Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00907/13.5BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/18/2020
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:OPERAÇÃO DE REFLUTUAÇÃO DE UMA EMBARCAÇÃO; ALTERAÇÃO SUPERVENIENTE DAS CIRCUNSTÂNCIAS; ALTERAÇÃO DO OBJECTO DO CONTRATO; OBRIGAÇÃO DE PAGAR;
ARTIGO 392.º, N.º1, DO CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS; ARTIGOS 4º E 6º-A DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (DE 1991).
Sumário:1. Dado que a impossibilidade de proceder à reflutuação total e definitiva da embarcação da Autora, tal como contratualizada, se ficou a dever a circunstâncias exógenas à empresa que ficou a cargo de tal tarefa, a qual mobilizou e empregou na operação os meios a que se tinha obrigado, e que respeitaram quer às condições meteorológicas e marítimas que se viriam a verificar após a apresentação do plano de remoção e já no decurso dos trabalhos, quer ao próprio estado da embarcação, quer à data do naufrágio, quer posteriormente com os estragos assinaláveis que sofreu no período em que esteve submergida e exposta às correntes, não pode a referida empresa deixar de ser paga nos termos contratuais.

2. A opção pela retirada da embarcação para a praia, tendo sido uma decisão superveniente, tomada pela Autoridade Marítima, ponderando todos os elementos em causa, mostra-se alheia à empresa que procedeu às operações em causa, não servindo de fundamento para o não pagamento.

3. Impunha-se assim o pagamento à referida empresa pelo serviço que contratou e recontratou e que foi efectivamente realizado, face ao disposto no artigo 392.º, n.º1, do Código dos Contratos Públicos, devidamente conjugado com o disposto nos artigos 4º e 6º-A do Código de Procedimento Administrativo (de 1991), em vigor à data dos factos.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Cooperativa (...), CRL
Recorrido 1:APFF, S.A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Cooperativa (...), CRL. veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença proferida em 18/02/2019, na presente acção administrativa comum que a Recorrente move contra a APFF, S.A., pela qual foi julgada totalmente improcedente a presente acção por não provada e, consequentemente, foi absolvida a Ré do pedido de condenação desta no pagamento à Autora da quantia de €60.000,00, acrescida de juros de mora, contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Invocou para tanto que a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 7º nº 1 e 5º DL nº 64/2005, de 15/03, artigos 4 e 6º-A do Código do Procedimento Administrativo de 1991 e artigos 286º, 302º als. a) e b) e 392º nº 1, a contrario sensu do Código dos Contratos Públicos, na redacção em vigor à data de Outubro/Novembro de 2010, tendo a Ré pago indevidamente em cumprimento de uma obrigação de resultado não alcançado, tendo a Ré violado o princípio da intangibilidade da proposta ou da imutabilidade que vigora no domínio da contratação publica.

A Recorrida apresentou contra-alegações em que defende a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. No seguimento do naufrágio da embarcação da Autora, a ré, substituindo-se à recorrente, adjudicou a uma empresa um contrato para reflutuamento e remoção da embarcação para estaleiro.

2. O ajuste directo das operações de reflutuamento da embarcação afundada foi adjudicado “nos precisos termos do orçamento apresentado ao respectivo armador” (sic).

3. Com efeito, o contrato foi celebrado de acordo com uma proposta contratual da empresa A. que tinha sido pedida e apresentada anteriormente pela autora;


4. Nos termos desse contrato a que ré e co-contratante se vincularam não seria cobrado qualquer honorário pelos serviços caso a empresa “não concluísse com sucesso o reflutuamento da traineira “(...)” na saída da Barra do Porto da (...), assumindo a empresa todas as despesas referentes à sua mobilização de meios, não cobrando assim qualquer honorário.

5. Certo é que a embarcação não reflutuou nem foi levada para estaleiro, acabando por ser arrastada para uma praia, acabando totalmente destroçada e, depois, a expensas da autora, desmantelada.

6. Não estando em causa as opções tomadas pela ré no decurso das operações em face das circunstâncias exógenas mencionadas pela sentença recorrida, impunha-se, todavia, que a ré não tivesse procedido ao pagamento de um serviço cujo resultado a que a empresa se obrigou (reflutuamento e remoção para estaleiro), manifestamente não foi alcançado.

7. Na verdade, em face das condições contratuais restava à ré, perante o resultado final, que não pagasse o serviço, com o que estaria a dar cabal cumprimento às cláusulas contratuais a que ambas se obrigaram.

8. Se tivesse actuado dessa forma, não teria a autora de ter pago, através do montante previamente prestado a título de caução, o valor faturado pela empresa.

9. Ao agir indiferente às cláusulas contratuais pelas quais adjudicou o serviço, pagando acriticamente por um resultado não verificado, a ré violou os seus deveres objectivos previstos nos arts. 286º, 302º, al. b), 303º, nº 2 e 305º do CCP, conjugado com os artigos 4º e 6ºA do CPA, constituindo-se no dever de indemnizar a autora nos termos peticionados na acção (art. 498º, 1 do CC);

10. Ao decidir diversamente, o tribunal recorrido conforma uma interpretação que não tem acolhimento na lei: a partir de agora um contraente público que celebre um contrato de prestação de serviços com uma empresa que se obrigue a um resultado e assume o risco desse resultado – obrigando-se a nada cobrar de honorários se esse resultado não for conseguido -, pode fazer tábua rasa das cláusulas contratuais, pagando o serviço mesmo que o resultado não se verifique.

11. Com o devido respeito pela decisão, crê-se que a mesma enferma de errónea interpretação e aplicação do direito, concretamente das normas invocadas na conclusão IX, pelo que se impõe a sua correção e revogação, substituindo-se por decisão que condene a recorrida.
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II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

A) A Cooperativa (...), CRL, ora autora, em 2010, era legítima proprietária da embarcação de pesca “(...)”, com a matrícula FF-XXX-C (Cfr. documentos n.º 1 e 2 juntos com a petição inicial, de fls. 16 a 18).

B) A embarcação em causa tinha o casco em madeira (Provado com base no depoimento das testemunhas J. e R.).

C) No dia 26 de outubro de 2010, pelas 00h00, a embarcação abandonou o Porto da (...), com destino ao mar, a fim de dar início à faina do cerco (Provado por acordo).

D) Quando já navegava com destino à faina, junto aos molhes interiores da barra da (...), pelas 00h10m, o mestre sentiu uma vibração repentina e anormal da embarcação, continuando a navegar em direção ao mar (Provado por acordo).

E) Constatando que a vibração se mantinha, o mestre decidiu retornar ao porto da (...) para análise da anomalia (Provado por acordo).

F) Quando navegava de regresso ao porto, junto ao molhe exterior sul da barra da (...), o mestre foi alertado por um tripulante que a embarcação estava a ir ao fundo (Provado por acordo).

G) Não obstante ter tentado rumar em direção à praia do (...) para salvaguarda da tripulação e da embarcação, o que não conseguiu, esta viria a afundar totalmente cerca das 00h20m (Provado por acordo; quanto à hora em que se verificou o naufrágio, vide documento a fls. 368 dos autos em suporte físico).

