Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00003/15.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/12/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:OBRAS COERCIVAS.
Sumário:
I) – A câmara municipal pode a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, determinar a execução de obras de conservação necessárias à correcção de más condições de segurança ou de salubridade ou à melhoria do arranjo estético. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:AVG
Recorrido 1:Câmara Municipal de C...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

AVG e esposa MEPG (Rua M…, Vila Praia de Âncora, Caminha) interpõem recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, que julgou improcedente acção administrativa especial intentada contra Câmara Municipal de C..., impugnando ordem de realização de obras em prédio de que os autores são proprietários.
Os autores/recorrentes discordam do decidido, oferecendo em recurso as seguintes conclusões:
1. Os recorrentes com o presente recurso impugnam a matéria de facto e a matéria de direito da douta sentença proferida em 21/11/2016 e impugnam o douto despacho de 19/10/2015.
A. QUANTO AO DESPACHO DE 19/10/2015
2. A decisão proferida no despacho de 19/10/2015 é impugnada com o recurso da decisão final, nos termos do n°5 do art. 142 do MA.
3- Na petição inicial os A.A. requereram a produção de prova testemunhal, indicando as respectivas testemunhas.
4. Por douto despacho de 14/5/2015 os A.A. foram notificados para, no prazo de 10 dias indicar qual a factualidade que pretendiam submeter à prova testemunhal, tendo os A.A. por requerimento enviado em 22/5/2015, junto a fls. 138, indicado que pretendiam que fossem submetidos à prova testemunhal os factos alegados nos arts. 4, 5, 6, 13, 14, 15, 16, 17, 23, 25, 26, 27, 28, 31, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 43, 44 46, 49, 50, 51, 54, 59, 62, 63, 64 e 68 da petição inicial.
5. O douto despacho de 19/10/2015 considerou desnecessária a produção de prova com o fundamento de que os factos alegados em causa na petição inicial já estavam na sua maioria provados com os documentos carreados para os autos pelos A.A. com a petição inicial.
6. Revela-se essencial para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa saber em que contexto foi celebrado o contrato de arrendamento verbal e o montante da renda que a arrendatária paga pelo arrendado, alegado nos arts. 4 e 6 da petição inicial.
7. Importa levar também levar à produção de prova os factos alegados nos arts. 15, 25, 26, 27. 28 da petição inicial quanto à omissão no auto de vistoria da pormenorização das obras ou trabalhos a realizar com indicação dos custos parcelares, nomeadamente no que toca a avaliação da capacidade da estrutura de madeira, incluindo a escada com a substituição e/ou reforço dos elementos estruturais, e a determinação do respectivo custo.
8. É essencial ainda a produção de prova testemunhal relativamente à falta de capacidade financeira para os A.A. executarem as obras, e que são reformados e não trabalham, não possuindo liquidez para efectuar as obras.
9. Assim, o douto despacho de 19/10/2015 deve ser revogado e substituído por um outro que defira a produção de prova testemunhal, designando dia e hora para a sua realização com audiência de julgamento, anulando-se todos os actos processuais que foram praticados posteriormente à prolação da referido despacho.
B - QUANTO À DOUTA SENTENÇA PROFERIDA EM 21/11/2016
10. Entendem os recorrentes que o douta sentença recorrida de 21/11/2015 não podia ter dado como provado o facto constante no ponto 11- "Em 20/02/2011 uma parte do prédio identificado em I no compartimento correspondente ao quarto da inquilina RE desabou" -, conforme fotografias constantes de fls. 49 e seguintes do PA e documentos constantes de fls. 41 e seguintes, porquanto tal facto constitui matéria que não foi alegada nelas partes (A.A. e R.).
11. Entendem ainda os recorrente que, face aos factos dados como provados na douta sentença e elementos probatórios carreados para os autos, mormente a documentação carreada para os autos, ofícios e pareceres constantes do processo administrativo no âmbito do Processo as Obras n° 297/02 e do teor do douto despacho de 19/10/2015, impunha-se e impõe-se que o facto dado como não provado- "O valor de renda mensal auferido pelos autores, como contrapartida do arrendamento do prédio identificado me I dos factos provados é de 30, 00 €" fosse dado como provado, devendo o mesmo transitar para a matéria provada.
12. Pretende-se ainda que os factos alegados pelos Autores nos artigos 60º e 61º da petição inicial sejam dados como provados, ou seja, conste do elenco dos factos provados que: o A. AVG nasceu em 7/6/1936 e a A. MEVG nasceu em 17/5/1947.
13. O facto constante no ponto 11 dos factos provados não foi alegado pelas Partes nos respectivos articulados, nomeadamente nem pelos A.A. ria petição inicial nem pela Ré na contestação, nem consta em qualquer requerimento apresentado pelas partes, nem nas alegações de direito apresentadas pela Ré.
14. As fotografias de fls. 49 e seguintes do PA e documentos de fls. 41 e seguintes do PA, no qual se baseou a sentença recorrida para dar como provado o ponto 11, foram juntos ao processo administrativo pela inquilina, constituindo exposições e declarações da própria, que não é parte no processo.
15. A douta sentença recorrida não podia ter dado como provado tal facto (facto ponto 11) que não foi alegado pelas partes, com base em exposição e fotografias juntos no processo administrativo pela própria inquilina, dos quais os autores não foram notificados, não foram conhecedores e não lhes foi dada a faculdade de exercerem o direito do contraditório.
16. Além de que, o despacho junto a fls. 46 e 47 do PA resulta que não foi dado como provado que o tecto tivesse ruído, tendo o processo crime sido arquivado.
17- Assim, deve ser eliminado do elenco dos factos provados o facto constante no ponto 11, por não ter sido alegado pelas partes, nem constar de documento autêntico.
17. No artigo 6º da petição inicial os A.A. alegaram que: A renda mensal de 3000 Euros, perfazendo a quantia anual de 360.00 Euros, e juntaram os documentos n°s 4, 5 e 6 com a petição inicial para prova deste facto.
19. No seguimento do despacho de 14/5/2015, os A.A. por requerimento de 22/05/2015, informaram que pretendiam que os factos alegados nos artigos 4, 5, 6, 13, 14, 15, 16, 17, 23, 25, 26, 27, 28, 31, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 42, 43, 44, 45, 46, 49, 50, 51, 54, 59, 62, 63, 64 e 68 da petição inicial fossem submetidos a prova testemunhal.
20. Por douto despacho de 19/10/2015, considerou-se desnecessária a produção de prova testemunhal requerida pelos Autores fundamentando-se "( ... ) que os factos em causa estão, na sua maioria, já provados pelos documentos juntos com a P1 e constantes do PA apenso, bem como os demais foram aceites pelo Réu e outros ainda constituem matéria conclusiva ou de direito".
21. Na douta decisão recorrida deu-se como assente e provado no ponto 2 que: "RSE é arrendatária do 1º andar do prédio identificado em I, com base nos documentos n°s 4, 5 e 6 juntos pelo Autores com a petição Inicial".
22. Os documentos juntos sob os n°s 4, 5 e 6 com a petição inicial pelos autores serviram como meio de prova para provar o arrendamento do 1º andar do prédio, por conseguinte, os mesmos necessária e obrigatoriamente têm de constituir meio de prova documental para demonstrar e provar o valor da renda mensal de € 30,00.
23. Os documentos juntos pelos autores como documentos n°s 4, 5 e 6 com a petição inicial constituem meio de prova para dar como provado que: O valor da renda mensal auferido pelos autores, corno contrapartida do arrendamento do prédio Identificado em I dos factos provados é de 30. 00 €.
24. Resulta do processo administrativo que os autores ao responder aos ofícios e notificações da Câmara Municipal sempre mencionaram e frisaram o valor da renda mensal do arrendamento que ascendia à quantia de 30,00 euros.
25. O valor da renda referido pelos autores nunca foi questionado ou posto em causa pela Ré - Câmara Municipal de C... -, ou seja, resulta que o mesmo foi aceite e dado como assente por esta entidade.
26. Consta dos factos provados, concretamente no ponto 10 a exposição que os autores dirigiram ao Presidente da Câmara Municipal de C... em 12/06/2006, que se encontra junta aos autos no processo administrativo a fis. 38 e que foi tida em consideração na douta sentença recorrida, e cujo teor se deu como reproduzido, que os autores alegam que efectivamente não têm capacidade financeira para suportar as obras em causa, e que a renda mensal pelo arrendamento é de 30,00 Euros (artigos 2º e 3º do referido requerimento).
27. Resulta ainda do ponto 17 dos factos provados, que os Autores em 19/05/2014, por exposição que constituía uma resposta a oficio apresentada na Câmara Municipal (serviços da Ré junta a fls. 81 e seguintes do PA e doc. nº 10 da petição inicial) alegaram a desnecessidade das obras, a desproporcionalidade entre o custo com a realização das obras e a renda auferida bem como a incapacidade financeira dos proprietários para a realização das obras.
28. Nessa resposta e exposição os Autores referem expressamente nos arts. 9 e 14 que o valor da renda mensal auferida pelo arrendamento do prédio objecto das obras ascende à quantia de 30, 00 €.
29. E novamente a fls. 97 e seguintes do processo administrativo os Autores mencionam e frisam que o valor da renda mensal ascende à quantia de 30,00 €, conforme resulta do ponto 23 dos factos provados, onde a exposição e resposta dos autores foi dada como integralmente reproduzida.
30. Face ao exposto, deve dar-se como provado que: O valor da renda mensal auferido pelos autores, como contrapartida do arrendamento do prédio Identificado em I do factos provados é de € 30.00, devendo, assim, o referido facto dado como não provado transitar para os factos provados.
31. Os Autores para prova dos factos alegados nos arts. 60 e 61 da petição inicial juntaram as competentes certidões de nascimento, respectivamente, como documentos n°s 13 e 14 com a petição inicial, fazendo prova plena da sua data de nascimento.
32. Os factos constantes nos artigos 60 e 61 necessária e obrigatoriamente tem que ser dados como provados por documento autêntico.
33- Entendem os Autores que o acto impugnado e o auto de vistoria subjacente ao mesmo são nulos, não podendo ser exigido aos Autores a execução das obras, por não cumprir os requisitos e formalismos legais impostos, incluindo aqueles que estão previstos no artigo 90º do Decreto- Lei 555/99.
33. No entendimento dos Autores não foram cumpridos a pormenorização das obras e trabalhos totais a realizar e os valores parcelares referentes a cada obra e trabalho, assim como não foi detalhada a descrição de causa-efeito entre as deficiências encontradas e as respectivas consequências.
34. Não foram pormenorizados os trabalhos de avaliação do estado da capacidade da estrutura de madeira, incluindo a escada, com a substituição e/ou reforço dos elementos estruturais nem foi indicado o respectivo custo e valor parcelar para estes trabalhos, conforme resulta expressamente do auto de vistoria e do facto dado como provado no ponto 15 da douta sentença, nomeadamente no respectivo ponto 4 do documento de vistoria.
