Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00402/13.2BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/30/2014
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Fernanda Esteves
Descritores:ACRÉSCIMO DE PATRIMÓNIO
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE PROVA
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:1. Verificada a situação prevista no artigo 87º, nº 1, alínea f) da LGT, cabe ao contribuinte comprovar corresponderem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo patrimonial ou da despesa efectuada (artigo 89º-A, nº 3 da LGT).
2. Tendo o contribuinte apresentado como justificação para os depósitos evidenciados na sua conta bancária, que esta foi utilizada na actividade comercial de uma sociedade de que o seu filho é sócio e, portanto, não se verificavam quaisquer incrementos patrimoniais na sua esfera jurídica, era necessário, no mínimo, que fosse feita a conciliação desses movimentos bancários com os registos contabilísticos da sociedade em causa para dessa forma demonstrar, como se lhe impunha, que aqueles estavam relacionados com a actividade desta sociedade.
3. Não é feita essa prova se os elementos probatórios disponíveis nos autos não permitem estabelecer qualquer correspondência, designadamente em termos de valores e de datas, entre os movimentos bancários relevados pela administração tributária e os decorrentes dos documentos contabilísticos da referida sociedade comercial e não foi apresentada qualquer justificação para isso pelo contribuinte.
4. A fundamentação formal do acto existe quando o autor do mesmo dá a conhecer as razões de facto e de direito que estão na base da decisão de modo tal que as mesmas se revelam apreensíveis para o seu destinatário.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

M… (Recorrente), NIF 1…, residente no Largo…, Chaves, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela na parte que julgou improcedente o recurso judicial que apresentou ao abrigo da norma do artigo 89º-A, nº 7 da Lei Geral Tributária (LGT) contra a decisão do Exmo. Senhor Director de Finanças de Vila Real, de 4 de Outubro de 2013, que lhe fixou o seu rendimento tributável no montante de 540 196,73 euros, a enquadrar na categoria G de IRS do ano de 2009, por avaliação indirecta.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

A) Embora a análise de fato feita pelo Tribunal a quo assuma como verdadeira a tese da Recorrente, a verdade é que fica aquém daquilo que se entende ter resultado da prova produzida: deveriam ter sido considerados como justificados mais movimentos da sua conta bancária e outros fatos, motivo pelo qual o presente recurso com visa desde logo a alteração da matéria de fato dada como provada e não provada, sem prejuízo da defesa da nulidade do ato recorrido por vício de falta de fundamentação.

B) Quanto ao Ponto 2 da matéria de fato dada como provada, a prova produzida com as informações prestadas pelas entidades bancárias e com o extrato da conta bancária da sociedade A…, Lda. (fls. 65 a 67) especifica que esta se tratava da única conta da sociedade, identifica de que conta se trata e concretiza quais os movimentos refletidos nessa conta.

C) Assim, o Ponto 2 deve passar a ter a seguinte redação: A sociedade A…, Lda. tinha uma única conta bancária, que se encontrava aberta junto do banco Montepio (então Finibanco), com o número 5…, na qual não se encontravam refletidas as vendas referidas no Ponto 1, nem quaisquer outros movimentos de compras ou outros, durante o exercício de 2009, que não consistam em pagamentos de comissões bancárias e imposto de selo.

D) Através dos Anexo I e II do relatório de inspeção tributária à A… Lda. (fls. 396 e ss.), ficamos a saber que aquela sociedade se dedicava às atividades de compra e venda de veículos automóveis usados e de intermediação na compra e venda de veículos automóveis usados, sendo dela única sócia e gerente a então nora da Recorrente, A…, e gerente de fato o seu filho A….

E) Através do extrato da conta bancária da A… Lda. (fls. 65 a 67), conjugado com as suas faturas/recibos de compras e vendas (fls. 69 a 204), completado pelo relatório de inspeção tributária (referência a páginas 14, fls. 396 e ss.), ficamos a saber que, durante o ano de 2009, não houve quaisquer movimentos na conta bancária da A… Lda. que não consistissem apenas em juros, imposto de selo e comissões bancárias, ou seja, que os valores relativos às suas compras e vendas não foram movimentados na sua conta bancária.

F) Através do extrato das contas bancárias da Recorrente (fls. 39 a 63) e da A… Lda. (fls. 65 a 67), conjugados com as suas faturas/recibo de compras e vendas (fls. 69 a 204), complementados pelo relatório de inspeção tributária (tabelas das páginas 26 e 27, fls. 396 e ss.), ficamos a saber que a A...Lda. continuou durante o ano de 2009 o exercício da sua atividade comercial, efetuando um conjunto significativo de compras (pelo menos de € 273.296,00) e de vendas (pelo menos de € 484.262,02 faturados e de € 476.796,13 com recibo emitido, acrescido de uma valor superior a € 150.000,00 não faturados).

G) Através das faturas/recibos de compras e vendas da A...Lda. (fls. 69 a 204) e do relatório de inspeção tributária (tabelas das páginas 26 e 27, fls. 396 e ss.), complementados pelo extrato da conta bancária da Recorrente (fls. 39 a 63), ficamos a saber que a A...Lda. tinha uma relação comercial com a S... que consistia na venda de veículos financiados por esta entidade, recebendo comissões pela angariação de clientes e recebendo diretamente o valor financiado aos clientes pelas compras dos veículos.

H) Mais ficamos a saber através daqueles elementos que, no ano de 2009, as vendas da A...Lda. financiadas pela S... atingiram o valor de financiamento de € 304.143,88 (correspondentes a trinta contratos de financiamento) e de comissões de € 93.600,84.

I) Através do extrato da conta bancária da Recorrente (fls. 39 a 63), ficamos a saber que, no ano de 2009, na sua conta existiu um elevado volume de depósitos (€ 562.050,63) e um elevado volume de pagamentos (€ 520.050,63), sendo os seus saldos bancários relativamente baixos ao longo do ano, iniciando o ano com um saldo de € 14.108,65 e terminando com um saldo de € 1.856,37.

J) Através do extrato das contas bancárias da Recorrente (fls. 39 a 63) e da A...Lda. (a fls. 65 a 67), conjugados com as suas faturas/recibos de compras e vendas (fls. 69 a 204), complementados pelo depoimento da testemunha A... que referiu que, por ter entrado em rutura com a esposa A..., deixou de poder movimentar a conta da sociedade, ficamos a saber que durante o ano de 2009 a conta bancária da Recorrente foi utilizada como conta bancária da A...Lda.

K) Através do extrato das contas bancárias da Recorrente (fls. 39 a 63) e da A...Lda. (a fls. 65 a 67), conjugados com as suas faturas/recibos de compras e vendas (fls. 69 a 204; veja-se a tabela junta como Documento n.º 9 da petição inicial a fls. 205 a 211) e através do relatório de inspeção tributária (cheque a páginas 6 do Anexo II, fls. 396 e ss.), a que acresce a informação prestada pela BCA, ficamos a saber que foram pagas através da conta da Recorrente, por intervenção exclusiva do seu filho A..., compras da A...Lda., em valor não inferior a € 82.812,00, representando mais de um terço das compras da sociedade nesse ano.

L) Através do extrato da conta bancária da Recorrente (fls. 39 a 63) ficamos a saber que, no ano de 2009, foi pago à S..., a partir da sua conta, a quantia de € 8.353,90, por débito direto com a referência IDD-00630189094-S... IFIC.

M) Através do extrato da conta bancária da Recorrente (fls. 39 a 63) e dos comprovativos de depósitos nessa conta assinados pela testemunha e filho da Recorrente A..., ficamos a saber que, no ano de 2009, o dito A..., gerente de fato da A...Lda., depositou na conta da Recorrente, cheques da S... no valor total de € 237.444,66.

N) Mais ficamos a saber através daqueles elementos que, no ano de 2009, a testemunha e filho da Recorrente, A..., gerente de fato da A...Lda., depositou ao todo na conta da Recorrente, em cheques e numerário quantia não inferior a € 493.776,30.

O) Através do extrato da conta bancária da Recorrente (fls. 39 a 63), conjugado com as suas faturas/recibo de compras e vendas (fls. 69 a 204), complementados pelo relatório de inspeção tributária (tabelas das páginas 12 e 27, fls. 396 e ss.), ficamos a saber que a partir de Outubro de 2009 os movimentos bancários da conta da Recorrente diminuem significativamente, deixando de se verificar depósitos de cheques da S... e pagamentos de compras na BCA, assim como diminuem as compras e vendas na A...Lda., cujo inventário ficou reduzido a apenas duas viaturas.