H) A embarcação “(...)” afundou sobre o canal de navegação do Porto da (...), ficando as redes depositadas sobre o mesmo canal constituindo um perigo para a navegação (Provado com base no depoimento das testemunhas E., J., e J. e Cfr. documento junto de fls. 43 a 45 do processo em suporte físico).

I) No dia 26/10/2010, após o naufrágio, foi realizada uma vistoria à embarcação “(...)”, que constatou que a embarcação se encontrava adornada para o lado bombordo e que a rede se encontrava enrolada ao alador (Cfr. documento junto aos autos com o Processo Administrativo, a fls. 154 e 155 do processo em suporte físico).

J) Na mesma vistoria foram colocadas boias com sinalização luminosa junto do local onde se encontrava naufragada a embarcação “(...)” (Cfr. documento junto aos autos com o Processo Administrativo, a fls. 154 e 155 do processo em suporte físico).

K) Como resultado do naufrágio da embarcação a barra do Porto da (...) foi fechada a toda a navegação entre as 00h20m e as 19h do dia 26/10/2010 (Cfr. documento junto aos autos com o Processo Administrativo, a fls. 159 do processo em suporte físico).

L) Quando a embarcação se afundou encontravam-se a bordo da mesma 7 toneladas de combustível e 500 litros de óleos (Cfr. documento junto de fls. 350 a 357 dos autos em suporte físico).

M) Em 27/10/2010, na sequência do afundamento da embarcação “(...)”, a autora tomou conhecimento do instrumento com o título “Notificação”, assinado pelo Capitão do Porto da (...), E. , cujo teor se dá por integralmente reproduzido, por meio do qual lhe foi, nomeadamente, transmitido que:

“(…)
1. Deve proceder de imediato à remoção do combustível, lubrificantes, e demais substâncias a bordo do navio que, no enquadramento conceptual e normativo da Convenção MARPOL 73/88, sejam perigosas, prejudiciais ou nocivas e que, pela sua natureza ou composição, possam vir a afectar a integridade da embarcação, constituir perigo para a vida humana ou poluição para o meio marinho. (…)

3. No prazo de 4 (quatro) dias úteis a contar da data do afundamento da embarcação deve prestar directamente, através de entidade bancária ou da respectiva empresa seguradora, uma garantia ou caução no valor de €60 000 (sessenta mil euros), a favor da Capitania do Porto da (...), a qual será devolvida no dia seguinte à finalização dos trabalhos de remoção efectuados.

4. Mais fica notificado que, no prazo de 3 dias deve submeter a prévia apreciação desta capitania os planos de remoção da embarcação, do combustível, dos lubrificantes e das demais substâncias referidas no parágrafo 1, com vista a serem analisados os aspectos relacionados com a segurança da navegação e poluição marítima. (…)

8. E ainda, que o não cumprimento ou cumprimento defeituoso das obrigações impostas nos parágrafos 1 a 7 desta notificação, ou a criação de situações que decorra perigo para a segurança de pessoas e bens, determinará a intervenção da Autoridade Marítima, sendo, todavia, do proprietário a responsabilidade pelo pagamento de todas as despesas e pelos riscos resultantes da aludida intervenção, bem como das despesas de instauração de processo contra-ordenacional e respectiva coima previstos no artigo 4º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 45/2002, de 02 de Março e no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 64/2005, de 15 de Março. (…)” (provado por acordo e documento n.º4 junto aos autos com a petição inicial a fls. 37 e 38, e 169 a 170 dos autos).

N) Em 27/10/2010, na sequência da receção do instrumento identificado na alínea anterior, a autora, por intermédio da empresa A., Lda., apresentou junto da Capitania do Porto da (...), plano de remoção e reboque da embarcação até cais ou estaleiro da responsabilidade daquela empresa (Cfr. documentos juntos aos autos a fls. 39 e 40 dos autos e documentos integrantes do Processo Administrativo (PA), juntos a fls. 171 e 172 do processo em suporte físico que se dão por integralmente reproduzidos).

O) A ocorrência de um naufrágio representa só por si um risco elevado de poluição (Provado com base no depoimento das testemunhas J. e J.).

P) O plano de remoção da embarcação foi aprovado pela Capitania do Porto da (...) (Cfr. documento que integra o PA junto a fls. 171 do processo físico).

Q) Em 27/10/2010, a empresa A. apresentou uma proposta de orçamento para os “trabalhos de reflutuamento” da embarcação “(...)”, conforme documento junto a fls. 41, 42 do suporte físico dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e do qual se extrai o seguinte excerto:

“(…) 4 - Cotação do serviço:
- Toda a operação de reflutuamento até a mesma estar a flutuar e em condições de ser rebocada para um local seguro dentro do Porto da (...). 57.230,00 (Cinquenta e sete mil duzentos e trinta euros) 5 – Garantia de boa execução do serviço:
- Caso a A. não concluísse com sucesso o reflutuamento da traineira “(...)” na saída da Barra do Porto da (...). Esta assumirá todas as despesas referentes à sua mobilização de meios.
Não cobrando assim qualquer honorário ao armador ou à seguradora. (…)”.

R) Em 28/10/2010, na sequência da comunicação identificada em M), a autora entregou na Capitania do Porto da (...) um cheque com o n.º 9002762286, sacado sobre o BES, na importância de €60.000,00 (Provado por acordo e documentos integrantes do PA, junto aos autos de fls. 212 a 214 do suporte físico).

S) As previsões meteorológicas para os dias 28 e 29 de outubro de 2010 previam um aumento da ondulação, passando de ondas de entre 1m a 1,5m, para ondas de sudoeste de 2 a 3 metros (Cfr. documento integrante do PA junto a fls. 184 do suporte físico).

T) Às 03:30m do dia 28/10/2010 foi lançado um aviso de sinal 6 da Foz do Rio Minho ao Cabo Ruivo, com vento de sinal 7 de qualquer direção, correspondente a velocidade de vento de 28 a 33 nós, para os dias 29 e 30 de outubro de 2010 (Cfr. documento integrante do PA a fls. 186 a 191 do suporte físico).

U) No dia 28/10/2010, a autora tomou conhecimento do instrumento junto aos autos como documento n.º 6 da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e que se transcreve aqui na parte relevante para a decisão:

