Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01897/22.9BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/01/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ACÇÃO PARA RECONHECIMENTO DE DIREITO; ACTO CONFIRMATIVO;
ACTO CONSOLIDADO NA ORDEM JURÍDICA;
ARTIGOS 38º, N.º 2, E 58º, N.º1, ALÍNEA B), AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS;
Sumário:
Ainda que se possa considerar não confirmativo o acto impugnado, em relação a acto anterior, por não se verificarem todos os pressupostos e requisitos dessa figura jurídica, ainda assim é de considerar extemporânea ou legalmente inadmissível a acção para reconhecimento de direito em que se impugne o segundo acto se o efeito a obter é o mesmo que se obteria com a anulação do primeiro acto, já depois de decorrido o prazo geral de três meses para o impugnar, face ao disposto nos artigos 38º, n.º 2, e 58º, n.º1, alínea b), ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 10.10.2023, pela qual foi julgada procedente a excepção de intempestividade para a prática de acto processual e absolvido o Réu da instância, na acção que moveu contra o Fundo de Garantia Salarial para anulação do acto que reputa de inovatório e de indeferimento, datado de 29.07.2022, e para a condenação do Réu ao pagamento da quantia global de 5.309€72 a título de créditos laborais.

Invocou para tanto, em síntese, que ao contrário do decidido não se verifica a excepção em apreço dado que o acto impugnado não é meramente confirmativo, mas um acto novo.

Não forma apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

a) A Recorrente discorda da sentença do Tribunal a quo, na parte em que não reconheceu o direito a ser paga na totalidade pelo Fundo de Garantia Salarial referente aos créditos laborais reconhecidos e verificados.

b) Entende a Recorrente que estão verificados os pressupostos de que depende o pagamento dos créditos por parte do FGS.

c) A 03/05/2018, deu entrada de um Requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, junto do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Socia, I.P. , no valor global de 3.413,99€ ilíquidos.

d) Àquela data, foi a quantia reconhecida como devida pelo Exmo Senhor Administrador de Insolvência.

e) A Recorrente impugnou o não reconhecimento da totalidade do crédito reclamado, no valor de 5.309,72€ ilíquidos, através do disposto no Art. 130º do CIRE.

f) No dia 07/05/2018, foi-lhe reconhecido por sentença o valor global de 5.309,72€ ilíquidos.

g) A Recorrente, a 1 de Junho de 2018, solicita a reapreciação do pedido efectuado junto do FGS e junta dois novos documentos, a denominada Lista dos Créditos Reconhecidos e a respectiva Sentença de Homologação, onde se reconhece à aqui Recorrente o valor global de 5.309,72€ ilíquidos.

h) A 18/09/2018, por despacho de 16 de Setembro de 2018 do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, é-lhe deferido o pagamento do valor global de 3.413,99€ ilíquidos,

i) Considerando o Fundo Garantia Salarial este como o valor global requerido pela agora Recorrente a pagar por parte do FGS.

j) Naquela data, já a Recorrente tinha apresentado ampliação do pedido, em virtude das circunstância supervenientes verificadas.

k) O Fundo de Garantia Salarial não se pronuncia sobre o mesmo.

l) Limita-se a alegar o deferimento total do valor requerido – 3.413,99€ ilíquidos.

m) A 29/10/2018, alegando a existência de circunstância supervenientes pertinentes e relevantes para modificação do inicialmente requerido (03/05/2018), apresentou reclamação juntando um outro novo documento – Sentença de Reconhecimento do Crédito no valor de 5.309,72€ ilíquidos.

n) A 08/08/2022, por despacho de 29 de Julho de 2022 do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, defere o pagamento dos 3.413,99€ ilíquidos.

o) Só aqui, o Fundo de Garantia Salarial se pronuncia sobre o pedido de ampliação formulado pela agora Recorrente.

p) Em sindicância está o despacho de 29 de Julho de 2022 do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial.

q) Não se trata de um acto confirmativo mas de uma acto administrativo novo!
r) A aqui Recorrente foi diligente e sempre reclamou a fim de assegurar e legitimar todos os seus direitos laborais vencidos.

s) O crédito reclamado e reinvidicado pela Recorrente na data de 03/05/2018 não era um crédito certo e exigível, já que o AI, não o reconhecia.

t) Tal, impediu a Recorrente, àquela data, de requerer ao FGS a totalidade do o seu crédito que não se verificava certo e exigível.

u) Entende a aqui Recorrente não poder ser preterida e prejudicada no seu direito de se ver paga pela FGS, quando de tudo fez para que o seu crédito fosse assegurado.

v) Aliás, entende que mais não lhe era exigível!

w) A Recorrente recorreu a todos os meios á sua disposição para assegura o pagamento por parte do FGS.

x) Não se pode ver prejudicada nos seus direitos legalmente acautelados por força das vicissitudes decorrentes do sistema administrativo e judicial vigentes.


*
II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. Na sequência da cessação do contrato de trabalho que vinculava a Autora à “[SCom01...] Unipessoal, Lda”, ocorrido em 01.09.2017, aquela deu entrada, em 03.05.2018, no Instituto da Segurança Social, IP, do modelo GS 1/2015 – DGSS para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho junto do Fundo de Garantia Salarial – cf. fls. 3 e 4 do processo administrativo no SITAF.

2. Extrai-se do referido requerimento o seguinte – cf. fls. 3 e 4 do processo administrativo no SITAF:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

3. A Autora juntou com o requerimento que se referiu nos pontos antecedentes, reclamação de créditos e declaração do administrador de insolvência, no valor de 3.413,99€ - cf. fls. 5 a 11 do processo administrativo no SITAF.

4. Em 01.06.2018, por carta registada com aviso de receção, o Sindicato dos Trabalhadores do Vestuário, Confecção e Têxtil – Região Norte, requereu o seguinte, ao Réu – cf. fls. 22 e seguintes do processo administrativo no SITAF:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

5. Junto com tal requerimento, o Sindicato apresentou sentença de homologação de créditos reconhecidos, na qual consta o reconhecimento, à Autora, de créditos salariais no montante de 5.309,72€ - cf. fls. 27 do processo administrativo no SITAF.

6. Por ofício datado de 18.09.2018, foi a Autora notificada do seguinte – cf. fls. 46 do processo administrativo no SITAF:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

7. Por requerimento de 29.10.2018, o Sindicato dos Trabalhadores do Vestuário, Confecção e Têxtil – Região Norte, requereu o seguinte, ao Réu – cf. fls. 45 do processo administrativo no SITAF:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

8. Nesta sequência, em 19.07.2022, foi elaborada a seguinte informação – cf. fls. 68 do processo administrativo no SITAF:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

9. Em tal informação, foi aposto despacho de concordância, em 29.07.2022 – cf. fls. 71 do processo administrativo no SITAF.

10. Por ofício datado de 08.08.2022, foi a Autora notificada do seguinte – cf. fls. 76 do processo administrativo no SITAF:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

11. A petição inicial que origina os presentes autos foi remetida a este Tribunal, em 01.11.2022 – cf. registo SITAF.


*
III - Enquadramento jurídico.

Este é o teor da decisão recorrida, na parte aqui relevante:

“(…)
. Da exceção de intempestividade da prática de ato processual

Na presente ação, a Autora pretende obter o pagamento de créditos salariais junto do Réu. Vem a Autora peticionar, desde logo, a anulação do indeferimento, e, em petição inicial corrigida, formular pedido de alteração da decisão e condenação do Réu ao pagamento da quantia de 5.309,72€.

Importa esclarecer que o procedimento encetado, junto do Réu, iniciou com a apresentação de requerimento para pagamento dos créditos salariais, no valor de 3.413,99€, o qual foi integralmente deferido, como lhe foi comunicado por ofício remetido a 18.09.2018; após tal decisão, em 29.10.2018, a Autora, por via do sindicato, pediu reanálise do pedido. Esta reanálise foi negada pelo Réu, porquanto o requerimento inicial da Autora havia sido integralmente deferido e o que motivou tal decisão foi a mesma factualidade.

Ora, esta ação reveste a forma de condenação à prática do ato. Neste domínio, face ao modo como vem formulado o pedido da Autora, chama-se à colação o disposto no artigo 66.º, n.º 2 do C.P.T.A., nos termos do qual «ainda que a prática do ato devido tenha sido expressamente recusada, o objeto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta diretamente da pronúncia condenatória». Por isso mesmo se estabelece no artigo 51.º, n.º 4 do mesmo Código que «se contra um ato de indeferimento for deduzido um pedido de estrita anulação, o tribunal convida o autor a substituir a petição, para o efeito de formular o adequado pedido de condenação à prática do ato devido». Como refere MÁRIO AROSO DE ALMEIDA (O novo regime do processo nos tribunais administrativos, Almedina, 4.ª edição, p. 211), «a reação contra atos administrativos de indeferimento deixa de ser objeto, no novo contencioso administrativo, de um processo impugnatório, dirigido à anulação ou declaração de nulidade desses atos». Agora «o titular de uma posição subjetiva de conteúdo pretensivo que deduza um pedido de condenação à prática de um ato administrativo não vai discutir em juízo o ato de recusa, por referência aos estritos termos em que ele se possa ter baseado, mas vai fazer valer a sua própria pretensão, em todas as dimensões em que ela se desdobra» (ob. cit., pp. 216 e 217).

O que vem dito serve para sublinhar o relevo que, na ação de condenação à prática de ato devido, assume a pretensão do autor, em detrimento de um juízo centrado no ato. E serve, igualmente, para afirmar que, caso tal pretensão não tenha viabilidade legal, fica prejudicado o conhecimento de qualquer vício que lhe venha assacado na medida em que tal se «traduziria num mero exercício de reposição da legalidade formal, sem qualquer efeito útil na esfera jurídica do autor» (Esperança Mealha, A condenação à prática de acto devido na jurisprudência, p. 185).

Invoca, o Réu, em sede de exceção, que a Autora não cumpriu com o prazo para intentar a presente ação, uma vez que o ato de deferimento foi notificado em setembro de 2018, e o ato notificado em agosto de 2022 é meramente confirmativo daquele, tendo que se considerar o primeiro para efeitos de tempestividade.

A Autora sustenta que o ato determinante é o de 08.08.2022, pelo que a ação é tempestiva.

A intempestividade da prática do ato processual é uma exceção dilatória expressamente prevista no artigo 89º, n.º 4, alínea k) do C.P.T.A., que, a ser procedente, determinará a absolvição da instância do Réu, isto é, obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa.

Estando em causa ação para condenação à prática de ato, a tempestividade afere-se por reporte ao prazo para impugnação de atos impugnáveis – artigo 69º, n.º 2 do C.P.T.A.. O prazo de impugnação contenciosa, para atos anuláveis, encontra-se previsto no artigo 58º, n.º 1, alínea b) do C.P.T.A. e é de três meses desde a notificação do ato, o qual se suspende com a utilização de meios de impugnação graciosa, retomando-se ou com a notificação da decisão quanto à impugnação administrativa ou com o decurso do prazo legal de decisão, consoante o que ocorra em primeiro lugar (artigo 59º, n.º 4 do C.P.T.A.).

Ora, vertendo sobre a factualidade assente supra, constata-se que a Autora, após apresentar requerimento para pagamento de créditos salariais, juntou a sentença de homologação de créditos (em que constava reconhecimento de crédito superior ao pedido) e, após deferimento do valor inicialmente pedido, pretendeu que o Réu alterasse a decisão proferida, com base na sentença de reclamação de créditos. O Réu, nesta ambiência, decidiu que, tendo deferido integralmente o valor constante do requerimento inicial, nada mais podia atribuir e notificou a Autora do deferimento total do valor constante do primeiro requerimento formulado.

Portanto, a Autora pediu 3.413,99€, juntou sentença de reconhecimento de 5.309,72€, foi deferido o pagamento de 3.413,99€ e, após, a Autora pede reapreciação, pedindo pagamento de 5.309,72€.

A Autora intenta a presente ação, com base neste segundo ato, considerando-o como indeferimento do seu pedido e determinante do prazo para recorrer à via judicial.

Analisando a tramitação procedimental, verifica-se que a pretensão da Autora foi apreciada primariamente, com os elementos que a Autora apresentou, em 2018, limitando-se o Réu, em 2022, a manter a primeira apreciação feita, porquanto nada houve, entretanto, que justificasse nova decisão.

Portanto, há um ato de deferimento, prolatado em 2018, e há um novo ato em 2022, que mantém a apreciação (ato este que, segundo a Autora, motiva a presente ação). Cabe verificar se este ato é confirmativo do primeiro, para efeitos de tempestividade.

Aprecie-se.

Vigora para os atos confirmativos, um regime de inimpugnabilidade, o qual decorre da necessidade de garantir o objetivo da consolidação dos atos anuláveis pelo decurso do prazo de impugnação, sem que esta houvesse sido deduzida, surgindo, por isso, associada a considerações de estabilidade e de ordem pública.

Dispõe o artigo 53º do C.P.T.A., que:

Impugnação de atos confirmativos e de execução
1 - Não são impugnáveis os atos confirmativos, entendendo-se como tal os atos que se limitem
a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores.
2 - Excetuam-se do disposto no número anterior os casos em que o interessado não tenha tido o ónus de impugnar o ato confirmado, por não se ter verificado, em relação a este ato, qualquer dos factos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 59.º
3 - Os atos jurídicos de execução de atos administrativos só são impugnáveis por vícios próprios, na medida em que tenham um conteúdo decisório de caráter inovador.
4 - Quando seja admitida a impugnação do ato confirmativo, nos termos do n.º 2, os efeitos da sentença que conheça do objeto do processo são extensivos ao ato confirmado.

Na doutrina clássica, o ato confirmativo era aquele que se limitava a repetir um ato anterior, sem nada acrescentar ou retirar do seu conteúdo (cfr. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, Almedina, 1º vol., p.452).

Na interpretação do atual preceito quanto a esta matéria (artigo 53º do C.P.T.A.), ensina Mário Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, Volume I, 1980, p.411, que: “Para que o acto confirmativo se considere contenciosamente inimpugnável necessário se torna que estejam preenchidos diversos requisitos, de que as nossas jurisprudência e doutrina se têm feito eco.

Em primeiro lugar é necessário que o acto confirmado e o acto confirmativo hajam sido praticados ao abrigo da mesma disciplina jurídica: se, entre a prática de um e de outro, se verifica uma alteração legal ou regulamentar dessa disciplina, o acto posterior não se considera confirmativo e é susceptível de impugnação contenciosa. O mesmo se diga para a modificação das condições fácticas que rodeiam a prática do acto.

Em segundo lugar, o acto confirmativo só não pode ser impugnado se o particular já tivesse conhecimento (por qualquer dos modos referidos no art.º 52º do RSTA) do acto confirmado antes da interpretação do recurso contra o acto confirmativo.

O terceiro requisito para que o acto confirmativo se diga impugnável é a total correspondência entre os seus diversos elementos – efeitos jurídicos, interessados, fundamentos de facto e de direito (art. 140 nº 2 do Projecto do CPAG) – e os do acto confirmado; se assim não acontecer, o acto só será de considerar como parcialmente confirmativo e então torna-se susceptível de impugnação contenciosa, podendo arguir-se contra ele todas as ilegalidades concretas (não vícios em abstracto) que não pudessem ser deduzidas contra o acto parcialmente confirmado.”

Estes requisitos, não são, no entanto, de aplicação cumulativa, mas alternativa.

Cada condição, por si só, contém uma previsão autónoma das restantes.

Como refere Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª edição revista e atualizada, p. 163:

“[…] o acto meramente confirmativo também não pode ser impugnado por quem, estando constituído no ónus de impugnar o acto anterior dentro dos prazos legais, não o tenha feito, na medida em que, de outro modo, se estaria a permitir que o litígio fosse suscitado sem observância dos prazos legais. Neste sentido, as alíneas b) e c) do artigo 53.° estabelecem que o acto meramente confirmativo não pode ser impugnado se o acto anterior tiver sido notificado ao interessado ou, em alternativa, se o acto anterior tiver sido publicado, nos casos em que o interessado não tivesse de ser notificado e, por isso, bastasse a publicação para que ele se lhe tornasse automaticamente oponível (cfr., a propósito, artigo 59.º)” .

Um ato confirmativo não é um ato administrativo, uma vez que nada inova na esfera jurídica do destinatário que não vê alterado o “status quo ante”, limita-se a manter uma situação (lesiva) anteriormente criada, sem produzir qualquer efeito – Rogério Soares, Direito Administrativo (Lições), p. 346; Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, p. 347.

Para que um ato administrativo seja confirmativo de outro, é necessário, além da identidade dos sujeitos, que os dois atos tenham os mesmos pressupostos, a mesma fundamentação e o mesmo regime jurídico (neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.10.2006, proferido no processo 0614/06).

Dito de outro modo, um ato é confirmativo quando emana da entidade que proferiu decisão anterior, apresenta objeto e conteúdo idênticos aos desta e se dirige ao mesmo destinatário, limitando-se a repetir essa decisão, perante pressupostos de facto e de direito idênticos – acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19.06.2007, processo n.º 0997/06.

Cotejados os atos em análise, forçoso se torna concluir que há total identidade entre o primeiro e o segundo ato: ambos versam sobre a mesma realidade, têm os mesmos sujeitos, o mesmo objeto, o mesmo fundamento. Repete-se, a primeira decisão teve em linha de conta o que a Autora pediu e atendeu aos documentos ora juntos; a segunda decisão assentou sobre a mesma realidade, o que a Autora pediu e os documentos juntos.

Sendo deste modo, o segundo ato (notificado em 2022) é confirmativo e, em consequência, inimpugnável. Por ser deste modo, o ato determinante para efeitos de tempestividade da presente ação é o de 16.09.2018, sendo que, entre o mesmo e a data de entrada da presente ação, já decorreram mais de três meses.

Esclareça-se, ainda, que o requerimento de 29.10.2018 não teve a virtualidade de fazer operar o efeito suspensivo decorrente do artigo 59º, n.º 4 do C.P.T.A.. Desde logo, porque tal requerimento não pode ser tido como reclamação – note-se que tinha havido um deferimento integral da pretensão da Autora, não havendo qualquer ato lesivo, passível de reclamação; por outro lado, admitindo que a reclamação pudesse ser apresentada, nos termos do artigo 191º, n.º 3 do C.P.A. o prazo para a apresentar é de 15 dias úteis (artigo 87º do C.P.A.), os quais foram largamente ultrapassados, de 18.09.2018 a 29.10.2018, o que inviabiliza o efeito suspensivo acima referido.

Destarte, procede a exceção de intempestividade da prática de ato processual, a qual é dilatória, impede o conhecimento do mérito e determina a absolvição do Réu da instância (artigo 89º, n.ºs 1, 2 e 4, al. k) do C.P.T.A.).

Fica, também, prejudicado o conhecimento da demais matéria de exceção.

(…)”.

Com acerto.

Como se diz na decisão recorrida, há total identidade entre o primeiro acto, de 16.09.2018, notificado em 18.09.2018, e o segundo acto, aqui impugnado, de 29.07.2022: ambos versam sobre a mesma realidade, têm os mesmos sujeitos, o mesmo objeto, o mesmo fundamento. A primeira decisão teve em linha de conta o que a Autora pediu e atendeu aos documentos ora juntos; a segunda decisão assentou sobre a mesma realidade, o que a Autora pediu e os mesmos documentos juntos.

Em todo o caso, sempre seria de manter a decisão recorrida, numa outra perspectiva.

O acto de 16.09.2018 consolidou-se na ordem jurídica por não ter sido impugnado no prazo geral de 3 meses- artigo 58º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos-, o que a própria Recorrente não põe em causa -

Independentemente de se considerar – ou não - o acto de 29.07.2022 como meramente confirmativo do acto de 16.09.2018, o certo é que a presente acção se mostra intempestiva.

A tese da Recorrente, a prevalecer, esvaziaria de conteúdo útil as normas que fixam, de forma peremptória, prazos para a impugnação de actos meramente anuláveis, no caso o prazo de 3 meses em relação ao acto de 16.09.2018 que, indiscutivelmente, se consolidou na ordem jurídica. Bastaria apresentar novo requerimento sobre a mesma pretensão substantiva, invocando factos novos.

Porque efectivamente no caso concreto estamos sempre perante a mesma pretensão substantiva da Autora e agora Recorrente: o pagamento da quantia global de 5.309€72 pelo Fundo de Garantia Salarial a título de créditos laborais.

Por isso dispõe o n. º2 do artigo 38º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

“Sem prejuízo do disposto no número anterior, não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável”.

Termos em que se impõe manter a decisão recorrida.

*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

*

Porto, 01.03.2024


Rogério Martins
Paulo Ferreira de Magalhães, em substituição
Isabel Costa