35. Quanto a este ponto não foi efectuada a descrição exaustiva dos trabalhos e obras a executar, ou seja, não refere em concreto os trabalhos de intervenção a efectuar para o valor e custo parcelares da operação dos mesmos, que é Imposto por lei pela previsão do n° 4 do artigo 90º do Decreto- Lei 555/99.
36. A vistoria não descreve a relação causa-efeito entre as deficiências encontradas e as consequências das mesmas e não se encontra devidamente fundamentado no que conceme à descrição do estado do imóvel.
37. Por outro lado, o auto de vistoria, para além de não descrever o estado do imóvel, não identifica o seu estado de conservação, determinando o seu nível de conservação de acordo com os orts. 4 e 5 do Decreto-Lei n° 266- B/2012, prevendo expressamente este preceito legal atribuição dos níveis de conservação desde o n° 1 a 5 - Péssimo, Mau, Médio, Bom e Excelente.
39- No auto de vistoria não é mencionado o estado do imóvel, que inclui a identificação do seu estado de conservação, conforme está previsto expressamente nos n°s 4 e 5 do artigo 90º,que remetem para o artigo 5ºdo Decreto- Lei n° 266- B/2012.
40- No processo administrativo da Câmara, nomeadamente no parecer Genérico de fls 8 a 10, referindo-se também ao artigo 90º do Dec. Lei 555/99, concretamente no ponto 8 refere o seguinte: "Os técnicos deverão ter cuidado na elaboração do seu lado:
f. Identificação do imóvel,
g. Descrição pormenorizada do mesmo e cio seu estado,
h. Com igual pormenorização das obras e/ou trabalhos a realizar, com indicação de custos parcelares.
i- Respondendo a todos os quesitos.
j- Devendo ser descrita a relação causa-efeito entre as deficiências encontrados e as consequências das mesmas".
41- Referindo ainda no ponto 11 do referido parecer que: "A vistoria é, nestes casos, uma formalidade necessária e tão importante que goza de presunção de legalidade: daí a necessidade de ser bem feito".
42- Na informação constante de fls. 18 do PA, menciona-se no ponto 3 "(...) a necessidade de cumprimento das formalidades constantes desta lei para realização de tal vistoria e quantificação exaustiva, na parte dos peritos, dos trabalhos e valores necessários na operação de conservação que se imponham".
43- No parecer do processo administrativo de fIs. 40 e seguintes, consta expressamente que no auto de vistoria, os senhores peritos devem proceder à descricão Individual de todos os trabalhos e cada uma das obras. Individualmente, por parcelas e apresentar o custo de cada uma.
44- Resulta efectivamente que o auto de vistoria em causa não cumpre os requisitas e formalismos legais impostos por lei e que o Réu no próprio processo administrativo reconhece expressamente as formalidades e os repuisitos que devem ser cumpridos cara se considerar o auto de vistoria e acto válidos e legais.
45- O douto despacho da Câmara Municipal de C... que ordena a realização das obras enferma de vícios legais, porquanto o auto de vistoria não cumpre os formalismos e requisitos legais impostos por lei, e viola claramente o Principio da legialidade.
46- Entendem os Autores que a Câmara Municipal (a Ré) não tem competência legal para determinar a realização das obras em causa, nomeadamente ao abrigo do disposto no artigo 69º n° 2 do Decreto -Lei 555/99 de 16/12.
47- No auto de vistoria, no despacho do chefe da divisão, ou em qualquer outro despacho do processo administrativo ou no despacho da Ré que ordena a realização das obras (despacho impugnado) não consta nem refere que está em causa a segurança das pessoas e a salubridade do imóvel que as obras impostas visam corrigir as suas condições de segurança ou de salubridade.
48- As vistorias anteriores efectuadas, nomeadamente 17/7/2002, 6/02/2003, 21/03/2006 e 17/05/2011 não podem ser conhecidas nem servir para colmatar as deficiências e as ilegalidades cometidas no auto de vistoria e acto impugnado na presente acção.
49- O tribunal apenas pode conhecer e pronunciar-se quanto ao auto de vistoria que está subjacente ao acto impugnado, que consubstancia o auto de vistoria de 21/01/2014.
50- Resulta do processo administrativo que há vistorias em que nem sequer foram elaborados os respectivos autos e outras em que os respectivos autos não foram homologados por não cumprirem as formalidades e requisitos legais, entre eles os imposto no artigo 90º do Decreto-lei 555/99 de 16 de Dezembro, conforme se alcança da informação/ parecer da página 18 do processo administrativo.
51- Da informação/parecer a fls. 18 do Processo Administrativo apenso, as duas vistorias e respectivos autos, o último a 06102/2003 não foram objecto de homologação, pelo que, não têm qualquer efeito vinculativo.
52- A vistoria realizada no dia 21/03/2006, a fls. 20 e seguintes do PA., a mesma foi alvo de um parecer (fls. 40 e seguintes) e o respectivo despacho (fls. que incidiu sobre o mesmo), foi proferido no sentido que o auto de vistoria realizado não cumpria as formalidades, incluindo as contempladas no artigo 90 do Decreto-lei n° 555/99 de 16 de Dezembro, por isso, considerou-se nulo e não foi homologado.
53- Da vistoria de 17/05/2011 (fls. 54), não foi elaborado qualquer auto de vistoria ou proferido despacho a ordenar a realização de quaisquer obras.
54- As anteriores vistorias e os autos foram considerados nulos por falta de cumprimento dos formalismos, não podendo legalmente servir para suprir deficiências e ilegalidades do auto e actos impugnados.
55- As vistorias e autos referidos nos pontos 4, 6, 7, 8, 9,10, 12,13 e 14 dos factos provados da douta decisão, não podem de modo algum ser tidos em conslderacão Pelo Tribunal e servir cara suprIr as deficiências da vistoria e o acto impugnado.
56- As vistorias anteriormente feitas, sem qualquer validade, eficácia ou carácter vinculativo não podem legalmente servir como meio de prova e sustentar que a Ré ordenou a execução das obras referente ao auto de vistoria em causa e despacho impugnado visando a correcção de más condições de segurança ou de salubridade ou de estética.
57- No auto de vistoria em causa, na enumeração dos trabalhos e na fundamentação para o realização dos mesmos, refere-se o seguinte: "De uma forma generalizada, para obviar a degradação da habitação e melhorar as condições de habitabilidade, impõe-se que o prédio por grau de prioridade deve ser intervencionado ao nível dos seguintes elementos:" - facto 15 dos factos provados.
58- Conclui-se assim, que no auto de vistoria não se justifica que a realização das obras e trabalhos tem como objectivo corrigir as más condições de segurança ou de salubridade, mas para melhorar as condicões de habttablildade, conforme se refere expressamente no auto de vistoria em causa transcrito no ponto 15 dos factos provados.
59- O auto de vistoria do acto que aqui se impugna não refere os riscos, as consequências do estado em que se encontra o imóvel, nomeadamente os riscos eléctricos, queda da varanda e telhado.
60- Atendendo que o auto de vistoria não refere o estado do imóvel, o risco e consequências nem diz que o prédio está a necessitar de obras por estar em risco a segurança ou salubridade do edifício, a Câmara Municipal não podia nem pode impor a realização das obras aos A.A.
61- As obras impostas, como substituição de caixilharias exteriores, de rufas e caleiros/algerozes, revisão da instalação eléctrica, reparação de revestimentos de paredes e tectos, pinturas de paredes interiores, exteriores e tectos, o tratamento e consolidação de uma grade de uma varanda, constituem obras que visam única e exclusivamente beneficiar a inquilina, a título de melhoramento de condições de habitabilidade, não se tratando de obras de conservação necessárias à correcção das más condições de segurança e salubridade.
62- Na situação vertente a Ré não tem competência nem legitimidade para determinar a execução das obras em causa, pois que em lado algum é mencionado que as obras são necessárias à correcção das más condições de segurança ou de salubridade ou melhoria de arranjo técnico, não estando preenchidos os requisitos legais impostos para determinar a sua acção.
63- Atendendo à relacão de arrendamento particular, e pretendendo a inquilina RE exigir obras dos A.A. que visam o melhoramento das condições de habitabilidade e conforto, teria esta de recorrer aos mecanismos legais previstos na lei para exigir dos A.A. as obras constantes no auto de vistoria.
64- Teria a inquilina de lançar mão de meio próprio nos tribunais judiciais, para discutir a realização dessas obras, ao abrigo do contrato de arrendamento e se há obrigação por parte do senhorio em realizá-las à sua conta.
65- A inquilina, ao invés de usar os mecanismos legais, recorreu à Câmara Municipal de C..., que ordenou a realização de uma vistoria, e está impor aos A.A. a realização das obras discriminadas no auto de vistoria de um custo orçamentado no mínimo exorbitante de 37.200,00€ (trinta e sete mil e duzentos euros).
66. Tal como é referido no auto de vistoria e no próprio parecer ou despacho do chefe de divisão, tais obras visam única e exclusivamente melhorar as condições de habitabilidade para a inquilina.
67. É referido no auto de vistoria "Daquilo que foi possível apurar no local, os problemas enunciados pelo reclamante são do foro privado-ponto 15 dos factos provados".
68. As obras discriminadas no auto de vistoria visam única e exclusivamente melhorar as condicões de habitabilidade e conforto da arrendatária.
69. A Câmara Municipal de C... está a impor obras no interesse privado e particular da arrendatária e não no Interesse público.
70. O prédio objecto de vistoria possui condições de habitabilidade, sendo que, as obras impostas são dispensáveis para habitação do prédio.
71. A Ré ao impor a realização das obras discriminadas no auto está a extravasar o âmbito dos seus poderes de actuação que lhe são permitidos e conhecidos por lei, violando assim, o princípio da justica e da legalidade, de harmonia com o preceituado no art. 3º do CPA.
72. Não podendo a douto decisão posta em crise justificar que as obras são necessárias à correcção de más condições de segurança ou de salubridade e arranjo técnico com base e fundamentando nos factos assentes nos pontos 6 e 8.
73. Como já foi referido tais vistorias e autos foram considerados inválidos, nulos e não foram homologados por não cumprirem as formalidades e requisitos legais não podendo servir de prova nem para colmatar as deficiências do auto e do acto impugnado, sob pena de violação do princípio da legalidade.
74. A vistoria e o douto despacho que ordena as obras em causa violam o princípio da proporclonalidade e constituem um verdadeiro e manifesto ABUSO DE DIREITO.
75. O custo total das obras orçamentadas no auto de vistoria ascende à quantia exorbitante de 37,200,00 €, acrescida do montante que se vier a apurar quanto à avaliação do estado de capacidade da estrutura de madeira, inclinada e lacada, com a substituição e/ou reforço de elementos estruturais (que não foi orçamentado no auto de vistoria).
76. O custo total das obras que será de montante superior ao mencionado no auto de vistoria, constitui uma prestação manifesta e gritantemente desproporcionada em relação à renda mensal que a arrendatária paga (30,00 €).
77. É necessário aferir a necessidade das obras e se as obras são adequadas à obtenção da finalidade visada, assim como tem de existir um equilíbrio entre o sacrifício imposto aos A.A. e o benefício que irá proporcionar, requisitos que devem ser considerados cumulativamente.
78. No caso concreto o sacrifício imposto aos A.A. é completamente desajustado à contraprestação da inquilina, pois tais obras consumiriam 1240 rendas mensais, ou seja, longínquos anos, nomeadamente 103 anos, originando uma situação de gritante desequilíbrio e de desproporcionalidade.
79. Tanto mais, tendo em conta a avançada idade dos A.A., já com mais de 70 anos.
80. Na situação dos autos há notória desproporção e desigualdade entre os sacrifícios impostos aos A.A. com a execução da obra e os benefícios que eles colhem das rendas, sendo manifestamente irrazoável, desequilibrado e injusto.
81. As obras não podem ser impostas aos A.A., por violação do princípio da proporcionalidade e da justiça estabelecido no artigo 5º n° 2 do CPA e nesse sentido vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 05/05/2011 no Proc. 0289/10 e de 26/10/1999, no Proc. 99A740.
82. A imposição das obras aos A.A., cujo valor ascende a tamanha quantia, acrescido ainda do que se vier a apurar quanto ao estado de capacidade da estrutura de madeira, excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, nos termos do art. 334 do Cód. Civil, constituindo uma clara situação de abuso de direito.
83. Para a execução de tais obras, era e é necessário que os A.A. dispusessem de condições financeiras e económicas para o efeito, ou seja, que dispusessem de mais de 37.200,00 €, o que não se verifica.
84. A Câmara Municipal, ao determinar a realização das obras do auto de vistoria, não está a prosseguir um interesse público mas privado, dado o que se pretende promover um maior conforto e melhores condições de habitabilidade, impondo aos A.A. um sacrifício patrimonial muito maior do que lhe é exigível face à lei.
85. Não estão reunidos os requisitos legais para ser exigido aos A.A. a realização das obras discriminadas no auto de vistoria, devendo assim, a acção ser julgada provada e procedente com as legais consequências, anular-se, declarar-se anulado, nulo e ilegal o douto despacho proferido pelo Vereador da Câmara Municipal de C... em 24/11/2014, que ordenou a realização das obras do auto de vistoria de 21/06/2014.
86- A douta sentença recorrida violou e viola o disposto nos arfs. 89 e 90 do Dec. Lei 555/99, de 16/12, arts. 30 e 5º n° 2 do CPA e art. 334 do Cód. Civil.
NESTES TERMOS
e nos mais de direito que V. Ex°s doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, em consequência, deverá:
a) Ser revogado o douto despacho recorrido de 19/10/2015 e substituído por um outro que defira a produção de prova testemunhal, designando dia e hora para a sua realização com audiência de julgamento, anulando-se todos os actos processuais que foram praticados posteriormente à prolação do referido despacho, com as legais consequências.
b) Ser revogada a douta decisão recorrida de 21/11/2016, julgando-se a acção provada e procedente e, em consequência, anular-se, declarar-se anulado, nulo e ilegal o douto despacho proferido pelo Senhor Vereador da Câmara Municipal de C... proferido em 24/11/2014 e que ordenou a realização dos obras discriminadas no auto de vistoria de 21/01/2014.
*
O recorrido não contra-alegou.
*
O Mº Pº, na pessoa da Exmª Procuradora-Geral Adjunta, emitiu parecer no sentido de não provimento do recurso.
*
Dispensando vistos, cumpre decidir.
*
Os factos, que o tribunal a quo elencou como provados:
1. Os autores são proprietários do prédio urbano composto por casa de rés-do-chão e primeiro andar, sito na Rua O…, n.os 68/70, freguesia de Vila Praia de Âncora, concelho de Caminha, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. 936 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o nº 3548/20100715 – cf. docs. 1 e 2 juntos com a PI, a fls. 19 e 20 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. RSE é arrendatária do 1.º andar do prédio identificado em “1.”– cf. doc. constante de fls. 1 do PA e docs. 4, 5 e 6 juntos com a PI, a fls. 25 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por reproduzido.
3. RSE solicitou, por requerimento de 10.05.2002, vistoria técnica ao prédio identificado em “1.”, para efeitos de “confirmar infiltrações, estado de conservação, falta de segurança, para que o senhorio efectue obras de reparação.” – cf. doc. constante de fls. 1 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
4. Na sequência do requerimento referido em “3.”, em 17.07.2002 foi realizada vistoria ao prédio identificado em “1.”, dela se lavrando “Auto de vistoria”, de onde consta, além do mais, o seguinte:
“Assim presentes deram os peritos início aos seus trabalhos e finda a vistoria
constataram que:
a) Trata-se de uma habitação de r/chão e 1.º andar de uma construção antiga.
b) O telhado da habitação da requerente apresenta-se em estado de ruína, com muitas infiltrações que acentuam a degradação da habitação e provocam a deterioração dos pertences da mesma;
c) A caixilharia em madeira encontra-se completamente degradada permitindo a entrada dos agentes atmosféricos;
d) A escada em madeira de acesso ao 1.º andar encontra-se em ruína constituindo um desafio à integridade física dos residentes;
e) A instalação eléctrica encontra-se obsoleta provocando curto circuitos a todo o momento;
f) Os anexos existentes no quintal, pertença do senhorio, estão ao abandono e em mau estado, sendo por essa razão um viveiro de todo o tipo de bicharada agravando a situação já de si precária da requerente.
Assim a comissão entende que para obviar a degradação da habitação e melhoria das condições de habitabilidade deverão ser realizados os seguintes trabalhos:
1) Reparação geral do telhado incluindo substituição dos elementos degradados;
2) Substituição da caixilharia exterior;
3) Reparação/substituição das escadas de acesso ao andar;
4) Reparação da instalação eléctrica com respeito pela legislação aplicável;
5) Limpeza e conservação dos anexos do senhorio instalados no quintal; (...).” – cf. doc. constante de fls. 6 e 7 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
5. Por ofício de 24.01.2003 o autor foi informado de que, em cumprimento de despacho do Vereador do Pelouro de Planeamento e Gestão Urbanística, se realizaria, no dia 06.02.2003, pelas 16h30, uma vistoria no prédio identificado em “1.” – cf. doc. constante de fls. 12 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
6. Em 06.02.2003 foi realizada vistoria ao prédio identificado em “1.”, dela se lavrando “Auto de vistoria”, de onde consta, além do mais, o seguinte:
«Assim presentes deram os peritos início aos seus trabalhos e verificaram não ter havido qualquer evolução favorável, relativamente às situações descritas na vistoria anterior e constantes do auto de 2002/07/17, as situações resultam ainda mais agravadas pelo decurso normal do tempo.
Constataram ainda o seguinte:
“Que para além do estado de degradação anterior, aumentaram as preocupações relativamente às condições de segurança na utilização do edifício, já que o pavimento do 1º andar, em soalho de madeira, apresenta ao nível a cozinha, um estado de degradação acentuado, sendo já visível pelo piso inferior, a ruptura eminente do soalho.
Para além da reparação acima descrita, somos de manter a necessidade de proceder às demais reparações já sumariadas no auto de vistoria de 2002/07/17 e constantes do seu penúltimo parágrafo.”» - cf. doc. constante de fls. 15 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
7. Por ofício de 23.02.2006 o autor foi convocado, na qualidade de proprietário do prédio identificado em “1.”, para comparecer na vistoria que se realizaria em 21.03.2006, pelas 10h00, mais se informando o autor do seguinte:
“De modo a dar cumprimento às formalidades legais preceituadas no n.º 2 do artigo 90º do referido diploma, o acto e fundamentação que determina a presente vistoria, foi na sequência de um pedido de vistoria, por parte da Sr.ª RSE, para efeitos de confirmação do estado de conservação do referido prédio.
Mais se notifica que, até à véspera da vistoria e conforme o estipulado no n.º 3 do artigo 90º do referido diploma, V. Ex.ª poderá indicar um perito e formular quesitos.” – cf. doc. constante de fls. 20 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
8. Em 21.03.2006 foi realizada vistoria ao prédio identificado em “1.”, na qual, além dos técnicos da demandada e delegada de saúde, estiveram presentes o autor, a inquilina e o perito por esta indicado, dela se lavrando “Auto de vistoria”, de onde consta, além do mais, o seguinte:
«Assim presentes, os peritos deram início à vistoria e, finda a mesma, concluíram o seguinte:
“O imóvel trata-se de uma casa de habitação composta por r/chão e andar e tratar-se-á de uma construção com mais de cinquenta anos. A estrutura e divisão interior assim o confirmam, sendo evidentes métodos construtivos da época (...).
A edificação é utilizada como habitação.
O imóvel apresenta problemas diversos, que a seguir se identificam, mas que desde já nos levam a concluir que estão em causa as condições de habitabilidade do imóvel:
A habitação apresenta sinais evidentes de infiltrações de água, como demonstra a degradação acentuada dos tectos no primeiro andar, com deformação acentuada num dos compartimentos e com risco de eminente desabamento. Daí se conclui, embora a vistoria efectuada não fosse extensiva ao desvão da cobertura, que a estrutura da mesma também estará em causa, assim como deteriorados os elementos de revestimento (telhas, rufos, caleiras);
Algumas paredes interiores/divisórias, do 1º andar, apresentam fissuras que denunciam assentamento da estrutura/vigamento de madeira da laje de tecto do r/chão;
As referidas lajes apresentam já, nalguns compartimentos, a inexistência de elementos fundamentais que garantem a sua estabilidade. O compartimento da cozinha, localizada no primeiro andar, representa já algum risco para a utilizadora por se observar um enorme buraco a partir do piso inferior. Toda a laje de piso do r/chão evidencia assentamentos;
A guarda da varanda localizada na fachada voltada à rua 5 de Outubro apresenta vibrações bastante acentuadas, estando também em causa a estabilidade das mesmas.
Por tal razão, desde já se desaconselha a utilização das mesmas;
Na mesma fachada vislumbram-se também fissuras no sentido vertical e desprendimentos de argamassas que revestem ou compõem a cornija aí existente;
As condições de conforto são muito reduzidas por se verificar, também, estado de ruína nalguns paramentos dos vãos exteriores (portas e janelas). A respectiva caixilharia, em madeira, encontra-se manifestamente degradada, permitindo entrada dos agentes atmosféricos. Nalguns casos, os referidos paramentos encontram-se praticamente inoperacionais;
A instalação eléctrica revela grande precariedade, desconhecendo-se os riscos que daí provenham, quando conjugados com as infiltrações referidas;
A instalação sanitária localizada no 1º andar e de construção mais recente evidencia igualmente infiltrações diversas;
Acrescenta-se que o esquentador, a gás instalado na cozinha, não se encontra munido de conduta eficaz para a exaustão de gases, por se verificar ainda que alguém procedeu ao tapamento do orifício da chaminé (único sítio para a provável exaustão) para minimizar o efeito da entrada das águas da chuva por esse orifício;
Assim, a comissão de vistorias conclui e propõe pela necessidade de se efectuarem urgentemente obras profundas com vista à garantia das condições de segurança das pessoas e salubridade necessária.”(...)» - cf. doc. constante de fls 27 e 28 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
9. Por ofício de 17.05.2006, os serviços do réu comunicaram ao autor o seguinte:
“Relativamente ao assunto em epígrafe e na sequência do requerimento apresentado na Secção de Obras, desta Câmara Municipal, em 2006/03/20, registado sob o n.º 859/06, fica V. Ex.ª por este meio notificado, por meu despacho de 2006/05/10 (...), para que no prazo de 30 dias a contar da recepção da presente notificação efectue as obras necessárias à eliminação das deficiências detectadas, nos termos do auto de vistoria, de que se anexa fotocópia.
Mais notifico V. Ex.ª que caso o tipo e característica de obra o exija deverá promover o respectivo processo de licenciamento. (...)» - cf. doc. constante de fls. 34 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
10. Por exposição dirigida ao Presidente da Câmara do réu, recebida pelos serviços em 12.06.2006, o autor informou o réu do seguinte:
“1 – O exponente foi notificado para, no prazo de 30 dias, proceder à realização das obras necessárias à eliminação das anomalias detectadas na vistoria efectuada ao seu prédio no dia 20 de Março de 2006.
2 – Acontece que, o exponente não tem condições financeiras que lhe permita custear a realização das obras discriminadas no auto de vistoria (...)
7 – Ora, as obras que se demonstram necessárias à eliminação das anomalias detectadas pela Câmara Municipal pelo auto de vistoria, são de grande envergadura, dado que alteram substancialmente o prédio em causa, ascendendo o seu custo a um montante avultado. (...)
12 – Sendo certo que, os senhores peritos concluíram no auto de vistoria que é necessário efectuar urgentemente obras profundas, ou seja, obras que têm a ver com a própria estrutura do prédio e que vão exigir uma alteração do mesmo, como por exemplo colocar placas e um telhado novo.
13 – Obras essas que, conforme já foi referido, o exponente e a sua esposa, senhorios, não têm condições financeiras para as realizar. (...)” – cf. doc. constante de fls. 38 e ss. do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
11. Em 20.02.2011 uma parte do tecto do prédio identificado em “1”, no compartimento correspondente ao quarto da inquilina RE desabou. – cf. fotografias constantes de fls. 49 e ss. do PA e docs. constantes de fls. 41 e ss., cujo teor se dá por reproduzido.
12. No dia 17.05.2011 foi realizada vistoria ao prédio identificado em “1.” – cf. docs. constantes de fls. 54 e ss. do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
13. Por requerimento de 21.06.2011 dirigido ao Presidente da Câmara do réu, RE solicitou informação sobre o resultado da vistoria referida em “12.” – cf. doc. constante de fls. 61 e ss. do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
14. Em resposta a ofício datado de 08.11.2013, RE informou os serviços do réu que se mantinham os pressupostos que haviam motivado a sua exposição de 21.06.2011. – cf. docs. constantes de fls. 66 e 67 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
15. Em 21.01.2014 foi realizada vistoria ao prédio identificado em “1.”, na qual, além dos técnicos da demandada e representante da Unidade de Saúde, estiveram presentes representantes do autor e da inquilina, RE, dela se lavrando “Auto de vistoria”, de onde consta, além do mais, o seguinte:
“(...) Assim presentes deram os peritos início aos trabalhos, tendo constatado o seguinte:
a) O prédio em questão, casa de habitação composta por rés-do-chão e andar, pelas características construtivas que apresenta, (...) evidencia tratar-se de uma construção com mais de cinquenta anos. Embora se refira que em tempos idos o piso de menor cota tenha tido uma utilização de comércio, hoje, o prédio é utilizado na sua globalidade como habitação.
b) O imóvel apresenta problemas diversos, que a seguir se identificam, que põe em causa a segurança e as condições de habitabilidade.
c) No decorrer dos trabalhos foram realizados os levantamentos estruturais e das anomalias visíveis através da inspecção com ensaios não destrutivos ou pouco intrusivos, cuja informação obtida serviu de suporte à avaliação da segurança estrutural por parte desta comissão e cujas patologias se passam a descrever:
Exteriormente:
d) Na fachada voltada à rua O…, vislumbram-se fissuras no sentido vertical e despreendimento de argamassas de revestimento que compõe a cornija existente.
e) A guarda da varanda localizada na fachada voltada ao arruamento apresenta problemas de fixação pondo em causa a sua utilização.
f) Em termos globais todos os elementos que compõem a fachada apresentam mau estado de conservação .
g) A porta exterior de acesso ao hall da escada, no quadrante sul, encontra-se inutilizada devido ao seu estado de podridão.
Interiormente ao nível do rés-do-chão:
h) No paramento lateral à escada de acesso ao andar e no paramento do distribuidor interior de passagem para o logradouro exterior, são visíveis eflorescências de salitre aparentemente provocadas pela cristalização à superfície de sais solúveis que são transportados pela humidade, provocando a degradação do revestimento que nela foi aplicado.
i) Na área de comércio (ou que em tempos serviu para o efeito), o pavimento, em taco de madeira, encontra-se em mau estado de conservação. As paredes apresentam alguma fissuração de uma forma generalizada, com desprendimento do revestimento do tecto, junto à porta de entrada norte, aparentemente provocado por humidades ou infiltrações de água.
j) Os demais compartimentos, cujo uso não se encontra definido, e utilizados como arrumos, apresentam despreendimento do revestimento das paredes e tetos, neste último em algumas situações com queda também dos elementos de suporte, provocado, ao que tudo leva a crer, por infiltrações de água provenientes do piso superior ou cobertura.
Interiormente ao nível do primeiro andar
k) A instalação sanitária, de construção mais recente, apresenta problemas de infiltração de água proveniente essencialmente da cobertura. A janela e a porta de acesso encontram-se danificadas.
l) Também se encontram inutilizáveis a janela e a porta situados no hall da cozinha com a instalação sanitária. Estes elementos apresentam-se bastantes putrefatos, com vidros partidos e ausência de betumes para sua fixação.
m) Na cozinha são visíveis problemas de humidade e deterioração do pavimento em madeira. Conforme se vislumbrou no compartimento imediatamente inferior a este, ocorreu já substituição de pavimento por apodrecimento e queda do inicial, segundo relato dos residentes.
n) Ainda neste compartimento são visíveis no teto indícios de ter ocorrido um curto-circuito elétrico, que segundo a inquilina foi motivado pela infiltração de água.
o) Nos restantes compartimentos, salas de refeição e estar e quartos, de uma forma generalizada, todos eles apresentam fissuração dos revestimentos, descasque de tinta e infiltrações de água essencialmente nas paredes e tetos em contato com os paramentos exteriores ou paredes em contato com os edifícios adjacentes. De realçar que na sala de estar e no quarto voltado ao arruamento, parte do teto ruiu e foi "desenrascada" uma reparação, por parte da inquilina, com placas de gesso cartonado. Em alguns compartimentos a infiltração é de tal ordem que pinga água.
p) Nos vãos exteriores, voltados à rua 5 de Outubro, as caixilharias (porta e janelas) e soleiras de madeira, encontram-se manifestamente degradadas, com ausência de elementos, com vidros soltos por carência de betumes, sem qualquer tratamento ou pintura, que permitem a entrada dos agentes atmosféricos. Alguns caixilhos estão mesmo inoperacionais.
- Quanto à relação causa-efeito entre as deficiências encontradas e as consequências das mesmas é a comissão de parecer, que:
i. As infiltrações verificas [sic] são essencialmente nas paredes e tetos em contato com os paramentos exteriores ou com os edifícios adjacentes. Embora a vistoria efetuada não tenha sido extensiva à cobertura, presume-se que estas infiltrações são originárias do telhado (telhas, rufos, caleiros), certamente por se encontrarem em mau estado de conservação ou terem atingido o seu tempo de vida útil.
ii. As fissuras visíveis em algumas paredes divisórias interiores, ao nível do primeiro andar, denunciam assentamento da estrutura de madeira (vigamento) da laje do piso elevado. No compartimento imediatamente inferior ao da cozinha, motivado pela queda de partes do teto do piso térreo, foi possível vislumbrar que a estrutura de suporte em madeira revela sinais patológicos dos quais se realça o apodrecimento superficial.
iii. A nível de perda de aptidão para o uso estrutural, podemos referir a presença de água como elemento responsável pela degradação superficial por apodrecimento.
iv. Toda a instalação elétrica revela grande precariedade, desconhecendo-se os riscos que daí provenham, contudo, quando conjugados com as infiltrações referidas resultam, num elevado risco elétrico.
v. Ao nível da degradação do funcionamento dos elementos construtivos como um todo (portas, janelas, soleiras, soalho), podemos indicar como exemplo a perda de estanquidade à água dos elementos de junta em portas ou janelas (betumes), a desafinação das ferragens, associado a envelhecimento, degradação superficial por apodrecimento e deficiente manutenção. Dilatações ou retrações elevadas da madeira causadas por ajustamento às condições ambientais em serviço e que provocam aberturas de grandes juntas entre as peças ou empolamento e outras deformações irreversíveis.
De uma forma generalizada, para obviar a degradação da habitação e melhorar as condições de habitabilidade, impõe-se que o prédio por grau de prioridade deve ser intervencionado ao nível dos seguintes elementos:
1. Reparação geral da cobertura, com substituição de elementos degradados, substituição de rufos e caleiros/ algerozes.
2. Substituição de todas as caixilharias exteriores.
3. Revisão ou substituição das telas de impermeabilização da cobertura plana da instalação sanitária.
4. Avaliação do estado de capacidade da estrutura de madeira, incluindo a escada, com a substituição e/ou reforço de elementos estruturais.
5. Revisão de toda a instalação elétrica.
6. Reparação dos revestimentos de paredes e tetos incluindo o tratamento de salitres.
7. Pinturas de paredes interiores, exteriores e tetos.
8. Tratamento e consolidação da grade da varanda.
- As obras e/ou trabalhos a realizar, de acordo com o grau de prioridade acima estabelecido assumem, segundo esta comissão, os seguintes custos parcelares, apurados por métodos expeditos:
1. Reparação geral da cobertura, com substituição de elementos degradados, substituição de rufos e caleiros/algerozes. (3.500,00 €)
2. Substituição de todas as caixilharias exteriores. (6.800,00 €)
3. Revisão ou substituição das telas de impermeabilização da cobertura plana da instalação sanitária. (200,00 €)
4. Avaliação do estado de capacidade da estrutura de madeira, incluindo a escada, com a substituição e/ou reforço de elementos estruturais. (visto a estrutura se encontrar oculta, não se afigura possível a determinação do custo de reparação).
5. Revisão de toda a instalação elétrica. (8.000,00 €)
6. Reparação dos revestimentos de paredes e tetos incluindo o tratamento de salitres. (14.500,00)
7. Pinturas de paredes interiores, exteriores e tetos. (4.000,00 €)
8. Tratamento e consolidação da grade da varanda. (200,00 €)
A descrição dos trabalhos e a sua determinação de custos assenta no pressuposto da manutenção da estrutura de suporte e das demais especialidades de instalações de gás, redes prediais de águas e esgotos e instalações telefónicas.
- Daquilo que foi possível apurar no local, os problemas enunciados pela reclamante são do foro privado.
- E para constar se lavrou o presente auto que vai ser devidamente assinado pelos intervenientes.” – cf. doc. constante de fls. 77 e ss. do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
16. Por ofício de 28.04.2014 o autor foi informado do seguinte:
Relativamente ao assunto em epígrafe e na sequência da vistoria efectuada em 21 de janeiro de 2014, notifica-se V. Ex.ª, por meu despacho de 24 ABR. 2014, proferido no uso de competência subdelegada pelo Presidente da Câmara, para que no prazo de 20 dias, a contar da data da receção da presente notificação, se pronuncie quanto ao teor do auto de vistoria e da obrigatoriedade de proceder às obras indicadas para a correcção das más condições de salubridade e tendo em conta o disposto no artigo 89.º do Decreto-Lei 555/99, de 16 de Dezembro, na sua redação actual.” – cf. doc. constante de fls. 79 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
17. Por documento entregue nos serviços do réu em 23.05.2014, o autor apresentou resposta, alegando, no essencial, a desnecessidade das obras referidas no auto de vistoria, a desproporcionalidade entre o custo com a realização das obras e a renda auferida, bem como a incapacidade financeira dos proprietários. – cf. doc. constante de fls. 81 e ss. do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
18. Em 30.06.2014 foi elaborada informação pelos serviços do réu – cf. fls. 91 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
19. Sobre a informação referida em “18”, em 11.07.2014 foi emitido parecer com o seguinte teor:
“Da análise do processo torna-se necessário que os serviços da DUOPE informem sobre o seguinte: se o prédio que foi objecto de vistoria possui condições de habitabilidade ou se apenas carece de determinadas obras de conservação ordinária.” – cf. fls. 91 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
20. Sobre a informação referida em “18” foi exarado, em 11.07.2014, despacho com seguinte teor:
“À comissão de vistoria (...) para, na medida do possível e de forma objectiva, concretizar se existem condições para manter a habitabilidade do prédio e, bem assim, se as condições de segurança estão em causa. Esta informação é imprescindível para definir a posição que a CM deverá assumir neste caso.” – cf. fls. 91 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
21. Em 05.08.2014 foi elaborada “Informação Técnica” com o seguinte teor:
“No seguimento do despacho de 11/7/2014 (fls. 91) informa-se que, em virtude das patologias enunciadas no auto de vistoria de 20/1/2014 (fls. 77), considera-se que existe no edifício uma forte exposição a um conjunto de riscos que podem por em causa a integridade física dos inquilinos e, como tal, condicionar a utilização do mesmo.
De notar que, como referido no auto de vistoria, se desconhece o estado de segurança e/ou conservação da estrutura da cobertura.” – cf. fls. 93 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
22. Por ofício de 15.10.2014 os serviços do réu informaram o autor do seguinte:
“Relativamente ao assunto referido em epígrafe, notifica-se V/ Exa., por meu despacho de 03/10/2014, proferido no uso de competência subdelegada pelo Presidente da Câmara, para que no prazo de 20 dias, a contar da receção da presente notificação, dê cumprimento ao disposto no auto de vistoria de 21/01/2014, procedendo à correção das más condições de salubridade existentes, e tendo em conta o disposto no preceituado no artigo 89, do Decreto – Lei n.º 555/99, de 16/12, na sua redação atual.
Assim, nos termos do preceituado no n.º 1, do art. 101º, do Código de Procedimento Administrativo, dispõe de um prazo de 10 dias (úteis), a contar da data da recepção do presente ofício, para se pronunciar, com a cominação de, nada dizendo, no prazo indicado, se entender que concorda com o meu despacho que, então, será definitivo, sem necessidade de qualquer outra decisão.” – cf. doc. constante de fls. 95 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
23. Por documento entregue nos serviços do réu em 04.11.2014, o autor apresentou resposta, reiterando, no essencial, o vertido no documento mencionado em “17” – cf. doc. constante de fls. 97 e ss. do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
24. Em 18.11.2014 foi elaborada informação pelos serviços do réu, onde se concluiu, além do mais, o seguinte:
“(...) Em sede de audiência prévia ao proprietário, nada de novo foi careado [sic] para o processo, sendo que o requerimento apresentado pelo mesmo, em 04/11/14, nada vem acrescentar ao que foi apresentado em 23/05/14. (...)
Assim reitero a minha informação de 30/06/2014, pelo que o senhorio do prédio em mau estado de conservação e más condições de salubridade, deverá proceder de imediato à realização das obras descritas no auto de vistoria supramencionado.” – cf. doc. constante de fls. 108 e ss. do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
25. Por requerimento entrado nos serviços do réu em 13.01.2015 o autor informou-o acerca da instauração da presente acção administrativa especial, requerendo a suspensão do processo até obtenção de decisão judicial. – cf. doc. constante de fls. 116 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
*
O mérito da apelação:
I)O recurso do despacho interlocutório.
É admissível no recurso final a impugnação do despacho interlocutório em causa.
A crítica tem por fundamento a dispensa de produção de prova testemunhal a recair sobre:
- o contexto em que foi celebrado o contrato de arrendamento verbal e o montante da renda que a arrendatária paga pelo arrendado;
- a omissão no auto de vistoria da pormenorização das obras ou trabalhos a realizar com indicação dos custos parcelares, nomeadamente no que toca a avaliação da capacidade da estrutura de madeira, incluindo a escada com a substituição e/ou reforço dos elementos estruturais, e a determinação do respectivo custo;
- a falta de capacidade financeira para os A.A. executarem as obras, e que são reformados e não trabalham, não possuindo liquidez para efectuar as obras.
Improcede:
- é irrelevante o contexto de celebração; quanto ao montante da renda, não foi afastada actividade probatória, tendo antes sido objecto de julgamento da sentença, que consignou como “não provado” «O valor de renda mensal auferido pelos autores, como contrapartida do arrendamento do prédio identificado em “1” dos factos provados é de € 30,00», motivando que “os autores limitam-se a juntar três extractos bancários de onde consta um “depósito em numerário” no valor de € 30,00. Tal documento é manifestamente insuficiente para comprovar que o mesmo valor se reporta a uma qualquer relação de arrendamento, quanto mais à concreta contraprestação da ocupação do prédio em causa nos presentes autos, a título de arrendamento. Afigura-se, em todo o caso, que este documento é insusceptível de suprir a insuficiência documental ocasionada com a não apresentação de um qualquer recibo de renda, cuja emissão, como é consabido, resulta de imperativo legal (não obstante a natureza alegadamente verbal do contrato celebrado).”.
- quanto ao que esteja omisso no auto de vistoria, ele próprio faz prova;
- no mais, é matéria que irreleva, como adiante se completará.
II)O recurso da sentença.
→ Sobre os factos.
Os recorrentes entendem que não pode ser atendido como facto provado o assim consignado : “11. Em 20.02.2011 uma parte do tecto do prédio identificado em “1”, no compartimento correspondente ao quarto da inquilina RE desabou. – cf. fotografias constantes de fls. 49 e ss. do PA e docs. constantes de fls. 41 e ss., cujo teor se dá por reproduzido.”
Não põem em causa o juízo de veracidade, em si mesmo.
Mas, avançam em razão de não poder ser dado como provado : por não ter sido alegado pelas partes (conclusão 10).
Todavia.
Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
os factos instrumentais que resultem da instrução da causa – art.º 5º, nº 2, a), do CPC.
Em atenção aos interesses em discussão, pode o facto ter-se como instrumental.
Não tem de ser alegado pelas partes e antes pode ter fonte terceira.
Sendo o meio de prova, no caso, não a testemunhal, antes a documental junta; não carecendo de ser facto constante de “documento autêntico”.
“De acordo com o princípio dispositivo cabe às partes alegar os factos essenciais e concretizadores que integram a sua causa de pedir, necessários à procedência do pedido, não estando vedado ao Tribunal de considerar oficiosamente os factos instrumentais, no caso de os mesmos resultarem dos documentos constantes dos autos ou insertos no processo administrativo.” – Ac. do TCAS, de 20-12-2012, proc. nº 05085/09.
Foi do que o tribunal “a quo” se serviu e foi o que fez.
Sem quebra de contraditório, pois que constando do processo administrativo a prova (já) constituída, é pela notificação da sua junção – que os autos comprovam ter sido feita – que o notificado tem oportunidade.
Não infirma a prova do facto levado a 11. do probatório um non liquet em despacho junto a fls. 46 e 47 do PA, nem o arquivamento de um processo crime.
.Os recorrentes pretendem ainda que, de não provado” que «O valor de renda mensal auferido pelos autores, como contrapartida do arrendamento do prédio identificado em “1” dos factos provados é de € 30,00», antes deva ser tida tal afirmação como provada “face aos factos dados como provados na douta sentença e elementos probatórios carreados para os autos, mormente a documentação carreada para os autos, ofícios e pareceres constantes do processo administrativo no âmbito do Processo as Obras n° 297/02 e do teor do douto despacho de 19/10/2015” e a não controvérsia por banda do réu.
Não é pelo que melhor detalham desses factos e elementos, nem da falta de oposição quanto ao ponto por banda do réu, que se oferece diferente solução.
A procura de demonstração do erro, por tais apontamentos, não dá específica contrariedade para com a motivação avançada pelo tribunal “a quo”, de que que “os autores limitam-se a juntar três extractos bancários de onde consta um “depósito em numerário” no valor de € 30,00. Tal documento é manifestamente insuficiente para comprovar que o mesmo valor se reporta a uma qualquer relação de arrendamento, quanto mais à concreta contraprestação da ocupação do prédio em causa nos presentes autos, a título de arrendamento. Afigura-se, em todo o caso, que este documento é insusceptível de suprir a insuficiência documental ocasionada com a não apresentação de um qualquer recibo de renda, cuja emissão, como é consabido, resulta de imperativo legal (não obstante a natureza alegadamente verbal do contrato celebrado).”.
Os recorrentes impugnam o resultado do julgamento mas sem concreta contrariedade ao que foi razão de ser do julgamento, a assinalada insuficiência documental.
Lembram que os documentos 4/5/6 juntos com a p. i. (movimentos bancários) indicados foram pelo tribunal “a quo” como suporte de afirmação do arrendamento, o que (bem, ou mal que tenha sido esse julgamento), não colocam em causa, mas entendendo que se para tanto serviram “os mesmos necessária e obrigatoriamente têm de constituir meio de prova documental para demonstrar e provar o valor da renda mensal de € 30,00.
Mas esse é um plano argumentativo de coerência lógica.
Que até se pode reputar como correcto.
Mas que não afasta persistência da razão avançada, a de “insuficiência documental” para prova de que «O valor de renda mensal auferido pelos autores, como contrapartida do arrendamento do prédio identificado em “1” dos factos provados é de € 30,00».
E para tanto é o meio de prova que há-de conduzir, não a simples harmonia.
O que se recolhe dos documentos 4/5/6 juntos com a p. i. é apenas que entre Setembro e Novembro de 2014, três depósitos de € 30,00 forma feitos; sem que daí se saiba por quem, e ao que deram satisfação.
Por último, os recorrentes pretendem que sejam dadas como provadas as suas idades, por via de certidões de nascimento que foram juntas, que reputam de documento autêntico.
É matéria que não tem de participar num específico elenco fáctico; antes a ter em consideração na elaboração da sentença como factos provados por documento, e na medida da relevância que possam revestir.
→ Sobre o direito.
A reacção dos autores/recorrentes teve lugar após notificação datada de 24/11/2014 (doc. nº 7 da p. i.):
«(…)
ASSUNTO: PROC.297/02 - Awo DE VISTORIA- RUA 5 O…, VPA
Relativamente ao assunto referido em epígrafe, notifica-se V / Exa., do teor da informação jurídica de 18/11/2014, cuja cópia se anexa.
Assim dispões do prazo de 20 dias, a contar da receção da presente notificação, para dar cumprimento ao disposto no auto de vistoria de 21/01/2014, procedendo à correção das más condições de salubridade existentes, e tendo em conta o disposto no preceituado no artigo 89, do Decreto - Lei n0555/99, de 16/12, na sua redação atual.
Com os melhores cumprimentos,
(…)».
Os recorrentes apontam baterias ao auto de vistoria, que, concluem, não cumprirá com os requisitos e formalidades legais.
Vejamos o que, sobre as maleitas do auto de vistoria, se escreveu na sentença:
«(…)
a) Do vício de violação de lei
Começam os autores por invocar que o acto impugnado padece de vício de violação de lei, por não cumprir com os requisitos impostos pelo art. 90.º do DL n.º 555/99, maxime ao nível da descrição exaustiva das obras e respectivos valores, envolvidos no suprimento das deficiências encontradas, assim como na descrição da relação de causa-efeito entre as deficiências encontradas e as respectivas consequências.
Vejamos.
Dispõe o art. 90.º do DL 555/99, de 16.12 (com a redacção em vigor, que lhe foi dada pelo DL n.º 266-B/2012, de 31.12):
“1 - As deliberações referidas nos n.os 2 e 3 do artigo 89.º são precedidas de vistoria a realizar por três técnicos a nomear pela câmara municipal, dois dos quais com habilitação legal para ser autor de projeto, correspondentes à obra objeto de vistoria, segundo o regime da qualificação profissional
dos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projetos.
2 - Do ato que determinar a realização da vistoria e respetivos fundamentos é notificado o proprietário do imóvel, mediante carta registada expedida com, pelo menos, sete dias de antecedência.
3 - Até à véspera da vistoria, o proprietário pode indicar um perito para intervir na realização da vistoria e formular quesitos a que deverão responder os técnicos nomeados.
4 - Da vistoria é imediatamente lavrado auto, do qual constam obrigatoriamente a identificação do imóvel, a descrição do estado do mesmo e as obras preconizadas e, bem assim, a s respostas aos quesitos que sejam formuladas pelo proprietário.
5 - A descrição do estado do imóvel, a que se refere o número anterior, inclui a identificação do seu estado de conservação, apurado através da determinação do nível de conservação do imóvel de acordo com o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 266-B/2012, de 31 de dezembro, e na respetiva regulamentação.
6 - O auto referido no n.º 4 é assinado por todos os técnicos e pelo perito que hajam participado na vistoria e, se algum deles não quiser ou não puder assiná-lo, faz-se menção desse facto.
7 - Quando o proprietário não indique perito até à data referida no n.º 3, a vistoria é realizada sem a presença deste, sem prejuízo de, em eventual impugnação administrativa ou contenciosa da deliberação em causa, o proprietário poder alegar factos não constantes do auto de vistoria, quando prove que não foi regularmente notificado nos termos do n.º 2.
8 - As formalidades previstas no presente artigo podem ser preteridas quando exista risco iminente de desmoronamento ou grave perigo para a saúde pública, nos termos previstos na lei para o estado de necessidade.
No que toca aos aspectos invocados pelos autores, respeitantes à descrição dos trabalhos necessários e aos respectivos valores, dispõe apenas o n.º 4 da norma citada, requisitando-se neste âmbito, apenas, “a identificação do imóvel, a descrição do estado do mesmo e as obras preconizadas”.
No que toca à relação causa-efeito, entre as deficiências descritas e as respectivas consequências, nenhuma menção se lhes faz, como se constata, no texto legal vindo de citar.
Ainda assim, a partir do teor do auto de vistoria, transcrito para a factualidade assente (supra, “15.”), evidencia-se o cumprimento cabal e exaustivo do dever que resultaria para o réu da norma legal e, mais ainda, a adição de elementos que, muito embora não expressamente requisitados pelo texto legal, ainda assim coadjuvam a fundamentação e inteligibilidade do acto impugnado, aí se referindo, expressamente:
“- Quanto à relação causa-efeito entre as deficiências encontradas e as consequências das mesmas é a comissão de parecer, que:
i. As infiltrações verificas [sic] são essencialmente nas paredes e tetos em contato com os paramentos exteriores ou com os edifícios adjacentes. Embora a vistoria efetuada não tenha sido extensiva à cobertura, presume-se que estas infiltrações são originárias do telhado (telhas, rufos, caleiros), certamente por se encontrarem em mau esta do de conservação ou terem atingido o seu tempo de vida útil.
ii. As fissuras visíveis em algumas paredes divisórias interiores, ao nível do primeiro andar, denunciam assentamento da estrutura de madeira (vigamento) da laje do piso elevado. No compartimento imediatamente inferior ao da cozinha, motivado pela queda de partes do teto do piso térreo, foi possível vislumbrar que a estrutura de suporte em madeira revela sinais patológicos dos quais se realça o apodrecimento superficial.
iii. A nível de perda de aptidão para o uso estrutural, podemos referir a presença de água como elemento responsável pela degradação superficial por apodrecimento.
iv. Toda a instalação elétrica revela grande precariedade, desconhecendo-se os riscos que daí provenham, contudo, quando conjugados com as infiltrações referidas resultam, num elevado risco elétrico.
v. Ao nível da degradação do funcionamento dos elementos construtivos como um todo (portas, janelas, soleiras, soalho), podemos indicar como exemplo a perda de estanquidade à água dos elementos de junta em portas ou janelas (betumes), a desafinação das ferragens, associado a envelhecimento, degradação superficial por apodrecimento e deficiente manutenção. Dilatações ou retrações elevadas da madeira causadas por ajustamento às condições ambientais em serviço e que provocam aberturas de grandes juntas entre as peças ou empolamento e outras deformações irreversíveis.
De uma forma generalizada, para obviar a degradação da habitação e melhorar as condições de habitabilidade, impõe-se que o prédio por grau de prioridade deve ser intervencionado ao nível dos seguintes elementos:
1. Reparação geral da cobertura, com substituição de elementos degradados, substituição de rufos e caleiros/ algerozes.
2. Substituição de todas as caixilharias exteriores.
3. Revisão ou substituição das telas de impermeabilização da cobertura plana da instalação sanitária.
4. Avaliação do estado de capacidade da estrutura de madeira, incluindo a escada, com a substituição e/ou reforço de elementos estruturais.
5. Revisão de toda a instalação elétrica.
6. Reparação dos revestimentos de paredes e tetos incluindo o tratamento de salitres.
7. Pinturas de paredes interiores, exteriores e tetos.
8. Tratamento e consolidação da grade da varanda.
- As obras e/ou trabalhos a realizar, de acordo com o grau de prioridade acima estabelecido assumem, segundo esta comissão, os seguintes custos parcelares, apurados por métodos expeditos:
1. Reparação geral da cobertura, com substituição de elementos degradados, substituição de rufos e caleiros/algerozes. (3.500,00 €)
2. Substituição de todas as caixilharias exteriores. (6.800,00 €)
3. Revisão ou substituição das telas de impermeabilização da cobertura plana da instalação sanitária. (200,00 €)
4. Avaliação do estado de capacidade da estrutura de madeira, incluindo a escada, com a substituição e/ou reforço de elementos estruturais. (visto a estrutura se encontrar oculta, não se afigura possível a determinação do custo de reparação).
5. Revisão de toda a instalação elétrica. (8.000,00 €)
6. Reparação dos revestimentos de paredes e tetos incluindo o tratamento de salitres. (14.500,00)
7. Pinturas de paredes interiores, exteriores e tetos. (4.000,00 €)
8. Tratamento e consolidação da grade da varanda. (200,00 €)
A descrição dos trabalhos e a sua determinação de custos assenta no pressuposto da manutenção da estrutura de suporte e das demais especialidades de instalações de gás, redes prediais de águas e esgotos e instalações telefónicas.
- Daquilo que foi possível apurar no local, os problemas enunciados pela reclamante são do foro privado.
- E para constar se lavrou o presente auto que vai ser devidamente assinado pelos intervenientes.” [sublinhados nossos]
Transparece, pois, pelo excerto do auto de vistoria transcrito, e designadamente pelos segmentos realçados, que se procedeu, escrupulosamente, à descrição da relação de causa-efeito existente entre as deficiências encontradas e as respectivas consequências, assim como aos custos dos trabalhos, indicados por referência a cada grupo ou conjunto de trabalhos, com os respectivos custos parcelares.
Não só se cumpriu rigorosamente com as exigências que resultam da norma legal em referência, como se superou, largamente, o imperativo decorrente da norma quanto ao conteúdo do acto – que além do mais, como os próprios autores confessam, era integrado de uma série de informações, pareceres e mesmo autos de vistoria, resultantes de sucessivas diligências.
Conclui-se, assim, à evidência, a insubsistência da alegação dos autores neste ponto, soçobrando, sem mais, a argumentação dos autores no que respeita ao vício de violação de lei.
(…)».
Agora em recurso, os recorrentes reeditam razões já julgadas.
Olvidando o préstimo de garantia do recurso.
Recordam-se os «Acórdãos do STA, de 15.03.2007 e 19.12.2006, in Processos n.º 0209/05 e n.º 0594/06, onde expressivamente se afirma que "O objeto do recurso jurisdicional é a sentença recorrida e não o ato administrativo sobre que esta se pronunciou, o que obriga o Recorrente a demonstrar nas alegações e conclusões do recurso o desacerto daquela sentença, indicando as razões que o levam a concluir pela sua anulação ou alteração. Se o não fizer, e se se limitar a repetir os argumentos que o levaram a impugnar o ato recorrido, o recurso terá, fatalmente, de improceder" e que "O recurso jurisdicional tem por objeto a sentença recorrida e não o ato contenciosamente impugnado, o que obriga o recorrente a dirigir a sua crítica à sentença pelos erros que esta cometeu e que devem conduzir à sua revogação, improcedendo o recurso se o recorrente, na sua alegação, se limita a atacar o ato administrativo contenciosamente impugnado, não fazendo qualquer referência crítica às razões e fundamentos da sentença recorrida. Como tem sido reafirmado por este STA, designadamente pelo Pleno (cfr., por todos, o Ac. Pleno da 1ª Secção de 21.09.2000, rec. 38.828), o recurso jurisdicional tem por objeto a sentença recorrida e não o ato contenciosamente impugnado, o que obriga o recorrente a dirigir a sua crítica à sentença pelos erros que esta cometeu e que devem conduzir à respetiva revogação, improcedendo o recurso se o recorrente na sua alegação, se limita a atacar o ato administrativo contenciosamente impugnado, não fazendo qualquer referência crítica às razões e fundamentos específicos da sentença recorrida"» (in Ac. deste TCAN, de 22-09-2017, proc. nº 2134/14.5BEPRT).
Ademais, os recorrentes trazem à liça matéria nova não tratada na sentença recorrida, e que se não depara à presente instância como de conhecimento oficioso, sendo que “a alegação em questão corporiza uma nova causa de pedir que apenas veio a ser invocada em sede de alegações de recurso jurisdicional de apelação e, como tal, em total desrespeito do disposto, nomeadamente, nos arts. 78.º, n.º 2, al. g), e 91.º, n.ºs 5 e 6, do CPTA, não suscetível ou passível de ser cognoscível no quadro dos limites e poderes de pronúncia definidos no art. 95.º do mesmo Código, que por isso também não resulta infringido.” (Ac. do STA, de 14-12-2016, proc. n.º 0101/16).
E é claro que, naquilo que foi fundamento supra transcrito levado à sentença, sem que se reconheça abalo pelo que é apontado no recurso, é de manter.
Mais reeditam os recorrentes a imputação de vício de incompetência.
O que consta da sentença não deixa dúvidas quanto à improcedência:
«(…)
b) Do vício de incompetência
Invocam os autores, nesta matéria, que a Câmara Municipal não tem competência legal para determinar a realização das obras em causa.
Fundam o seu entendimento no facto de se tratar de uma relação de arrendamento particular.
Vejamos, atentando na norma reguladora da matéria – o art. 89.º do mencionado DL n.º 555/99. Aí se estabelece:
“1 - As edificações devem ser objeto de obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos, devendo o proprietário, independentemente desse prazo, realizar todas as obras necessárias à manutenção da sua segurança, salubridade e arranjo estético.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a câmara municipal pode a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, determinar a execução de obras de conservação necessárias à correção de más condições de segurança ou de salubridade ou à melhoria do arranjo estético.
3 - A câmara municipal pode, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, ordenar a demolição total ou parcial das construções que ameacem ruína ou ofereçam perigo para a saúde pública e para a segurança das pessoas.
4 - Os atos referidos nos números anteriores são eficazes a partir da sua notificação ao proprietário.
O teor da norma é claro, não consentindo quaisquer dúvidas em matéria de competência da Câmara Municipal para a determinação da execução de obras necessárias à correcção de más condições de segurança ou de salubridade ou à melhoria do arranjo estético.
Assim, no que toca à “competência” daquele órgão municipal para a prática do acto impugnado, resultando a mesma expressamente do enunciado da norma, há-de concluir-se forçosamente pela falência da alegação dos autores, também neste ponto.
A esse propósito, d e resto, se estabeleceu no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 06.03.2015 (proc. n.º 01552/11.5BEPRT, disponível em www.dgsi.pt) precisamente o seguinte:
“O artigo 89.º do RJUE versa sobre as competências que são atribuídas à Administração Municipal no âmbito do dever de conservação do património edificado, reconhecendo-lhe o poder de ordenar a realização das obras de conservação necessárias, seja no âmbito das obras de conservação que devem ser efetuadas em todos os edifícios, pelo menos, uma vez por cada período de 8 anos (n.º1/89.º), seja no âmbito das obras necessárias à correção de más condições de segurança e salubridade (n.º2/89.º).
(…)».
A imputação de incompetência mais (a)parece também tirada por consequência ao que, fruto da alegação dos autores, também variegado confluiu no que na sentença foi assim tratado:
«(…)
c) Do vício de desvio de poder
Os autores prosseguem a sua alegação sustentando que as obras impostas pela Câmara Municipal não constituem obras necessárias para assegurar a segurança das pessoas, salubridade e habitabilidade do prédio.
Assim, destinando-se os trabalhos cuja realização é imposta ao mero “melhoramento das condições de habitabilidade de conforto”, estar-se-ia a prosseguir um fim privado, ao invés de finalidades de interesse público, legalmente acometidas ao Município.
Vejamos.
Do mencionado artigo 89.º resulta, efectivamente, que o executivo municipal pode determinar a realização de obras necessárias à correcção de más condições de segurança ou de salubridade, mais se mencionando, todavia, e desde logo, a melhoria do arranjo estético.
Deparamo-nos, por conseguinte, com uma questão de fácil constatação: a mera melhoria do arranjo estético pode ser razão bastante para se determinar imperativamente a realização de obras pelo proprietário, não se exigindo, forçosamente, que esteja em causa a salubridade ou a segurança das pessoas.
Por outro lado, do elenco de factos assentes resulta abundantemente que as razões que levaram à prática do acto se prendem, justamente, com a segurança das pessoas, a salubridade e a habitabilidade do prédio.
Tais razões encontram-se exaustivamente documentadas no acervo de elementos que integram o Processo Administrativo junto aos autos, todas conhecidas dos autores, por terem intervindo pessoalmente nas diligências de que resultaram tais documentos ou por terem sido notificados do respectivo teor.
Assim, e ilustrativamente, consta da materialidade apurada para o probatório que as razões que determinaram a imposição de realização de obras se prendiam com o seguinte:
- telhado em estado de ruína, causa, além do mais, infiltrações que provocam deterioração dos pertences da inquilina;
- caixilharia em madeira completamente degradada permite a entrada dos agentes atmosféricos;
- escada em ruína, “constituindo um desafio à integridade física dos residentes”;
- instalação eléctrica obsoleta, provoca curto-circuitos recorrentes;
[cf. “4” dos factos assentes]
- aumento das preocupações relativamente às condições de segurança na utilização do edifício: pavimento do 1º andar, em soalho de madeira, apresenta ao nível da cozinha um estado de degradação acentuado, sendo já visível pelo piso inferior, a ruptura eminente do soalho;
[cf. “6” dos factos assentes]
- sinais evidentes de infiltrações de água;
- degradação acentuada dos tectos no primeiro andar, com deformação acentuada num dos compartimentos e com risco de eminente desabamento;
- fissuras nas paredes interiores;
- na cozinha, localizada no 1º andar, observa-se um enorme buraco a partir do piso inferior, com risco para a utilizadora;
- guarda da varanda apresenta vibrações bastante acentuadas, estando também em causa a estabilidade das mesmas, desaconselhando-se a sua utilização;
- estado de ruína nalguns paramentos dos vãos exteriores;
- a instalação eléctrica revela grande precariedade, desconhecendo-se os riscos que daí provenham, quando conjugados com as infiltrações referidas;
- a instalação sanitária evidencia igualmente infiltrações diversas;
- o esquentador a gás instalado na cozinha não se encontra munido de conduta eficaz para a exaustão de gases, por se verificar ainda que alguém procedeu ao tapamento do orifício da chaminé;
- a comissão de vistorias conclui e propõe pela necessidade de se efectuarem urgentemente obras profundas com vista à garantia das condições de segurança das pessoas e salubridade necessária;
[cf. “8” dos factos assentes]
- a porta exterior de acesso ao hall da escada, no quadrante sul, encontra-se inutilizada devido ao seu estado de podridão;
- eflorescências de salitre aparentemente provocadas pela cristalização à superfície de sais solúveis;
- também se encontram inutilizáveis a janela e a porta situados no hall da cozinha com a instalação sanitária, os quais se apresentam bastante putrefactos, com vidros partidos e ausência de betumes para sua fixação;
- em alguns compartimentos a infiltração é de tal ordem que pinga água;
[cf. “15” dos factos assentes].
De todos os elementos descritos resulta, comprovadamente, estar em causa a segurança das pessoas assim como as condições de salubridade do prédio.
Se outros elementos fossem necessários para a demonstração do que vem de se afirmar, acresce ainda que, como se sinalizou em “11” dos factos assentes, em 20.02.2011 uma parte do tecto do prédio identificado em “1”, no compartimento correspondente ao quarto da inquilina RE desabou.
Fica, em suma, demonstrado à saciedade que é justamente a segurança das pessoas e a salubridade que se encontra posta em causa pelas condições em que se encontra o prédio da propriedade dos autores.
Não se prosseguem, por conseguinte, outros interesses que não os interesses de ordem pública que por imposição legal cumpre ao Município prosseguir.
Justamente neste sentido, de resto, se pronunciou o Tribunal Central Administrativo Sul, em acórdão de 24.04.2014 (proc. n.º 08063/11, disponível em www.dgsi.pt), do qual consta, além do mais, o seguinte:
“As competências previstas no artigo 89º, n.º 2, do RJUE, são competências próprias da Câmara, que se fundam no interesse público na conservação dos edifícios, do património edificado do Município, interesse que pode concorrer com o dos particulares, ora inquilinos, mas que não se confunde nem sobrepõe com os interesses próprios destes.” [sublinhados nossos]
Os interesses relativos à salvaguarda da segurança, salubridade e habitabilidade do edificado, no caso de construções destinadas à habitação consistem justamente em interesses de índole pública, que compete à administração municipal, também em linha do que se afirmou em acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, supra citado.
Não se verifica, então, qualquer vício de desvio de poder, carecendo os autores de razão,
também nesta parte.
(…)».
Os recorrentes atacam que esteja em causa segurança e salubridade do imóvel, antes que as obras só servem para melhorar as condições de habitabilidade.
Sem razão.
Sem antinomia, o que se pode expectar é que obras de intervenção que confiram segurança e salubridade, melhorem condições de habitabilidade.
O que no caso importa é se existe ou não fundamento.
Sem que assim tal signifique um desvio de poder.
A sentença, após análise, concluiu que sim, entendendo que “(…) do elenco de factos assentes resulta abundantemente que as razões que levaram à prática do acto se prendem, justamente, com a segurança das pessoas, a salubridade e a habitabilidade do prédio. Tais razões encontram-se exaustivamente documentadas no acervo de elementos que integram o Processo Administrativo junto aos autos (…) demonstrado à saciedade que é justamente a segurança das pessoas e a salubridade que se encontra posta em causa pelas condições em que se encontra o prédio da propriedade dos autores.”.
Os recorrentes colocam inciso em refutar a consideração de elementos documentais no acervo de elementos que integram o Processo Administrativo, mormente anteriores autos de vistoria.
Mas dessa motivação não sai beliscado o contributo com que serviram ao juízo de julgamento, no seu valor enquanto anteriores declarações de ciência que retractam um estado de coisas.
De todo o modo, ainda que assim se não entenda, focando atenção ao que por último tem espelho no processo administrativo, antes se vê suficientemente caracterizado fundamento afirmado.
E ainda que a sentença tenha ido além do que era confronto.
Tão só se enunciou e esteve em causa no procedimento a “correção das más condições de salubridade existentes”.
Envolve um conceito técnico.
Perante as circunstâncias, não se recolhe a existência de erro crasso; e antes com conforto se mostra preenchido o conceito, mesmo que amiúde nalguns pontos em margem de fronteira.
Mais tratou a sentença do seguinte:
«(…)
d) Da violação do princípio da proporcionalidade (abuso de direito)
Alegam os autores a existência de uma manifesta desproporção entre os sacrifícios que lhes são impostos com a execução da obra e os benefícios que os mesmos colhem das rendas, afigurando-se-lhes irrazoável, desequilibrada e injusta aquela imposição.
O acto impugnado estaria, assim, ferido de ilegalidade, por violação do princípio da proporcionalidade.
Apreciando.
O princípio da proporcionalidade impõe-se, efectivamente, como parâmetro orientador de toda a actuação administrativa.
Tanto decorre da sua consagração legal como princípio geral, no art. 5.º do Código do Procedimento Administrativo (em vigor à data dos factos).
A este respeito anota, em geral, a doutrina que este princípio se desdobra em três parâmetros de aferição da conduta administrativa, que requisitam que a mesma se revele (i) adequada, em termos de a medida adoptada ser idónea à consecução do fim vidado; (ii) necessária, devendo tratar-se da medida menos gravosa, entre as várias possíveis, para alcançar aquele fim e (iii) proporcional (em sentido estrito) ou equilibrada, de modo que a decisão não traduza um sacrifício excessivo face aos benefícios que dela advirão [neste sentido, entre outros, FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol II, 2ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2003, pp. 127 e ss. e MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES, JOÃO PACHECO DE AMORIM, Código do procedimento administrativo comentado, 2.ª ed., reimpressão, Coimbra, Almedina, 2007, p. 104].
Será justamente na vertente da proporcionalidade em sentido estrito, ou da proibição do excesso, que se reputa violado o princípio da proporcionalidade, por se entender que a medida é demasiado onerosa, para os autores, em confronto com o benefício que dela se pretende retirar.
Em primeiro lugar impõe-se referir que os autores não lograram fazer prova do facto relativo ao valor da renda, o que por si só inviabilizaria qualquer raciocínio atinente ao desequilíbrio entre este benefício, que para eles advém do arrendamento celebrado, relativamente ao sacrifício que lhes é imposto.
Por outro lado, os termos da equação que os autores formulam são a vários níveis desadequados, até mesmo falaciosos.
Explica-se.
Em primeiro lugar, o equilíbrio há-de ser aferido não em função da relação de arrendamento, particular e por natureza sinalagmática, ou à luz das respectivas prestações, mas sim em função dos benefícios e sacrifícios impostos com a adopção da decisão administrativa.
Ora, por referência a esta decisão, as duas prestações em oposição consistem na imposição de realização de obras (sacrifício) e na salvaguarda da saúde pública, segurança das pessoas e do edificado e salubridade do prédio de habitação (benefício).
Com efeito, no caso dos autos está em causa a imposição ao proprietário da realização de obras, ao abrigo de normas de direito público, em nome da salvaguarda daqueles interesses públicos ou colectivos. Não se trata, então, como parecem entender os autores, da imposição de obras ao senhorio, no âmbito das obrigações decorrentes de uma relação contratual de direito privado, em função dos interesses do inquilino.
Aliás, a imposição da realização de obras, nestes casos, é independente da existência de qualquer relação de arrendamento, tratando-se, em rigor, de exigir ao proprietário de edificação situada no Município (e, portanto, no âmbito do exercício dos respectivos poderes de vigilância e fiscalização urbanística) que aquele assegure que o mesmo cumpre com as exigências mínimas de segurança e salubridade.
As considerações dos autores relativas ao benefício que colhem com referência ao valor das rendas sempre se revelariam, a esta luz, falaciosas, justamente por não se estar perante um caso de desequilíbrio das prestações contratuais, à vista da sinalagmaticidade do arrendamento.
Por outro lado, e pelo mesmo motivo, não colhem os argumentos que o autor retira da jurisprudência citada, designadamente do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (e não Supremo Tribunal Administrativo, indicação que resultará certamente de lapso) de 26.10.1999 (proc. n.º 99ª740), invocado pelos autores.
De qualquer modo, escreveu-se em tal aresto, significativamente, o seguinte:
“A autora-recorrida pede a realização de obras absolutamente necessárias para o locado ter condições de habitabilidade, sendo certo que desde a celebração do contrato de arrendamento em 1966 jamais foram realizadas quaisquer obras, apesar das variadas insistências da inquilina e até notificação camarária.
Não fora essa atitude do senhorio e é evidente que as obras não teriam hoje o custo que foi orçamentado.
Já Cunha Gonçalves - "Tratado" IX, pág. 11, escrevia que a obrigação do senhorio de manter a fruição normal da coisa pelo locatário é uma obrigação contínua ou sucessiva "que se renova em cada dia até ao fim do arrendamento. Não basta que o prédio seja arrendado em bom estado, é preciso mantê-lo em bom estado fazendo as precisas reparações ou conserto".
Por outro lado, há a considerar que se a renda se mostra hoje desajustada, já assim não era aquando da celebração do arrendamento, sendo certo que têm sido aplicadas as actualizações fixadas por lei.
Deixando o senhorio intencionalmente degradar o locado, para depois invocar os altos custos da reparação e assim forçar o inquilino a sair ou, eventualmente, originar a demolição do prédio, estar se-ia perante um "venire contra factum proprium", se o senhorio viesse então invocar abuso de direito por parte do locatário.
Há ainda a ter em conta que a reparação do edifício implicará necessariamente a sua valorização.
Assim, mesmo que nos movêssemos no âmbito de uma relação contratual de foro privado, ainda nesse caso o confronto do benefício obtido com referência ao valor da renda é demasiado simplista e redutor, pois que, desde logo, as obras destinam-se a reparar o imóvel da propriedade dos autores, não podendo estes, em última análise, deixar de beneficiar com a valorização do locado delas resultante.
Por outro lado, relativamente ao valor das rendas, não pode obnubilar-se que, mesmo que o valor se encontre actualmente desajustado, e se possa reputar de desajustado, por referência ao valor de mercado actual, certo é que os autores se encontram, segundo os próprios alegam, a auferi-lo desde 1962: portanto, há 54 anos, não constando que desde então tenham despendido qualquer valor com obras de manutenção ou conservação.
Como se refere no acórdão parcialmente transcrito, a obrigação de manutenção e conservação do locado é uma das obrigações que impende sobre o senhorio, revestindo natureza contínua ou sucessiva, podendo ver-se nesta uma das contraprestações devidas relativamente à percepção de rendas.
Assim, mesmo sob a perspectiva do foro estritamente privado, não convencem as razões aduzidas pelo autor neste âmbito.
Não se demonstra, em conclusão, desproporção ou desequilíbrio entre os interesses salvaguardados e o encargo imposto aos autores.
Por fim, é pela mesma ordem de razões que não pode merecer acolhimento a tese do abuso de direito.
Na verdade, o abuso de direito configurar-se-ia necessariamente, mais uma vez, no âmbito da relação contratual, relacionando-se com a questão de saber se seria lícito ao inquilino que paga uma renda de valor reduzido exigir do senhorio a realização de obras com um elevado custo.
Não vale esta tese no caso dos autos, justamente porque a Administração está adstrita ao princípio da legalidade, não lhe restando outra opção, à luz dos imperativos legais decorrentes do art. 89.º do DL n.º 555/99, citado, senão determinar a realização de obras sempre que se constate que o prédio não possui condições de habitabilidade, segurança ou salubridade.
Assim, justamente por não estar em causa o exercício de qualquer direito por parte do réu, mas antes o cumprimento de um dever, no uso dos poderes que lhe são legalmente atribuídos, não tem aqui cabimento a argumentação relativa ao abuso de direito.
Carecem, por conseguinte, de razão os autores, também neste segmento, não se suscitando quaisquer dúvidas ou reservas quanto à observância, pelo réu, dos parâmetros normativos que imperam no caso dos autos.
(…)».
A temática vem agora reafirmada pelos recorrentes, alimentada pela suposição de um valor de renda de € 30,00.
Na ausência de afirmação desse pressuposto, esboroa-se o alicerce de motivo oposto em impugnação ao decidido em sentença, de naufrágio já aí assinalado, nada vindo contra o que a mais foi colocado em discurso, que, assim, acaba por ter contrita utilidade, tendo ao nível da actuação da ré sido observados os princípios que lhe incumbem, na medida de realização da solução legislativa, onde não participam outras razões (tais como a idade, reforma, capacidade financeira), o que não repugna em obrigação propter rem ou ob rem.
E, como ainda recentemente este TCAN observou «haja, ou não, relação locatícia, a lei impõe ao proprietário obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos (art.º 89º, n.º 1, do RJEU); mesmo situados fora da relação pública, as regras da relação privada, como se sabe, ditam lhe (senhorio) incumbir em primeira linha essas obras para assegurar o gozo da coisa locada.
Depois, também não podemos esquecer que O Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados habilita (e desde há bastantes anos) à realização dessas obras, por sua iniciativa e com disciplina repercutiva no sinalagma, na forma como o legislador, dentro da sua liberdade conformadora, entendeu dar concordância prática aos interesses dos sujeitos na relação.» (Ac. deste TCAN, de 12-04-2009, proc. n.º 165/17.2BEPRT).
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Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pelos recorrentes, solidariamente.
Porto, 12 de Julho de 2019.
Ass. Luís Migueis Garcia
Ass. Conceição Silvestre
Ass. Alexandra Alendouro