“Despacho
1. Considerando que:
a. A embarcação “(...)”, com o conjunto de identificação FF-XXX-C, se encontra afundada no canal de navegação da barra do Porto da (...) desde as 00h20m do dia 26 de Outubro de 2010 em local que constitui manifesto perigo para a navegação;
b. O armador apresentou nesta Capitania, em 27/10/2010, plano de remoção e reboque da mencionada embarcação até cais ou estaleiro:
c. O plano de remoção da embarcação mereceu já aprovação por parte desta Autoridade Marítima Local e da Autoridade Portuária, nos termos do artigo 3.º do DL 64/2005, de 15 de Março;
d. As condições preliminares tendentes à recuperação de destroços, de cabos, artes e apetrechos de pesca oriundos da embarcação naufragada entretanto realizadas com vista a desimpedir o canal de navegação não consentem afastar, com a necessária segurança, o perigo de ocorrência de sinistro na área onde a mesma se encontra submersa;
e. As condições de tempo e de mar durante o dia de hoje e previstas para os próximos dias referendam o agravamento significativo das condições meteo-oceanográficas com aviso de temporal em vigor (sinal 6, escala Beaufort, vento forte, velocidade 28/33 nós, de qualquer direcção) e que a previsão meteorológica difundida pelo Instituto de Meteorologia indica agitação marítima e vento forte de quadrante Sul antevendo-se especial efeito na barra do Porto da (...);
f. O armador não deu cumprimento à determinação para proceder à imediata remoção de combustíveis, lubrificantes e demais substâncias existentes a bordo do navio, de natureza perigosa, prejudicial ou nociva e suscetível de vir a afectar a integridade da embarcação, de constituir perigo para a vida humana ou poluição para o meio marinho.
2. A factualidade que antecede permite fundar o agravamento de risco de deslocação da área de navegação do Porto da (...) onde se encontra submersa e bem assim potencia o risco de ocorrência de sinistro ou incidente de poluição marítima
3. Nestes termos, determino ao armador a imediata remoção da embarcação sob pena de ser accionado o procedimento de remoção compulsiva previsto no artigo 7º do DL 64/2005, de 15 de Março.
(…)
(Cfr. documento n.º 6 da petição inicial, junto de fls. 43 a 45 do processo em suporte físico, bem como fls. 192 a 194 dos autos).

V) A autora foi aconselhada pelo seu mediador de seguros a não proceder à remoção da embarcação afundada, pelo que não adjudicou a remoção da embarcação à empresa A., Lda. (Provado com base no depoimento do representante legal da autora, J., e das testemunhas J-. e J.).

W) Como a autora não procedeu à imediata remoção do navio afundado, a ré promoveu as operações de remoção e reboque da embarcação afundada (Provado por acordo).

X) A remoção dos hidrocarbonetos existentes na embarcação (gasóleo e óleos), consubstanciava uma operação perigosa, na medida em que aquela se encontrava no fundo do mar sujeita à força das correntes, pelo que se impunha a remoção da embarcação para terra e subsequente retirada daquelas substâncias (Provado com base no depoimento das testemunhas E. e L.).

Y) A ré adjudicou à empresa A., Lda, por ajuste direto, os trabalhos de remoção e reboque da embarcação “(...)”, de acordo com o plano de trabalhos e orçamento que a referida empresa havia apresentado à autora (Provado por acordo e documento junto aos autos de fls. 441v a fls. 445 do processo físico).

Z) Os trabalhos de remoção da embarcação tiveram o seu início em 28 de outubro de 2010, cerca das 18h30m (Cfr. documento integrante do PA, junto de fls. 344 a 348 do processo em suporte físico).

AA) Com o recurso a balões de reflutuamento foi possível fazer a embarcação emergir à superfície durante um curto período de tempo, cuja duração não foi possível apurar, sem se lograr todavia o reflutuamento total daquela (Provado com base no depoimento de J., e das testemunhas J., J., E. , e L.).

BB) Não foi possível esgotar a água da embarcação devido a esta apresentar falhas no tabuado (Provado com base no depoimento da testemunha L.).

CC) No período em que se logrou o reflutuamento parcial da embarcação, com o auxílio de um reboque foi a mesma deslocada algumas dezenas de metros para o interior do Porto da (...) (Provado com base nos depoimentos de J., J., J., L. e documento integrante do PA, junto de fls. 344 a 348 do processo em suporte físico).

DD) Fruto da agitação marítima, vento e correntes, os balões que se encontravam presos à embarcação à medida em que embatiam na mesma, e chocavam contra as pontas, ferros e tábuas ali existentes, foram rebentando levando a que esta voltasse a submergir (Provado com base nos depoimentos das testemunhas J., L. e documento integrante do PA, junto de fls. 344 a 348 do processo em suporte físico).

EE) Após este momento, não voltou a ser logrado o reflutuamento da embarcação (Provado com base no depoimento do Sr. J., J., E. e L.).

FF) As operações de remoção da embarcação, fruto do estado do agravamento das condições meteorológicas, foram interrompidas entre os dias 30 de outubro e as 04h00 do dia 2 de novembro de 2010 (Cfr. documento junto a fls. 259 a 264 e 272 do PA, e depoimento das testemunhas J., J. e L.).

GG) No período que decorreu entre 30 de outubro e 2 de novembro de 2010, verificou-se a separação da ponte do resto da embarcação por força dos estragos evidenciados na mesma, ondulação, e as correntes marítimas a que esta esteve sujeita no fundo do mar (documento junto a fls. 259 a 264 e 272 do Pa, e depoimento das testemunhas J. e L.).

HH) Considerando as condições de conservação da embarcação, bem como o vento, a corrente de água e a ondulação exterior que entrava pelo porto e o vento, que inviabilizavam o reflutuamento e condução da embarcação para o estaleiro, no dia 2 de novembro, foi decidido pela Autoridade Portuária e Autoridade Marítima, proceder à remoção daquela para a praia do (...) (Provado com base no depoimento das testemunhas J., J., L., E.).

II) A embarcação foi então levantada do fundo com o auxílio de balões e com a embarcação a meia água, foram passados cabos por meio dos quais foi feito o reboque desta até próximo da praia (Provado com base no depoimento das testemunhas E. , J. e L.).

JJ) Quando a embarcação estava próximo da praia do (...), e se mostrou esgotado o calado do reboque, aquela foi arrastada com o auxílio de giratórias colocadas na praia (Provado com base no depoimento das testemunhas J. e L.).

KK) Em 05/11/2010 foi concluída a remoção da embarcação para a praia do (...) (Cfr. documento do PA, junto de fls. 344 a fls.348 do processo em suporte físico).

LL)Nos dias 28 e 29 de novembro foi realizado o reflutuamento e arrastamento da ponte da embarcação para a praia do (...) (Cfr. documento do PA, junto de fls. 344 a fls.348 do processo em suporte físico).

MM) A empresa A. não procedeu à remoção de combustível, óleos ou outros poluentes, tendo colocado barreiras de contenção perante o aparecimento de indícios de poluição (Provado com base no depoimento das testemunhas J., J., L. e E. ).

NN) Os trabalhos para a remoção da embarcação foram acompanhados pela Autoridade Portuária e pela Autoridade Marítima em permanência, com o recurso a batelões, rebocadores e lanchas (Provado com base no depoimento das testemunhas J. e J.).

OO) Durante o período em que decorreram as operações de remoção da embarcação, a A., Lda. manteve-se no terreno com os meios que mobilizou, entre os quais se encontravam pelo menos 10 mergulhadores, duas embarcações, material de mergulho, grua e contentores (Provado com base no depoimento das testemunhas J., J., L.).

PP) A autora participou da operação para a recolha das redes de pesca da embarcação (Provado com base no depoimento da testemunha J.).

QQ) Em 15/12/2010, a ré expediu para a autora o ofício com a referência 201SEC, junto como documento n.º 8 da petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido, e por meio do qual, solicitou a esta o pagamento da quantia de €57.230,00, acrescido de IVA à taxa legal, referindo para o efeito que relativamente à embarcação da autora, promovera “as diligências necessárias à imediata remoção da embarcação, seus apetrechos e artes do local onde se encontrava, de acordo com o plano apresentado por V. Exas., da autoria da empresa A., Lda., e que se achava validado pela Autoridade Marítima (…)” (Provado por acordo e documentos n.º 8 e 9 juntos com a petição inicial de fls. 48 a 52 do processo em suporte físico).

RR) O ofício que antecede vinha acompanhado de uma fatura emitida pela empresa A., Lda., à ré, na importância de €69.248,00 (Iva incluído), contendo como descritivo “Trabalhos subaquáticos, Reflutuamento da embarcação “(...)” com registo FF-XXX-C, de 28 de Outubro a 4 de Novembro de 2010” (Provado por acordo e documentos n.º 8 e 9 juntos com a petição inicial de fls. 48 a 52 do processo em suporte físico).

SS) O mesmo valor vinha faturado pela ré à autora (Provado por acordo e documentos n.º 8 e 9 juntos com a petição inicial de fls. 48 a 52 do processo em suporte físico).
TT) A autora não liquidou voluntariamente a quantia (Provado por acordo).

UU) Em 28/01/2011, na Capitania do Porto da (...), pelo Capitão do Porto da (...), foi entregue aos representantes da Cooperativa (...), CRL, o cheque n.º 0977032005 do Departamento Marítimo do Norte, no valor de €60.000,00, correspondente ao valor da caução prestada pelo armador junto da Autoridade Marítima (Cfr. acta de 28/01/2011, documento junto de fls. 340 a 342 do processo físico).

VV) Uma vez recebido o cheque, ato contínuo, pelos representantes da autora, foi o mesmo endossado e entregue à Administração do Porto da (...), S.A., para ressarcimento da Autoridade Portuária pelos encargos tidos na remoção dos destroços da embarcação FF-XXX-C, “(...)” (Cfr. ata de 28/01/2011, documento junto de fls. 340 a 342 do processo físico).

WW) No dia 29/10/2010, a partir das 06h30, fruto das condições meteorológicas, a barra do Porto da (...) foi encerrada à navegação (Cfr. documento integrante do PA, junto aos autos a fls.217 a 222 do suporte físico).

XX) No dia 30/10/2010 foi lançado um aviso para a navegação marítima de vento muito forte, com aumento da agitação marítima de 3 a 4,5 metros, para 6,5 a 8,5 metros (Cfr. documentos do PA juntos a fls. 251 a 253 do suporte físico).

YY) No dia 31/10/2010 foi lançado um aviso para a navegação marítima de vento muito forte, com aumento da agitação marítima em torno dos 6 a 8m, diminuindo gradualmente a partir da noite desse dia (Cfr. documento do PA junto a fls. 254 a 253 do suporte físico).

ZZ) Em 3 de novembro de 2010 foi recebida na Capitania do Porto da (...), o instrumento junto a fls. 274 e 275 do suporte físico dos autos, cujo teor se considera reproduzido, e por meio do qual era dado conhecimento ao Capitão do Porto da (...) pela sociedade “M., Sucursal em Portugal”, que o contrato de seguro que havia sido celebrado entre esta seguradora e a autora, estava “rescindido” desde 4 de fevereiro de 2010, por “falta de pagamento do prémio de seguro dentro do prazo contratualmente estabelecido para o efeito” (Cfr. documento do PA junto a fls. 274 a 275 do suporte físico).

AAA) Entre os dias 04 e 07/01/2011 pela empresa “F., Lda. foram iniciados os trabalhos de desmantelamento da embarcação “(...)” na praia do (...) (Cfr. documentos do PA juntos de fls. 327 a 333);
BBB) A autora procedeu à remoção e desmantelamento da embarcação da praia do (...) na sequência de ter sido notificada para o efeito pelo Ministério do Ambiente, sob pena de lhe ser intentado um Procedimento contraordenacional (Provado com base no depoimento da testemunha J.).

CCC) Com a venda do salvado, a autora realizou o valor de € 2.807,30 (Cfr. documento 15 junto aos autos com a petição inicial).

DDD) A autora reconheceu na sua contabilidade a fatura n.º 600217 no montante de €69.248,30 (Provado por confissão e documento junto a fls. 464 do suporte físico do processo).

EEE) Em 5 de abril de 2011 foi realizado o relatório do Processo de Sinistro Marítimo n.º B.40.03-036/10 cujo teor se considera integralmente reproduzido, pelo qual o comando Local da Polícia Marítima da Figueira da Foz concluiu que o naufrágio da embarcação “(...)” se ficou a dever à cedência de uma tábua situada nas obras da alheta de BB, o que provocou uma entrada anormal de água (Cfr. documento constante do PA, junto a fls. 350 a 358 do suporte físico).

FFF) Em 12/12/2013 deu entrada neste Tribunal a petição inicial submetida pela autora e que deu início aos presentes autos (Cfr. documento a fls. 2 do processo em suporte físico).
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III - Enquadramento jurídico.

1. A responsabilidade civil extracontratual da Ré.

Nos presentes autos a Autora peticiona o pagamento pela Ré de uma indemnização no valor de 60.000,00, correspondente ao valor que aquela teve de suportar com o accionamento da garantia que havia prestado em 28/10/2010 na sequência de notificação do Capitão do Porto da (...) para o efeito.

A Autora funda a sua pretensão em duas condutas que imputa à Ré:

1- Violação culposa do disposto no artigo 7º nº 1, conjugado com o artigo 5º do DL nº 64/2005, de 15/03.

2- Violação do dever de fiscalização da empreitada, conduzindo assim também à violação do disposto nos artigos 4º e 6º-A do Código do Procedimento Administrativo e artigos 286º, 302 alªs a) e b) e 392º nº 1, a contrario sensu do Código dos Contratos Públicos.

Com base nessas violações funda a responsabilidade civil extracontratual que imputa à Ré estatuída na Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, em vigor à data dos factos.

Nos termos do DL nº 210/2008, de 03/11 a Ré é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, regendo-se pelo identificado diploma, pelos seus estatutos, regime jurídico do sector empresarial do Estado, pelos princípios do bom governo das empresas do sector empresarial do Estado, pelo Código das Sociedades Comerciais, regulamentos internos e demais normas especiais aplicáveis. Deste modo, a Ré, no uso de poderes de autoridade identificados no aludido DL nº 210/2008, rege-se por normas de direito público.

A concretização do instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas encontra-se prevista no regime estatuído pela Lei nº 67/2007, de 31/12, quando em causa estão “danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa”, sendo que, conforme aí se estipula, “correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo” (cfr. Artigo 1º nºs 1 e 2 da referida lei).

Dispõe o artigo 1º nº 5 da mesma Lei que “as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais representantes legais ou auxiliares por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”.

Mostra-se assim aplicável à situação em apreço o identificado Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, ex vi o seu artigo 1º nº 5.

Prevê o art. 7º nº 1 da Lei nº 67/2007, de 31/12 que “O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.”

São assim cinco os pressupostos da responsabilidade civil prevista nessa norma:

Acção ou omissão; ilícita; culposa; os danos; estes danos resultantes daquela acção ou omissão (nexo de causalidade adequada).

Que se verificou um facto voluntário (cobrança pela Ré à Autora da quantia de 60.000,00), não existe dúvida, nem tal foi objecto de impugnação por quem quer que seja.

Esse facto é ilícito?

Responde a Autora afirmativamente indicando as disposições legais que a Ré violou ao cobrar dela, Autora, a referida quantia.

Vejamos:

Determina o art. 9º da Lei nº 67/2007 no seu nº 1 que “são ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem as disposições ou princípio constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.

A Autora invoca a violação pela Ré de disposições legais, previstas no DL nº 64/2005, de 15/03, que se reproduzem:

“Artigo 1.º

Acontecimento de mar de que resulte afundamento ou encalhe
Quando, na sequência de sinistro marítimo ou outro acontecimento de mar, resulte o afundamento ou encalhe de um navio que cause prejuízo à navegação ou ao regime e à exploração de porto, bem como que cause danos para o ambiente, designadamente para os recursos aquícolas, ou para os recursos piscícolas, constitui obrigação do seu proprietário, armador ou legal representante efectuar a necessária remoção, ainda que só existam destroços, e assumir a totalidade das respectivas despesas da operação.

Artigo 2.º
Procedimentos em caso de poluição marítima
1 - Sem prejuízo do referido no artigo 1.º, no caso de ocorrência ou perigo de ocorrência de poluição marítima, o proprietário do navio, armador ou representante legal apresenta ao capitão do porto, num prazo por este estipulado não superior a 20 dias, um plano específico de remoção dos hidrocarbonetos, combustíveis e demais produtos considerados poluentes, de acordo com as listas constantes no apêndice I do anexo I e no apêndice II dos anexos II e V da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios, assinada em Londres em 2 de Novembro de 1973 (Convenção MARPOL 73/88).
2 - Nas áreas de jurisdição referidas no artigo 5.º, e antes da aprovação do plano referido no número anterior, o capitão do porto recolhe o parecer da respectiva entidade administrante.
3 - No caso previsto no n.º 1, aplicam-se as medidas previstas no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 235/2000, de 26 de Setembro, designadamente quanto à constituição de garantia.
4 - As acções e operações de combate à poluição marítima regem-se pelo quadro legal estabelecido pelo Plano Mar Limpo, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 25/93, de 4 de Fevereiro.
5 - No caso de ocorrência de poluição marítima, e tornando-se necessário o recurso a fundos internacionalmente constituídos ao abrigo das convenções aplicáveis, os ministros que tutelam os negócios estrangeiros, a defesa nacional, os assuntos do mar, o ambiente e os transportes marítimos assumem a respectiva coordenação internacional do processo, decorridas as diligências internas no âmbito da autoridade marítima.

Artigo 3.º
Processo de remoção de navio ou destroços
1 - O processo de remoção de navio afundado ou encalhado segue os seguintes procedimentos:
a) No prazo de quatro dias úteis a contar da data do encalhe ou afundamento, os responsáveis da embarcação prestam a favor da autoridade marítima, directamente, através de entidade bancária, da respectiva companhia seguradora ou do agente de navegação, uma garantia ou caução considerada idónea, nos termos do número seguinte, a qual é devolvida no dia seguinte à finalização dos trabalhos de remoção efectuados;
b) O proprietário ou o armador do navio ou o respectivo representante legal apresenta um plano de remoção do mesmo ao capitão do porto com jurisdição no local num prazo por este estipulado e não superior a 30 dias, com vista a serem analisados os aspectos relacionados com a segurança da navegação e poluição marítima;
c) Nos casos previstos no artigo 5.º, o plano referido na alínea anterior deve ser comunicado, para conhecimento, às respectivas entidades administrantes;
d) A reivindicação para recuperação de carga por parte do respectivo proprietário ou carregador depende da apresentação às autoridades marítimas do respectivo título de propriedade ou de autorização expressa do armador do navio sinistrado para a recuperar, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 9.º;
e) Nos casos de não reivindicação da carga ou de não observância do estabelecido na alínea anterior, a mesma considera-se perdida a favor do Estado, devendo a entidade aduaneira competente dela tomar conta, para os devidos efeitos legais;
f) Se, face à sua natureza ou estiva a bordo, a recuperação da carga interferir, de forma determinante, nas operações de remoção do navio, não pode haver intervenção sobre a mesma enquanto a autoridade marítima a não autorizar, ficando esta apreendida a favor do Estado;
g) Sempre que a carga compreenda mercadorias perecíveis, e sem prejuízo do estabelecido no número anterior, aplica-se, quanto a estas, o disposto no artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 352/86, de 21 de Outubro;
h) Confirmando-se o abandono do navio, a respectiva capitania do porto solicita às autoridades judiciárias competentes que notifiquem os agentes de navegação, os proprietários do navio ou os respectivos representantes legais para comunicarem que outros bens, nomeadamente navios, possuem o proprietário e armador em causa.
2 - O valor da garantia ou caução a prestar nos termos da alínea a) do número anterior é estabelecido em função das características do navio, designadamente da tonelagem, da dimensão e valor da carga transportada pelo navio em causa e sua perigosidade, podendo ainda ser considerada pela autoridade marítima a capacidade financeira da entidade obrigada à sua prestação.
3 - Desde a ocorrência do acontecimento e até à finalização dos trabalhos de remoção, deve ser implementado, pelo proprietário do navio, armador ou representante legal, um programa de monitorização, o qual é aprovado pelo ICN, se a ocorrência tiver tido lugar em área protegida, ou pelo INAG, nos restantes casos.

(…)
Artigo 5.º
Ocorrência em área de jurisdição portuária ou em área protegida
1 - Se o acontecimento de mar ocorrer em área de jurisdição portuária, compete à respectiva administração portuária a realização dos procedimentos e diligências processuais, nos termos das alíneas d) a h) do artigo 3.º e dos artigos 7.º, 9.º e 12.º
2 - Caso a ocorrência se verifique em área protegida, o disposto no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, à respectiva entidade administrante.
3 - No caso específico do rio Douro, as competências estabelecidas no n.º 1 consideram-se cometidas à entidade administrante de navegabilidade do rio Douro.
4 - Todas as ocorrências são comunicadas ao Instituto Português de Arqueologia, que se pronuncia no prazo de quarenta e oito horas sobre a existência de vestígios arqueológicos e sobre trabalhos de prevenção ou acompanhamento arqueológico que devam ter lugar.