P) Quanto ao cliente S..., é claro que todos os depósitos de cheques seus na conta da Recorrente pelo seu filho dizem respeito à A...Lda.: é possível fazer a correspondência exata entre parte das faturas emitidas por comissões e cheques depositados na conta da Recorrente; esses depósitos foram sempre efetuados pelo filho da Recorrente e são em valor inferior ao total dos pagamentos à A..., , Lda.; o último depósito na conta da Recorrente coincide temporalmente com o último financiamento que esta efetuou a clientes da A...Lda.

Q) Perante estes elementos de prova assim analisados e explicados de forma objetiva e verificada documentalmente, deve o Ponto 3 assumir a seguinte redação: Pelo menos os seguintes movimentos a crédito na conta da recorrente no ano de 2009 correspondem a montantes recebidos pela sociedade A..., , Lda., fruto da atividade desta no seu relacionamento com a S...:

Data Depósito
Valores
08.01.2009
4.202,5 €
26.01.2009
9.003,38 €
5.500,14 €
5.207,20 €
09.02.2009
5.003,14 €
1.444,86 €
4.655,07 €
18.02.2009
7.950,05 €
9.000,00 €
25.02.2009
15.002,78 €
14.770,06 €
18.03.2009
18.033,00 €
11.503,90 €
24.03.2009
14.505,78 €
01.04.2009
1.261,34 €
5.003,48 €
8.481,00 €
5.898,60 €
13.04.2009
11.503,90 €
15.04.2009
6.953,43 €
21.04.2009
6.504,08 €
4.252,25 €
12.502,87 €
29.04.2009
6.118,95 €
06.05.2009
7.503,05 €
13.05.2009
9.500,99 €
29.05.2009
8.697,66 €
13.004,84 €
13.09.2009
4.476,06 €

E ainda os seguintes valores, fruto da atividade com outros clientes:

- o valor de € 5.000,00 depositado a 26.02.2009;

- o valor de € 11.750,00 depositado a 08.04.2009;

- o valor de € 7.500,00 depositado a 12.01.2009, através de cheque, corresponde à fatura 124 e recibo 102, de 20.02.2009;

No valor total de € 261.694,36 (duzentos e sessenta e um mil seiscentos e noventa e quatro euros e trinta e seis cêntimos).

R) Mais deve passar a fazer parte da matéria de fato provado o Ponto 1 da não provada com a seguinte redação: A quase totalidade dos movimentos na conta da Recorrente no ano de 2009 são os movimentos normais da atividade da A...Lda..

S) Devem ainda acrescer à matéria de fato dada como provada os pontos seguintes:

S.1) A A...Lda. dedicava-se às atividades de compra e venda de veículos automóveis usados e de intermediação na compra e venda de veículos 27 automóveis usados, sendo dela única sócia e gerente a então nora da Recorrente, A..., e gerente de fato o seu filho A....

S.2) A A...Lda. continuou durante o ano de 2009 o exercício da sua atividade comercial, efetuando um conjunto significativo de compras (pelo menos de € 273.296,00) e de vendas (pelo menos de € 484.262,02 faturados e de € 476.796,13 com recibo emitido, acrescido de uma valor superior a € 150.000,00 não faturados).

S.3) A A...Lda. tinha uma relação comercial com a S... que consistia na venda de veículos financiados por esta entidade, recebendo comissões pela angariação de clientes e recebendo diretamente o valor financiado aos clientes pelas compras dos veículos.

S.4) No ano de 2009, as vendas da A...Lda. financiadas pela S... atingiram o valor de financiamento de € 304.143,88 (correspondentes a trinta contratos de financiamento) e de comissões de € 93.600,84.

S.5) Durante o ano de 2009 a conta bancária da Recorrente foi utilizada como conta bancária da A...Lda..

S.6) No ano de 2009, foram pagas através da conta da Recorrente, por intervenção exclusiva do seu filho A..., compras da A...Lda., em valor não inferior a € 82.812,00.

S.7) No ano de 2009, foi pago à S..., a partir da conta da Recorrente, a quantia de € 8.353,90, por débito direto com a referência IDD-00630189094-S... IFIC.

S.8) No ano de 2009, A..., gerente de fato da A...Lda., depositou na conta da Recorrente, cheques da S... no valor total de € 237.444,66 e, no total, cheques e numerário em valor não inferior a € 493.776,30.

S.9) A partir de Outubro de 2009 os movimentos bancários da conta da Recorrente diminuem significativamente, deixando de se verificar depósitos de cheques da S... e pagamentos de compras na BCA, assim como diminuem as compras e vendas na A...Lda., cujo inventário ficou reduzido a apenas duas viaturas

T) Independentemente do valor de depósitos que venha a ser considerado como justificado, a esse valor deve em todo o caso acrescer o valor do saldo inicial da conta no início do ano de 2009 (€ 15.764,50), na medida em que não se refere a qualquer acréscimo patrimonial desse ano, mas sim à situação patrimonial já existente e não posta em causa.

U) Deve ainda acrescer ao valor de depósitos justificado o equivalente ao rendimento declarado pela Recorrente no exercício de 2009 (€ 5.885,50), uma vez que esse foi devidamente declarado e sujeito a tributação.

V) Objetivamente, estão reunidas condições para que seja dada como provada a tese da Recorrente, ou seja, que não devem ser considerados como acréscimo de património na sua esfera os valores que foram depositados na sua conta no ano de 2009, mas que correspondem a valores recebidos pela A...Lda. nesse ano, porque a sua conta bancária foi utilizada nesse ano como conta bancária desta sociedade, sendo o seu filho A..., gerente de fato da sociedade, que a movimentava.

W) O Tribunal a quo deu tal raciocínio como certo, mas acabou por considerar apenas um pequeno valor por não achar a correspondência documental exata entre todos os movimentos. No fundo, pretendia o Tribunal a quo que a Recorrente lograsse fazer a conciliação bancária entre a sua conta e a contabilidade da A...Lda.

X) Perante a demonstração acima efetuada de fatos que podemos ter como certos documentalmente, cremos que a exigência de tal correspondência é colocar sobre a Recorrente um excessivo e ilegal ónus probatório, resultado de uma interpretação inconstitucional do artigo 89.º-A, n.º 3 da Lei Geral Tributária, que inverte o ónus da prova, por ser desproporcional e violar o direito a um processo equitativo, assim pondo em causa o artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

Y) Aquilo a que a Recorrente estava obrigada nos termos da norma citada era a comprovar que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património. Conhece-se e percebe-se a exigência colocada sobre a Recorrente nesta sede, mas acredita-se que essa exigência foi plenamente cumprida, tendo provado que os depósitos na sua conta não lhe dizem respeito, i.e., não são acréscimos de património seus, nem sequer acréscimos de património, já que traduzem uma atividade comercial.

Z) O que é fundamental para a decisão destes autos conseguiu ficar explicado e provado de forma documental: a A...Lda. continuou a sua atividade comercial durante o ano de 2009, tendo o filho da Recorrente, enquanto gerente de fato, usado a sua conta para fazer a movimentação financeira da sociedade, comprando através dessa conta e depositando pagamentos nessa conta.

AA) Perante isto, que valor considerar como justificado nestes autos? Não o da sentença recorrida, que é claramente insuficiente, seja qual for o critério pelo qual nos procuremos orientar.

BB) Desde logo, atendendo a que da conta da Recorrente foram em 2009 pagas compras pelo menos no valor de € 82.812,00 à BCA, e juros no valor de € 8.353,90 à S..., é de supor que pelo menos o equivalente à soma desses valores em depósitos se refira à A...Lda. Não só porque os movimentos eram feitos pelo filho da Recorrente, A..., no âmbito da atividade daquela sociedade, mas também porque nada nos faz supor que a Recorrente suportasse tais compras com recursos que fossem seus. Pelo contrário, movimentando o seu filho a sua conta com à vontade, efetuando depósitos e pagamentos em volumes elevados, todos os elementos apontam no sentido de a mesma ser usada como conta da sociedade e de, portanto, tais recursos pertencerem à sociedade.

CC) Por outro lado, atendendo à relação com o cliente S..., em caso algum poderemos deixar de considerar como justificado pelo menos o valor de € 237.444,66, porque depositado pelo filho da Recorrente, A..., e porque inferior ao total pago ou entregue à A...Lda. nesse ano de 2009. Toda a prova indica de forma consistente e repetida que esses movimentos respeitam à sociedade e nada têm que ver com a Recorrente. Sublinha-se uma vez mais que tais depósitos não foram sequer feitos pela Recorrente.

DD) Não podemos deixar também de ter como provado que diz respeito à A...Lda. o valor de pelo menos € 476.796,13, que corresponde ao total faturado e recebido por essa sociedade no ano de 2009, porque a prova suporta de forma consistente que a grande parte dos movimentos da sociedade era feita na conta da Recorrente, sem a intervenção desta.

EE) Finalmente, atendendo a que sabemos da existência de subfacturação na esfera da A...Lda. na ordem dos € 150.000,00, entretanto detetada e sujeita a tributação, o que cremos que acaba por se revelar mais adequado é considerar como justificados todos os movimentos de depósito feitos na conta da Recorrente pelo seu filho A..., ou seja, o valor de € 493.776,30

FF) Quanto ao vício de nulidade por falta de fundamentação, se se referiu que a Recorrente está sujeita a exigência na sua prova, não pode deixar de se sublinhar que a Administração Tributária não está sujeita a uma menor exigência de fundamentação do seu ato, mas antes a um especial dever de fundamentação.

GG) Continuamos sem perceber de que forma a Administração Tributária chegou ao valor de € 543.346,73 como acréscimo de património. Esclarecimento que podia ter tentado na sua contestação mas que preferiu ignorar e que a própria sentença recorrida podia ter mas não tem.

HH) Estamos convictos que o Tribunal não deixará de julgar o ato recorrido nulo por falta de fundamentação sob pena de se manter no escuro a Recorrente quanto ao valor que lhe pretendem tributar. Pela simples razão de não acreditarmos, salvo o devido respeito, que o julgador logre ele próprio perceber a origem de tal valor. Se o mandatário não percebe, se o julgador não perceber, como se pode exigir ao cidadão destinatário do ato que perceba a decisão que contra si foi tomada?

Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, alterando-se a matéria de fato nos termos seguintes:

- alterando-se o Ponto 2 para a seguinte redação: A sociedade A..., , Lda. tinha uma única conta bancária, que se encontrava aberta junto do banco Montepio (então Finibanco), com o número 5…, na qual não se encontravam refletidas as vendas referidas no Ponto 1, nem quaisquer outros movimentos de compras ou outros, durante o exercício de 2009, que não consistam em pagamentos de comissões bancárias e imposto de selo.

- alterando-se o Ponto 3 para a seguinte redação: Pelo menos os seguintes movimentos a crédito na conta da recorrente no ano de 2009 correspondem a montantes recebidos pela sociedade A..., , Lda., fruto da atividade desta no seu relacionamento com a S...:

Data Depósito
Valores
08.01.2009
4.202,5 €
26.01.2009
9.003,38 €
5.500,14 €
5.207,20 €
09.02.2009
5.003,14 €
1.444,86 €
4.655,07 €
18.02.2009
7.950,05 €
9.000,00 €
25.02.2009
15.002,78 €
14.770,06 €
18.03.2009
18.033,00 €
11.503,90 €
24.03.2009
14.505,78 €
01.04.2009
1.261,34 €
5.003,48 €
8.481,00 €
5.898,60 €
13.04.2009
11.503,90 €
15.04.2009
6.953,43 €
21.04.2009
6.504,08 €
4.252,25 €
12.502,87 €
29.04.2009
6.118,95 €
06.05.2009
7.503,05 €
13.05.2009
9.500,99 €
29.05.2009
8.697,66 €
13.004,84 €
13.09.2009
4.476,06 €

E ainda os seguintes valores, fruto da atividade com outros clientes:

- o valor de € 5000,00 depositado a 26.02.2009;

- o valor de € 11 750,00 depositado a 08.04.2009;

- o valor de € 7.500,00 depositado a 12.01.2009, através de cheque, corresponde à fatura 124 e recibo 102, de 20.02.2009;

No valor total de € 261.694,36 (duzentos e sessenta e um mil seiscentos e noventa e quatro euros e trinta e seis cêntimos).

- aditando-se o seguinte ponto, que antes constava como Ponto 1 da matéria de fato não provada: A quase totalidade dos movimentos na conta da Recorrente no ano de 2009 são os movimentos normais da atividade da A...Lda.

- aditando-se o seguinte ponto: A A...Lda. dedicava-se às atividades de compra e venda de veículos automóveis usados e de intermediação na compra e venda de veículos automóveis usados, sendo dela única sócia e gerente a então nora da Recorrente, A..., e gerente de fato o seu filho A....

- aditando-se o seguinte ponto: A A...Lda. continuou durante o ano de 2009 o exercício da sua atividade comercial, efetuando um conjunto significativo de compras (pelo menos de € 273.296,00) e de vendas (pelo menos de € 484.262,02 33 faturados e de € 476.796,13 com recibo emitido, acrescido de uma valor superior a € 150.000,00 não faturados).

- aditando-se o seguinte ponto: A A...Lda. tinha uma relação comercial com a S... que consistia na venda de veículos financiados por esta entidade, recebendo comissões pela angariação de clientes e recebendo diretamente o valor financiado aos clientes pelas compras dos veículos.

- aditando-se o seguinte ponto: No ano de 2009, as vendas da A...Lda. financiadas pela S... atingiram o valor de financiamento de € 304.143,88 (correspondentes a trinta contratos de financiamento) e de comissões de € 93.600,84.

- aditando-se o seguinte ponto: Durante o ano de 2009 a conta bancária da Recorrente foi utilizada como conta bancária da A...Lda..

- aditando-se o seguinte ponto: No ano de 2009, foram pagas através da conta da Recorrente, por intervenção exclusiva do seu filho A..., compras da A...Lda., em valor não inferior a € 82.812,00.

- aditando-se o seguinte ponto: No ano de 2009, foi pago à S..., a partir da conta da Recorrente, a quantia de € 8.353,90, por débito direto com a referência IDD-00630189094-S... IFIC.

- aditando-se o seguinte ponto: No ano de 2009, A..., gerente de fato da A...Lda., depositou na conta da Recorrente, cheques da S... no valor total de € 237.444,66 e, no total, cheques e numerário em valor não inferior a € 493.776,30.

- aditando-se o seguinte ponto: A partir de Outubro de 2009 os movimentos bancários da conta da Recorrente diminuem significativamente, deixando de se verificar depósitos de cheques da S... e pagamentos de compras na BCA, assim como diminuem as compras e vendas na A...Lda., cujo inventário ficou reduzido a apenas duas viaturas 34

Em consequência, deve ser revogada a sentença recorrida e anulada decisão de avaliação de matéria coletável pelo método indireto proferida quanto à Recorrente pelo Diretor de Finanças de Vila Real, por despacho de 04 de Outubro de 2013.

O Recorrido contra - alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

O Exmo. Procurador - Geral Adjunto junto deste Tribunal teve vista nos autos, tendo emitido o parecer de fls. 629/631, no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.

Foram dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo [cf. artigos 36º, nº 2 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e 657º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC)].

Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente e delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões são as de saber: (i) se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto, ao não terem sido considerados provados factos alegados e, consequentemente, em erro de direito quanto ao invocado erro na quantificação; (ii) se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao concluir pela não verificação do vício de falta de fundamentação.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de Facto

2.1.1. O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma:

Factos Provados

1) Relativamente ao exercício de 2009, a sociedade A..., , Lda. emitiu as seguintes faturas e recibos relativos a vendas de automóveis:

Doc. 7 junto com a p.i.

Fatura
Recibo
Data
Valor
0118 0099 05.01.2009 € 23 861,21
0119 0101 06.01.2009 € 25 000,00
0120 0100 14.01.2009 € 14 000,00
012319.01.2009 € 4655,07
0124 0102 20.02.2009 € 7500,00
0125 0103 20.02.2009 € 3000,00
0126 0104 20.02.2009 € 9500,00
0127010620.02.2009 € 16 500,00
0128 0105 20.02.2009 € 7500,00
0129 0107 20.02.2009 € 6500,00
01300108 20.02.2009 € 11 500,00
0131 0109 20.02.2009 € 7000,00
0132 0110 20.02.2009 € 5000,00
01330111 20.02.2009€ 3000,00
0134 0112 20.02.2009 € 12 500,00
0135 0114 16.03.009 € 1261,34
0136 0113 16.03.2009 € 5898,60
0137 0115 01.04.2009 € 11 750,00
0138 0116 21.04.2009 € 6118,95
0139 0117 14.05.2009 € 6000,00
0141 0119 27.06.2009 € 7750,00
0142 0120 01.07.2009 € 4476,06
0143 0121 21.07.2009 € 5000,00
0144 0122 21.07.2009 € 10 000,00
0145 0123 21.07.2009 € 7000,00
0146 0124 21.07.2009 € 5000,00
0147 0125 21.07.2009 € 6000,00
0148 0126 21.07.2009 € 6000,00
0149 0127 21.07.2009 € 6000,00
0150 0128 21.07.2009 € 6000,00
0151 0129 21.07.2009 € 10 000,00
0152 0130 21.07.2009€ 12 000,00
01530131 21.07.2009 € 10 000,00
0154 0132 21.07.2009 € 11 000,00
0155 0133 21.07.2009 € 14 000,00
0156 0134 21.07.2009 € 8000,00
0157 0135 21.07.2009 € 6000,00
0158 0136 21.07.2009 € 18 000,00
0159 0137 21.07.2009 € 2500,00
0160 0138 21.07.2009 € 12 500,00
0161 0139 21.07.2009 € 17 500,00
0163 0140 05.08.2009 € 3800,00
0164 0141 17.08.2009 € 4000,00
0165 0142 24.08.2009 € 7000,00
0166 24.08.2009 € 11 000,00
0167 0144 24.08.2009 € 2500,00
0168 0145 24.08.2009 € 6500,00
0169 0146 28.08.2009 € 22 000,00
0170 0147 14.09.2009 € 15 000,00
0171 14.09.2009 € 1519,72
0173 22.09.2009 € 1291,10
0174 0148 30.09.2009 € 7500,00
0175 0149 30.09.2009 € 5500,00
0176 0150 19.10.2009 € 5500,00
0177 0151 21.12.2009 € 6380,00

2) A conta bancária da sociedade A..., , Lda não reflete as vendas referidas supra;

Doc. 6 junto com a p.i.

Fls. 402 e ss. dos autos

3) Os seguintes movimentos a crédito na conta da recorrente no ano de 2009 correspondem a montantes recebidos pela sociedade A..., , Lda, fruto da atividade desta:

 o valor de € 4655,07 depositado a 09.02.2009;

 o valor de € 5000,00 depositado a 26.02.2009;

 o valor de € 1261,34 depositado a 01.04.2009;

 o valor de € 5898,60 depositado a 01.04.2009;

 o valor de € 11 750,00 depositado a 08.04.2009;

 o valor de € 6118,95 depositado a 29.04.2009; e

 o valor de € 4476,06 depositado a 13.07.2009

4) Através do ofício n.º 5272, de 12.08.2013 a Administração Tributária notificou a recorrente para comprovar a origem e o destino de todos os movimentos da sua conta bancária em 2009 que fossem superiores a € 1000,00;

Artigo 10º da p.i.

P.A. - fls. 26

5) O ilustre mandatário da recorrente remeteu email à Direção de Finanças de Vila Real solicitando prazo adicional até 13 de Setembro para reunir os elementos pretendidos;

P.A. - fls. 26

6) Foi elaborado projeto de relatório de inspeção tributária, datado de 16.09.2013, tendo a recorrente sido notificada para o exercício do direito de audição a 17.09.2013;

P.A. - fls. 2 a 35

7) No anexo 6 ao relatório consta uma tabela com a discriminação dos movimentos a crédito detetados na conta bancária da recorrente junto da Caixa Crédito Agrícola do Alto Corgo e Tâmega de valor superior a € 1000,00, cuja soma totaliza o montante de € 543 346,73;

P.A. – fls. 27 e ss. do P.A.

8) Foi elaborado relatório de inspeção tributária, datado de 03.10.2013, no qual consta, entre o mais, o seguinte:

Doc. 4 junto com a p.i

IV - MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

IV.1 – Dos factos

1 – No dia 24 de Abril de 2013 foi notificada M… -NIF: 1…para no dia 13 de Maio de 2013 às 10h30m, proceder a apresentação na Agência do Rio - Rua do Rio - Chaves dos seguintes elementos (Anexo 1 ):

1- Fotocópia dos documentos de compra (Facturas/Documentos Equivalentes no caso de a compra ter sido feita a sujeitos passivos de imposto, Declaração de Compra no caso de particulares) dos veículos constantes no quadro seguinte, assim como, dos meios de pagamento utilizados (cheque, transferência bancária...);

2- Caso algum dos veículos constantes no quadro anterior já não faça parte do seu património pessoal, queira apresentar fotocópia do documento/declaração de venda, assim como, dos meios de pagamento utilizados (cheque, transferência bancária...);

2 – No dia, hora e local marcado, o sujeito passivo apresentou:

 Cópia das facturas de compra das viaturas: 07-FE-20, 10-DV-07, 22-97-LS, 30-IT-63, 34-HV-48, 34-45-UB, 72-FG-82, 81-EG-00 (facturas emitidas em nome de I... );

 Cópia das facturas de venda das viaturas: DV, IT, HV, UB, FG, EG (facturas emitidas por I...);

 Cópia do DAV do veículo GD, e a transferência da propriedade em Setembro de 2008;

 Cópia dos 2 Cheques que serviram para pagamento da viatura FC;

Tendo também referido que a viatura CL é a viatura de uso pessoal.

3 – Relativamente a compra da viatura matricula “FC", apenas apresentou os cheques de pagamento da compra, tendo sido ouvida no dia 13/05/2013 em Auto de Declarações, sobre: (Anexo 2)

1- Recorda-se a quem foi adquirida a viatura matrícula “FC”, marca AUDI R8 em 2009, e quem efectuou a compra da viatura.

2- Para pagamento da aquisição da viatura foram emitidos em 14/04/2009 e 14/05/2009, os cheques n° 0530525050 e n° 1430525049 da Caixa Crédito Agrícola do Alto Corgo e Tâmega, no valor de 60.000,00 €, cada, reconhece a assinatura que consta dos cheques?

3- A quem pertence a conta da qual foram emitidos os cheques?

4- Indique a origem dos montantes anteriormente referidos no ponto 2.

5- No âmbito do procedimento externo de inspecção, autoriza ou não, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos da alínea c) do n° 1 do artigo 63°-B da LGT, a aceder a informações e documentos bancários, assinando para isso, uma declaração escrita.

Tendo declarado que:

“1-A viatura foi adquirida em 2009 num stand em Barcelos, não me recordo o nome do stand. A compra foi efectuada por mim, o meu filho e o meu ex-marido, M…. A viatura foi adquirida em meu nome porque nessa altura o meu filho, A… estava em processo de divórcio.

2-A assinatura que consta nos cheques é do meu filho, A….

3- Inicialmente a conta foi aberta em meu nome e do meu marido, mas na altura do nosso divórcio (Outubro de 2007) a conta ficou só em meu nome. Nos cheques emitidos consta o nome do meu marido porque eram cheques antigos. O meu filho tem autorização para movimentar a conta.

4- Algum dinheiro já o tinha quando vim de França, outro foi recebido de herança da minha sogra e da madrinha do meu ex-marido.

5- Sim autorizo a Autoridade Tributária e Aduaneira a aceder a informações e documentos bancários.”

4 - De acordo com elementos recolhidos o veículo de marca Audi e matrícula FC foi adquirido por M…, NIF: 1…em 29/05/2009 à empresa F…, Lda, NIPC: 5…por 120.000,00 € (IVA incluído) (Anexo 3), e para o pagamento da compra foram emitidos os cheques n° 525050 e 525049 em 14/04/2009 e 14/05/2009, respectivamente, ambos no valor de 60.000,00. (Anexo 4)

5 - Tendo o sujeito passivo autorizado a AT de forma voluntária, a consultar e solicitar a informação necessária junto de todas as instituições financeiras, foi solicitado ao Banco de Portugal a divulgação e o pedido de informação junto de todas as instituições bancárias. Das diversas entidades bancárias que enviaram ofício a informar que o sujeito passivo era ou não seu cliente no período em análise, a Caixa de Crédito Agrícola de Douro, Corgo e Tâmega, CRL informou que o sujeito passivo era o único titular da conta n° 2…

6 - Em resultado da análise aos extractos bancários, foi notificado o sujeito passivo, através do Ofício n.° 5272 de 12/08/2012, para justificar e fundamentar a origem das entradas de montante superior a 1.000,00 €, na conta n° 4…da Caixa Crédito Agrícola do Douro, Corgo e Tâmega, CRL no ano 2009.

7 - No dia e hora marcados, o sujeito passivo não compareceu, tendo o advogado Dr. D…, em representação de M…, enviado no dia anterior um e-mail para a Direcção de Finanças (Anexo 5), no qual requer que seja concedido prazo adicional até ao próximo dia 13 de Setembro de 2013.

8 - Relativamente ao requerimento enviado, importa referir que o advogado Dr. David Salgado Areias não apresentou até ao momento procuração forense.

9 - No dia 13 de Setembro de 2013, o sujeito passivo não apresentou qualquer elemento. Deste modo, o sujeito passivo não respondeu à notificação, não tendo por isso identificado a proveniência dos movimentos a crédito/débito de valor superior a 1.000,00 € na conta bancária. Assim resulta que, o sujeito passivo não comprovou os motivos pelos quais entraram na sua esfera patrimonial os valores constantes no quadro anexo (Anexo 6).

IV.2. Da aplicação de métodos indirectos

A avaliação indirecta nos termos do n.° 1 do artigo 85° da LGT é subsidiária da avaliação indirecta, pelo que apenas se poderá aplicar quando não seja possível determinar a matéria tributável através de avaliação directa.

Assim, ao comparar os rendimentos declarados pelo sujeito passivo com o montante de acréscimo patrimonial evidenciado nas contas bancárias identificadas, verificamos que existe uma divergência superior a 100.000,00 € no período de tributação em análise.

Verificada esta situação conforme o n.° 3 do art. 89° - A da LGT, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte dos acréscimos patrimoniais evidenciados, não tendo o mesmo procedido a essa comprovação.

Neste sentido, face ao disposto na alínea f), do n.° 1 do art. 87° da LGT, a existência de uma divergência não justificada de, valor superior a 100.000,00 € entre os rendimentos declarados e o acréscimo patrimonial evidenciado pelo sujeito passivo, no mesmo período de tributação, legitima a aplicação da avaliação indirecta.

V - CRITÉRIOS E CÁLCLOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS

Pelo exposto anteriormente, encontram-se reunidas as condições legais para, de acordo com o estabelecido no n° 5 do artigo 89° -A, se considerar como rendimento tributável em sede de IRS, a diferença entre o acréscimo de património ou o consumo evidenciados e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação, a qual, de acordo com o n° 3 do artigo 9º do Código do IRS, será considerada como rendimento da categoria G.

No caso em apreço, o sujeito passivo declarou rendimentos no ano de 2009 no montante de 5.885,50 €, no entanto não apresentou documentos que comprovassem as entradas (depósitos em numerário e entregas de valores) na conta bancária:

 n.° 2233.40058934073 da Caixa de Crédito Agrícola de Douro, Corgo e Tâmega, CRL, no montante global de 543.346,73 €, pelo que o valor a considerar para efeitos de tributação será o seguinte:

APURAMENTO DO RENDIMENTO COLECTÁVEL

9) A recorrente beneficiou de uma herança de uma familiar que consistia em produtos de aforro que se encontravam contratados junto do Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, I.P.

Fls. 298 e ss. dos autos

III.2 - Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa, importa dar como não provados os seguintes factos:
1- A quase totalidade dos movimentos na conta da recorrente são os movimentos normais da atividade da sociedade comercial A...Lda;
2- A recorrente é pessoa de não ter as suas poupanças depositadas no banco, o que se deve a hábitos antigos e falta de confiança no sistema financeiro.
III.3 - Fundamentação da matéria de facto
A convicção do Tribunal baseou-se na análise dos documentos que foram juntos aos autos, bem como dos documentos que constituem o P.A. Os documentos em causa não foram impugnados e são especificados em cada um dos pontos.

Quanto ao facto provado 3) e ao facto não provado 1-, importa referir o seguinte.

Foi inquirida a testemunha A..., filho da recorrente, cujo depoimento se mostra insuficiente para demonstração da globalidade os factos a que a recorrente se propôs. A testemunha referiu que no ano de 2009, devido a problemas com a sua ex - mulher, passou a utilizar a conta da recorrente, tendo passado a fazer as compras e vendas da sociedade A..., , Lda, da qual era gerente de facto, através da conta bancária da mãe. A testemunha referiu também que não ia ao banco todos os dias, que às vezes juntava no mesmo depósito o pagamento relativo a duas ou três viaturas. Por fim, a testemunha referiu ainda que os clientes pagavam ou em cheque ou em dinheiro, sendo que havia clientes que exigiam fatura na hora e outros não, sendo que neste caso às vezes a fatura era passada algum tempo depois de ter sido recebido o meio de pagamento.

Ora, analisados os comprovativos de depósito juntos aos autos (fls. 347 a 395, e comparando tais comprovativos com as faturas/recibos relativos às vendas da sociedade A..., , Lda, constata-se que apenas quanto aos seguintes é possível estabelecer uma identidade quanto ao valor e uma proximidade quanto ao âmbito temporal em que os montantes foram depositados em relação às faturas/recibos: o valor de € 4655,07 depositado a 09.02.2009 (fls. 355), corresponderá à fatura 0123 de 19.01.2009 (fls. 75); o valor de € 5000,00 depositado a 26.02.2009 (fls. 359), corresponderá à fatura 0132/recibo 0110 de 20.02.2009 (fls. 92 e 93); o valor de € 1261,34 depositado a 01.04.2009 (fls. 366) corresponderá à fatura 0135/recibo0114 de 16.03.2009 (fls. 98 e 99); o valor de € 5898,60 depositado a 01.04.2009 (fls. 366) corresponderá à fatura 0136/recibo 0113 de 16.03.2009 (fls. 100 e 101); o valor de € 11 750,00 depositado a 08.04.2009 (fls. 368), corresponderá à fatura 0137/recibo 0115 de 01.04.2009 (fls. 102 e 103); o valor de € 6118,95 depositado a 29.04.2009 (fls. 375), corresponderá à fatura 0138/recibo 0116 (fls. 104 e 105); o valor de € 4476,06 depositado a 13.07.2009 (fls. 389), corresponderá à fatura 0142/recibo 0120 (fls. 109 e 110). Assim, tendo em consideração o depoimento da testemunha referida e a congruência entre o mesmo e os documentos juntos deu-se como provado o facto 3).

Por sua vez, na ausência de tal congruência entre os valores dos depósitos e os valores das faturas e recibos deu-se como não provado o facto 1-, dado que não ficou demonstrada que os demais montantes depositados na conta da recorrente constituem montantes provenientes da atividade da sociedade A..., , Lda.

Teve-se também consideração para dar como não provado o facto 1- o seguinte. Da análise das faturas/recibos emitidos resulta que as viaturas em causa foram vendidas a diversas pessoas, já que os nomes e os números de contribuinte são distintos. Apenas ressalta a identidade de faturas/recibos quanto à S... (fls. 71, 72,75, 98 a 101, 104, 105,109, 110,160, 161 a 165,

172 e 173), no montante global de € 93 560,84. Ora, da análise dos comprovativos de depósitos resulta que uma grande parte dos depósitos (quase metade do valor em causa) foram cheques sacados de uma mesma conta bancária (1001000091) - fls. 350, 353, 355, 357, 358, 362, 363, 366, 369, 370, 373, 375, 379, 380, 384 e 389 - o que significa que fica por explicar a origem de movimentos que totalizam o valor global de € 237 444,36 cujos montantes individuais provêm de uma mesma conta bancária não constado das faturas/recibos da A..., , Lda vendas a um único cliente que se aproxime de tal valor. Tendo em consideração que existe identidade entre alguns movimentos e faturas/recibos emitidos, é possível concluir que a conta em causa pertencerá à S..., no entanto fica por explicar a que título foram depositados os montantes em causa e por que razão alguns depósitos têm o mesmo montante que os referidos nas faturas/recibos e outros não, sendo certo que como é possível constatar de fls. 366 e fls. 98 a 101 por cada fatura/recibo, ainda que com a mesma data, foi emitido pela S... cheques distintos. Assim considerou-se apenas os depósitos cujo valor coincidia com os referidos nas faturas/recibos, já que não pode concluir-se que os demais pagamentos tenham sido efetuados à sociedade A..., , Lda.

E comparando os movimentos a débito registadas na conta bancária da recorrente (doc. 5 junto com a p.i.) e as aquisições (doc. 8 junto com a p.i.) se constata também que os valores não são coincidentes, o que põe em crise a tese da recorrente de que todos os movimentos referentes à atividade da sociedade A..., , Lda terão passado pela conta bancária da recorrente.

A isto acresce que do projeto de relatório da inspeção tributária à sociedade A...Lda que consta de fls. 399 e ss. resulta que contabilisticamente os pagamentos eram registados em Caixa, ou seja, eram registados como tendo sido efetuados em numerário e não através de cheque. E consta do anexo ao relatório (fls. 448) cheque que pelo valor, data e destinatário se reportará à aquisição que consta de fls. 177 e que demonstra, mas que não respeita à conta da recorrente, o que indicia que a atividade da sociedade A...Lda não passou toda pela conta da recorrente, pelo que não pode concluir-se como proveniente da atividade da referida sociedade a quase totalidade dos movimentos a crédito.

Deu-se como não provado o facto 2- por não ter sido apresentada prova convincente quanto ao mesmo. A testemunha A... limitou-se a dizer quanto a este ponto que a mãe não gosta muito de bancos e que no banco os saldos eram baixos.

2.2. O direito

Invocando que a Recorrente declarou para efeitos de IRS do ano de 2009, o rendimento de € 5.885,00 e evidenciou acréscimo patrimonial, consubstanciado em depósitos na conta bancária de que é titular, no valor global de € 543.346,73, a administração tributária considerou verificada a existência de uma divergência superior a € 100.000,00 naquele ano, nos termos do disposto no artigo 87º, nº1, alínea f) da Lei Geral Tributária (LGT) e com recurso à avaliação indirecta, fixou, por despacho proferido pelo Director de Finanças de Vila Real, de 4/10/2013, o rendimento tributável do sujeito passivo, para efeitos de IRS, para esse ano (2009), no valor de € 540.196,73.

A Recorrente, nos termos previstos no artigo 89º-A, nº 7 da LGT, interpôs recurso judicial dessa decisão para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, o qual julgou o mesmo parcialmente improcedente.

Para assim decidir, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela considerou que não se verificava o alegado vício de falta de fundamentação da decisão administrativa e concluiu que a Recorrente apenas justificou a proveniência de € 39.160,02, reduzindo, nessa medida, o acréscimo patrimonial detectado pela administração tributária.

A Recorrente não se conforma com esta decisão, argumentando que a mesma incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto ao dar como provada, nos termos em que o fez, a factualidade constante dos pontos 2) e 3) dos factos provados e do ponto 1) dos factos não provados e ao não dar como provados factos que justificavam todos os movimentos da conta bancária e em erro de julgamento quanto à quantificação do rendimento e ao concluir que a decisão administrativa não padece do invocado vício de falta de fundamentação.

2.2.1.A primeira questão que vem colocada pela Recorrente é a de saber se a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto ao considerar que não ficou provado que os valores depositados na conta bancária de que é titular, e identificados pela administração tributária, no valor total de € 543.346,73, não correspondem a qualquer acréscimo de património na sua esfera, mas sim a valores recebidos pela sociedade A..., , Lda., por essa conta bancária ter sido utilizada, nesse ano, como conta bancária desta sociedade.

Na sentença recorrida foi considerado que: “Analisados os factos apurados, afigura-se que a recorrente apenas conseguiu demonstrar que os seguintes movimentos a crédito provêm da atividade da referida sociedade: o valor de € 4655,07 depositado a 09.02.2009; o valor de € 5000,00 depositado a 26.02.2009; o valor de € 1261,34 depositado a 01.04.2009; o valor de € 5898,60 depositado a 01.04.2009; o valor de € 11.750,00 depositado a 08.04.2009; o valor de € 6118,95 depositado a 29.04.2009; e o valor de € 4476,06 depositado a 13.07.2009. Só relativamente a estes movimentos existe correspondência entre as quantias depositadas e as quantias referidas nas faturas/recibos passados pela sociedade A..., , Lda.
Na ausência de outros elementos de prova que permitam estabelecer uma ligação entre determinada venda e determinado depósito, os demais movimentos não podem considerar-se como provenientes da actividade da sociedade A..., , Lda.
Em face dos elementos de prova juntos aos autos, a coincidência de valores é tão rara - dos movimentos a crédito de valor superior a €1000,00, no montante global de € 543 346,73, só existe coincidência de valores com as facturas/recibos relativamente a € 39 160,02 - que apenas permite concluir que a conta bancária da recorrente foi utilizada para receber pagamentos esporádicos provenientes da actividade da sociedade A...Lda.
Assim, apenas se considera justificada a proveniência do montante global de € 39 160,02. Uma vez que se considera demonstrado que este montante provém da actividade da referida sociedade, não existe, relativamente ao mesmo, omissão declarativa, pelo que este valor deverá ser deduzido à matéria apurada pela Administração Tributária.”

Diz a Recorrente que o tribunal a quo errou no julgamento sobre a matéria de facto, quanto à factualidade vertida nos pontos indicados sob 2) e 3) dos factos provados e no ponto 1) dos factos não provados e por ter sido provada nos autos mais factualidade do que aquela que foi consignada na sentença recorrida.

Pretende a Recorrente que, com base nos documentos juntos e no depoimento da testemunha inquirida nos autos, a decisão sobre a matéria de facto deveria ter sido diversa da que ficou consignada na sentença recorrida.

Vejamos então, de acordo com a sistematização feita pela Recorrente nas suas conclusões, se o tribunal recorrido incorreu no invocado erro de julgamento sobre a matéria de facto.

a) Factos constantes dos pontos 2) e 3) dos factos provados e ponto 1) dos factos não provados

No ponto 2) do probatório ficou consignado o seguinte:

“2. A conta bancária da sociedade A..., , Lda. não reflete as vendas referidas supra- Doc. 6 junto com a p.i fls. 402 e ss. dos autos”.

A Recorrente pretende que, com base nos documentos de fls. 65 a 67 dos autos e nas informações prestadas pelas entidades bancárias, este ponto 2) seja alterado e passe a ter a seguinte redacção:

“2. A sociedade A..., , Lda. tinha uma única conta bancária, que se encontrava aberta junto do banco Montepio (então Finibanco), com o número 535.10.336559-4, na qual não se encontravam refletidas as vendas referidas no Ponto 1, nem quaisquer outros movimentos de compras ou outros, durante o exercício de 2009, que não consistam em pagamentos de comissões bancárias e imposto de selo.”.

Com o devido respeito, não vemos qualquer motivo para alterar a redacção dada pelo tribunal recorrido, porquanto a factualidade decorrente da alteração pretendida é inócua para a decisão dos autos, sendo que o que importa é saber se os movimentos a crédito na conta bancária da Recorrente correspondem ou não a movimentos da sociedade A..., , Lda. e não saber se a conta bancária daquela sociedade reflecte ou não esses movimentos. Ainda que se desse tal factualidade como provada, daí não poderia extrair-se qualquer conclusão relevante para os autos, já que da circunstância de a conta bancária daquela sociedade não reflectir a sua actividade não resulta que a mesma tenha de estar reflectida na conta bancária da Recorrente.

No ponto 3) dos factos provados ficou assente o seguinte:

“3. Os seguintes movimentos a crédito na conta da recorrente no ano de 2009 correspondem a montantes recebidos pela sociedade A..., , Lda, fruto da atividade desta:

- o valor de € 4655,07 depositado a 09.02.2009;

- o valor de € 5000,00 depositado a 26.02.2009;

- o valor de € 1261,34 depositado a 01.04.2009;

- o valor de € 5898,60 depositado a 01.04.2009;

- o valor de € 11 750,00 depositado a 08.04.2009;

- o valor de € 6118,95 depositado a 29.04.2009; e

- o valor de € 4476,06 depositado a 13.07.2009.”

Pretende a Recorrente que este ponto deveria ter a seguinte redacção:

“3. Pelo menos os seguintes movimentos a crédito na conta da recorrente no ano de 2009 correspondem a montantes recebidos pela sociedade A..., , Lda., fruto da atividade desta no seu relacionamento com a S...:

Data Depósito
Valores
08.01.2009
4.202,5 €
26.01.2009
9.003,38 €
5.500,14 €
5.207,20 €
09.02.2009
5.003,14 €
1.444,86 €
4.655,07 €
18.02.2009
7.950,05 €
9.000,00 €
25.02.2009
15.002,78 €
14.770,06 €
18.03.2009
18.033,00 €
11.503,90 €
24.03.2009
14.505,78 €
01.04.2009
1.261,34 €
5.003,48 €
8.481,00 €
5.898,60 €
13.04.2009
11.503,90 €
15.04.2009
6.953,43 €
21.04.2009
6.504,08 €
4.252,25 €
12.502,87 €
29.04.2009
6.118,95 €
06.05.2009
7.503,05 €
13.05.2009
9.500,99 €
29.05.2009
8.697,66 €
13.004,84 €
13.09.2009
4.476,06 €

E ainda os seguintes valores, fruto da atividade com outros clientes:

- o valor de € 5000,00 depositado a 26.02.2009;

- o valor de € 11 750,00 depositado a 08.04.2009;

- o valor de € 7.500,00 depositado a 12.01.2009, através de cheque, corresponde à fatura 124 e recibo 102, de 20.02.2009;

No valor total de € 261.694,36 (duzentos e sessenta e um mil seiscentos e noventa e quatro euros e trinta e seis cêntimos)”.

Por outro lado, alega também a Recorrente que o facto indicado sob o ponto 1) dos factos não provados devia ter uma redacção diferente e em consonância com a factualidade que, no seu entendimento, devia constar do ponto 3) dos factos provados.

Assim, nesse ponto não devia constar (como consta) que: “A quase totalidade dos movimentos na conta da recorrente são os movimentos normais da atividade da sociedade comercial A… Lda.”, mas devia constar que: “A quase totalidade dos movimentos na conta da Recorrente no ano de 2009 são os movimentos normais da actividade da A…. Lda.”.

Trata-se, como é bom de ver, de factualidade relacionada com a que ficou consignada no ponto 3 dos factos provados. Na realidade, se o tribunal recorrido considerou provado que apenas os movimentos referidos no item 3) estavam relacionados com a actividade daquela sociedade, não podia, sob pena de entrar em contradição, dar como provado que a quase totalidade dos movimentos na conta da Recorrente são os movimentos normais da actividade da identificada sociedade comercial.

Mas será que o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela errou na apreciação da prova disponível nos autos ao dar como provada a factualidade constante do ponto 3) dos factos provados e ao dar como não provada a constante do ponto 1) dos factos não provados?

Entendemos que não.

Quanto ao depoimento da (única) testemunha, A... (filho da Recorrente), além de a Recorrente não ter cumprido, nesta parte, o ónus que sobre si recaía nos termos previstos no artigo 640º, nº 2, alínea b) do CPC, não referindo sequer qualquer parte do depoimento, frase, ou afirmação que aquela testemunha tenha proferido no sentido de se poder concluir que a decisão sobre a matéria tivesse de ser diversa da proferida, o mesmo sempre seria também insuficiente para dar como provada a factualidade pretendida pela Recorrente. Como se deixou dito na sentença recorrida, e merece a nossa concordância, a testemunha limitou-se a referir, de forma genérica, que em virtude de “problemas com a sua ex - mulher, passou a utilizar a conta da recorrente, tendo passado a fazer as compras e vendas da sociedade A..., , Lda, da qual era gerente de facto, através da conta bancária da mãe. A testemunha referiu também que não ia ao banco todos os dias, que às vezes juntava no mesmo depósito o pagamento relativo a duas ou três viaturas. Por fim, a testemunha referiu ainda que os clientes pagavam ou em cheque ou em dinheiro, sendo que havia clientes que exigiam fatura na hora e outros não, sendo que neste caso às vezes a fatura era passada algum tempo depois de ter sido recebido o meio de pagamento.”

Os demais elementos probatórios são constituídos por facturas, recibos, talões de depósito e extracto da conta bancária da Recorrente.

Da análise e confronto desses documentos, o tribunal recorrido apenas conseguiu estabelecer, em termos de datas e valores, correspondência entre os valores creditados na conta bancária e as facturas/recibos da sociedade A…. Lda., discriminados no ponto 3) da factualidade provada.

Mesmo admitindo a tese da Recorrente (de que a sua conta bancária foi utilizada na actividade da sociedade de que o filho é sócio), era necessário que fosse possível estabelecer alguma correspondência entre os valores dos depósitos na sua conta bancária e os valores decorrentes das facturas e recibos daquela sociedade, de modo a permitir a conclusão de que esses valores depositados correspondem a valores provenientes da actividade da sociedade A…, Lda. Ou seja, era necessário que a Recorrente tivesse procedido à conciliação dos movimentos evidenciados nos extractos bancários com as facturas/recibos da sociedade em causa para dessa forma demonstrar, como se lhe impunha, que esses movimentos estavam relacionados com a actividade desta sociedade.

Não é o facto de talões de depósito e cheques dessa conta bancária estarem assinados pelo filho da Recorrente que permite extrair a conclusão de que esses movimentos são referentes à actividade daquela sociedade; assim como da circunstância de a sociedade A…, Lda. ter negócios com a S... não se pode retirar que todos os movimentos bancários em que vem referenciada esta sociedade são relacionados com a actividade daquela.

A este propósito, ficou consignado na motivação da sentença recorrida, que “da análise das facturas e dos recibos emitidos resulta que as viaturas em causa foram vendidas a diversas pessoas, já que os nomes e os números de contribuinte são distintos, apenas sendo possível identificar as facturas e recibos quanto à S... (fls. 71, 72, 75, 98 a 101, 104, 105,109, 110,160, 161 a 165,172 e 173), no montante global de € 93 560,84.

No entanto, da análise dos comprovativos de depósitos resulta que uma grande parte dos depósitos (quase metade do valor em causa) foram cheques sacados de uma mesma conta bancária (1001000091) – fls. 350, 353, 355, 357, 358, 362, 363, 366, 369, 370, 373, 375, 379, 380, 384 e 389 – o que significa que fica por explicar a origem de movimentos que totalizam o valor global de € 237 444,36 cujos montantes individuais provêm de uma mesma conta bancária não constado das faturas/recibos da A…, Lda vendas a um único cliente que se aproxime de tal valor.

Tendo em consideração que existe identidade entre alguns movimentos e faturas/recibos emitidos, é possível concluir que a conta em causa pertencerá à S..., no entanto fica por explicar a que título foram depositados os montantes em causa e por que razão alguns depósitos têm o mesmo montante que os referidos nas faturas/recibos e outros não, sendo certo que como é possível constatar de fls. 366 e fls. 98 a 101 por cada fatura/recibo, ainda que com a mesma data, foi emitido pela S... cheques distintos. Assim considerou-se apenas os depósitos cujo valor coincidia com os referidos nas faturas/recibos, já que não pode concluir-se que os demais pagamentos tenham sido efetuados à sociedade A…, Lda.”

Procedemos ao confronto dos documentos juntos aos autos, nomeadamente das facturas e recibos com os movimentos bancários, e chegamos à mesma conclusão que o tribunal recorrido. Apenas é possível estabelecer relação entre os depósitos supra referidos, uma vez que não há qualquer correspondência entre os demais valores constantes nos documentos em causa e não é dada qualquer explicação pela Recorrente para essa falta de correspondência.

Com efeito, não bastava alegar a existência de relações comerciais entre a sociedade A…, Lda. e a S... (que, aliás, não é posta em causa pelo tribunal recorrido) para se poder concluir, como pretende a Recorrente, que todos os movimentos na sua conta bancária, com alguma ligação à S..., são resultantes da actividade daquela sociedade. Para tal ser possível, impunha-se que se conseguisse estabelecer correspondência, pelo menos em termos de valores e de datas, entre as facturas e recibos emitidos e os movimentos bancários ou fosse apresentada uma justificação credível e consistente para as eventuais discrepâncias, o que não sucedeu.

Deste modo, bem andou o tribunal recorrido ao considerar apenas os valores dos depósitos cujo valor coincidia (ou se aproximava) com os referidos nas facturas/recibos relacionados com a S....

Assim como, na falta de qualquer correspondência entre os valores constantes das facturas/recibos relacionados com outros clientes e os movimentos bancários (a crédito) da Recorrente, também não podem ser imputados à actividade da sociedade A…, Lda. mais valores do que os que a decisão recorrida imputou no ponto 3) do probatório.

E também, como assinalou o tribunal recorrido, não existe qualquer correspondência de valores entre os movimentos a débito registados na conta bancária da Recorrente e as compras da sociedade A…, Lda. (discriminadas no documento junto à petição inicial sob o nº 8).

Referiu ainda o tribunal recorrido na sua motivação, e não vem contrariado pela Recorrente no presente recurso, que “do projeto de relatório da inspeção tributária à sociedade A… Lda (fls. 399 e ss. dos autos) resulta que contabilisticamente os pagamentos eram registados em Caixa, ou seja, eram registados como tendo sido efetuados em numerário e não através de cheque. E consta do anexo ao relatório (fls. 448) cheque que pelo valor, data e destinatário se reportará à aquisição que consta de fls. 177 e que demonstra, mas que não respeita à conta da recorrente, o que indicia que a atividade da sociedade A… Lda não passou toda pela conta da recorrente, pelo que não pode concluir-se como proveniente da atividade da referida sociedade a quase totalidade dos movimentos a crédito”.

Em suma, os elementos de prova disponíveis nos autos não permitem que se inclua no probatório mais valores do que os referidos no ponto 3) dos factos provados, como sendo movimentos relacionados com a actividade da identificada sociedade e, consequentemente, a redacção do ponto 1) dos factos não provados também não pode ser outra senão aquela que consta da sentença recorrida.

b) Aditamento de factualidade referida após a conclusão HH) das alegações de recurso

Pretende ainda a Recorrente que seja aditada ao probatório a seguinte factualidade que, no seu entendimento, ficou demonstrada nos autos e é relevante para a decisão da causa:

(i) A A… Lda. dedicava-se às atividades de compra e venda de veículos automóveis usados e de intermediação na compra e venda de veículos automóveis usados, sendo dela única sócia e gerente a então nora da Recorrente, A…, e gerente de fato o seu filho A....

(ii) A A… Lda. continuou durante o ano de 2009 o exercício da sua atividade comercial, efetuando um conjunto significativo de compras (pelo menos de € 273.296,00) e de vendas (pelo menos de € 484.262,02 33 faturados e de € 476.796,13 com recibo emitido, acrescido de uma valor superior a € 150.000,00 não faturados).

(iii) A A… Lda. tinha uma relação comercial com a S... que consistia na venda de veículos financiados por esta entidade, recebendo comissões pela angariação de clientes e recebendo diretamente o valor financiado aos clientes pelas compras dos veículos.

(iv) No ano de 2009, as vendas da A… Lda. financiadas pela S... atingiram o valor de financiamento de € 304.143,88 (correspondentes a trinta contratos de financiamento) e de comissões de € 93.600,84.

(v) Durante o ano de 2009 a conta bancária da Recorrente foi utilizada como conta bancária da A… Lda..

(vi) No ano de 2009, foram pagas através da conta da Recorrente, por intervenção exclusiva do seu filho A..., compras da A… Lda., em valor não inferior a € 82.812,00.

(vii) No ano de 2009, foi pago à S..., a partir da conta da Recorrente, a quantia de € 8.353,90, por débito direto com a referência IDD-00630189094-S... IFIC.

(viii) No ano de 2009, A…, gerente de fato da A… Lda., depositou na conta da Recorrente, cheques da S... no valor total de € 237.444,66 e, no total, cheques e numerário em valor não inferior a € 493.776,30.

(ix) A partir de Outubro de 2009 os movimentos bancários da conta da Recorrente diminuem significativamente, deixando de se verificar depósitos de cheques da S... e pagamentos de compras na BCA, assim como diminuem as compras e vendas na A… Lda., cujo inventário ficou reduzido a apenas duas viaturas 34.

Com o devido respeito, não é de acolher a pretensão da Recorrente.

Independentemente de os elementos probatórios existentes nos autos permitirem dar como provados alguns dos factos referidos pela Recorrente, afigura - se - nos que o tribunal recorrido andou bem ao não os ter incluído no probatório, uma vez que os mesmos não têm qualquer relevância para a decisão da causa. Na verdade, de modo a ser aferida a legalidade da actuação da administração tributária ao concluir pela existência de acréscimos de património na esfera da Recorrente, consubstanciados nos movimentos a crédito na conta bancária de que esta é titular, o cerne da questão passa por saber se ficou demonstrada nos autos a tese da Recorrente, ou seja, de que esses movimentos a crédito estão todos relacionados com a actividade da sociedade A…, Lda.

Ora, perante a factualidade que o tribunal recorrido deu como provada e não provada - e que é a verdadeiramente relevante para a decisão de mérito - a supra descrita, nomeadamente em (i) a (iv), (vii) (ix), nenhum interesse reveste para os autos e a referida em (v), na medida da prova feita nos autos, já consta do ponto 2) dos factos provados.

Quanto à materialidade indicada em (vi), como o tribunal recorrido assinalou, não existe qualquer correspondência de valores entre os movimentos a débito registados na conta bancária da Recorrente e as compras da sociedade A…, Lda. (discriminadas no documento junto à petição inicial sob o nº 8), pelo que não podia constar dos factos provados.

De igual modo, como já supra referimos, não resultou demonstrado nos autos que os depósitos na conta bancária da Recorrente relacionados com a S..., salvo os incluídos no ponto 3) dos factos provados, estejam relacionados com a actividade da sociedade A…, Lda., pelo que também é de indeferir o aditamento da materialidade referida em (viii).

Pelo que vimos de dizer, é de concluir que a decisão de facto não incorreu no erro de julgamento que lhe vem imputado pela Recorrente.

2.2.2.Ao concluir que a Recorrente apenas justificou a proveniência de € 39.160,02 e, consequentemente, ao manter a decisão administrativa impugnada na parte em que considerou como acréscimo patrimonial os restantes movimentos a crédito, cuja proveniência não foi considerada justificada pelo tribunal, nenhuma censura merece, pois, a sentença recorrida.

2.2.3.Nas conclusões T) e U) das alegações de recurso, defende a Recorrente que, independentemente do valor que venha a ser considerado como justificado, a esse valor deve acrescer (i) o valor do saldo inicial da conta (€ 15.764,50), na medida em que não se refere a qualquer acréscimo patrimonial de 2009 e (ii) o valor equivalente ao rendimento declarado pela Recorrente no exercício de 2009 (€ 5.885,50).

Com o devido respeito, não tem qualquer razão na pretensão que formula.

No valor global do acréscimo de património considerado pela administração tributária (€ 543.346,73), e cuja relação discriminada consta de fls. 28/29 do processo administrativo apenso aos autos, resulta evidente que apenas foram considerados nesse valor global os depósitos de valor superior a € 1.000,00 e não o saldo que transitou do ano anterior, pelo que não tem que ser eliminado o valor que não havia sido incluído.

De igual modo, o valor do rendimento declarado pela Recorrente não tem de acrescer ao valor considerado justificado, porque, como resulta do cálculo do rendimento colectável, a administração tributária já subtraiu o valor do rendimento declarado no ano de 2009 pela Recorrente ao valor do acréscimo de património e do qual resultou uma correcção no valor de € 540.196,73 (fls. 46 do p. a apenso).

Improcedem, pois, as conclusões T) e U) das alegações de recurso.

2.2.4. Nas conclusões FF) a HH) das alegações de recurso, a Recorrente sustenta que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter considerado que decisão de fixação da matéria tributável impugnada não padece do vício de falta de fundamentação.

Alega a Recorrente que a decisão administrativa impugnada padece de vício de falta de fundamentação, uma vez que continua sem perceber de que forma a administração tributária chegou ao valor de € 543.346,76 como acréscimo de património.

A este propósito, a sentença recorrida concluiu o seguinte: “E quanto ao valor de € 543 346,73 importa ter em consideração que a recorrente fora notificada por ofício nº 5272 de 12.08.2013 para justificar a origem e destino dos movimentos de valor superior a € 1000,00 detetados na sua conta bancária junto da Caixa Crédito Agrícola do Alto Corgo e Tâmega no ano de 2009. E que a 17.09.2009 foi notificada do projeto de relatório de inspeção tributária de cujo anexo 6 consta uma tabela discriminativa dos movimentos a crédito detetados na conta bancária da recorrente junto da Caixa Crédito Agrícola do Alto Corgo e Tâmega de valor superior a € 1000,00, cuja soma totaliza o montante de € 543 346,73.

Ora, no relatório da inspeção tributária no número 9 do ponto IV.1 é referido que a recorrente não comprovou os motivos pelos quais entraram na sua esfera patrimonial os valores constantes do quadro anexo ao relatório como anexo 6. Analisado o teor de tal anexo constata-se que o mesmo contém uma discriminação individualizada de quais os movimentos que a Administração Tributária considerou com acréscimo patrimonial não justificado.

Neste contexto, não se afigura também existir qualquer obscuridade na fundamentação, já que um normal destinatário do ato, colocado nas concretas circunstâncias da recorrente, ao consultar o anexo 6 percebe facilmente quais os movimentos que carecem de justificação por parte da recorrente, os quais totalizam o montante de € 543 346,73.”

Neste ponto, a sentença recorrida merece o nosso inteiro acolhimento.

O direito à fundamentação, em relação aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, tem consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II da parte 1ª da CRP (artigo 268º).

Este dever geral de fundamentação dos actos tributários foi concretizado no artigo 125º do CPA e no artigo 77º, nº 4, da LGT.

Como é sabido, o dever de fundamentação dos actos administrativos tem, geneticamente, uma função endógena de propiciar a reflexão da decisão pelo órgão administrativo e uma função exógena, externa ou garantística de facultar ao cidadão a opção consciente entre o conformar-se com tal decisão ou afrontá-la em juízo e nesta perspectiva, essencial para que se considere satisfeita a exigência legal da fundamentação dos actos tributários é que “o discurso contextual, expresso e externado pelo autor do acto dê a conhecer ao seu destinatário, pressuposto como um destinatário normal ou razoável colocado perante as aludidas circunstâncias, todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que foram a sua motivação orgânica” - assim, acórdão STA de 25/6/1998, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 391, pág. 236.

A fundamentação do acto destina-se a esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.”- cf. Vieira de Andrade, in O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, p. 239.

Portanto, a fundamentação, ainda que sucinta, deve ser suficiente para convencer (ou não) o contribuinte e permitir-lhe o controlo do acto. Traduz-se isto em dizer que o contribuinte deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, ou seja, deve dar - se - lhe, ainda que de forma sucinta, nota do “itinerário cognoscitivo e valorativo” seguido para a tomada da decisão.

Por outro lado, é também aceite que é equivalente à falta de fundamentação, a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência não esclareça, concretamente, a motivação do acto de forma a permitir ao seu destinatário a apreensão do iter volitivo e cognoscitivo que determinou a Administração a praticá-lo com o sentido decisório que lhe conferiu.

No caso dos autos, e entendido o dever de fundamentação nos moldes que vimos de referir, afigura - se - nos que, como bem refere a sentença recorrida, a administração tributária externou as razões de facto e de direito que estão na base da decisão de um modo tal que as mesmas se revelam apreensíveis para o seu destinatário e, dessa forma, cumpriu aquele dever.

Não ocorre, pois, o invocado vício de falta de fundamentação do acto, improcedendo, portanto, as conclusões FF) a HH) das alegações de recurso.

Deste modo, não se verificando os erros de julgamento imputados à sentença recorrida, improcede totalmente o presente recurso.

3. Decisão
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Porto, 30 de Outubro de 2014

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Vital Lopes

Ass. Cristina da Nova