;

2. Os AA. tinham a categoria profissional de, respetivamente, serralheiro e chefe de equipa, auferindo, respetivamente, 615,00 €, acrescido do subsídio de alimentação diário de 5,50 € e 1.000,00 €, acrescido do subsídio de alimentação diário de 5,50 €.

3. A partir de dezembro de 2014 a dita sociedade deixou de cumprir as suas obrigações para com os trabalhadores, nestes se incluindo os AA., deixando de pagar salários atempadamente.

4. Assim não pagou aos AA. o salário relativo ao mês de dezembro de 2014.

5. Os AA. suspenderam o contrato de trabalho nos termos dos cartas que enviaram à empregadora e à ACT com efeitos a 24 de janeiro de 2015.

6. A Ré não pagou a(o)s AA. as retribuições em atraso, nem lhes pagou os 24 dias de trabalho de janeiro de 2015.

7. Em 09/04/2015, data em que havia decorrido mais de 60 dias sobre a data de vencimento das referidas retribuições em mora e fundando-se na referida falta de pagamento dessas retribuições, os AA. resolveram o contrato de trabalho, nos termos das cartas que enviaram sob registo com AR nesse referido dia 9 de abril de 2015 e recebidas pela J.. a 13/4/2015 - cfr. docs n° 1 e 2 juntos aos autos com a p.i. e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

8. Em 5 de maio de 2015, os AA. intentaram judicialmente o pedido de declaração de insolvência da J.. , dentro de todos os prazos de garantia, para efeitos do FGS, dos créditos reclamados.

9. A sentença que decretou a insolvência foi proferida em 23 de abril de 2017 - cfr. docs n° 3 e 4, juntos aos autos com a p.i. e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

10. Durante o período de pendência da insolvência, os AA. reclamaram judicialmente no Tribunal do Trabalho, tendo obtido sentença notificada a 20/05/2016 que lhes reconheceu os créditos no valor de respetivamente, 6.372,75 € e 9.242,00 € (cfr. sentença do Tribunal da Comarca do Porto -Vila Nova de Gaia - Inst. Central - 5a secção do Trabalho-J3 , Proc. no 1593/16.6T8VNG, junta aos autos com a p.i., como doc. n° 5 e que aqui se dão por integralmente reproduzido;

11. Isto posto, em 12 de maio de 2017 os AA. reclamaram os seus créditos, os quais lhe foram reconhecidos pela AI.

12. Em 25 de maio de 2017 o AI certificou os créditos dos AA. para o efeito de requererem ao FGS o pagamento dos seu créditos.

13. Em 2/6/2017 e 19/6/2017 remeteram para o FGS o formulário pedindo esse pagamento, tendo os mesmos sido certificados como recebidos pelo FGS em 5/6/2017 e 20/6/2017 - cfr. docs n° 6 e7, juntos aos autos com a p.i. e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

14. O FGS notificou os AA. para se pronunciarem em sede de audiência prévia relativamente à eventual decisão de indeferimento com o fundamento de que: “Os requerimentos não foram apresentados no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n° 8 do art. 2° do DL n° 59/2015 de 21 de abril. ”

15. Os AA. pronunciaram-se em sede de audiência prévia contra a proposta de indeferimento.

16. Em 6/11/2017 os AA. receberam notificação do FGS dizendo-lhes que os seus requerimentos para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho foram indeferido com o mesmo fundamento : “(…) os requerimentos não foram apresentados no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho (...) ” - cfr. doc. n° 8 e 9, juntos aos autos com a p.i. e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

(…)”.

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III.2 - DO DIREITO
Os Autores intentaram a presente ação visando a condenação do Réu a proferir decisão que defira o pedido de pagamento dos créditos salariais por si reclamados, no máximo previsto na lei.
Todavia, o T.A.F. do Porto, como é sabido, julgou improcedente a presente ação, tendo absolvido o Réu do pedido.
Fê-lo, sobretudo, com a seguinte fundamentação jurídica:
”(…)

Ora, retira-se do regime acima transcrito, que o pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho, em caso de incumprimento pelo empregador, é assegurado, nos termos previstos nos artigos subsequentes dessa Lei, pelo Fundo de Garantia Salarial, estando tal pagamento sujeito aos requisitos previstos no referido corpo legislativo.

Um dos requisitos diz respeito aos créditos abrangidos, que refere que o referido Fundo assegura o pagamento dos créditos em apreço que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação onde o empregador tenha sido declarado insolvente.

Neste caso, o Fundo indeferiu o pedido dos Autores alegando que estes o requereram fora do período de 1 (um) ano previsto no n° 8 do art° 2° do Decreto-Lei n.° 59/2015, de 21.04 (Regime material do Fundo de Garantia Salarial), acima transcrito.

Ora:

O Contrato de trabalho dos Autores terminou em 09 de abril de 2015 e os respetivos requerimentos ao Fundo apenas foram formulados 02 e 19 de junho de 2017, respetivamente. Ou seja, já tinha decorrido mais de um ano desde a respetiva cessação do contrato de trabalho e o direito de qualquer dos Autores estaria caducado quando, em 2017, fazem o seu pedido ao Fundo de Garantia Salarial.

Não colhe, a pretensão dos Autores de ver atribuída à interposição da ação de insolvência um qualquer efeito suspensivo.

Tanto mais que, de acordo com o novo regime do FGS, a lei é taxativa: o Fundo apenas assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho. E este prazo, tratando-se de um prazo de caducidade, como vem entendendo unanimemente a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, não é suscetível de ser interrompido ou suspenso, pelo que seria indiferente o facto de os Autores terem intentado ação junto do Tribunal de Trabalho ou a respetiva ação de insolvência, uma vez que tal não teria a virtualidade de prorrogar o prazo previsto no n° 8 do art° 2° do DL n° 59/2015, nos termos acima transcritos.

Não se ignora que, recentemente, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n° 328/2018, datado de 27 de junho de 2018, proferido no processo 555/2017, julgou “(...) inconstitucional a norma contida no artigo 2.°, n.° 8, do Decreto-Lei n.° 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão (...) ”

Segundo o Tribunal Constitucional, “(...) a determinação de um prazo de caducidade de um direito sem se prever quaisquer causas de suspensão ou interrupção e prevendo-se, outrossim, a necessidade de requisitos, para o exercício do direito, que não está na mão do seu titular fazer preencher, de tal maneira que não está garantido que o seu titular possa ter oportunidade legal de exercer o direito dentro do prazo, não passa pelo crivo da consagração do Estado de Direito, na medida em que toma aleatórios e arbitrariamente subversíveis os pressupostos do exercício de um direito social reconhecido a todos os trabalhadores.”

No caso em questão, em que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra recusou a aplicação do art° 2°, n° 8 do DL n° 59/2015, de 21.04, por considerar materialmente inconstitucional o efeito preclusivo que tal preceito tem no direito do trabalhador, quando muitas vezes não está na mão do mesmo a oportunidade legal de exercer o direito dentro do prazo. Como exemplo de tal situação veja-se, por exemplo, o decurso de tempo excessivo na tramitação de um processo de insolvência que acaba por consumir o prazo de um ano de que o trabalhador beneficia para interpor o respetivo requerimento junto do Fundo.

No caso em apreço, os Autores, se bem que recorreram ao Tribunal de Trabalho para fazer valer os seus direitos, apenas o fizeram cerca de 1 (um) ano depois de fazerem cessar os respetivos contratos de trabalho.

Cumpre, pelo exposto, julgar improcedente a presente ação, absolvendo-se o Réu dos pedidos formulados.

(…)”.

Do assim fundamentado e decidido discordam os Recorrentes, que lhe imputam erro de julgamento de direito, porquanto, no mais essencial, entendem que, de acordo com jurisprudência emanada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão nº. 583/2018, de 08.11, durante todo o período de pendência do processo de insolvência o prazo para requerer o pagamento de créditos laborais ao Fundo de Garantia Salarial esteve suspenso, de modo que a dedução dos seus requerimentos, que ocorreu em 05.06.2017 e 20.06.2017, não violou qualquer prazo de caducidade, o mesmo sucedendo em matéria de prescrição, porquanto, no decurso do processo de insolvência, intentaram uma ação emergente do contrato de trabalho, que interrompeu o prazo de prescrição de créditos, que só começou a correr em 25.06.2016, não se mostrando, por isso, naquelas datas esgotado o prazo prescricional de 1 ano.
Vejamos, assentando, desde já, que, atenta a data em que os Recorrentes apresentaram nos serviços do R. os seus requerimentos para pagamento dos créditos salariais emergentes da cessação do contrato de trabalho – 05.06.2017 e 20.06.2017-, já se encontrava em vigor o Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial [doravante, NRFGS], aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.
Com efeito, nos termos do prescrito no art.º 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial “(…), os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor.”
Por conseguinte, tendo o mencionado regime entrado em vigor em 04.05.2015, consonantemente com o estipulado no art.º 5 do mesmo diploma, resulta inequívoco que a pretensão da Recorrida deve ser apreciada à luz do regime estabelecido pelo NRFGS.
Sendo assim, assoma como óbvio que o acolhimento da pretensão da Recorrida não pode deixar de cumprir o requisito estabelecido no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS.
Ora, o aludido art.º 2.º dispõe, no seu n.º 8, que o Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Neste domínio, cabe salientar que já o regime anteriormente vigente, plasmado nos art.ºs 316.º a 326.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, estabelecia que só estavam abrangidos pelo Fundo de Garantia Salarial os créditos laborais desde que tivessem sido reclamados até três meses antes da prescrição.
Mais se saliente que prevê-se no nº.1 do artigo 337º nº 1 da Lei nº 7/2009, de 12.02, que aprovou a revisão do Código do Trabalho, um prazo prescricional de um ano contado do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho para os créditos laborais, prazo esse que, no entanto, interrompe-se, designadamente, pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito – artigo 323º, nº 1, do Código Civil.
Ora, os contratos de trabalho dos Recorrentes cessaram em 09.04.2015, pelo que prescreveriam, se não se verificasse interrupção, seguida de alteração do prazo, em 09.04.2016.
Porém, emerge do probatório que, em 05.04.2015, os Recorrentes, intentaram judicialmente o pedido de declaração de insolvência da J.., para efeitos do FGS, dos créditos reclamados, que veio a ser declarada judicialmente em 23.04.2017, o que determinou a interrupção do prazo de prescrição, que só viria a ocorrer passados vinte anos, como resulta do artigo 311º nº 1, conjugado com o artigo 309º, ambos do Código Civil.
Neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17.12.2014, proferido no processo nº. 0632/12, 03188/11.1BEPRT, disponível in site: www.dgsi.pt, do qual destacamos o seguinte trecho decisório:
”(…)

XII. Assim, importa apurar e determinar qual e quando prescrevem os créditos laborais, questão essa a que responde o referido art. 381.º do Código Trabalho então vigente, prevendo-se no mesmo um prazo prescricional de um ano contado do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho para os créditos laborais, prazo esse que, no entanto, é suscetível de interrupção na sua contagem nos termos e situações previstos, mormente, nos arts. 323.º, 324.º e 325.º todos do CC.

XII. Ocorre, todavia, que não se atenderá a tal prazo prescricional se no caso o crédito laboral se mostrar reconhecido por decisão judicial ou outro título executivo já que, por força do disposto no n.º 1 do art. 311.º do CC, nesse caso vale o prazo de prescrição ordinário previsto no art. 309.º do mesmo Código, ou seja, de 20 anos [cfr. neste sentido, Ac. do STJ de 21.02.2006 - Proc. n.º 05S1701 (proferido no quadro do vigente art. 38.º da LCT similar ao normativo do Código Trabalho em referência)

(…)”.

Pelo que, à data em que os Recorrentes formularam o requerimento perante o Recorrido [05.06.2017 e 20.06.2017], ainda faltavam muitos anos para prescreverem os créditos laborais reclamados por aqueles.
O que serve para concluir que, claramente, ainda não se mostrava ultrapassado o termo do prazo previsto para apresentação de requerimentos ao Réu [três meses antes da prescrição] previsto no regime anteriormente vigente.
Idêntica conclusão, embora com acréscimo de suporte jurisprudencial, é atingível no que tange ao prazo de um ano prescrito no citado n.º 8 do art.º 2.º do NRFGS.
Na verdade, a nova previsão deste prazo configura, em face do regime anteriormente vigente, uma alteração de prazo para o exercício de um direito, pelo que interessa convocar o preceituado no art.º 297.º, n.º 1 do Código Civil, que prescreve que “a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.
Sendo assim, impera salientar que o prazo de um ano, descrito no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS, aplica-se à totalidade do universo dos trabalhadores requerentes do pagamento dos seus créditos salariais ao R., desde que o respetivo requerimento seja apresentado após a data de 04.05.2015 e independentemente da data da cessação do contrato de trabalho.
Todavia, a contagem do citado prazo, na medida em que “encurta” o prazo anteriormente vigente para apresentação do mencionado requerimento ao R., “só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei”.
Quer isto significar, no que releva para o caso posto e atento o disposto no art.º 297.º, n.º 1 do Código Civil, que, independentemente da data em que tenha cessado o contrato de trabalho da Recorrida, o prazo de um ano estipulado no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS apenas inicia a sua contagem no dia 04.05.2015, findando tal prazo um ano depois, ou seja, em 04.05.2016 [em consonância com o estipulado nos art.ºs 296.º e 279.º, al. c) do Código Civil].
Ora, uma das questões que frequentemente se tem colocado é a de saber qual a natureza do prazo de um ano estipulado no normativo transcrito.
Ou seja, se o prazo de um ano constitui um prazo de prescrição do direito, ou antes um prazo de caducidade do exercício do direito.
A dissolução da problemática elencada deve ser buscada na diferenciação plasmada nos n.ºs 1 e 2 do art.º 298.º do Código Civil.
Realmente, estipula o n.º 1 do citado preceito que estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
Por seu turno, o n.º 2 consagra que, quando, por força da lei ou da vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.
Revertendo ao caso concreto, emerge com clareza que o prazo estipulado no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS pretende impor o exercício de um direito até um certo momento temporal, motivado por razões de segurança e certeza jurídica.
Anote-se, que não está em causa um prazo do qual dependa a subsistência de um direito substantivo, uma vez que a existência do crédito salarial não se extingue pelo facto do seu pagamento não ser requerido ao R..
O que está em causa é, meramente, um prazo impositivo e certo para o exercício do direito de requerer o pagamento do crédito ao R..
O que quer dizer, portanto, que devendo tal direito ser exercido naquele prazo de um ano, este prazo assume, cristalinamente, a natureza de prazo de caducidade.
Os prazos de caducidade, por regra, não se suspendem nem se interrompem, conformemente o estipulado no art.º 328.º do Código Civil.
Porém, não se pode ignorar que a (i) duração dos processos judiciais, seja de insolvência, seja de revitalização, (ii) os trâmites respeitantes ao reconhecimento dos créditos salariais, ou a (iii) preparação da documentação necessária à demonstração dos requisitos e da situação do trabalhador para efeitos de acesso ao Fundo de Garantia Salarial, constituem matérias relativamente às quais o trabalhador não possui qualquer domínio, antes constituindo procedimentos e processos que se desenrolam completamente à margem da sua vontade, restando ao trabalhador aguardar pelo desfecho dos procedimentos e processos judiciais, por forma preencher os requisitos de acesso ao dito Fundo e a aceder, nomeadamente, à documentação imprescindível para espoletar o procedimento tendente ao pagamento dos créditos salariais por banda do R..
Sendo assim, de imediato se impõe ponderar sobre a situação concreta do trabalhador, no sentido de indagar se é justa e constitucionalmente compatível a interpretação do art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS, segundo a qual o prazo de um ano estabelecido não admite causas de suspensão ou interrupção, visto que, estando em causa um prazo de caducidade, não está prevista concretamente qualquer causa de suspensão ou interrupção.
Ora, sobre esta problemática, debruçou-se o Tribunal Constitucional no recentíssimo Acórdão n.º 328/2018, de 27/06/2018.
Com efeito, após profunda ponderação, a Colenda Instância decidiu julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.
A fundamentação exarada pela Suprema Instância Constitucional foi, além do mais, a seguinte:
“(…)
2.4.1. A proteção da retribuição inclui, nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição, a previsão de “garantias especiais”, cuja modelação cabe ao legislador, que, para o efeito, goza de “ampla liberdade” (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª ed., Coimbra, 2010, p. 1166). Não obstante, a instituição do mecanismo do Fundo de Garantia Salarial (para além de – como vimos – consistir numa obrigação para o Estado Português decorrente do Direito da União) não pode deixar de ser vista como concretização de uma das garantias a que se refere aquele n.º 3 (nesse sentido, v. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 2014, p. 777).
Não é inócua a apontada ligação entre o mecanismo do FGS e a norma do n.º 3 do artigo 59.º da CRP. Tratando-se de uma das garantias ali previstas, ao escolher (apesar de, nessa escolha, se encontrar vinculado pelo Direito da União) instituir o FGS como uma das garantias especiais da retribuição, o legislador está vinculado à construção de um regime que lhe assegure um mínimo de efetividade, sem a qual resultaria esvaziada de sentido a norma constitucional, com respeito pela igualdade (artigos 13.º e 59.º, n.º 1, da CRP). Por outro lado, tratando-se de atribuir, no apontado contexto, um direito a uma prestação pecuniária, e de limitar no tempo a efetividade desse direito pelo não exercício, tal atribuição deve operar, na compaginação destas duas vertentes, segundo regras claras, certas e objetivas – exigência decorrente do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
2.5. Tendo presentes as linhas essenciais do NRFGS – em particular a norma objeto do presente recurso (cfr. itens 2.1. e 2.2., supra) – verificam-se aporias que o afastam do padrão de efetividade e certeza acabado de traçar.
De acordo com o sentido das normas relevante para a presente decisão (cfr. item 2.2., supra), a declaração de insolvência faz nascer o direito ao acionamento do FGS. Sucede que a declaração judicial constitui um momento num processo judicial contraditório, de cujos termos o trabalhador tem (ou pode ter) unicamente o domínio do impulso processual inicial, sendo que, subsequentemente, o desenvolvimento do processo como que lhe “sai das mãos”, sendo muito limitada a respetiva capacidade de determinar no elemento tempo os ulteriores passos processuais até à efetiva declaração do devedor em estado de insolvência. De facto, basta pensar que, não sendo um dos casos excecionais de dispensa da audiência do devedor (artigo 12.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante CIRE), há lugar à citação deste, que poderá ser mais ou menos demorada, podendo ser apresentada oposição e realizada audiência de julgamento, gerando-se uma dilação assinalável entre o pedido de declaração da insolvência e essa mesma declaração – circunstâncias das quais o caso dos autos constitui, aliás, exemplo vivo, tendo a declaração de insolvência ocorrido cerca de seis meses e meio após ter sido requerida pelo primeiro Recorrente. Ou seja, pegando precisamente no exemplo que os autos ilustram, observamos que se consumiu mais de metade do prazo de acionamento do FGS em vicissitudes processuais que o trabalhador credor da insolvente não esteve em condições de dominar, sendo certo que a declaração de insolvência foi pedida decorridos que foram menos de seis meses do prazo de um ano previsto no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS.
Não estamos – deve sublinhar-se – perante a questão, sucessivamente apreciada pela jurisprudência europeia, de saber se o legislador pode fixar prazos mais ou menos alargados para o exercício do direito ao acionamento do FGS, sob pena de caducidade ou prescrição: ninguém aqui discute a existência de prazos nem o prazo em concreto estabelecido na norma referenciada na decisão.
O que está em causa é saber se, na contagem desse prazo, é possível incluir um período temporal (que, como vimos, pode ser assinalável) especificamente determinado e tendente à criação de um pressuposto essencial do direito ao acionamento do FGS (o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efetiva declaração pelo tribunal competente), cujos termos escapam por completo ao controlo do trabalhador-credor, de tal forma que o mero decurso do tempo nessa fase processual provoque a extinção do direito. Assim se cria uma evidente antinomia: o trabalhador-credor de um empregador insolvente que queira ver tutelado o direito à prestação pelo FGS vê-se obrigado a pedir a declaração de insolvência e, a partir desse momento, as vicissitudes próprias do processo que fez nascer com essa finalidade, comprometem o exercício desse mesmo direito, sem que um comportamento alternativo lhe seja exigível – rectius, possa por ele ser adotado – no sentido de evitar essa preclusão.
Ao fazer nascer, ainda que potencialmente, na própria condição de realização de um direito a causa da sua extinção, à qual o respetivo titular se vê impossibilitado de obstar, o legislador deixa de conferir à retribuição – e ao “remédio” (talvez mais até ao paliativo) para a sua perda – a tutela que lhe era devida nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição. Sendo certo que o sistema do FGS “pressupõe um nexo entre a insolvência e os créditos salariais em dívida” (acórdão do TJUE de 28 de novembro de 2013, cfr. supra 2.3.2.3.), seria o próprio processo judicial com aptidão para estabelecer o referido nexo que constituiria causa da preclusão do direito.
Geram-se, por outro lado, diferenciações arbitrárias na concessão (na realização) daquele direito a distintos titulares, subordinado que fica este à duração maior ou menor da fase inicial dos processos de insolvência, em função de ter sido deduzida oposição, da duração das audiências de julgamento, das diferentes capacidades de resposta dos tribunais, etc. Tudo fatores alheios à vontade do trabalhador-credor e que, por isso mesmo, não suportam a afirmação de existência de algo semelhante a um “domínio do facto” por este, cujo efeito de condicionamento do respetivo direito não encontra justificação na tutela de qualquer outro valor que possamos considerar relevante no confronto com a necessidade de tutela da retribuição que se verifica no contexto apontado.
A este respeito, não releva, propriamente, de forma direta, a qualificação do prazo como de caducidade ou de prescrição – questão que, na ausência de uma opção legal expressa, se prefigura como de âmbito fundamentalmente doutrinário que, em todo o caso, nos aparece aqui ligada a uma opção interpretativa do direito infraconstitucional –, relevando antes a circunstância de, no contexto descrito, a contagem de tal prazo ocorrer sem qualquer suspensão ou interrupção, gerando um sinal – rectius, potenciando um efeito – de valor contrário ao próprio direito.
Note-se, todavia – sublinhando o sentido atuante que a qualificação jurídica do prazo aqui acabou por assumir –, que o Fundo, na fundamentação da respetiva posição de indeferimento da pretensão dos ora Recorridos (cfr. item 1.2.1. supra) – e sublinha-se, pois, que foi nesse quadro que a decisão recorrida, como não podia deixar de ser, se forjou –, qualificou expressamente o prazo em causa no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS como de caducidade, referindo-lhe expressamente a circunstância, que é própria do regime da caducidade nos termos do artigo 328.º do CC, de só comportar suspensão ou interrupção mediante previsão legal, no caso inexistente. E, de facto, é neste contexto que se afirma que, “[e]m matéria de contagem do prazo de caducidade[,]aplicam-se, em princípio, tal como na prescrição, as regras gerais, com uma importante diferença. Na caducidade vale muito mais plenamente o princípio segundo o qual o tempo se conta ininterruptamente”, já que, “[…] como resulta do artigo 328.º do CC, ‘o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe, senão nos casos em que a lei o determine’. Assim, se a lei, em cada caso concreto, não admitir, expressamente, a suspensão e a interrupção do prazo de caducidade (ou algum destes institutos), o prazo corre sempre sem intermitências de qualquer ordem” (Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 4.ª ed., Lisboa, 2007, p. 703). Ora, tendo sido a invocação, por parte do FGS, desta característica do regime da caducidade que conduziu à construção do indeferimento (por inexistir previsão legal a permitir a suspensão ou a interrupção do decurso do prazo), não poderia a decisão recorrida, ao sindicar esse indeferimento, deixar de pressupor essa interpretação e construir em função dela a questão de inconstitucionalidade que constituiu a respetiva ratio decidendi.
Porém, não é irrelevante a pouca clareza do regime legal, espelhada na norma em causa, considerada em si mesma ou sistematicamente inserida no diploma que a contém. O elemento de incerteza deste regime (evidenciado à saciedade, nestes autos, pelas posições assumidas na decisão recorrida, nas alegações e contra-alegações de recurso e no item 2.2., supra) compromete seriamente a efetividade da tutela que corresponde ao mecanismo do FGS, apresentando-se o complexo normativo do NRFGS, ao gerar estas interpretações díspares, com uma consistência pouco definida – para não dizer insuportavelmente ambígua –, cuja interpretação muito dificilmente assumirá um sentido minimamente claro, gerador de segurança nos destinatários beneficiários do seu âmbito de proteção. Isto ao ponto destes não disporem, consistentemente, da possibilidade de, agindo com normal diligência, anteverem com suficiente segurança o comportamento que devem adotar para formular atempadamente a sua pretensão junto do FGS, assim se comprometendo as exigências mínimas de certeza decorrentes do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
2.5.1. Aliás, em hipóteses como a dos presentes autos, pode mesmo dizer-se, tomando de empréstimo as palavras do acórdão do TJUE de 16 de julho de 2009, no caso Visciano (referido supra no item 2.3.2.1.), que a configuração do prazo pode tornar “[…] impossível na prática ou excessivamente difícil” o exercício do direito do trabalhador credor, além de que – como justamente se assinalou naquela decisão – “[…] uma situação caracterizada por uma considerável incerteza jurídica pode constituir uma violação do princípio da efetividade, uma vez que a reparação dos danos causados a particulares por violações do direito comunitário imputáveis a um Estado Membro pode, na prática, ser extremamente dificultada se estes não puderem determinar o prazo de prescrição aplicável, com um razoável grau de certeza”.
2.6. As razões que antecedem são, pois, aptas a fundar um juízo de censura constitucional à norma sub judicio, confirmando a esse respeito a decisão recorrida. Complementarmente, justificam-se duas observações adicionais, referidas à incidência na situação do Direito da União e à referenciação da intervenção do Tribunal Constitucional exclusivamente à questão de inconstitucionalidade.
2.6.1. Assim, como primeira nota, respeitante às incidências do caso relativas ao Direito da União, cumpre-nos salientar, quanto ao âmbito da intervenção deste Tribunal no quadro referencial do artigo 8.º, n.º 4 da CRP (aqui relevante no trecho que estabelece que “[…] as normas emanadas das […] instituições [da União Europeia], no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos no Direito da União […]”), a ausência de justificação para que equacionemos (neste recurso) um reenvio prejudicial de interpretação ao TJUE, nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia (TFUE).
Vale esta opção – como adiante explicitaremos – em função da constatação de não se prefigurar aqui, na sequência da jurisprudência do TJUE referida ao longo deste Acórdão, uma dúvida quanto à interpretação do Direito da União que apresenta relevância no caso concreto, designadamente quanto ao sentido prescritivo dos artigos 3.º sucessivamente incluídos nas Diretivas 80/987/CEE e 2008/94/CE, referidas no item 2.3.1 supra. Estas, consubstanciando “atos jurídicos da União” vinculativos do Estado português “[…] quanto ao resultado a alcançar […]”, na aceção do terceiro parágrafo do artigo 288.º do TFUE (“[a] diretiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios”), mostram-se já devidamente esclarecidas pela jurisprudência do TJUE, no seu sentido operante relativamente à norma de Direito interno aqui sujeita à apreciação do Tribunal Constitucional (o artigo 2.º, n.º 8 do NRFGS na interpretação em causa na decisão recorrida).
Aliás, conforme indicámos no item 2.5.1. supra, o ora decidido encontra-se, assumidamente, em linha com o sentido evidente dessa jurisprudência relevante na matéria aqui em causa – referimo-nos às decisões, todas proferidas em processos de reenvio, do TJUE referenciadas no item 2.3.3. supra e respetivas subdivisões (2.3.3.1 a 2.3.3.4.) –, concretamente com o ponto 46. acima transcrito, no item 2.3.3.1., constante do acórdão Visciano c. INPS, de 16 de julho de 2009 (processo C-69/08).
Com efeito, estando em causa uma obrigação de reenvio, nos termos do terceiro parágrafo do artigo 267.º do TFUE, “[…] para os órgãos jurisdicionais que julguem sem hipótese de recurso judicial previsto no direito interno” [Inês Quadros, “Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de outubro de 1982 – Processo 283/81 Srl Cilfit et Lanificio di Gavardo SpA c. Ministero della sanità”, in Princípios Fundamentais de Direito da União Europeia. Uma Abordagem Jurisprudencial, Sofia Oliveira Pais (coord.), 3.ª ed., Coimbra, 2014, p. 223], verifica-se neste caso uma das circunstâncias nas quais, segundo o TJUE no acórdão Cilfit, está o tribunal nacional dispensado desse reenvio.
Referimo-nos em concreto, seguindo o ponto 14. desse acórdão de 1982 (que é invariavelmente assumido como precedente de forte valor persuasivo), às situações em que exista “[…] uma orientação jurisprudencial do Tribunal que esclareça o ponto de direito em causa, qualquer que seja a natureza do procedimento que deu lugar a esta jurisprudência, mesmo na ausência de uma estrita identidade das questões em litígio”. Nestes casos, o esclarecimento anterior pelo TJUE de uma situação equivalente, em termos aptos a suportar, consistentemente, um juízo de identidade de razão, confere à norma interpretanda a natureza de “ato clarificado” (Inês Quadros, “Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de outubro de 1982…”, cit. p. 229).
2.6.2. A isto acresce – como segunda nota complementar acima indicada no item 2.6. – a seguinte observação. Cabe ao Tribunal Constitucional a última palavra sobre a inconstitucionalidade da norma em questão, não lhe cabe, porém, determinar qual a melhor interpretação do direito infraconstitucional na sequência do afastamento dessa norma (dessa construção normativa). Assim, na falta de uma opção legislativa expressa, caberá aos tribunais comuns a solução das questões que o presente julgamento deixa em aberto (designadamente, se deve tratar-se de interrupção ou suspensão do prazo, se o efeito interruptivo ou suspensivo em relação a todos os credores pode depender do pedido de declaração de insolvência de um só credor ou de um credor de certa categoria ou até quando se deve verificar a suspensão ou interrupção).
Cinge-se, pois, a presente decisão, à questão de inconstitucionalidade, nos termos em que esta emergiu da decisão de recusa do Tribunal a quo.
2.7. Pelas razões que antecedem, improcede o recurso, devendo confirmar-se a decisão recorrida.
É o que nos resta afirmar, conferindo-lhe expressão decisória.
III – Decisão
3. Face ao exposto, na improcedência do recurso, decide-se:
A) julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão; e, consequentemente,
B) confirmar a decisão recorrida.
(…)”.
Escrutinando o Aresto vindo de transcrever, impera retirar do mesmo a conclusão de que, independentemente da consideração da natureza do prazo descrito no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS como de caducidade ou de prescrição, deverá admitir-se a existência de causas de interrupção ou de suspensão, sob pena de, assim não sendo, tal norma violar - para além do direito da União Europeia e da Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia -, os princípios ínsitos nos art.ºs 13.º, 59.º, n.ºs 1 e 3 e 2.º da Constituição da República Portuguesa, incluindo o da igualdade e o da efetividade.
Assim sendo, a supremacia dos assinalados princípios constitucionais dita que a interpretação do preceituado no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS não pode deixar de incorporar a admissibilidade - no mínimo - de causas de suspensão do prazo descrito no normativo em apreciação.
Na verdade, não se descortina outra via possível em face da profunda e minuciosa análise e argumentação contidas no Aresto do Tribunal Constitucional.
Ora, a situação versada no referenciado Acórdão apresenta similitude inequívoca com a situação discutida nestes autos, dado que, nestes, também se interpôs um processo judicial de insolvência entre a data da cessação do contrato de trabalho dos Recorrentes e a data em que os mesmos requereu ao R. o pagamento dos seus créditos salariais, similaridade essa que, em nosso entendimento, merece e justifica um tratamento jurídico das situação agora em apreço também similar àquele que foi concedido no aludido Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 328/2018.
Nessa senda, impõe-se, em nosso entender, assumir como admissível a existência de possíveis causas de suspensão do prazo a que se refere o n.º 8 do art.º 2.º do NRFGS, causas estas atinentes ao desenrolar e ao desfecho dos procedimentos e processos judiciais, e sem os quais o trabalhador não logra reunir as condições e requisitos para aceder ao pagamento dos créditos salariais por parte do FGS.
Uma das causas de suspensão a admitir, como vimos supra, é a que se refere à existência de processos judiciais, cujo desfecho assume valor de requisito ou condição imprescindível de acesso ao FGS, seja por este acesso depender da prolação de sentença judicial definidora de uma certa situação fáctico-jurídica, seja por este acesso depender da prática de determinados atos no decurso dos ditos processos judiciais.
Do que vem de se referir decorre logicamente que, enquanto estiver em curso o processo judicial no âmbito do qual serão praticados atos, ou reconhecidos direitos, de que depende o acesso ao FGS, não deve ser contabilizado o prazo de caducidade estabelecido no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS.
Por conseguinte, a existência destes processos deve constituir uma causa de suspensão do aludido prazo de caducidade, devendo o início da suspensão coincidir com o início do processo judicial e o fim da mesma suspensão coincidir, no mínimo, com o momento da prolação dos atos ou das sentenças em tais processos.
Revertendo ao caso em discussão, e sopesando o enquadramento que se traçou antecedentemente, não pode deixar de se conferir relevância ao facto de, em 05.05.2015, os Recorrentes terem intentado judicialmente um pedido de declaração de insolvência da J.., que foi apenas declarada judicialmente em 23.04.2017.
Quer tanto significar que, em bom rigor, e tendo em conta o que se explicitou antecedentemente no tocante à suspensão da contagem do prazo de caducidade de um ano, que o prazo de caducidade de 1 ano previsto no nº. 8 do art.º 2.º do D.L. nº. 59/2015, de 21 de abril iniciou a sua contagem em 04.05.2015, suspendendo-se, porém, no período que mediou a propositura e a prolação da sentença de insolvência, ou seja, entre 05.05.2015 a 23.04.2017, para depois a partir daqui retomar o seu curso normal e, consequentemente, esgotar-se em 24.04.2018.
Sendo assim, tal implica que, no momento em que os Recorrentes apresentaram ao Recorrido os requerimentos para pagamento dos seus créditos salariais – 05.06.2017 e 20.06.2017 - ainda não tinha decorrido o prazo de caducidade de 1 ano aludido no nº. 8 do art.º 2.º do D.L. nº. 59/2015, de 21 de abril.
Deste modo, não tendo sido este o caminho trilhado na sentença recorrida, é mandatório concluir pela procedência do erro de julgamento de direito ora em análise.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser concedido provimento ao recurso interposto, e, em conformidade, revogada a sentença recorrida e julgada procedente a presente ação administrativa.
Assim se decidirá.

* *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em conceder provimento ao recurso jurisdicional “sub judice”, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a presente ação administrativa.
Custas a cargo do Recorrido.
Registe e Notifique-se.
* *
Porto, 31 de outubro de 2019,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Fernanda Brandão
Frederico de Frias Macedo Branco