(…)

Artigo 7.º
Remoção compulsiva no caso de risco de ocorrência de poluição
1 - Verificando-se elevado risco de ocorrência de poluição, e não sendo a remoção imediatamente efectuada ou suportada pelo proprietário, armador ou representante legal, é utilizado o procedimento de ajuste directo para a contratação de entidade idónea para a remoção de hidrocarbonetos, combustíveis e outras substâncias poluentes, em conformidade com os procedimentos legalmente estabelecidos para aquela forma de contratação.
2 - No caso previsto no número anterior, o respectivo plano de remoção deve ser submetido à aprovação do capitão do porto com jurisdição na área, aplicando-se o procedimento referido no n.º 2 do artigo 2.º

(…)

Artigo 9.º
Responsabilidade do armador e do proprietário
1 - O proprietário e o armador são solidariamente responsáveis pelo pagamento de todas as despesas resultantes das operações de remoção efectuadas ao abrigo do presente diploma sempre que as mesmas sejam suportadas por entidade administrativa.
2 - O proprietário e o armador são ainda solidariamente responsáveis por todos os prejuízos causados pelo afundamento, encalhe, abandono, não remoção do navio, bem como pelos danos originados quando a remoção deste seja efectuada de forma defeituosa ou não atempada.
3 - Para efeitos dos números anteriores, a entidade administrativa que suportou as despesas notificará o proprietário e o armador para procederem ao pagamento dos montantes devidos em prazo não superior a 60 dias.
4 - Não sendo efectuado o pagamento no prazo previsto no número anterior, é extraída certidão de dívida para efeitos de instauração, pela administração fiscal, de processo de execução fiscal.
5 - Se um dos obrigados ao pagamento dos montantes devidos nos termos deste artigo for proprietário de carga cuja recuperação tiver sido reivindicada nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º, a devolução desta fica condicionada ao pagamento integral dos montantes em dívida.
6 - No caso de actuação das administrações portuárias e entidade administrativa ambiental, quando as despesas previstas ultrapassarem a capacidade financeira da entidade administrativa, a respectiva tutela deve autorizar e cabimentar, se for caso disso, os respectivos encargos financeiros.”

Ora, a Ré cumpriu com todos os requisitos legais que impunham a sua intervenção no processo de remoção da embarcação de pesca do Porto da (...), já que a Autora não procedeu atempadamente a essa remoção. Seguiu rigorosamente os procedimentos previstos do referido Decreto-Lei, como resulta da matéria de facto dada como provada.

Mas a Autora alega que a Ré não deveria ter pago os trabalhos de remoção da embarcação porque do ajuste directo celebrado entre a Ré e a empresa que iria proceder à remoção resulta a constituição de uma obrigação de resultado para a empresa responsável pela remoção (A.), resultado que não foi alcançado (reflutuamento da traineira “(...)”).

Quid iuris?

Resultou provado que a embarcação “(...)” se afundou â entrada do Porto da (...), sobre o canal de navegação, contendo no seu interior 7mil litros de gasóleo e 500 litros de óleo.

Que o afundamento ter-se-á ficado a dever a uma tábua que se soltou, deixando entrar água (cfr. Alª EEE). A embarcação apresentava o casco em madeira. Para os dias 28 e seguintes tinham sido emitidos avisos de mau tempo, com ondulação e ventos fortes, condições susceptíveis de dificultar a remoção da embarcação (cfr. alªs S), T), WW), XX) e YY). Por outro lado, as aludidas condições meteorológicas, bem como o facto da embarcação se encontrar no fundo do mar aumentavam os riscos de se verificar um foco de poluição (cfr. alª U), O)e HH).

Conforme já se referiu supra, o DL nº 64/2005 teve na sua origem as preocupações com questões ambientais decorrentes de incidentes verificados com navios que importaram prejuízos para o meio ambiente.

Para obstar a tal, o art. 7 do DL nº 64/2005 prevê a possibilidade de que, quando o armador não procede de imediato à remoção da embarcação, possa a entidade, recorrendo ao ajuste directo, contratar entidade idónea para a remoção das substâncias poluentes identificadas no mesmo artigo.

Pelas razões já supra expostas, no caso concreto, verificava-se um perigo real de ocorrência de poluição das águas do porto com inerente afectação da fauna e flora marinha circundantes. A sujeição da embarcação no fundo do mar às correntes e agitação marítimas poderia conduzir à degradação da estrutura do barco, como efectivamente aconteceu, em que o casario se separou do resto da embarcação, propiciando assim a ocorrência de focos de poluição, sendo certo que esta embarcação tinha no seu interior 7 mil litros de gasóleo e 500 litros de óleos, sendo fortemente previsível a ocorrência de poluição do meio marinho.

A Autora foi logo notificada para proceder à imediata remoção do combustível, lubrificantes e demais substâncias perigosas, prejudiciais ou nocivas, nos termos do art. 3º do referido DL nº 64/2005, sendo que se veio a verificar a libertação de alguns poluentes que importaram a utilização de barreiras de contenção (cfr. al MM) do probatório).

Da matéria de facto dada como provada resultou que as concretas circunstâncias do naufrágio provocaram que essa remoção passasse pela própria remoção da embarcação (cfr. al M) dos factos provados, com remoção dos elementos poluentes em terra, porquanto, estando o barco no fundo do mar, considerando as correntes existentes, a remoção dos hidrocarbonetos revelar-se-ia uma operação perigosa, impossível de realizar, consideradas as correntes muito fortes que se faziam sentir no local onde a embarcação naufragara.

A Autora, sabendo disso, quando foi notificada para a apresentação do “plano de remoção da embarcação, do combustível, dos lubrificantes e das demais substâncias referidas no parágrafo 1º (cfr. al M do probatório), apresentou apenas Plano de reflutuamento da embarcação (cfr. al N) do probatório), sem dúvida consciente de que só por este se conseguiria, em terra, remover os elementos poluentes.

É apenas na sequência da não concretização do Plano apresentado pela Autora que a Ré adjudica, por ajuste directo, à A. os trabalhos de remoção, dando cumprimento ao disposto no art. 7º do DL nº 64/2005, devidamente conjugado com o art. 5º nºs 1 e 2 do mesmo diploma legal.

Assim, a Ré não comete acto ilícito, bem pelo contrário, segue rigorosamente o disposto nos artigos 7º, devidamente conjugado com o 5º do referido diploma, para situações como a que se provou nos autos, isto relativamente à 1ª infracção assacada pela Autora à Ré.

A segunda prende-se com a violação do disposto nos arts. 4º e 6º-A do CPA conjugados com os artigos 286º, 302º alªs a) e b) e art. 392º nº 1 a contrario sensu.
Vejamos o que se provou nos autos. Na sequência da interpelação à Autora por parte da Capitania do Porto da (...) para apresentação do plano para a remoção da embarcação, do combustível, lubrificantes e demais substâncias perigosas, prejudiciais ou nocivas, a Autora apresentou um plano, por meio do qual se previa a operação de reflutuamento da embarcação (cfr. alª N)).
Para o efeito, a referida empresa apresentou à Autora um orçamento no valor de €57.230,00, prevendo o mesmo a operação de reflutuamento e apoio ao reboque da embarcação até ao estaleiro dentro do Porto da (...).
O referido orçamento continha uma cláusula de “Garantia de boa execução do serviço”, por meio da qual se previa, no ponto 5, que caso a A. não concluísse com sucesso o reflutuamento da embarcação na saída na Barra do Porto da (...), esta assumiria todas as despesas referentes à sua mobilização de meios, não cobrando, assim, qualquer honorário ao armador ou à seguradora (cfr. alª Q) do probatório).

Provado ficou também que a Autora não chegou a adjudicar os trabalhos em causa à empresa A., na sequência do que, em sua substituição, adjudicou a Ré tais trabalhos à mesma empresa.

A operação de resgate da embarcação ocorreu pela seguinte forma:

A A., com recurso a balões de flutuação, procedeu ao reflutuamento da embarcação em dia em que já havia ocorrido um agravamento das condições do mar, com uma maior agitação marítima, a qual viria a piorar nos dias seguintes.

Foi conseguido o reflutuamento da embarcação durante um período curto de tempo, tendo esta sido movida algumas dezenas de metros para o interior do Porto na direcção dos estaleiros (cfr. al AA) e CC) do probatório).

Quando a embarcação foi colocada a reflutuar, esta apresentava já danos na estrutura, que terão estado na origem do seu afundamento inicial (cfr. relatório de inspecção que concluiu pela existência de falhas no tabuado o que levou a que a água entrasse na embarcação, circunstância que provocava uma grande pressão na embarcação para o fundo. Este facto aliado à forte agitação marítima levou a que alguns dos balões de flutuação ao embater na mesma rebentassem, precipitando a embarcação novamente para o fundo do mar (alªs B), Z), CC) e DD) do probatório.

Fruto do contínuo agravamento das condições marítimas, e ponderadas as condições de segurança, foi decidido pelo Comandante do Porto da (...) interromper a operação em curso no dia 29 de Outubro, o que se verificou até o dia 2 de Novembro de 2010.

No período em que esteve depositada no fundo do mar, a embarcação esteve sujeita às correntes marítimas, tendo sofrido estragos na sua estrutura, evidenciados pela separação da ponte do resto da embarcação.

A Autoridade Marítima, em concertação com a ré, considerando os estragos da embarcação e as condições meteo-marítimas, receando um aumento dos riscos de poluição, decidiu então não conduzir a embarcação para estaleiro, mas sim levar a mesma para a Praia do (...) junto à saída da barra. A embarcação foi assim puxada por um rebocador até estar em frente à praia, para depois ser arrastada pelas giratórias que ali se encontravam (Cfr. al. FF), GG) e HH) dos factos provados).

Em face da factualidade apurada, concluiu a ré que a A. tinha tentado com todos os meios possíveis alcançar o resultado a que se obrigou, só não o tendo conseguido em virtude do dano que a embarcação já detinha e que motivou o seu naufrágio e das condições adversas marítimas que impediam o reflutuamento da embarcação.

Assim, decorre da factualidade provada que o planeamento inicial da operação de remoção da embarcação sofreu sucessivos revezes que não haviam sido inicialmente previstos.

Esta operação de remoção da embarcação deveria, segundo ajuste directo ter uma duração de 4 a 13 horas, sendo que esta viria a decorrer do dia 28 de Outubro ao dia 5 de Novembro de 2010.

Simultaneamente, verificou-se uma alteração das condições meteo-marítimas do dia 28 em diante, que importaram o agravamento destas e tiveram mesmo como efeito a suspensão dos trabalhos, por decisão da Autoridade Marítima, bem como o encerramento da barra à navegação no dia 29 de outubro (Cfr. al. Q), U), WW), XX), YY) dos factos provado).

Conforme decorria do artigo 302.º do Código dos Contratos Públicos, na redacção em vigor à data dos factos:

“Salvo quando outra coisa resultar da natureza do contrato ou da lei, o contraente público pode, nos termos do disposto no contrato e no presente Código:

a) Dirigir o modo de execução das prestações;
b) Fiscalizar o modo de execução do contrato;”

O n.º1 do artigo 305.º do mesmo CCP prescreve que: “O contraente público dispõe de poderes de fiscalização técnica, financeira e jurídica do modo de execução do contrato por forma a poder determinar as necessárias correcções e aplicar as devidas sanções.”

Resultou provado nos autos que a direcção das operações coube à Autoridade Marítima, em coordenação com a Autoridade Portuária, tendo estas empregues meios próprios quer no reboque da embarcação, quer em permanência e vigilância da execução dos trabalhos por parte da empresa A..

Deste modo para além da direção do modo de execução das prestações, a ré pôde fiscalizar o modo de execução do contrato.

Para esta última função, importará atentar no disposto no artigo 286.º do CCP, por meio do qual se prescrevia que:

“O contrato constitui, para o contraente público e para o co-contratante, situações subjectivas activas e passivas que devem ser exercidas e cumpridas de boa-fé e em conformidade com os ditames do interesse público, nos termos da lei.”


Ora da factualidade já descrita resulta que as prestações que incumbiam a cada uma das partes foram cumpridas de boa-fé e de acordo com os ditames do interesse público.

Com efeito, no que concerne a este último, a operação em causa teve como seu fundamento, por um lado, o risco ambiental que o naufrágio da embarcação representava, bem como o risco deste para a navegação. Neste ponto, tendo sido lograda a retirada da embarcação para fora do Porto da (...) mostrou-se o interesse público salvaguardado.

A questão fraturante nos autos é, pois, o saber se, considerando a cláusula de “boa execução do serviço”, e os resultados obtidos na remoção da embarcação, tal importou uma violação do dever de fiscalização ao ter sido aceite o pagamento da factura.

Em causa está o disposto na primeira parte do artigo 286.º do CCP, isto é, o cumprimento de boa-fé das prestações pelas partes.

Um juízo sobre o cumprimento desta obrigação terá de considerar, in casu, o orçamento a que as partes se obrigaram, contudo, não poderá igualmente olvidar as concretas circunstâncias que envolveram a execução do contrato.

Tal decorre desde logo do artigo 303.º, n.º2 do CCP, que relativamente ao exercício dos poderes e de fiscalização estabelece que estes devem “salvaguardar a autonomia do co-contratante, limitando-se ao estritamente necessário à prossecução do interesse público, e processando-se de modo a não perturbar a execução do contrato, com observância das regras legais ou contratuais aplicáveis e sem diminuir a iniciativa e a correlativa responsabilidade do co-contratante”.

Concluímos, assim, como o faz a sentença recorrida, que o citado artigo configura um afloramento do princípio da proporcionalidade na execução dos contratos, hoje prevista no artigo 1.º A do referido Código.

Deste modo, considerando o princípio da proporcionalidade e da boa-fé da execução dos contratos, e o disposto no art. 6-A do CPA de 1991, em vigor à data dos factos, no exercício do poder de fiscalização, estava assim a ré obrigada a ponderar as concretas circunstâncias que envolveram o resgate da embarcação.

Atento o acabado de expor, ter-se-á de concluir que a factualidade apurada nos autos não impunha outra atuação à ré que não aquela que viria a ser seguida pela mesma.

Com efeito, provou-se, em síntese, que a empresa A. foi contratada, com o objetivo de remover a embarcação prevenindo riscos de poluição, o que foi logrado.

Por sua vez, a impossibilidade de proceder à reflutuação total e definitiva da embarcação ficou a dever-se a circunstâncias exógenas a esta empresa, que mobilizou e empregou na operação os meios a que se tinha obrigado, e que respeitam quer às condições meteo-marítimas que se viriam a verificar após a apresentação do plano de remoção e já no decurso dos trabalhos, quer ao próprio estado da embarcação, quer à data do naufrágio, quer posteriormente com os estragos assinaláveis que sofreu no período em que esteve submergida e exposta às correntes (visíveis de forma especial com a separação da ponte do casco).

Por outro lado, a opção pela retirada da embarcação para a praia foi uma decisão superveniente, tomada pela Autoridade Marítima, ponderando todos os elementos em causa, sendo assim alheia à empresa A. e por esse facto, cujo não cumprimento não lhe pode ser imputável.

Impunha-se assim pela ré o pagamento do serviço que contratou e re-contratou e que foi efectivamente realizado, cfr. artigo 392.º, n.º1 do CCP, devidamente conjugado com o disposto nos artºs 4º e 6º-A do CPA de 1991, em vigor à data dos factos.

Por outro lado, sendo a atuação da ré motivada pela defesa do interesse público, consubstanciado na eliminação do risco de poluição decorrente do naufrágio da embarcação, a posterior imputação à autora dos custos tidos com o serviço adjudicado era pois um imperativo legal decorrente do artigo 1.º do Decreto-lei n.º 64/2005, mostrando-se a sua atuação conforme aos princípios da prossecução do interesse público, da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, da boa-fé contratual, previstos, respetivamente, nos artigos 4.º e 6º-A do CPA de 1991, em vigor à data dos factos.

Terá pois de improceder, também neste ponto, a argumentação da Autora, não sendo possível concluir-se pela violação pela Ré do dever de fiscalização da execução do contrato, e bem assim dos artigos anteditos que entendeu aquela mostrarem-se enfermados pela ação da Ré.

Pelo contrário tem de decidir-se que a Ré fiscalizou com rigor o cumprimento do contrato.

Com efeito, prontamente aceitou, em face dos factos supervenientes ocorridos, forte agitação marítima e correntes marítimas, a impossibilidade do reflutuamento da embarcação e perante o seu novo afundamento, mudar as cláusulas do ajuste directo para evitar danos de navegação no referido porto e desastre ambiental, dada a perigosidade dos elementos transportados na embarcação.

De imediato aceitou a determinação da Autoridade Marítima de não conduzir a embarcação para estaleiro, mas sim levar a mesma para a Praia do (...) junto à saída da barra. A embarcação foi assim puxada por um rebocador até estar em frente à praia, para depois ser arrastada pelas giratórias que ali se encontravam (Cfr. al. FF), GG) e HH) dos factos provados).

Salienta-se que circunstâncias supervenientes, desconhecidas das partes contratantes, à data da celebração do ajuste directo, impossibilitaram o resultado contratualizado de flutuamento da embarcação, que por isso, teve de ser modificado, com um resultado muito satisfatório, já que se conseguiu não poluir o ambiente, (fauna e flora marítimas) e que nenhuma outra embarcação chocasse com os destroços da embarcação da Autora.

Pagar este serviço, pelo preço contratualizado, era um corolário da boa- -fé por que se devem pautar as partes num ajuste directo, ou seja, no cumprimento do mesmo, a Ré observou o princípio da boa-fé estabelecido no art. 6º-A do CPA de 1991, em vigor à data dos factos, tendo ponderado a confiança suscitada na A. pela sua actuação ao longo da remoção da embarcação para a praia do (...) e o novo objectivo traçado em substituição do anterior.

A Ré actuou segundo o princípio da boa-fé.

A Autora invoca o princípio da intangibilidade da proposta ou da imutabilidade como fundamento para considerar ilícita a conduta da Ré de cobrar da Autora os €60.000,00.

O Código dos Contratos Públicos prevê o seguinte para modificações do contrato, no caso do ajuste directo:

Modificações objectivas do contrato

Artigo 311.º
Modificação objectiva do contrato
1 - O contrato pode ser modificado com os fundamentos previstos no artigo seguinte:
a) Por acordo entre as partes, que não pode revestir forma menos solene do que a do contrato;
b) Por decisão judicial ou arbitral.
2 - O contrato pode ainda ser modificado por acto administrativo do contraente público quando o fundamento invocado sejam razões de interesse público.

Artigo 312.º
Fundamentos
O contrato pode ser modificado com os seguintes fundamentos:
a) Quando as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal e imprevisível, desde que a exigência das obrigações por si assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato;
b) Por razões de interesse público decorrentes de necessidades novas ou de uma nova ponderação das circunstâncias existentes.

Artigo 313.º
Limites
1 - A modificação não pode conduzir à alteração das prestações principais abrangidas pelo objecto do contrato nem configurar uma forma de impedir, restringir ou falsear a concorrência garantida pelo disposto no presente Código relativamente à formação do contrato.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, salvo quando a natureza duradoura do vínculo contratual e o decurso do tempo o justifiquem, a modificação só é permitida quando seja objectivamente demonstrável que a ordenação das propostas avaliadas no procedimento de formação do contrato não seria alterada se o caderno de encargos tivesse contemplado essa modificação.
3 - Nos contratos com objecto passível de acto administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos, o fundamento previsto na alínea a) do artigo anterior não pode conduzir à modificação do contrato por decisão judicial ou arbitral, quando esta interfira com o resultado do exercício da margem de livre decisão administrativa subjacente ao mesmo ou implique a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa.

Artigo 314.º
Consequências
1 - O co-contratante tem direito à reposição do equilíbrio financeiro, segundo os critérios estabelecidos no presente Código, sempre que o fundamento para a modificação do contrato seja:
a) A alteração anormal e imprevisível das circunstâncias imputável a decisão do contraente público, adoptada fora do exercício dos seus poderes de conformação da relação contratual, que se repercuta de modo específico na situação contratual do co-contratante; ou
b) Razões de interesse público.
2 - Os demais casos de alteração anormal e imprevisível das circunstâncias conferem direito à modificação do contrato ou a uma compensação financeira, segundo critérios de equidade.

Artigo 315.º
Obrigação de transparência
1 - Os actos administrativos do contraente público ou os acordos entre as partes que impliquem quaisquer modificações objectivas do contrato e representem um valor acumulado superior a 15 do preço contratual devem ser imediatamente publicitados, pelo contraente público, no portal da Internet dedicados aos contratos públicos, devendo a publicidade ser mantida até seis meses após a extinção do contrato.
2 - A publicitação referida no número anterior é condição de eficácia dos actos administrativos ou acordos modificativos, nomeadamente para efeitos de quaisquer pagamentos.

A conduta da Ré, ao modificar o contrato inicial por impossibilidade objectiva superveniente da prestação principal que fundava inicial ajuste directo, devido a circunstâncias supervenientes quando esteja em causa o interesse público e a boa-fé, obedece e respeita os artºs 311º nº 2, 312º alª s a) e b) e 314º alªs a) e b) e não excede os limites impostos pelo art. 313º, todos do CCP, na redacção em vigor à data dos factos em apreciação nos autos.

Forçoso é concluir-se que inexiste qualquer atuação ilícita que possa ser imputada à Ré. Conforme se deixou dito supra, o nascimento da obrigação de indemnização a título de responsabilidade civil extracontratual está dependente da verificação cumulativa dos requisitos legais daquela.

Não resultando dos autos a prática pela ré de uma actuação ilícita, falha desde logo o segundo requisito da responsabilidade civil extracontratual da Ré.

Ora, os pressupostos de tal responsabilidade civil são cumulativos, pelo que a não verificação de qualquer um deles impede tal responsabilidade por parte da Ré.

Pelo exposto, não resultando dos autos a prática pela Ré de uma atuação suscetível de ser considerada ilícita, e desse modo não se verificando os requisitos de que depende o surgimento da obrigação de indemnização a título de responsabilidade civil extracontratual, haverá a presente ação de improceder, não merecendo provimento o presente recurso, impondo-se manter a decisão recorrida.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.
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Porto, 18.09.2020


Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco