Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00223/14.5BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ACIDENTE RODOVIÁRIO; VIA MUNICIPAL; OBRA MUNICIPAL; ALUIMENTO DA VIA; ARTIGOS 13º, 16º, ALÍNEA B), E 18º, Nº 1, ALÍNEA 9) DA LEI Nº 159/99, DE 14.09;
ARTIGO 96º, Nº 1, DA LEI Nº 169/99, DE 18.09, ALTERADA PELA LEI Nº 5/2002, DE 11.01; ARTIGOS 7º E 9º DA LEI Nº 67/2007, DE 31.12.
Sumário:Tendo-se provado que o acidente de viação ocorreu pelo aluimento da via municipal, resultante de uma obra municipal em decurso no local, com a formação de um buraco onde caiu o veículo sinistrado e não se tendo provado qualquer culpa por parte do condutor do veículo na ocorrência do acidente, é município o exclusivo responsável pelos danos resultantes desse acidente dada a obrigação que sobre o mesmo impende de fiscalização e sinalização de uma obra, que o município devia fiscalizar, nos termos dos artigos 13º, 16º, alínea b), e 18º, nº 1, alínea 9) da Lei nº 159/99, de 14.09, que determinam que a gestão da rede viária municipal compete ao Município respectivo, conjugadas com o artigo 96º, nº 1, da Lei nº 169/99, de 18.09, alterada pela Lei nº 5/2002, de 11.01, que determina que as autarquias locais respondem civilmente perante terceiros por ofensa dos direitos destes ou de disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultante de actos ilícitos culposamente praticados, pelos respectivos órgãos ou agentes, no exercício das suas funções ou por causa desse exercício, a sua omissão de fiscalização e sinalização viola os artigos 7º e 9º da Lei nº 67/2007, de 31.12. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município de (...)
Recorrido 1:L., S.A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Município de (...) veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 29.04.2019, pela qual a presente acção administrativa comum que a L., S.A. moveu contra o Recorrente foi julgada totalmente procedente, por provada, e, em consequência, foi o Réu Município de (...) condenado a pagar à Autora a título de indemnização por danos patrimoniais o montante total de 9.148,37 euros, acrescido de juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Invocou, para tanto e em síntese, que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e interpretou incorrectamente os artigos 7º e 9º da Lei nº 67/2007, de 31.12, e os artigos 505º e 570º, estes do Código Civil.

A Autora apresentou contra-alegações, em que pugnou pela manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1ª O facto provado i) deve ser considerado não provado em face dos depoimentos das testemunhas J. e E. - e que depuseram de forma precisa e credível -, conjugados com a ausência de prova documental no sentido inverso, designadamente do auto da autoridade policial, que nada refere a este propósito.

2ª Os factos provados t), u), v), x) e ac) devem ser julgados não provados em face do depoimento da testemunha J., conjugado com a ausência de prova documental no sentido inverso, designadamente do auto da autoridade policial, que nada refere a este propósito.

3ª O facto ac), na vertente dos danos, deve ser alterado, pois nenhuma testemunha conseguiu elencar os danos sofridos na viatura e os documentos nºs. 3 e 4 juntos com a p.i. também não auxiliam nesta matéria porquanto não identificam as peças substituídas.

4ª Os factos ad) e ae) devem ser dados por não provados, pois os documentos juntos, além de terem sido impugnados, não comprovam o pagamento, dado se tratarem de facturas.

5ª Acresce que o documento nº 4 junto diz respeito a outra viatura (matrícula XX-BG-XX, quando a viatura dos autos tem a matrícula XX-GB-XX), enquanto que o doc. nº 5 não identifica a viatura a que respeita.

6ª Deve ser aditado um facto novo, sustentado nos depoimentos das testemunhas J. e G., a saber, que a Junta de Freguesia de (...) foi a dona da obra de repavimentação da Rua de (...).

7ª Em caso de procedência da requerida alteração de facto é de imediata conclusão que nenhuma responsabilidade pode ser assacada ao Recorrente, pois que o evento ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo ou por facto não concretamente apurado mas nunca imputável ao Recorrente.

8ª Sem prescindir: caso seja procedente o aditamento da matéria de facto, impõe-se concluir pela falta de responsabilidade do Recorrente, porquanto não detinha o domínio sobre a obra em execução.

9ª A responsabilidade do Município, quanto a vias de trânsito, circunscreve-se à manutenção das vias em uso normal (e não sujeitas a obras), não podendo igualmente ser responsabilizado por viaturas em desrespeito pelo Código da Estrada, pois a competência para fiscalizar estas actuações já cabe às autoridades policiais.

10ª Sem prescindir: a forma como o evento ocorreu e resulta provado dos factos t) e u) não aponta como causa a falta de sinalização ou conservação da via de trânsito, mas antes a verificação de um facto fortuito e imprevisto, de força maior, pelo que nestas circunstâncias é de excluir a responsabilidade do Recorrente.

11ª Sem prescindir: o evento deu-se por culpa exclusiva do condutor do veículo, que efectuou uma manobra proibida, de noite, numa via estreita e cheia de viaturas, com pouco espaço disponível.

12ª A sentença recorrida, salvo melhor opinião, interpretou incorrectamente os artigos 7º e 9º da Lei nº 67/2007, de 31.12, 505º e 570º (estes do Código Civil).

TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra que julgue a acção não provada e improcedente.
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II –Matéria de facto.
O Recorrente considera que não foi feita prova bastante dos factos provados i), t), u), v), x), ac), ad) e ae), e, por outro lado, entende que devia ter sido dado por provado um outro facto.

Facto provado em i).

Considera o Recorrente que não foi feita prova bastante para que o Tribunal a quo tivesse considerado provado o facto i), onde se pode ler "A obra de pavimentação da Rua de (...) não se encontrava sinalizada por quaisquer sinais de trânsito".

Para tanto, invoca os depoimentos das testemunhas J. e E. prestados em sede de Audiência de Julgamento.

Vejamos:

Se é verdade que as duas testemunhas indicadas pelo Réu, J. (que referiu que a empresa sinalizou com uma pedra e informação de trânsito condicionado) e E.,( que referiu que no local tinha uma fita vermelha), referiram a existência de sinalização no local dos factos, certo é que esses depoimentos foram contrariados pelo auto policial que nada refere sobre a existência de sinalização no local das obras, pelos depoimentos prestados pelas testemunhas A., agente que se deslocou ao local imediatamente após a ocorrência dos factos e B. e pelo teor do Relatório dos Bombeiros, onde consta que os Bombeiros fizeram sinalização do local, o que “a contrario” significa que ela não existia no referido local.

Verifica-se pois uma contradição de prova, prevalecendo a prova da não sinalização do local dos factos, por imparcial e isenta em confronto com a prova indicada pelo Réu, parcial e não isenta, não assistindo razão ao Recorrente na sua alegação de que o condutor do veículo XX-BG-XX foi o único a depor no sentido de não sinalização da obra.

Factos provados t), u), v), x) e ac).

t) "No momento em que o veículo XX-BG-XX circulava encostado à berma do lado direito, atento o seu sentido de marcha, o pavimento, por baixo da roda esquerda traseira do veículo, aluiu, deixando um buraco na berma e via de trânsito;"

u) "No momento em que o condutor do veículo XX-BG-XX sentiu o pavimento, atento o seu sentido de marcha, a mover-se debaixo da traseira esquerda deste, acelerou e estacionou o veículo mais à frente do local onde ocorreu o aluimento de terras e paralelepípedos na via de trânsito;"

v) "A marginar o local onde ocorreu o aluimento de terras e paralelepípedos havia um muro de pedras, apenas colocadas umas em cima das outras, que estava implantado no terreno contiguo à via de trânsito e situado a uma quota inferior à quota da Rua de (...);"

x) "Em consequência do aluimento de terras e paralelepípedos, uma pedra que se encontrava colocada no muro referido em v), junto à via de trânsito, caiu ao terreno contíguo, referido em v);"

ac) "Em consequência do aluimento da via de trânsito, o veículo XX-BG-XX partiu o amortecedor traseiro esquerdo e torceu o eixo traseiro".

O Recorrente defende a eliminação da referência ao "aluimento" e "buraco" face à alegada falta de prova dos mesmos, porque tais factos são negados pela testemunha arrolada pelo Réu, J., porque o auto policial nada refere a este propósito, transcrevendo declarações do condutor e a comunicação dos Bombeiros refere um deslizamento de pedras e terra de uma estrada, e nunca um buraco na via de trânsito, não havendo qualquer documento, fotografia sobre o alegado buraco, só o condutor referindo a sua existência*.

Vejamos.

Não corresponde à verdade que apenas o condutor do veículo sinistrado tenha referido o aluimento do pavimento e o respectivo buraco.

Mais uma vez nos confrontamos com a contradição entre o testemunho de J., cujo depoimento é parcial e pouco isento, com o depoimento da testemunha A., imparcial e isento, o qual teve oportunidade de presenciar a existência desse aluimento e buraco, porque se deslocou ao local no momento imediatamente após a ocorrência do sinistro, enquanto que as restantes testemunhas arroladas pela Recorrente apenas se dirigiram ao local dias ou meses depois.

Com efeito, é pertinente transcrever o depoimento da testemunha A., entre o minuto 16:44 e

Advogada - "Quando o Sr. agente diz "a estrada cedeu" o que quer dizer com isso?"

Testemunha - "Que a estrada baixou .

Advogada - "Alacou? Será isso?"

Testemunha - "Sim, sim, baixou."

Continua ainda, entre o minuto 32:53 e 33:26:

Advogado - "E o buraco que diz ter se formado por via do abatimento da estrada. Disse-nos que tinha 30 a 50 centímetros. Esse buraco estava lá, quer dizer, tinha sinais que algum veículo tinha ficado lá atolado? Creio que é essa a expressão. Ou parado em cima desse buraco?"

Testemunha — " Tinha indícios. Na altura estava lá o amortecedor."

Perante depoimento tão firme e tão conhecedor dos factos em questão, dúvidas não podem restar que o pavimento aluiu e, efetivamente, se formou um buraco.

O Recorrente alega, ainda, que não deveriam ter sido considerados provados os factos v) e x), no que concerne à existência de um muro constituído apenas por pedras colocadas umas em cima das outras que, em consequência do aluimento do pavimento, caiu uma pedra que se encontrava em cima do muro.

O Recorrente não fundamentou a falta de prova desses factos, pelo que, mantém-se a sua prova com os fundamentos alegados na sentença recorrida.

Mantém-se, como tal, a prova dos referidos factos.

Facto ac), já acima referido, mas agora na vertente dos danos.

Quanto aos danos sofridos na viatura XX-BG-XX em consequência do referido sinistro, alega o Recorrente que os danos não foram discriminados, pelo que propugna o aditamento do facto provado ac) para a seguinte redação: "O veículo de matrícula XX-BG-XX sofreu danos não concretamente apurados.".

Vejamos.

Os depoimentos das testemunhas P. e J., conjugados com as facturas juntas aos autos, comprovam os danos sofridos pela Autora e o respectivo montante, que não foi contrariado por nenhuma prova produzida em audiência de julgamento, pelo que se confirma a sua prova.

Em concreto, apurou-se que os danos se verificaram no amortecedor e no eixo traseiro, pelo que não merece qualquer juízo de censura a convicção formada pelo Tribunal a quo.

Factos ad) e ae).

“ad) A Autora pagou à sociedade C., S.A. pela reparação do veículo o valor de 8.874,97 €.

ae) A Autora pagou à sociedade J., L.da o valor de 273,40 €.”

Alega o Recorrente que com vista à prova da factualidade em questão a Recorrida junta dois documentos (nºs. 4 e 5) que, além de impugnados pela Recorrida na contestação (cfr. artigos 10º e 11º), não comprovam o pagamento, pois são apenas facturas; que o doc. nº 4 junto diz respeito a outra viatura (matrícula XX-BG-XX, quando a viatura dos autos tem a matrícula XX-GB-XX), enquanto que o doc. nº 5 não identifica a viatura a que respeita.

Vejamos.

Considera o Recorrente que a Recorrida não logrou comprovar os pagamentos efetuados pela reparação do veículo, bem como pela averiguação.

Mas sem razão

Caso os documentos ns 4 e 5 juntos com a petição inicial não fossem suficientemente esclarecedores no que tange aos valores pagos e a que entidades, em sede de audiência de julgamento, estes montantes foram cabalmente discriminados. Para tanto, é pertinente atentar ao teor da gravação da audiência de julgamento, entre o minuto 1 :28:54 a 1 (depoimento de P.).

A menção à matrícula XX-BG-XX revela, evidentemente, um lapso de escrita no documento no 4. Se dúvidas houvesse que o referido documento é relativo ao veículo XX-BG-XX, tais dúvidas ficam sanadas aquando da comparação dos montantes constantes nos documentos nos 3 e 4, por serem coincidentes.

Já no que concerne à ausência de identificação do veículo no documento n o 5, é de referir que no mesmo consta a referência interna do sinistro da Recorrida (2013-311-27259), constando também no documento no 4.

Assim, decide-se manter como provados tais factos.

Aditamento de novo facto:

Entende a Recorrente que deverá ser aditado novo facto, designadamente "A Junta de Freguesia de (...) foi dono da obra de repavimentação da Rua de (...)".

A testemunha J. referiu que quem fez a obra foi a Junta de Freguesia de (...) e não a Câmara Municipal de (...) e que ele, na qualidade de Presidente da Junta de Freguesia, acompanhou a obra.

A testemunha G. referiu que foi ao local verificar, e pelo que na altura se apercebeu, tinha havido uma obra da Junta de Freguesia e então informou que não era da responsabilidade da Câmara.

Este novo facto exigia prova documental para se considerar verificado, prova que não foi apresentada nos autos, daí que não possa ser dado como provado.

Deveremos assim dar como provados os seguintes factos, constantes da decisão recorrida:

a) A Autora exerce, devidamente autorizada, a indústria de seguros em vários ramos.

b) No exercício da sua actividade, a Autora celebrou com M. um Contrato de Seguro do Ramo Automóvel titulado pela apólice nº 34/1750814.

c) A Autora assumiu a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação decorrentes da circulação do veículo matrícula XX-BG-XX.

d) No dia 23 de Abril de 2013, pelas 21h40m, o veículo matricula XX-BG-XX circulava na Rua de (...), sentido Norte/Sul, freguesia de (...), (…).

e) A Rua de (...) não tem saída e, no local do acidente, configura uma recta, com duas vias de circulação.

f) No dia 23 de Abril de 2013, no pavimento da Rua de (...) estavam a ser colocados paralelepípedos.

g) No dia 23 de Abril de 2013, na berma do lado esquerdo da Rua de (...), no sentido Norte/Sul, encontravam-se armazenados vários paralelepípedos para pavimentar a via de trânsito.

h) No dia 23 de Abril de 2013, na berma do lado esquerdo da Rua de (...), no sentido Norte/Sul, encontravam-se estacionados vários veículos automóveis.

i) A obra de pavimentação da Rua de (...) não se encontrava sinalizada por quaisquer sinais de trânsito.

j) Na obra de pavimentação da Rua de (...) não se encontrava sinalizada qualquer supressão da via de trânsito.

k) No dia 23 de Abril de 2013, pelas 21h40, o veículo matrícula XX-BG-XX, ao circular na Rua de (...), não tinha espaço para fazer inversão de marcha.

q) Em consequência do facto referido em k), o veículo matrícula XX-BG-XX circulava na Rua de (...) de marcha atrás, no sentido Norte/Sul.

r) No dia 23 de Abril de 2013, pelas 21h40, na Rua de (...), encontrava-se um veículo automóvel estacionado a ocupar o meio da via de trânsito.

s) Em consequência do facto constante de r), o veículo XX-GB-XX teve que circular encostado à berma do lado direito, atento o seu sentido de marcha.

t) No momento em que o veículo XX-GB-XX circulava encostado à berma do lado direito, atento o seu sentido de marcha, o pavimento, por baixo da roda esquerda traseira do veículo, aluiu, deixando um buraco na berma e via de trânsito.

u) No momento, em que o condutor do veículo matrícula XX-GB-XX sentiu o pavimento, atento o seu sentido de marcha, a mover-se debaixo da traseira esquerda deste, acelerou e estacionou o veículo mais à frente do local onde ocorreu o aluimento de terras e paralelepípedos na via de trânsito.

v) A marginar o local onde ocorreu o aluimento de terras e paralelepípedos havia um muro de pedras, apenas colocadas umas em cima das outras, que estava implantado no terreno contiguo à via de trânsito e situado a uma quota inferior à quota da Rua de (...).

x) Em consequência do aluimento de terras e paralelepípedos uma pedra que, se encontrava colocada no muro, referido em v), junto à via de trânsito, caiu ao terreno contíguo, acabado de referir.

z) No dia 23 de Abril de 2013, o tempo estava seco.

aa) O condutor do veículo XX-GB-XX chamou ao local a GNR e os Bombeiros Sapadores de Braga.

ab) Os Bombeiros Sapadores de Braga colocaram três estacas e fita sinalizadora no local de deslizamento de terra e pedras da via de trânsito.

ac) Em consequência do aluimento da via de trânsito, o veículo XX-GB-XX partiu o amortecedor traseiro esquerdo e torceu o eixo traseiro.

ad) A Autora pagou à sociedade C., S.A. pela reparação do veículo o valor de 8.874,97 €.

ae) A Autora pagou à sociedade J., L.da o valor de 273,40 €.

af) Em data não apurada, a Câmara Municipal de (...) celebrou com as Juntas de Freguesia do Concelho um Protocolo de delegação de realização de obras em vias municipais.

ag) O acompanhamento e fiscalização das obras realizadas ao abrigo do Protocolo, acabado de referir, competia à Divisão de Apoio às Freguesias.

ah) A Divisão de Apoio às Freguesias da Câmara Municipal de (...) não acompanhou nem fiscalizou a obra de repavimentação da Rua dos (...).

ai) A Divisão de Administração Directa e Conservação do Património da Câmara Municipal de (...) não acompanhou nem fiscalizou a obra de repavimentação da Rua dos (...).
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III - Enquadramento jurídico.

Não provadas as requeridas alterações à matéria de facto, soçobra o entendimento de que tais alterações conduziriam a que nenhuma responsabilidade pudesse ser assacada ao Recorrente, por o evento ter ocorrido por culpa exclusiva do condutor do veículo ou por facto não concretamente apurado mas nunca imputável ao Recorrente.

Não se tendo provado que a dona da obra era uma terceira entidade, é manifesto que, encontrando-se a obra a ser realizada em estrada municipal, o Recorrente é responsável pela ausência da sua fiscalização e sinalização, nos termos tão rigorosamente fundamentados pela 1ª Instância e com os quais estamos inteiramente de acordo.

O Recorrente, ao nível da rede viária, é responsável pela conservação e manutenção das vias de trânsito, sendo essa a realidade que se discute nos autos.

Sendo a causa única do evento a falta de fiscalização e sinalização de uma obra, que o Recorrente devia fiscalizar, nos termos dos artigos 13º, 16º, alínea b), e 18º, nº 1, alínea 9) da Lei nº 159/99, de 14.09, na redacção à data dos factos, que determinam que a gestão da rede viária municipal compete ao Município respectivo, conjugadas com o artigo 96º, nº 1, da Lei nº 169/99, de 18.09, alterada pela Lei nº 5/2002, de 11.01, que determina que as autarquias locais respondem civilmente perante terceiros por ofensa dos direitos destes ou de disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultante de actos ilícitos culposamente praticados, pelos respectivos órgãos ou agentes, no exercício das suas funções ou por causa desse exercício, a sua omissão de fiscalização e sinalização viola os artigos 7º e 9º da Lei nº 67/2007, de 31.12.

A forma como o evento ocorreu e resulta provado dos factos t) e u) evidencia como causa do sinistro a falta de sinalização e de conservação da via de trânsito, que não apresentava condições para que nela se fizesse circulação de veículos automóveis.

Assim, o sinistro não resulta da verificação de um facto fortuito e imprevisto. De acordo com os factos provados, a viatura circulava e a dado momento o pavimento terá cedido, sendo que não estando a obra, em realização na via, acabada, impunha-se que nesse local existisse sinalização de obra.

Neste contexto, não fica excluída a responsabilidade do Recorrente por não ocorrer nenhuma das situações previstas no artigo 505º do Código Civil.

Defende o Recorrente que a actuação do condutor do veículo não está isenta de reparo, na medida em que de noite, perante uma rua em obras e com vários veículos mal estacionados, o condutor do veículo decide empreender uma manobra em total contravenção ao Código da Estrada, circulando em marcha atrás, e que se não conseguia fazer a manobra por causa dos veículos indevidamente estacionados, deveria ter solicitado a presença das autoridades policiais para desobstrução da via.

Ora, não foi a manobra de marcha atrás a causa do aluimento do pavimento, mas sim a realização de obras no local do sinistro e na data do sinistro que deveriam ter sido, e não foram, sinalizadas no local dos factos em apreciação nos autos.

O Autor não efectuou manobra violadora do Código da Estrada, imprudente e temerária, pois não podia saber, já que a sinalização das obras não existia no local do sinistro, que o pavimento apresentava o risco de aluir.

Assim, a conduta do condutor não envolve culpa deste, pelo que não pode concluir-se, como o faz o Recorrente, pela exclusão da responsabilidade civil do Réu, Município de (...), por culpa do lesado, como o prevê o artigo 4º da Lei nº 67/2007, de 31.12 e o artigo 570º do Código Civil.

A sentença recorrida, ao contrário do que defende o Recorrente, interpretou correctamente os artigos 7º e 9º da Lei nº 67/2007, de 31.12, 505º e 570º (estes do Código Civil).

O recurso não merece, pois, provimento, impondo-se manter nos seus precisos termos a muito bem fundamentada decisão recorrida.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.
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Porto, 15.07.2020


Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco