Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01045/11.1BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/23/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paulo Moura
Descritores:PROVA DA UNIÃO DE FACTO PARA EFEITOS DE IRS;
Sumário:I - A prova da união de facto realiza-se através de qualquer meio de prova legalmente admitido, pelo que a não realização de prova testemunhal arrolada pelo Impugnante, implica um défice instrutório.

II – O princípio do inquisitório permite que o juiz convide as partes a apresentarem prova sobre os factos alegados.

III – Se ocorrer défice instrutório, passível de influenciar a decisão de mérito da causa, a sentença recorrida deve ser anulada e após aquisição de mais prova, ser substituída por outra que tenha em conta a prova entretanto apurada.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA», interpõe recurso da sentença que julgou improcedente a Impugnação Judicial deduzida contra a liquidação de IRS do ano de 2007, por entender que existe erro quanto à decisão da matéria de facto, com o consequente erro de direito.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
(i) A douta decisão sob recurso negou (a) a existência de uma União de Facto, apenas porque o R. e a sua ex-companheiro (e sua mulher desde 2008) terão coabitado em mais do que uma residência, e (b) a existência de um domicílio fiscal comum, apenas porque durante um período temporal não terão tido idêntico domicílio fiscal, ainda que o a omissão de procedimento seja meramente formal.
Porém, certo que:
(ii) R. viveu, de facto, com «BB» em "união de facto", desde (Setembro) do ano de 2004.
(iii) Todavia, a sentença em causa recusa a existência material de uma tal união de facto apenas pela existência simultânea de mais do que um local de coabitação. aliás, sem colocar legalmente em causa, mas apenas de forma perfunctória, os documentos autênticos emanados de entidades públicas (?).
(iv) Em face da existência material dessa união de facto, o R. apresentou a sua declaração de rendimentos, para efeitos do IRS e com referência ao ano de 2007, em conjunto com a sua companheira «BB», com o NIF n.º ...33, conforme documento já junto ao processo.
(v) Aliás, reitera-se que idêntico procedimento foi adoptado também para o ano de 2006, circunstância ou facto que é de conhecimento oficioso, tendo em vista a declaração Modelo 3 oportunamente entregue. relativa ao IRS, pelo que,
(vi) Por um lado, uma tal circunstância apenas reitera o reconhecimento pela Autoridade Tributária da existência de uma tal situação de união de facto com referência já a período temporal anterior e,
(vii) por outro lado, uma tal situação material não foi então sequer posta em a causa no ano de 2006, ainda que sem um FORMAL domicílio fiscal comum.
(viii) A douta decisão acaba por relevar apenas a existência de três (3) documentos juntos Impugnação Judicial. quando certo que, dum total de dez (10) documentos apensos, outros existem que relevam em matéria de confirmação da existência de uma vivência conjunta, ou seja, de coabitação e, consequentemente, a existência material da união de facto.
(ix) Porém, a decisão ora em causa apenas releva a existência de um contrato de arrendamento aliás, saliente-se adequadamente que está titulado em nome do ora R. e da sua então companheira («BB») - para uma habitação em «K», ou seja, um local de coabitação.
(x) Todavia, a tal prova documental (contrato) acaba a decisão por não atribuir qualquer relevância, mormente para o reconhecimento da situação de união de facto. pois, como adiante invoca. ainda que no âmbito já da apreciação de direita e que não dos factos, acaba por referir que “( ) alegando viver nessa situação desde 2004, o certo é que tal não resulta dos documentos apresentados.”.
(xi) De facto, o arrendamento perdurou efectivamente desde treze de Setembro de 2004 até trinta e um de Maio de 2006, factos salientados oportunamente no decurso da acção e que são verdadeiros.
(xii) Ora, Se existe um tal contrato de arrendamento e está titulado como está em nome do R. e da sua ex-companheira. «BB» - ocorre perguntar para que serviria ele que não fosse porque correspondia ao local de coabitação?
(xiii) Mas a decisão em causa releva ainda a existência de dois atestados e correspondentes declarações neles insertos, um da Junta de Freguesia de «K» e outro da Junta de Freguesia de «Y».
(xiv) Mais, é certo que data a que se reportam os factos tão pouco a lei da união de facto (Lei n.º 7/2001) exigia qualquer formalismo de prova sabre a união de facto, uma vez que o art.º 2.º-A, apenas foi aditado em meados de 2010, pelo que constituiu prova de boa fé a circunstância do R. ter, apesar disso, feito juntar os referidos atestados, uma vez que o próprio normativo consigna que “a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível”.
(xv) Porém, invocando estes dois atestados a douta decisão procura deles retirar o que deles objectivamente não consta, seja, que não existiu, de facto e materialmente, uma união de facto.
(xvi) No entanto, a douta decisão, apesar de tais declarações, acaba concluindo que os mesmos não são merecedores de “credibilidade” quando diz, também no âmbito já da apreciação do direito, que o impugnante residiu em duas localidades distintas, designadamente no período de Janeiro de 2005 a Janeiro de 2006 (pelo menos), o que retira credibilidade aos factos atestados nesses documentos”, sublinhado nosso (!?).
(xvii) Ou seja, para a douta decisão parece que uma união de facto só se pode consumar se os “unidos” tiverem apenas uma residência, ainda que os “unidos” possam, de facto, ter várias residências ou habitações onde efectivamente partilhem a sua vida em comum, ou melhor dito, determinam a existência de uma coabitação!
(xviii) Ora, resulta claro da lei invocada (Lei 7/2001) que a união de facto remete apenas para um regime de vivência de duas pessoas que coabitem para que se possa afirmar que “vivam em condições análogas as dos cônjuges há mais de dais anos”, não refere como será compreensível que essa Vivência seja exclusiva ou unicamente reportada a um único lugar.
(xix) A residência da família não corresponde, como é óbvio, a um único local, mas a tantos quantos aqueles em que os elementos da união possam partilhar a vida em comum, melhor dita o dever de coabitação, que Inclui, nos termos da lei, que viver em comunhão de leito, mesa e habitação.
(xx) Todavia, é certo que em parte alguma do processo, quer ao nível administrativo. quer mesmo Judicial, se colocou em causa o facto de não existir a referido coabitação.
(xxi) Ora, assim sendo, parece-nos que existe manifesto erro quanto à decisão sobre matéria de facto, uma vez que, salvo o devido respeito, parte de pressupostos factuais e normativos que não constam da lei para que se consigne a existência de uma união de facto.
(xxii) Isto é, quando a douta decisão pressupõe a existência de apenas e tao só UMA ÚNICA residência, na qual se manifeste a existência de uma comunhão de habitação e na qual os “unidos” estabeleçam a sua vida em coabitação.
(xxiii) A falta de “credibilidade” (?) atribuída pela douta decisão aos atestados emitidos pelas juntas de freguesia, em razão de um suposto período de sobreposição de residências - que como já se demonstrou é manifestamente irrelevante para a existência da “união de facto” - mais não resulta do que de uma absoluta faltita de inquisitório, pois, a ter ocorrido facilmente teria constatado a existência de circunstâncias justificativas para uma tal sobreposição.
(xxiv) Tal circunstância apenas ocorreu pelo facto de o R. estar, desde o final de 2004, em processo de separação da sua anterior companheira, o que determinou que, apesar disso, esta se manteve na sua anterior residência («Y») até à consumação definitiva da separação.
(xxv) Ou seja, o período de Suposto sobreposição de residências mais não correspondeu do que ao afastamento do sua residência de sempre, em «Y», em razão da separação da sua anterior companheira.
(xxvi) Para a residência de «K», em razão do encetar de uma nova relação e com a então companheira em união de facto e sua actual mulher: «BB».
(xxvii) Aliás, o domicílio fiscal do R. anteriormente ao ano em questão (2007) e desde há muito tempo, como é certamente de conhecimento oficioso da AT, tendo em vista as suas declarações de rendimento, para efeitos de IRS, correspondeu sempre ao lugar sito no Rua ... (Quinta ...), freguesia de «Y», concelho ....
(xxviii) Assim denso, reitera-se que existe manifesto erro quanto à decisão sobre a matéria de facto, uma vez que, salvo o devido respeito, parte de pressupostos factuais, mas também normativos, que não constam da lei para que se consigne a existência de uma união de facto, v.g. Lei 7/2001 e art.º 4.º do CIRS.
Por isso,
(xxix) Impõe-se o reconhecimento da existência de uma União de Facto entre o R . e a sua ex-companheira, «BB», ao contrário do assumido pela douta decisão aqui recorrida, tendo em vista o acervo documental já Junto ao processo, em particular os elementos juntos a IJ (também ao direito de audição, que consta certamente do PA) e identificados como “Documento 7” e “Documento 10”.
Sem prescindir,
Depois, douta decisão
(xxx) Começa por Invocar as disposições legais aplicáveis tendo em vista que “está em causa a situação pessoal do Impugnante para efeitos de tributação em sede de IRS”.
(xxxi) Assim, assinala, desde logo, que, no caso concreto. não pode existir união de facto, tendo em vista que “(…) alegando viver nessa situação desde 2004, o certo é que tal não resulta dos documentos apresentados.”
(xxxii) Extratando depois partes dos atestados emitidos pelas juntas de freguesia – primeiro de «K» e depois de «Y» – afirma perentoriamente que “o impugnante residiu simultaneamente em duas localidades distintas, designadamente no período de Janeiro de 2005 a Janeiro de 2006 (pelo menos), o que retira credibilidade aos factos atestados nesses documentos”.
(xxxiii) No entanto, como se referiu supra, o período de suposta sobreposição de residências mais não correspondeu do que ao afastamento da sua residência de sempre, em «Y», em razão da separação da sua anterior companheira, para encetar uma nova relação com a sua nova companheira «BB».
(xxxiv) Assim, não ficou sequer demonstrado, muito menos provada, que não existi, em concreto, uma união de facto, bem pelo contrário, pelo que incorre a douta decisão em erro de julgamento sobre a matéria de direito, pois consigna à norma tributária pressupostos que esta não contempla, ou seja, que a eventual simultaneidade de residência é facto impeditivo da existência da união de facto para efeitos fiscais, sendo certo que esta noção tão pouco existe no contexto da invocado norma tributária, v.g. art.º 14.º do CIRS.
(xxxv) Assim sendo, a douta decisão enfermo de erro de Julgamento sobre a matéria de direito e, consequente, vício de violação de lei, tendo em vista o conteúdo dos normativos legais aplicáveis, mormente: os art.ºs 1.º e 3.º/ d da Lei 7/2001 e o art.º 14.º do CIRS.
(xxxvi) Logo, impõe-se também reconhecer que a simultaneidade de uma eventual existência de mais do que um local de residência e coabitação não é, por um lado, impeditivo do reconhecimento da existência de uma união de facto, e, por outro lado, não constitui tão pouco exigência da lei da união de facto (Lei n.º 7/2001), pelo que a interpretação consignada pela decisão recorrida padece daquele erro. Isto é, ao admitir a exigência de um local ÚNICO de coabitação.
Sem prescindir.
(xxxvii) Depois, invocando a douta decisão o registo de cadastro do impugnante acaba o firmando que “o seu domicílio fiscal apenas passou a ser o mesmo da sua companheira «BB», a partir de 2006, facto que, aliás, o impugnante não pões em causa”.
(xxxviii) Contudo, quem mudou de domicílio fiscal foi, de facto, a sua então companheira - «BB» - que mudou de «K» - local arrendado pelo R. e pela sua companheira, como acima se deixou expresso - para a Rua ... (Quinta ...), freguesia de «Y». concelho ....
(xxxix) E não foi o R., pois, como j á antes referiu, e que consta certamente dos arquivos da Administração Fiscal, o seu domicílio fiscal é Já de há muitos anos a esta parte sito na Rua ... (Quinta ...), freguesia de «Y». concelho ....
(xl) Todavia, convirá, por certo. Ser mais preciso. isto é, o R. não podendo afirmar uma tal coincidência FORMAL de identidade de identidade de domicílio fiscal, sempre colocou em causa a sua não admissibilidade MATERIAL, aliás, pelo que decorre quer da Jurisprudência, quer das Recomendações do Provedor de Justiça, quer ainda pela suposta mudança de atitude da própria AT, como acima se deixou expresso.
(xli) Não esquecendo que há princípios subjacentes quer ao procedimento tributário, quer ao processo tributária, como são o Princípio do Inquisitório, na sua vertente também de alcance da verdade material (v.g. artºs 58.º e 99.º da LG T).
(xlii) Para além disso. também o R. assinalou na sua Impugnação Judicial a norma que consigna do que seja o “domicílio fiscal” – v.g. art.ºs 40.º a 42.º da referida Impugnação -, sendo certo que a mesma não deixa de consignar, tanto quanto consta do art.º 19.º/6 da LGT, que “A administração tributária poderá rectificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor”.
(xliii) A douta decisão considera depois, reafirmando a questão da necessidade da união de facto, que “Para serem considerados unidos de facto para efeitos de tributação em sede de IRS, no ano de 2007, o impugnante deveria ter demonstrado que vivia com a companheira «BB» numa situação idêntica à dos cônjuges, num período superior a dois anos e durante o período de tributação."
(xliv) Porém, ao contrário do que pressupõe a douta sentença, não existe uma tal exigência no âmbito da norma tributária, ou seja, o invocado art.º 14.º do CIRS não define o que seja união de facto por a efeitos fiscais.
(xlv) Por isso, não há “unidos de facto para efeitos fiscais”, há isso sim unidos de facto que podem ou não vir a ser abrangidos por uma norma tributária
(xlvi) Mas certamente que não pode é concluir-se, como o faz a douto sentença, que porque não há “unidos de facto para efeitos de tributação em sede de IRS
(xlvii) Logo “o impugnante e a sua companheira deveriam ter identidade de domicilio fiscal desde o ano de 2005”!
(xlviii) Por isso, a decisão em causa confunde, salvo o devido respeito, a situação do unido de facto - cujos pressupostos nada têm que ver com uma natureza tributária com a eventual existência de identidade de domicílio fiscal, este sim pressuposto de natureza tributária,
(xlix) Ainda que este requisito - Identidade de domicilio fiscal, não tenha ou deva ter um carácter absoluto. como deixa claro e esclarecidamente expresso o douto Acórdão do TCA Sul, acima já referenciado e que de novo importa trazer à colação: Acórdão do TCA Sul, sob o n.º 0455/11, CT – 2.º Juízo, de 07-04-211, de foi relator Meritíssimo juiz Desembargador José Correia, in www.dgsi.pt.” !?
(l) Aliás, a douta decisão invocando. de facto, o art. 19.º da LGT, mas apenas na parte que considerou para si relevante, omitiu a apreciação do que na Impugnação Judicial se consignou quanto ao que o n.º 6. do mesmo artigo 19.º (à data dos factos), quando se refere à rectificação oficiosa desse mesmo domicílio, por parte da AT, que devia e poderia ter efectuado, mas que não o fez.
(li) É um facto que no contrato de arrendamento, junto ao processo, relativo à residência de «K» constam como outorgantes o R. e a sua então companheira «BB», pelo que foi o mesmo utilizado em coabitação.
(lii) E é também certo e comprovado e de conhecimento oficioso que o R. sempre teve o seu domicilio fiscal declarado como sendo sito na Rua ... (Quinta ...). freguesia de «Y», concelho ...,
(liii) Sendo certo também que a partir da início do ano de 2005 a sua então companheira «BB» passou a coabitar com o R. neste último local, ou seja. na Rua ... (Quinta ...), freguesia de «Y», concelho ....
(liv) Assim sendo, salvo o devido respeito, não é acertada a conclusão da douta sentença quando afirma que “(…) face á prova produzida nas autos, constata-se que o Impugnante não fez prova da verificação dos requisitos previstos na art.º 14.º, n.º 2, do CIRS, conjugado, com os art.º 1.º, n.º 1 e 3.º al. d) da Lei 7/2001”, porquanto os requisitos da existência de uma união de facto parecem ter sido absolutamente comprovados, dada a manifesta irrelevância Jurídica do único argumento consignado na sentença para recusar uma tal união de facto: porventura ter o R. residido em mais de que uma residência!
(lv) Ora, a douta decisão pressupõe que existe uma união de facto para efeitos fiscais e, consequentemente, de identidade de domicílio fiscal, e ainda que, pela não pressuposta prova da existência daquela união de facto para efeitos fiscais (exigência legal que não existe, como já se disse) se deve determinar a impossibilidade de tributação conjunta da concreta união de facto, ou seja, entre o R. e «BB», nos termos consignados no art.º 14.º do CIRS.
(lvi) Assim sendo, é errada a interpretação e aplicação, salvo o devido respeito, que a douta decisão efectua das normas em questão, pelo Incorre em erro de julgamento de direito e vício de violação de lei, tendo em vista o que dispõem os art.º 14.º/2 do CIRS e o art.º 19.º/6 da LGT e art.º 1.º/1 e 3.º/d da Lei 7/2001.
Sem prescindir,
(lvii) O R. foi notificado, por força dos art.º 265.º-A e 266.º/1 do CPC (actuais art.ºs 7.º e 547.º do novo CPC), para “(…) indicar, por remissão para os artigos da petição inicial, quais os concretos pontos da matéria de facto por si alegada que pretende ver esclarecidos através da inquirição da prova testemunhal arrolada”, conforme despacho prolatado em 13 de Dezembro de 2011.
(lviii) Porém, também igualmente por despacho datado de 11 de Abril de 2012, foi então decidido “não proceder à inquirição das testemunhas indicadas”, ao contrário do que antes havia sido considerado e expressamente solicitado.
(lix) E idêntico procedimento ocorreu no âmbito do procedimento que conduziu à decisão ora em questão, porquanto o R. foi notificado de despacho que admitia a inquirição de testemunhas, mas igualmente foi novamente notificado de que aquele despacho ficaria sem efeito.
(lx) No entanto, apesar de estar em causa uma inquirição de testemunhas expressamente solicitado, tal foi dispensada sem qualquer fundamento!
(lxi) Ora, o entendimento jurisprudencial do STA, em Pleno. entende que, só em circunstancias muito especiais é que se poderá admitir que uma prova testemunhal requerida pode ser dispensada, conforme Acórdão do STA, 2.ª secção – Pleno, Recurso 1632/13 , de 22 de Janeiro de 2014, de que foi relator o ilustre Juiz Conselheiro Casimiro Gonçalves, in www.dgsi.pt.
(lxii) No entanto, as circunstâncias factuais concretas de uma eventual existência dessa união de facto são particularmente propícias à valoração através da prova testemunhal.
(lxiii) Sem prejuízo , naturalmente, dos demais meios de prova susceptíveis de poderem ser apresentados e valorados, aliás, como acontece no caso concreto, mormente pelo conjunto de documentos insertos no “Documento 10”, mas cujo valoração foi de todo omissa, para além de uma adequada apreciação da prova também constante do “Documento 7”, ambos juntos à IJ!
(lxiv) Ora, tendo em atenção que a prova testemunhal. naturalmente sem prejuízo dos demais meios de prova sendo certo que no processo tributário são admitidos os meios gerais de prova. v.g. art.º 115.º do CPPT - continuo a ser entendida como a “prova rainha” no âmbito do processo, importaria por certo ter continuado a dar provimento suo admissibilidade.
(lxv) Mas ao não se ter assim entendido, deve admitir-se que se verifica também razão para a consequente anulação de decisão, mas também por violação de um princípio fundamental no processo: Princípio do Inquisitório que está ínsito à descoberta da verdade material, tanto mais que tal diligência havia sido requerida.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, reconhecendo-se não só (i) a existência de uma União de Facto , em face da prova documental produzida, mas também (ii) da existência de uma identidade de domicílio fiscal, tenda em vista o seu reconhecimento apenas formal deverá decorrer de uma retificação oficiosa, par parte da AT - no sentido da Jurisprudência superior já citada porque tinha elementos na sua posse que a tal deveria ter conduzido -, e, consequentemente, a possibilidade legal de poder ser tributado segundo o “regime de tributação dos rendimentos dos sujeitos passivos casadas e não separados judicialmente de pessoas e bens”, anulando- se, consequentemente, a decisão recorrida, com todas as consequências legais.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado procedente.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se existe erro quanto à decisão da matéria de facto, por a sentença não ter considerado existir união de facto no ano de 2007, para efeitos de tributação em IRS.

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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
Fundamentação
De Facto
Com relevância para a decisão da causa, considero provados os seguintes factos:
1 - Em 22.07.2008, foi o impugnante notificado da existência de divergência no que toca à residência dos sujeitos passivos – fls 10;
2 - Em 20.8.2009, foi o impugnante notificado para apresentar declaração autónoma, por não reunir os pressupostos de união de facto, bem como foi notificado para exercer o direito de audição sobre o projecto de decisão, em que se excluía a dita situação de união de facto – fls 4 do PEF;
3 - Por ofício datado de 07.11.2010 foi o impugnante notificado para exercer o direito de audição; - fls 13 do PEF;
4 – Em 20.12.2010 deu entrada um requerimento do impugnante exercendo o seu direito de audição, juntando três documentos: contrato de arrendamento em nome do impugnante e da sua companheira; declaração de Junta de freguesia de «K» e declaração da Junta de freguesia de «Y», nas quais se atesta a existência de residência nas ditas localidades em companhia de «BB»; – fls 21 do PEF.
5 - O atestado da Junta de freguesia de «K» “informa que o requerente residiu desde 13 de Setembro de 2004 a 31 de Maio de 2006” naquela freguesia com a companheira «BB», declaração que foi passada a 22/9/2008.
6 - O atestado da Junta de freguesia de «Y» “atesta, para os devidos efeitos que, «BB»,... vive em comunhão de mesa e habitação desde Janeiro de 2005 com «AA», estando domiciliada no lugar da Quinta ... - ... – «Y»”, atestado passado a 27/1/2006.
7 – O contrato de arrendamento datado de 13 de Setembro de 2004 em que figuram na qualidade de promitente senhorio e como segundos outorgantes o impugnante, «BB», cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais - fls 34 do PEF;
8 – Em A administração fiscal, converteu em definitivo o projecto de decisão – fls 14 do PEF;
9 - Na sequência dessa decisão, o impugnante procedeu à entrega de nova declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2007, da qual fez constar a situação correspondente a «solteiro, viúvo, divorciado ou separado judicialmente» - (cf. fls. 52/59);
10 - A liquidação impugnada foi efectuada de acordo com essa declaração;

A decisão sobre a matéria de facto assenta nos documentos e informações constantes do processo juntos pelas partes e nas posições assumidas nos respectivos articulados.
Factos não provados:
Que o impugnante e «BB» tivessem o mesmo domicílio fiscal há mais de dois anos.
Com relevância para a decisão da causa, nada mais se provou.

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Apreciação jurídica do recurso.

Alega o Recorrente que a decisão recorrida negou a existência de uma união de facto entre o Impugnante e a sua ex-companheira (sua mulher desde 2008), por entender que terão coabitado em mais de uma residência, em função das certidões emitidas pelas Juntas de Freguesia e devido a não terem um domicílio fiscal comum, sendo certo que viveu em “união de facto” desde finais de setembro de 2004, sendo que tal situação não foi posta em causa no ano de 2006.
Diz, ainda, o Recorrente, que a sentença retira dos atestados emitidos pelas Juntas de Freguesia, o que deles objetivamente não consta, ou seja, que não existiu uma união de facto, mais referindo que a Lei n.º 7/2001 (Lei da união de Facto), remete para um regime de condições análogas às dos cônjuges, não diz ser essa vivência exclusiva ou unicamente reportada a um único lugar, sendo que a sobreposição parcial dos períodos das residências, é irrelevante para a existência de união de facto, tanto mais que na ocasião o impugnante encontrava-se em processo de separação da sua anterior companheira.
Invoca, que dos documentos juntos ao processo, como o doc. 7 e o doc. 10, impõe-se o reconhecimento da existência de uma união de facto, sendo que a situação de não terem até 2006, o mesmo domicílio fiscal, trata-se de uma situação formal e não de uma situação material, como decorre da jurisprudência.
Alega, igualmente, que o artigo 14.º do Código do IRS, não define o que seja união de facto para efeitos fiscais, mas sim unidos de facto que podem estar ou não abrangidos por uma norma tributária, por isso a decisão confunde a situação de união de facto, com a existência de identidade de domicílio fiscal.
Alega, ainda, o Recorrente que estando em apreço apurar as circunstâncias concretas de uma união de facto, tal situação é particularmente propícia à valoração através de prova testemunhal, que foi requerida, mas dispensada sem qualquer fundamento, com isso violando-se o princípio do inquisitório, ínsito à descoberta da verdade material.

A sentença recorrida entendeu que, como os atestados de duas distintas Juntas de Freguesia, mencionavam um período temporal comum de residência, retirava credibilidade aos factos atestados nesses documentos.
Mais refere a sentença que o domicílio fiscal do Impugnante apenas passou a ser o mesmo da sua companheira, a partir de 2006 e que para poder beneficiar do regime da união de facto, em relação ao IRS de 2007, era necessário que houvesse identidade de domicílio fiscal desde o ano de 2005.
Concluiu a sentença, que o Impugnante não fez prova da identidade do seu domicílio fiscal com o domicílio fiscal da sua companheira, por um período superior a dois anos, por isso nenhum vício pode ser assacado á liquidação.

Apreciando.
As uniões de facto, encontram previsão legal na Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, diploma que regula a situação jurídica de duas pessoas que vivam em união de facto há mais de dois anos (artigo 1.º, n.º 1).
O artigo 3.º deste diploma, concede alguns direitos às pessoas que vivam em união de facto, sendo um deles a: «d) Aplicação do regime do imposto de rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens;».
Ma sua redação originária, que a aplicável à situação dos autos, não dizia esta Lei o modo como se provava a situação de união de facto.
Por sua vez, o artigo 14.º do Código do IRS, na redação aplicável à data dos factos, estabelecia o seguinte:
Artigo 14.º (Uniões de facto)
1 - As pessoas que vivendo em união de facto preencham os pressupostos constantes da lei respectiva, podem optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens.
2 - A aplicação do regime a que se refere o número anterior depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação, bem como da assinatura, por ambos, da respectiva declaração de rendimentos.
3 - No caso de exercício da opção prevista no n.º 1, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 13.º, sendo ambos os unidos de facto responsáveis pelo cumprimento das obrigações tributárias.

Antes de continuarmos saliente-se que atualmente o n.º 2 deste artigo 14.º do Código do IRS, apenas refere que a identidade de domicílio fiscal, apenas faz presumir a existência de união de facto.
Ora, relativamente aos requisitos e exigências da prova da união de facto, designadamente, para efeitos de IRS, já se têm pronunciado os Tribunais Superiores da jurisdição administrativa e fiscal.
Segundo o Acórdão deste TCA Norte de 13/12/2018, tirado no processo n.º 00564/16.7BEPRT (disponível em www.dgsi.pt):
1. A prova da união de facto pode ser efectuada por qualquer meio legalmente admissível.
2. A identidade de domicílio fiscal não é um requisito de substância para que possam beneficiar do regime constante da al. d) do artigo 3º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio.

Por sua vez, segundo o Acórdão também deste TCA Norte de 19/12/2019, proferido no processo n.º 00302/10.8BECBR (igualmente em www.dgsi.pt):
1 – Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 19.º do CIRS, a escolha de uma concreta morada onde os sujeitos passivos vivem em união de facto, tem implicações de vária ordem, designadamente no que é atinente aos contactos com a Administração Tributária, e desta para com aqueles, sendo que a sua não indicação aporta para os sujeitos passivos consequências de vária ordem.
2 – O reconhecimento da união de facto e da sua equiparação, para efeitos fiscais, ao casamento, apenas depende da verificação em concreto dos requisitos previstos no artigo 14.º, n.ºs 1 e 2 do CIRS, em face do que dispõem os artigos 1.º, n.º 1 e 3.º alínea d), ambos da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio.
3 – Tendo sido feita prova [que não foi abalada, sem sequer objecto de recurso por parte do Recorrente] de que o Impugnante vivia em união de facto desde Setembro de 2006 e bem assim, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 13.º, n.º 8 do CIRS, que à data de 31 de Dezembro de 2008, essa união contava já dois anos e 4 meses de existência, porque o Impugnante preenchia os pressupostos da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, podia o mesmo e a pessoa com quem vivia, optar pelo regime de tributação conjunta dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens.
4 – Mesmo que fosse dado por incumprido o disposto no artigo 14.º, n.º 2 do CIRS [na eventualidade de não existir domicílio fiscal comum], tal não impedia os interessados [que vivem em união de facto há mais de 2 anos] de optar pelo regime da tributação própria dos contribuintes unidos pelo casamento, pois de outra forma, estaríamos em face de manifesta violação do disposto nos artigos 103.º e 104.º da CRP, por ofensa aos princípios da legalidade, da igualdade e da proporcionalidade.

Na situação em apreço nos autos, não estava indicado o mesmo domicílio fiscal, sendo que tal não releva para efeitos da possibilidade de tributação segundo o regime da união de facto, na medida em que se trata de uma formalidade que não pode ter implicações na substância ou conteúdo da relação material do imposto.
Aliás, de tal forma, que o legislador deixou de exigir que o domicílio fiscal seja o mesmo, passando apenas a referir que estando declarado o mesmo domicílio fiscal se presume existir união de facto.
Portanto, a exigência apontada na sentença da necessidade do mesmo domicílio fiscal, não ocorre, pelo que não é devido a essa situação que fica impedida a tributação segundo o regime da união de facto.
O que significa que é necessário que exista efetivamente uma união de facto entre duas pessoas. Por isso, cumpre saber, se para o ano de 2007, tal resulta desmontado pelos atestados das Juntas de Freguesia.
Para melhor apreensão dos atestados emitidos pelas respetivas Juntas de Freguesia, transcrevem-se os pontos 5 e 6 do probatório, que os reproduzem:
5 - O atestado da Junta de freguesia de «K» “informa que o requerente residiu desde 13 de Setembro de 2004 a 31 de Maio de 2006” naquela freguesia com a companheira «BB», declaração que foi passada a 22/9/2008.
6 - O atestado da Junta de freguesia de «Y» “atesta, para os devidos efeitos que, «BB»,... vive em comunhão de mesa e habitação desde Janeiro de 2005 com «AA», estando domiciliada no lugar da Quinta ... - ... – «Y»”, atestado passado a 27/1/2006.

Ora, estando em causa o IRS do ano de 2007, os atestados em apreço não permitem que se possa concluir, com a certeza e segurança jurídica necessárias que nesse mesmo ano de 2007, existia uma união de facto entre os contribuintes em apreço.
Assim, o atestado da junta de Freguesia de «K» reporta-se ao período de 13 de setembro de 2004 até 31 de maio de 2006, pelo que não atesta nada sobre o ano de 2007, que é o que aqui está em causa.
Por sua vez, o atestado da Junta de Freguesia de «Y», foi emitido em 27 de janeiro de 2006, pelo que não permite atestar o quer que seja em relação ao ano de 2007.
Acerca da necessidade de o atestado ter de ser posterior à data dos factos, ou seja, à data indicada como existindo uma união de facto, já se pronunciou este Tribunal Central Administrativo Norte no processo n.º 07543/14 (em www.dgsi.pt), conforme Acórdão proferido em 22/01/2015, cujo sumário é o seguinte:
1.Nos termos do disposto no artigo 662º nº 1 do Código do Processo Civil a Relação pode, ao reponderar à decisão de facto recorrida da 1ª instância, substitui-la pela sua decisão, com base nos mesmos elementos probatórios que constem do processo e aportados pelas partes, o que pode acontecer quando os factos tidos como assentes e a prova produzida impuserem decisão diversa;
2. Para a prova da união de facto seria admissível qualquer meio de prova, tal como diz a lei, incluindo prova testemunhal ou até o atestado da junta de freguesia, acompanhado com os restantes documentos elencados no art.2º-A, desde que abranjam os anos em causa e certifiquem a vida em comum há mais de dois anos. Sendo assim, é manifestamente insuficiente para provar que, nos anos 2006 e 2007 os Recorridos viviam em união de facto há mais de dois anos um atestado assinado em 2002, sendo que o mesmo não vem acompanhado nos autos dos restantes elementos de prova previsto no Artigo 2º - A da Lei 7/2001 de 11 de Maio;
3. Nos termos do artigo 19º nº 8 da LGT “o domicílio poderia e deveria ser rectificado oficiosamente com base nos elementos que estavam ao dispor da administração tributária", mas apenas quando, com a segurança e certeza, se pode afirmar que o poder-dever da AT poderia ser exercido perante os documentos ou elementos constantes ao seu dispor que fizessem acreditar, concluir e rectificar o domicílio fiscal do Recorrido.

Portanto, os atestados emitidos pelas Juntas de Freguesia, por si só, não permitem aquilatar que no ano de 2007, existisse uma união de facto entre os contribuintes em apreço.
Nas suas alegações de recurso, o Impugnante invoca a junção dos documentos 7 e 10, para demonstrarem a união de facto.
Ora, o documento 7 refere-se ao contrato de arrendamento na habitação sita em «K» e tem a data de 13 de setembro de 2004, sendo que a Junta de Freguesia desta localidade atesta a comunhão de habitação apenas até ao dia 31 de maio de 2006, pelo que não é documento idóneo a demonstrar a união de facto no ano de 2007.
No que concerne ao documento 10, trata-se de um acervo de faturas e documentos congéneres endereçados para a morada de «K», que dizem todos respeito aos anos de 2005 e 2006; nenhum se reporta ao ano de 2007, pelo que também não servem para demonstrar a união de facto no ano de 2007.
Os documentos 7 e 10, apenas serviriam para provar a continuidade da união de facto desde o ano de 2004 até ao ano de 2006, mas como mais nenhum documento consta dos autos relativo ao ano de 2007, tal documentação é insuficiente para dar como provada a existência dessa união de facto.
Portanto, da documentação constante dos autos ou do processo administrativo, por si só, não resulta demonstrada a união de facto aqui invocada para o ano de 2007.
Sucede que, conforme tem sido jurisprudência firmada, a união de facto pode provar-se por qualquer meio de prova admitida em direito, pelo que sempre poderá ser tentada a sua demonstração através da prova testemunhal.

Aliás, o Recorrente, no recurso, alega que que estando em apreço apurar as circunstâncias concretas de uma união de facto, tal situação é particularmente propícia à valoração através de prova testemunhal, que foi requerida, mas dispensada sem qualquer fundamento, com isso violando-se o princípio do inquisitório, ínsito à descoberta da verdade material.
A alegação do Recorrente não é totalmente correta, na medida em que a produção de prova foi dispensada por despacho de pág. 107 do SITAF.
Não obstante, o tribunal de recurso não fica impedido de analisar a situação ao abrigo do princípio do inquisitório, caso esteja medianamente convencido de que poderá ocorrer um eventual erro de julgamento de facto, o que poderá ser aferido (ou seja, confirmado ou inferido), após a produção de mais prova a realizar nos autos.
Ora, da conjugação da prova documental, com a eventual prova testemunhal, não se mostra de todo inviável, que o Impugnante ainda possa lograr provar a união de facto para o ano de 2007. Até porque, segundo refere o Impugnante nas alegações de recurso (vide 1.ª conclusão do recurso), casou no ano de 2008, com a pessoa que vivia em união de facto (afirmação, igualmente, já mencionada na Petição Inicial – vide art.º 21.º dessa peça processual). Invocação essa que pode reforçar a alegação da existência da união de facto no ano de 2007.
Seja como for, a partir do momento em que a jurisprudência tem entendido que a união de facto também se pode provar através de depoimentos testemunhais, não é possível dizer-se que para tal efeito apenas se deve ter em consideração a prova documental.
Até porque ao juiz tributário incumbe dar cumprimento ao princípio do inquisitório, pelo que até, poderá estar no âmbito da sua atuação, que as partes juntem documentos que atestem as suas afirmações.
Assim, conforme é sabido, de acordo com o disposto no n.º 1 artigo 13.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT): «Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer».
No mesmo sentido dispõe o n.º 1 do artigo 99.º da Lei Geral Tributária, estabelecendo que o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou aos factos de conhecimento oficioso.
Por sua vez, o artigo 114.º do CPPT, prevê que, não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de produção de prova necessárias.
Não obstante o juiz não estar obrigado à realização de todas as provas que sejam requeridas pelas partes, contudo deve ponderar sobre a admissibilidade dos meios de prova no caso concreto. Nesse sentido deve ponderar a realização de diligências úteis à descoberta da verdade material, mormente quando existam factos controversos que careçam de prova bastante, de modo a que seja, sempre que possível, a não ficarem dúvidas sobre essa factualidade controvertida.
Significa isto, que a omissão de diligências necessárias à descoberta da verdade material, acarreta um défice instrutório, quando em face do alegado e da análise dos elementos dos autos, se possa antever que a realização de algum meio de prova poderia ser modo de aquisição processual de melhor esclarecimento dos factos, tanto mais que não se vislumbra fossem diligências irrelevantes para os termos da causa.
A partir do momento em que não existe um modo de prova legalmente estabelecido, o tribunal tributário não está limitado à realização de prova documental, pois, segundo o n.º 1 do artigo 115.º do CPPT, no processo tributário são admitidos todos os meios gerais de prova.
Ora, podendo a inquirição de testemunhas esclarecer o tribunal sobre a alegada união de facto, designadamente quanto ao ano de 2007, a não realização deste meio de prova (e até de eventualmente de prova documental que possa ser solicitada pelo tribunal) inquina a sentença de défice instrutório, suscetível de afetar o julgamento da matéria de facto.
Desta forma, com a realização de prova adicional (testemunhal, ou até mesmo documental, caso o tribunal assim o entenda), afigura-se que resultará um quadro factual será mais amplo e seguro, do que aquele em que se baseia a sentença recorrida. Eventualmente, terá uma influência decisiva no mérito da causa.
Portanto, no caso em apreço, mostrava-se pertinente a realização adicional de prova, que compete efetivar, ao abrigo do princípio do inquisitório.
Acerca da aplicação do princípio do inquisitório à realização de prova, já se têm pronunciado os tribunais superiores desta jurisdição, da qual relembramos aqui, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23/10/2012 (em www.dgsi.pt), proferido no processo n.º 0388/13, cujo sumário é o seguinte:
I - Não impondo a lei ao juiz que proceda sempre à produção dos meios de prova oferecida pelas partes, antes estabelecendo que este pode e deve dispensá-la se considerar que pode conhecer imediatamente do pedido (cfr. o artigo 113.º do CPPT), a dispensa de produção de prova não consubstancia a preterição de uma formalidade legal, geradora de nulidade processual quando possa influir no exame ou na decisão da causa (artigo 195.º n.º 1 do CPC).
II - Não obstante, atento o princípio do inquisitório, a omissão de diligências de prova quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, pode afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando, consequentemente, a anulação da sentença por défice instrutório.

A dado passo, diz-se neste Acórdão do STA, o seguinte:
É que a não produção de prova, por o juiz ter julgado que ela não havia sido requerida ou que, tendo-o sido, ela não era necessária ou pertinente para a decisão da causa, não constitui uma nulidade processual, nem vício que possa afectar a validade formal da sentença, apenas pode afectar o julgamento da matéria de facto se se vier a considerar que, ao contrário do que o juiz julgou, essa prova era indispensável para a boa decisão da causa.
De facto, a lei não impõe que o juiz proceda sempre à produção dos meios de prova oferecida pelas partes para prova da matéria vertida nos articulados, antes pode e deve dispensá-la se considerar que pode conhecer imediatamente do pedido (cfr. o artigo 113.º do CPPT).
Ora, não havendo essa imposição legal, se o juiz dispensa a produção de prova, não se pode dizer que foi preterida uma formalidade legal, eventualmente geradora de nulidade processual.
Não obstante, a omissão de diligências de prova quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, pode afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando, consequentemente, a anulação da sentença por défice instrutório, com vista a um correcto e definitivo apuramento dos factos.

No mesmo sentido, veja-se o acórdão do STA de 17/02/2016, tirado no processo n.º 081/16 (em www.dgsi.pt), cuja parte do sumário aplicável ao caso é:
I - A falta de inquirição das testemunhas arroladas não consta do rol de nulidades insanáveis do art. 98º do CPPT nem constitui uma nulidade processual à luz do art. 201º e segs. do CPC, ou do artº 195º do mesmo compêndio normativo (alegada nulidade que influi decisivamente no exame e decisão da causa) na medida em que a lei não prescreve que deva ter sempre lugar a produção de prova, antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção (artº 113º nº 1 do CPPT); pelo que não havendo essa imposição legal, se o juiz dispensa a produção de prova não se pode dizer que foi preterida uma formalidade legal. O que não obsta a que a omissão de diligências de prova possa afectar o julgamento da matéria de facto e acarretar, nessa medida, a anulação da sentença por défice instrutório. (assim se decidiu no Ac. deste STA de 27/11/2013 tirado no rec. 01159/09).

Em face do exposto, verifica-se ter ocorrido défice instrutório, passível de influenciar a decisão de mérito da causa, pelo que a sentença deve ser anulada e após aquisição de mais prova, ser substituída por outra, que tenha em conta a prova entretanto apurada.
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No concerne às custas deste recurso, atenta a procedência do recurso, a anulação da sentença e ao facto de a Recorrida não ter contra-alegado, ficam as custas a cargo desta, sem prejuízo de não ser devida taxa de justiça nesta instância de recurso, por não ter contra-alegado – vide artigos 527.º, nos. 1 e 2 e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e Acórdão deste TCA Norte de 30/09/2021, processo n.º 00378/06.2BECBR, disponível em www.dgsi.pt.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
I - A prova da união de facto realiza-se através de qualquer meio de prova legalmente admitido, pelo que a não realização de prova testemunhal arrolada pelo Impugnante, implica um défice instrutório.
II – O princípio do inquisitório permite que o juiz convide as partes a apresentarem prova sobre os factos alegados.
III – Se ocorrer défice instrutório, passível de influenciar a decisão de mérito da causa, a sentença recorrida deve ser anulada e após aquisição de mais prova, ser substituída por outra que tenha em conta a prova entretanto apurada.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida, ordenar a baixando os autos ao tribunal “a quo” para ampliação da matéria de facto, após as diligências instrutórias tidas por necessárias, e posterior decisão em conformidade.
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Custas a cargo da Recorrida, não sendo devida taxa de justiça nesta instância por não ter contra-alegado.
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Porto, 23 de novembro de 2023.

Paulo Moura
Margarida Reis
Ana Paula Santos