Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00752/22.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/25/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:CONTRAORDENAÇÃO URBANÍSTICA
PRESCRIÇÃO
Sumário:1-A definição do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é determinada por referência à coima máxima abstratamente aplicável.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Recorrente:AA e Outro(s)...
Recorrido 1:Município de Vila Nova de Gaia
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Recurso de contra-ordenações - Recursos jurisdicionais
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer pugnando pela procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo:
I.RELATÓRIO
1.1.AA, intentou o presente recurso de contraordenação contra a decisão de aplicação de coima proferida pelo Município de Vila Nova de Gaia, pela qual lhe foi aplicada a coima no valor de EUR 800,00, pela prática da infração contraordenacional consubstanciada na violação do disposto no art.º 89.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 555/99, de 16 de dezembro (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, adiante designado apenas por RJUE), p. e p. pelo art. 98.º, n.º 1, al. s), e n.º 4 do mesmo diploma, pedindo a sua absolvição ou o arquivamento dos autos.
Para tanto, alega, em síntese, que a entidade autuante não efetuou nenhum ato instrutório nem proferiu qualquer despacho a justificar a desnecessidade da realização de diligências, pelo que se cometeu nulidade processual, nos termos e para os efeitos do art.º 54.º, n.º 2, do RGCO.
1.2. O Ministério Público apresentou os presentes autos em Tribunal para julgamento, considerando-se tal ato como acusação, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 62.º do RGCO.
1.3.O recurso foi admitido liminarmente por despacho de fls. 68 dos autos, mais se tendo determinado que a decisão a proferir nos autos seria prolatada por simples despacho, ao que o Digno Magistrado do Ministério Público e a Recorrente não se opuseram.
1.4. Por decisão proferida em 31/08/2022, julgou-se extinto, por prescrição, o procedimento de contraordenação em causa nos autos.
1.5. Inconformado, o Ministério Público junto da 1ª Instância interpôs o presente recurso de apelação, concluindo as suas contra-alegações nos seguintes termos:
«1. O Ministério Público vem interpor o presente recurso da sentença proferida nos autos em 31.08.2022, pela qual o tribunal a quo decidiu julgar extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional em causa.
2. O fundamento para a declaração da prescrição foi a alegada verificação do limite máximo do prazo de prescrição previsto nos art.ºs 27º, al.b), e 28º, n.º 3, do RGCO, o qual, in casu, não foi ainda atingido, pelo que incorreu a sentença recorrida em erro de direito, com violação do disposto no art.º 27º, al. b) e no art.º28º, n.º 3, ambos do RGCO.
3. Salvo o devido e elevado respeito, o tribunal a quo aplicou erroneamente à contraordenação em causa o prazo de prescrição de três anos, previsto no artigo 27º, alínea b), do RGCO, em vez do prazo legalmente aplicável de cinco anos, tal como previsto na alínea a) do mesmo normativo, como decorre claramente da conjugação dessa norma com o disposto no referido artigo 98º, nº4, do RJUE, que define a moldura sancionatória abstratamente aplicável.
4. Com efeito, o limite máximo aplicável é aquele do artº 27º, al. b), do RGCO – de 5 anos – pelo que por força da sua conjugação com os art.ºs 27º-A e 28º, n.º 3, do mesmo diploma legal, o limite máximo do prazo de prescrição aplicável será de 7 anos e seis meses, e não de 4 anos e seis meses.
5. Acresce que, para além dos invocados períodos de suspensão do prazo de prescrição decorrentes das Leis de emergência COVID19, corretamente aplicados na sentença recorrida (de 5 meses e 10 dias), importa considerar que se verificaram diversas causas de interrupção do procedimento, embora não sejam ali referenciadas.
6. Compulsados os autos, constata-se que se verificaram duas causas de interrupção do prazo de prescrição do procedimento, ou seja: com a notificação ao arguido da instauração do procedimento e simultaneamente para exercício do seu direito de defesa em 08-03-2017 – o que o arguido exerceu mediante pronúncia escrita de 14-03-2017 – e com a decisão condenatória da autoridade administrativa em 14-10-2021.
7. Depois de cada interrupção, começou a correr novo prazo de prescrição – como decorre do disposto no art.º 121º, n.º 2, do Código Penal, aplicável ex vi do artigo 32º do RGCO;
8. Sendo que se verifica nunca ter decorrido o prazo ininterrupto de 5 anos, previsto no art.º 27º, al. a), do RGCO, desde a data de qualquer das supra referidas interrupções, sem que entretanto não tivesse ocorrido qualquer outro facto suspensivo ou interruptivo do prazo prescricional nesse período temporal.
9. Com efeito, segundo o regime aplicável de suspensão dos prazos de prescrição, tal como previsto no art.º 27º-A do RGCO, e o art.º 28º, n.º 3, do mesmo diploma: “a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”.
10. Ora, impõe-se marcar ainda que o art.º 27º-A, n.º 1, al. c), do RGCO estabelece que se suspende o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional “durante o tempo em que o procedimento estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso”, e no respetivo nº2 prevê que: “Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”.
11. In casu, o despacho judicial preliminar foi proferido em 30-04-2022, data em que se suspendeu o prazo de prescrição do procedimento por contraordenação, ainda em curso, nos termos do referido art.º 27º-A, n.º 1, al. c), do RGCO, pelo que deverá ainda acrescer o período de suspensão de 6 meses (limite máximo) na contagem do prazo prescricional.
12. Em suma, tendo o prazo de prescrição sido interrompido nas datas supra referidas e ainda suspenso mediante a aplicação das invocadas Leis de emergência que adotaram entretanto as medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV2 e da doença COVID-19, e em 30-04-2022 com o despacho de admissão do recurso de impugnação judicial (art.º 27º-A, n.º 1, al. c), e n.º 2 do RGCO), conclui-se, atento o limite previsto no art.º 28º, n.º 3, do RGCO, que o termo do prazo de prescrição ocorrerá somente em 2024, pelo que ainda não se esgotou.
13. Não tendo ocorrido ainda o limite máximo do prazo de prescrição, incorreu a sentença recorrida em erro de direito, com violação do disposto nos art.ºs 27º, 27º-A, nº1, al.c) e nº2, e 28º, n.º 1, als. a), c) e d) e nº3, todos do RGCO.
Nestes termos, e nos demais de direito que V.Exas. melhor suprirão, deverão as normas legais supra referidas ser interpretadas e aplicadas no sentido supra invocado, e, consequentemente, a decisão recorrida deverá, nos termos do art.º 75º, n.º 2, als. a), do RGCO, ser revogada e determinada a devolução do processo ao tribunal a quo para decisão da questão de mérito relacionada com a imputada prática da contraordenação em causa.
Assim decidindo farão V. Ex.as a melhor
JUSTIÇA.»

1.6. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.7. Dada vista ao Ministério Público, o mesmo emitiu parecer no qual pugna pela procedência do presente recurso, lendo-se nesse parecer a seguinte fundamentação:
«Adiantamos desde já que assiste razão ao recorrente Ministério Público.
Compulsados os autos, e atendendo a que a contra-ordenação imputada ao arguido é a que se encontra prevista nos nºs 2 e 3 do artigo 89º do RJUE do Dec-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro , o prazo de prescrição do procedimento está previsto no art.27º al.a) do do RGCO, que dispõe:
“o procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação haja decorrido cinco anos, tratando-se de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior
a (euro) 49879,79”.
Para efeitos de contagem do prazo prescricional atende-se não à medida concreta da sanção aplicada, mas ao limite máximo da moldura sancionatória.
O prazo prescricional, é o previsto na al.a) do art.27º do RGCO, ou seja de cinco anos.
Tendo-se verificado duas causas de interrupção do prazo, a saber a notificação à arguida da instauração do procedimento e simultaneamente para exercício do seu direito de defesa em 8-03-2017 e com a decisão condenatória da autoridade administrativa em 14-10-2021, o prazo da contagem do prazo prescricional, reinicia-se após cada ato interruptivo, com o limite máximo previsto no art. art.º 28º, n.º 3, do mesmo diploma, onde se estatui:
“a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”.
Ou seja, desde havendo interrupção do procedimento contra-ordenacional, o prazo de prescrição é de sete anos e seis meses.
Iniciando-se a contagem do prazo prescricional no dia 16.04.2016, ou seja por acrescer o prazo de 60 dias concedido ao arguido para efetuar as obras ( cuja notificação ocorreu em 16.02.2016), e tendo o arguido sido notificado para o exercício de direito de defesa em 8-03-2017, reinicia-se a partir desta a contagem do novo prazo prescricional, sendo que o novo prazo terminaria em 8-3-22.
Datando de 14.10.2021, a decisão de aplicação da coima a mesma foi proferida atempadamente, ou seja dentro do prazo dos cinco anos, pelo que nessa data não se encontrava prescrita.
Tendo a arguida sido notificada da sanção em 17-11-21, reinicia-se a contagem do prazo prescricional, que terminaria e, 17-11-26, porem atendendo a que a prescrição ocorre decorridos sete anos e seis meses a contar do 16.10.23.
Ao referido prazo acresce o prazo de 6 meses de suspensão procedimento por contra-ordenação nos termos do estatuído na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, inicia-se com a notificação do despacho que
procede ao exame preliminar da impugnação judicial da decisão da autoridadeadministrativa e cessa, sem prejuízo da duração máxima imposta pelo n.º 2 do mesmo artigo, com a última decisão judicial que vier a ser proferida na fase prevista no capítulo
IV da parte II do Regime Geral das Contra-Ordenações.
Tendo sido admitido o recurso em 30.04.22, não se encontrando prescrito o procedimento contra-ordenacional, à data despacho de admissão do recurso, a prescrição só ocorre em 16.04.24, ou seja, oito anos após a data em que se consumou a contra-ordenação.
Assim, sendo torna-se desnecessário descontar, neste momento, os prazos de suspensão da Covid-19.
IV- Conclusão
Tudo exposto, somos do parecer que o recurso merece provimento dando-se aqui por integralmente reproduzido as respetivas alegações, que se mostram corretamente formuladas e abundantemente fundamentadas, devendo ser revogada a sentença
substituindo-se por outra onde se determine o prosseguimento dos autos.»
1.8. O arguido foi notificado do parecer que antecede, não se tendo pronunciado sobre o mesmo.
1.9. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1. Em processo de contraordenação o regime de recurso interposto para a 2.ª Instância de decisões proferidas em 1.ª Instância deve observar as regras específicas previstas nos artigos 73.º a 75.º do DL. n.º 433/82, de 27/10, com as alterações introduzidas pelos DL n.ºs 36/89, de 17/10, 244/95, de 14/09 e 323/2001, de 17/12, e pela Lei n.º 109/2001, de 24/12 (RGCO), seguindo, em tudo o mais, a tramitação do recurso em processo penal (art. 74.º, n.º 4 RGCO), em função do princípio da subsidiariedade genericamente enunciado no art.º 41.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Em recursos interpostos de decisões do Tribunal de 1.ª Instância, no âmbito de processos de contraordenação, a 2.ª Instância apenas conhece, em regra, de matéria de direito, sem prejuízo de poder “alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação temática aos termos e ao sentido da decisão recorrida”, “anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido” (cfr. art. 75.º, n.ºs 1 e 2 do RGCO).
Por outro lado, de acordo com o disposto no art. 412º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP) e a jurisprudência fixada pelo aresto do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/1995, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões de recurso apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo das questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal ad quem.
As possibilidades de conhecimento oficioso por parte do tribunal ad quem decorre da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida previstos no n.º 2 do art.º 412º do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do art.º 379º do mesmo Código.
2.2. Assente nas mencionadas premissas, a questão que se encontra submetida à apreciação deste TCAN resume-se a saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento sobre o direito ao ter julgado extinto o recurso contraordenacional com fundamento na prescrição, quando ainda não tinha ocorrido o limite máximo do prazo de prescrição, violando o disposto nos artigos 27º, 27º-A, nº1, al.c) e nº2, e 28º, n.º 1, als. a), c) e d) e nº3, todos do RGCO.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1. A 1.ª Instância julgou provados os seguintes factos:
«1. Em 28.12.2016, foi elaborado pelos serviços do Município de Vila Nova de Gaia o Auto de Notícia n.º ...16, que deu origem ao processo de contraordenação que correu termos sob o n.º 79/CO/2017 e de que consta, entre outros, a seguinte descrição:
(...)
[dá-se por reproduzido o documento/imagem constante do original]
(...). (cfr. auto de notícia a fls. 1 do processo contraordenacional).
2. Em 14.10.2021, foi emitido despacho pelo Diretor de Polícia Municipal e Segurança Pública que determinou a aplicação ao Recorrente de uma coima no valor de EUR 800,00, em virtude da factualidade descrita no auto constante do ponto anterior, de que consta, entre outros, o seguinte:
“Com a conduta descrita, o arguido violou o disposto no n.º 2 do artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na redacção que lhe é conferida pelo D.L. n.º 136/2014, de 9 de Setembro, constituindo Contra-Ordenação prevista e punida pela alínea s) n.º 1 e n.º 4 do artigo 98.º do citado diploma, com uma coima a graduar de € 500,00 a € 100.000,00” (cfr. decisão a fls. 8.2 e ss do processo contraordenacional).
3. Em 30.04.2022, foi proferido despacho nos presentes autos que admitiu liminarmente o presente recurso e que foi enviado ao Recorrente por notificação eletrónica datada de 02.05.2022 (cfr. fls. 68 e 69 dos autos).
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Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa e inexistem factos não provados com tal relevo, atenta a causa de pedir.»
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3.2. Ao abrigo da faculdade concedida pelo artigo 662.º, n.º1 do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, adita-se aos factos assentes a seguinte matéria:
1.A- Em 08/03/2017, o arguido foi notificado da instauração do procedimento contraordenacional e concomitantemente, para o exercício do direito de defesa;
1.B- O arguido exerceu o seu direito de defesa mediante pronúncia escrita datada de 14/03/2017.»
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III.B.DE DIREITO
b.1. do erro de julgamento da decisão recorrida que considerou extinto o procedimento contraordenacional, por prescrição, decorrente da aplicação incorreta do limite máximo do prazo de prescrição previsto no art.º27º, al.b), do RGCO, com a consequente declaração da prescrição do procedimento contraordenacional, nos termos do regime previsto nos artigos 27º, 27º-A e 28º, nº3, do RGCO.
3.3. A presente apelação vem interposta pelo Ministério Público da sentença proferida pela 1.ª Instância que julgou extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional instaurado pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia contra o arguido AA, no qual lhe foi aplicada, por decisão de 14/10/2021, a coima de 800,00€, por alegada violação do disposto no artigo 89º, nº2, do Decreto- Lei nº 555/99 de 16/12, na versão que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 26/2010 de 30 de março (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, doravante designado por RJUE), comportamento que constitui o ilícito previsto e punido nos termos do artigo 98º, nº 1, al. s), e nº 4 do mesmo diploma legal.
3.4. O Ministério Público sustenta que a 1.ª Instância decidiu pela verificação da prescrição do procedimento contraordenacional em causa nos autos, por erradamente ter considerado que ocorreu já o limite máximo do prazo de prescrição, tal como previsto no art.º 28º, n.º 3, do RGCO, quando para tal não tinha suporte na matéria de facto dada como provada e nas normas jurídicas aplicáveis.
3.5. No essencial, considera que o tribunal a quo aplicou erroneamente à contraordenação em causa o prazo de prescrição de três anos, previsto no artigo 27º, alínea b), do RGCO, em vez do prazo legalmente aplicável de cinco anos, previsto na alínea a) do mesmo normativo e que, pese embora tenha julgado corretamente as causas de suspensão decorrentes da situação de emergência provocada pela COVID19, não considerou a existência de duas causas de interrupção da prescrição, isso, não obstante não ter decorrido ainda, sequer, o prazo de prescrição ininterrupto de cinco anos.
Vejamos.
3.6. Conforme resulta da facticidade assente, foi instaurado ao arguido um procedimento contraordenacional por aquele alegadamente não ter realizado, dentro do prazo que lhe foi fixado pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, obras no exterior e no interior de um imóvel, que se impunham em ordem à sua conservação.
3.7. Está, por conseguinte, em causa a contraordenação decorrente da não conclusão de operações urbanísticas referidas nos nºs 2 e 3 do artigo 89º do RJUE, nos prazos fixados para o efeito – cfr. art.º 89º, nºs 2 e 3, e art.º 98º, n.º 1, al. s) do RJUE (aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro).
3.8. O ilícito contraordenacional em apreço é sancionável com coima “graduada de €500 até ao máximo de €100.000,00, no caso de pessoa singular (…)”, por força do disposto artigo 98º, nº4, do RJUE.
3.9. Outrossim, trata-se de uma infração de consumação instantânea, conquanto o ilícito contraordenacional em questão se considera praticado/consumado no termo do prazo que a Câmara Municipal concedeu ao arguido para a realização das obras que se impunham no sentido da conservação do imóvel em causa, nos termos previstos no artigo 89.º do RJUE [cf. Acórdão do TRC de 04/06/2008, proferido no processo n.º 2...1/07.9TBP..., acessível em www.dgsi.pt].
4. No presente recurso está em causa saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao julgar o procedimento contraordenacional extinto por prescrição, pelo que, em ordem a uma melhor apreciação da questão decidenda, importa atentar na fundamentação apresentada pela 1.ª Instância, que consideramos útil transcrever:
«“Antes do mais, face à data da infração em causa nos autos, impõe-se verificar se o procedimento contraordenacional se encontra prescrito, o que constitui questão prévia às demais questões suscitadas pelo Recorrente, de conhecimento oficioso (cfr. Ac. do TCAS de 28.10.2021, proc. n.º 2...2/18.3BE..., in www.dgsi.pt).
O art. 27.º do RGCO prevê o seguinte, a respeito da prescrição do procedimento:
“O procedimento por contraordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contraordenação hajam decorrido os seguintes prazos:
a) Cinco anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49879,79;
b) Três anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2493,99 e inferior a (euro) 49879,79;
c) Um ano, nos restantes casos.”

Já o art. 28.º do mesmo diploma prevê o seguinte, a respeito da “interrupção da prescrição”:
“1 - A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se:
Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2 - Nos casos de concurso de infrações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contraordenação.
3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.”
Ora, aquilo que importa desde logo aferir é se já decorreu o prazo máximo de prescrição previsto no art. 28.º, n.º 3, do RGCO.
Conforme doutamente referido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, “(…) o nº 3 do art. 28º do RGCOC estabelece o que podemos designar por válvula de segurança do sistema, impedindo que, através de sucessivas e ilimitadas situações de interrupção e suspensão do prazo de prescrição do procedimento, este se eternize. Assim, nos termos desta disposição legal, a prescrição do procedimento ocorrerá sempre quando, desde o seu início e com ressalva do tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal acrescido de metade.
Deste modo, nas contra-ordenações [rodoviárias], a prescrição do procedimento terá sem lugar decorridos que sejam [2 anos (prazo normal) + 1 ano (metade do prazo normal) + 6 meses (prazo de suspensão)] 3 anos e 6 meses sobre a data da prática da contra-ordenação.” (assinalado nosso, Ac. do TRC de 21.02.2018, proc. n.º 306/17.0T8PMS.C1, in www.dgsi.pt).
Ora, está em causa nos autos uma infração autuada em 28.12.2016, a que é aplicável uma contraordenação punível com uma coima entre EUR 500,00 e EUR 100.000,00, por estar em causa uma pessoa singular, nos termos do art. 98.º, n.º 4, do RJUE (cfr. pontos 1 e 2 do probatório).
Para uma tal infração, por aplicação conjugada dos arts. 27.º, al. b), e 28.º, n.º 3, do RGCO, o prazo máximo de prescrição corresponde a 4 anos e meio.
Acresce ainda que, no período temporal em causa, ocorreram duas causas de suspensão do procedimento extraordinárias, em virtude da pandemia COVID-19, pelo que também estes períodos de suspensão devem ser ressalvados, face ao disposto no art. 28.º, n.º 3, do RGCO.
Assim, a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que estabeleceu medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, determinou, no seu art. 7.º, n.º 1, a aplicação do regime das férias judiciais a todos os atos processuais e procedimentais que devessem ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corressem termos, entre outros, nos tribunais administrativos e fiscais.
O n.º 3 deste preceito estabeleceu ainda que “A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.”.
Tal regime produziu efeitos a partir do dia 09.03.2020, por aplicação conjugada do art. 10.º da Lei n.º 1-A/2020 e do art. 37.º do Decreto-lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na interpretação dada pelo art. 5.º da Lei n.º 4-A/2020, e cessou com a Lei n.º 16/2020, que entrou em vigor no dia 03.06.2020.
Posteriormente, a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, determinou, no art. 6.º-C, n.º 1, al. b), e n.º 3, a suspensão dos prazos de caducidade e de prescrição dos procedimentos administrativos, com efeitos a partir de 22.01.2021. Tal suspensão de prazos cessou a partir de 06.04.2021, através da Lei n.º 13-B/2021, de 05 de abril, que revogou o referido art. 6.º-C.
Importa, assim, considerar um prazo máximo de prescrição de 4 anos e meio, acrescido do período de suspensão de cerca de 5 meses e meio imposto, quer pela Lei n.º 1-A/2020, quer pela Lei n.º 4-B/2021, nos termos vistos, o que redunda num prazo máximo inferior a 5 anos.
Ora, tendo a contraordenação em causa nos autos sido autuada em 28.12.2016 (cfr. ponto 1 do probatório), há que concluir que o prazo máximo de prescrição do procedimento se completou antes de dezembro de 2021, sem que tenha ocorrido qualquer causa de suspensão da prescrição.
Conforme prescreve o art. 27.º-A, n.º 1, al. c), do RGCO, o prazo de prescrição suspende-se, entre outras circunstâncias que aqui não relevam, durante o tempo em que “estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso”.
Tal despacho, no caso dos presentes autos, apenas foi notificado através de ofício de 02.05.2022 (cfr. ponto 3 do probatório), quando já se encontrava prescrito o procedimento contraordenacional, pelo que não chegou a ocorrer a respetiva suspensão.
Assim, pelo exposto, uma vez que o procedimento por contraordenação já se encontra prescrito, cumpre declarar a respetiva extinção.”».

4.1. Perscrutada a decisão recorrida afigura-se-nos manifesto o erro de julgamento em que incorreu a 1.ª Instância ao considerar como prazo de prescrição da contraordenação em causa, o prazo de três anos previsto na alínea b) do n.º1 do Artigo 27.º do RGCO, alargado, por força do disposto no 28º, nº3, do RGCO, ao prazo de 4 anos e meio.
Vejamos.
4.2. O ilícito contraordenacional imputado ao arguido é punido, como deixamos expresso supra, com uma coima “graduada de €500 até ao máximo de €100.000,00, no caso de pessoa singular (…)”, nos termos prescritos no artigo 98º, nº4, do RJUE.
4.3. Por outro lado, decorre do disposto na alínea a) do arrigo 27.º do RGCO, que “o procedimento por contraordenação extingue- se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contraordenação haja decorrido cinco anos, tratando-se de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49879,79”.
4.4. Acontece que o Tribunal a quo considerou que o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional era de 3 anos, nos termos da alínea b) do artigo 27.º do RGCO, donde se conclui que o mesmo tomou como referência o montante concreto da coima que foi aplicada ao arguido, quando a determinação do prazo prescricional depende antes da moldura abstrata da coima.
A esse talhe, importa ter presente constituir jurisprudência pacifica que o que releva para a definição do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é a coima máxima abstratamente aplicável e não a coima que concretamente foi aplicada, ainda não transitada.
Na verdade, pese embora o RGCO (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10) não resolva a questão de saber se para a definição do prazo prescricional releva a coima concretamente aplicada ou a moldura abstrata aplicável, essa questão é resolvida pelo artigo 118.º do Código Penal (CP), que é subsidiariamente aplicável ao processo contraordenacional, por força do disposto no artigo 32.º do RGCO.
Como se entoa do regime do artigo 118.º do CP, dele decorre que o prazo de prescrição do procedimento criminal conta-se em função da medida abstrata da pena aplicável ao crime, concretamente, do limite máximo da pena aplicável.
Faz todo o sentido que assim seja « pois não havendo ainda pena por decisão transitada, não faria sentido aludir a essa pena (que ainda não tem quaisquer efeitos), para apurar o prazo prescricional do procedimento.
Tal situação é também a que faz sentido, no domínio contraordenacional, sendo como se disse, subsidiariamente aplicável.
Assim e para a obtenção do prazo prescricional deve servir a moldura abstrata da coima e não a que foi aplicada em concreto e que ainda não está transitada»- cfr. Acórdão do TRG, de 28/10/18, Proc. n.º 4963/18.1T8GMR.G1.
Neste sentido já se tinha pronunciado o TRC, em Acórdão de 27/10/2010, proferido no processo n.º 2515/09.6TALRA.C1, sustentando-se que o «critério legal para a contagem do prazo prescricional a que se refere o artigo 27º do DL nº433/82 prende-se com a sanção abstratamente aplicável à infração, a concretizar dentro dos limites do art.18º do mesmo diploma, e não na sanção concretamente aplicada».
4.5. Nestes termos, diversamente do que foi entendido pelo Tribunal a quo, o prazo prescricional no caso dos autos é de 5 anos como previsto na alínea a) do artigo 27º do RGCO e não o de 3 anos, previsto na alínea b) do artigo 27.º daquele diploma, como considerou a 1.ª Instância.
4.6. Por outro lado, a prescrição do procedimento contraordenacional suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei – como foi a situação decorrente das Leis de emergência COVID 19, que o Tribunal a quo teve em conta (5 meses e 10 dias) - durante o tempo em que o procedimento: a) não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal; b) estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º; c) estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso – artigo 27º-A, nº 1, do RGCO.
4.7. E interrompe-se: a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação; b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa; c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima. – artigo 28º, nº 1, do RGCO.
4.8. Precise-se que, por força do disposto no artigo 121º nº 2, do Código Penal, aplicável ex vi artigo 32º, do RGCO, depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.

4.9. E de harmonia com o disposto no artigo 28º n.º 3, do RGCO, a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.
5.Ora, como bem nota o Apelante, no caso em análise ocorreram duas causas de interrupção do prazo de prescrição que não foram consideradas pelo Tribunal a quo, a saber: (i) com a notificação ao arguido da instauração do procedimento contraordenacional e concomitantemente, para o exercício do direito de defesa, realizada em 08/03/2017, que aquele exerceu mediante pronúncia escrita datada de 14/03/2017; (ii) com a decisão condenatória da autoridade administrativa em 14/10/2021.
5.1. Ressalve-se, contudo, que na situação em análise não decorreu o prazo ininterrupto de prescrição de 5 anos, previsto no art.º 27º, al. a), do RGCO, desde a data de qualquer das supra referidas interrupções, sem que entretanto não tivesse ocorrido qualquer outro facto suspensivo ou interruptivo do prazo prescricional nesse período temporal.
5.2. Por fim, como bem refere o Ministério Público nas suas contra-alegações « segundo o regime aplicável de suspensão dos prazos de prescrição, tal como previsto no art.º 27º-A do RGCO, e o art.º 28º, n.º 3, do mesmo diploma: “a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”. Ora, impõe-se marcar ainda que o art.º 27º-A, n.º 1, al. c), do RGCO estabelece que se suspende o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional “durante o tempo em que o procedimento estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso”, e no respetivo nº2 prevê que: “Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”.
Conforme se entendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2011, in DR n.º 30, I Série de 11-02-2011, “A suspensão do procedimento por contra-ordenação cuja causa está prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, inicia-se com a notificação do despacho que procede ao exame preliminar da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa e cessa, sem prejuízo da duração máxima imposta pelo n.º 2 do mesmo artigo, com a última decisão judicial que vier a ser proferida na fase prevista no capítulo IV da parte II do Regime Geral das Contra-Ordenações”.
In casu, tal despacho judicial preliminar foi proferido em 30-04-2022, data em que se suspendeu o prazo de prescrição do procedimento por contraordenação, nos termos do referido art.º 27º-A, n.º 1, al. c) do RGCO, pelo que deverá ainda acrescer o período de suspensão de 6 meses (limite máximo) na contagem do prazo prescricional.
Em suma, tendo o prazo de prescrição sido interrompido nas datas supra referidas e ainda suspenso mediante a aplicação das invocadas Leis de emergência que adotaram entretanto as medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS -CoV2 e da doença COVID -19, e em 30-04-2022 com o despacho de admissão do recurso de impugnação judicial (art.º 27º-A, n.º 1, al. c), e n.º 11 do RGCO), conclui-se, atento o limite previsto no art.º 28º, n.º 3, do RGCO, que o termo do prazo de prescrição ocorrerá somente em 2024, pelo que ainda não se esgotou».
5.4. Em conclusão, e em termos sumários, dir-se-á que no caso em análise, o prazo de prescrição da contraordenação imputada ao arguido é de 5 anos, como decorre da análise conjugada dos artigos 27º, al. a), do RGCO e 98º, nº4, do RJUE, pelo que, aplicadas as causas de interrupção consagradas no artº 28º do RGCO, e tendo em conta o disposto no nº3 desse normativo, o prazo máximo de prescrição aplicável é de 7 anos e 6 meses, e não de 4 anos e 6 meses, a contar desde a prática do ilícito (consumado em maio de 2016).
5.5. Porque assim é, impõe-se revogar a sentença recorrida e determinar a devolução do processo à 1ª instância para decisão da questão de mérito relacionada com a imputada prática da contraordenação em causa.
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IV-DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte em conceder provimento ao recurso e, em consequência, determinam a baixa dos presentes autos à 1.ª Instância para prosseguimento dos autos, se a tal nada mais obstar.
Sem custas por não serem devidas.
Notifique.
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Porto, 25 de novembro de 2022
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa