Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00036/05.5BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/30/2015
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Mário Rebelo
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA
Sumário:1. A sentença é nula por oposição entre os fundamentos e a decisão quando os fundamentos conduzem a determinada solução, mas a decisão final é outra.
2. A sentença também é nula por falta de fundamentação de facto quando o juiz não analisa criticamente a prova produzida.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Exmo. Representante da Fazenda Pública junto do TAF de Penafiel inconformado com a sentença proferida em 9/11/2012 que julgou procedente a impugnação judicial contra as liquidações de IVA e juros compensatórios relativas ao ano de 2000, dela recorreu formulando alegações e concluindo como segue:
A. A douta sentença sob recurso julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IVA e respetivos juros compensatórios, relativas ao ano de 2000, intentada com fundamento, essencialmente, na ilegalidade das liquidações, por não corresponderem à realidade das transações que lhes estão subjacentes.
B. O Tribunal a quo considerou como assente a factualidade elencada nos pontos 1.º a 16.º do probatório (“III – DOS FACTOS”) e alicerçou-se “nos elementos de prova documental existentes nos autos e no depoimento das testemunhas inquiridas”, concluindo, a final, que “[a] administração tributária não demonstrou, minimamente que seja, a razão pela qual (…) não aceitou as únicas facturas, relativas a subcontratação existentes na contabilidade do impugnante”, nem “procedeu a diligências que teriam revestido importância. Nomeadamente à audição dos donos da obra, no sentido de apurar que trabalhos foram efectuados e por quem”.
C. Não obstante reproduzir os indícios recolhidos pelos SIT da Direção de Finanças do Porto Indícios estes levados ao ponto 2.º do probatório e reproduzidos ao longo de quase três páginas da fundamentação., conclui o Tribunal a quo que se lhe afigura “que estes factos indiciários (…) não permitem suportar a conclusão a que chegou de as facturas supra identificadas não correspondem a serviços prestados por S... ao ora impugnante”, e que, ”[a] suposta desconformidade entre a assinatura do contrato de empreitada (…) e a assinatura (…) aposta no Auto de Declarações, bem como as apontadas contradições entre as declarações do impugnante e o referido S..., não permitem suportar a conclusão da administração tributária no sentido de que as facturas aqui em causa são falsas”.
D. No atinente à fatura nº 84, emitida em nome de L..., concluiu o Tribunal a quo que a prova testemunhal foi no sentido de que, apesar de encomendado ao impugnante, o serviço em causa foi executado por S..., com pessoal seu e que o faturou e recebeu o respetivo preço”, “[n]ão tendo, o ora impugnante retirado qualquer vantagem dessa obra”.
E. Com a ressalva do devido respeito com o que vem decidido pelo Tribunal a quo, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, como a seguir se argumentará e concluirá.
F. Logo à partida a sentença recorrida leva ao probatório factos que não são sujeitos a qualquer valoração ou análise crítica, como alguns nem sequer são tidos em conta para a decisão tomada a final, embora resultem dos elementos tidos nos autos, como é o caso de parte dos factos indiciários recolhidos pela AT, levados ao probatório no ponto 2.º A saber, i) o procedimento inspetivo desencadeado a S... e as conclusões aí colhidas pelos SIT da Direção de Finanças de Aveiro, resultantes, nomeadamente, das declarações por este então prestadas; ii) a falta de apresentação aos SIT de documentos solicitados (quer por parte do S..., quer por parte do aqui impugnante), nomeadamente livros de faturas, contratos de subempreitada, autos de medição e meios de pagamento. e dos factos constantes dos pontos 4.º a 8.º e 14.º do probatório.
G. Acresce que, sempre com o respeito devido, entende a Fazenda Pública que a decisão recorrida leva ainda ao probatório factos que não resultam como assentes face à prova produzida, como é o caso dos factos tidos nos pontos 12.º e 15º do probatório, porquanto não resulta da prova produzida, nem mesmo da prova testemunhal, que as faturas em crise “foram preenchidas por S...”, nem que “o serviço correspondente à factura n.º 84, (…) emitida por S... em nome de L…, foi executado por S...” Sublinhado nosso..
H. Constata-se ainda que a douta sentença recorrida dá como assentes factos que não se mostram sujeitos a qualquer análise, muito menos a uma análise crítica de credibilidade, nomeadamente através do seu confronto com outros dados apurados no processo ou pela sua confirmação através de meios de prova distintos, como é o caso do facto levado ao probatório no ponto 16.º, facto este (a decisão proferida “no processo-crime n.º 132/03.3IDVIS”) que o Tribunal a quo considerou corroborar a conclusão de que as faturas controvertidas correspondem a operações reais.
I. Para além de estarmos perante processos de diferente natureza, a decisão final absolutória dos factos imputados ao arguido constitui, apenas, em quaisquer ações de natureza cível, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário.

E, “enquanto no processo criminal as dúvidas sobre a matéria de facto são valoradas a favor do arguido, no processo de impugnação judicial, havendo indícios de irregularidades de escrita, o ónus da prova da veracidade desta cabe ao contribuinte (arts. 121º., n.º 2, do C.P.T. e 100.º, n.º 2, do C.P.P.T.)”, sendo que, “apesar da maior exigência probatória do processo criminal para dar como provados factos integradores de infracção que é corolário do principio in dúbio por reo, não existe qualquer norma legal que atribua força de caso julgado no processo de impugnação judicial às decisões proferidas em processo criminal” – seguimos aqui de perto a doutrina firmada pelo douto Acórdão do STA, de 2005/02/16, processo nº 08/05 Disponível em www.dgsi.pt..
J. A Mma Juíza do Tribunal a quo não teve em conta estas circunstâncias, nem explicou por que motivo relevou a decisão proferida em processo crime em relação a outros elementos tidos nos autos, como é o caso dos autos de declarações juntos aos processo, mormente o do próprio S....
K. Face a todo o exposto, enferma a douta sentença recorrida, no entendimento da Fazenda Pública e com o respeito devido, de erro de julgamento da matéria de facto, por violação do disposto no nº 2 do artº 653º e no nº 2 do artº 659º do CPPT.
L. Acresce ainda que não resulta da douta sentença recorrida qual o quadro factológico considerado pela Mma Juíza do Tribunal a quo como não provado, muito embora resulte da decisão tomada que foram colhidas conclusões contraditórias com a factualidade levada ao probatório, o que conduz a uma contradição entre as suas premissas de facto e a conclusão proferida a final.
M. Atente-se no ponto 2.º do probatório, no qual constam relacionados os indícios recolhidos pelos SIT, os quais não foram dados como não provados pelo Tribunal a quo, assim se concluindo que a Mma Juíza do Tribunal a quo considera que a AT cumpriu com o ónus que sobre ela impendia, da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação.
N. Não obstante, decide a final, que “[a] administração tributária não demonstrou, minimamente que seja, a razão pela qual (…) não aceitou as únicas facturas, relativas a subcontratação existentes na contabilidade do impugnante”, nem “procedeu a diligências que teriam revestido importância”.
O. Ademais, não resulta dos factos provados que o S..., efetivamente, forneceu mão de obra ao aqui impetrante, para a realização das obras constantes das faturas em crise nos autos, mas tão só que o mesmo S... esteve com os seus trabalhadores nas referidas obras (ponto 14.º do probatório), concluindo, no entanto o Tribunal a quo que “as facturas emitidas pelo dito S..., referem-se a obras, que, efectivamente o ora impugnante executou e, nas quais, ficou provado que esse trabalhou em regime de subcontrato”.
P. Assim, enferma ainda a douta sentença sob recurso da nulidade prevista na al. c) do nº 1 do artº 668º do CPC, porquanto a decisão proferida está em contradição com os seus fundamentos.
Q. Diga-se ainda que não basta ao Tribunal indicar as provas que serviram de base à decisão para formar a sua convicção, sendo necessário efetuar uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto como provado ou não provado, impondo-se-lhe, assim, que da sentença resulte qual o processo lógico-mental que serviu de suporte ao conteúdo da decisão tomada.
R. O certo é que não resulta da douta sentença sob recurso por que motivo, tendo em conta a decisão tomada a final, foram considerados provados os factos levados ao probatório e não outros e porque motivo não considerou factos não provados, resultantes dos elementos tidos nos autos, nem resulta qualquer análise crítica da prova produzida e na qual se baseou para tomar a sua decisão (documental e testemunhal), como lhe era imposto pelo nº 2 do artº 123º do CPPT e pelo nº 2 do artº 653º do CPC,
S. pelo que, enferma ainda a douta sentença sob recurso de nulidade, por falta de exame crítico das provas, o que implica a sua falta de fundamentação, em conformidade com o disposto nos artºs 125º, nº 1 do CPPT e 668º, nº 1, al. b) do CPC.
T. Em causa nos autos encontra-se uma liquidação adicional de IVA e respetivos juros compensatórios, resultantes das correções de natureza meramente aritmética, efetuadas pela AT, em sede de procedimento inspetivo desencadeado ao aqui impugnante e que teve origem no facto de, em sede de outra ação inspetiva desencadeado pelos SIT da Direção de Finanças de Viseu a S..., este ter declarado - cfr. auto de declarações junto aos autos -, que emitiu ao ora impetrante uma série de faturas que não correspondem a serviços efetivamente prestados, mas antes a “faturas de favor”, pelas quais cobrava uma percentagem (6%) Facto que, mais uma vez se reitera, embora levado ao probatório não foi sujeito a qualquer valoração ou análise crítica por parte do Tribunal a quo..
U. No sentido de averiguar a veracidade das operações mencionadas nas referidas faturas, desencadearam os SIT um conjunto de diligências, recolhendo indícios, fortes, sérios, concretos e objetivos que os levaram a concluir que tais operações não correspondem a operações reais, atendendo, designadamente, à falta de apresentação de documentos comprovativos da realização e/ou intervenção de S... nos trabalhos faturados pelo impugnante Facto levado ao probatório, mas que não só não foi tido em conta pela decisão ora recorrida, como não foi sujeito ao devido exame crítico por parte da Mma Juíza do Tribunal a quo..
V. Perante a falta de meios comprovativos inequívocos das relações comerciais estabelecidas entre o aqui impetrante e o referido S..., não obstante solicitados, e tendo em conta as declarações prestadas por ambos e aos fortes indícios recolhidos, concluíram os SIT que as faturas registadas na contabilidade do impugnante, emitidas por S... correspondem a operações simuladas, procedendo ao apuramento do IVA em falta, em conformidade com o disposto no nº 3 do artº 19º do CIVA – cfr. relatório junto aos autos.
W. No âmbito do mesmo processo inspetivo constataram ainda os SIT a omissão de proveitos por parte do impugnante, porquanto, na sequência de um outro procedimento, desencadeado a L..., constatou-se que este registou na sua contabilidade uma fatura (nº 84), emitida por S..., mas que aquele L..., em auto de declarações junto aos autos, afirmou ter-lhe sido entregue pelo impugnante para justificar trabalhos por este executados Factos que, de igual modo, não foram sujeitos a valoração ou análise crítica por parte do Tribunal a quo, embora dados como assentes pelo Tribunal a quo.,
X. tendo o próprio impetrante, em auto de declarações, também junto aos autos, confirmado o seu recebimento e, não obstante afirmar que terá entregue o correspondente valor ao S..., o certo é que não o comprovou, nem comprovou que o serviço tenha sido prestado por aquele Factos que também não foram valorados nem criticamente analisados pela douta sentença sob recurso, embora levados ao probatório., pelo que, foi apurado pelos SIT o IVA em falta relativo à referida fatura.
Y. Importa salientar que a questão decidenda consiste, tão só, em determinar se as prestações de serviço alegadamente efetuadas por S..., consubstanciam ou não operações reais e que o facto do Tribunal a quo considerar como provado (no ponto 14.º do probatório) que “[o] S... esteve com os seus trabalhadores durante o ano de 2000, nas obras” ali mencionadas E que se referem apenas a parte das obras correspondentes às faturas controvertidas., não prova, inequivocamente, que o mesmo tenha fornecido, efetivamente, mão de obra ao impugnante para a realização das mesmas.
Z. Resulta dos autos, mais concretamente do relatório, que a desconsideração do IVA deduzido pelo impugnante assentou numa série de factos indiciários que nos permitem concluir, de modo seguro, que estamos perante documentos sem correspondência com operações reais, factos que constam descritos, detalhadamente do relatório e que, aliás, são dados como assentes no ponto 2.º do probatório.
AA. Considerando que a dedução do IVA corresponde a um direito do sujeito passivo que suportou o imposto, conclui-se que da conjugação dos artºs 19º e 87º, nº 1, ambos do CIVA, resulta que caberá à AT o ónus da prova da verificação dos requisitos estabelecidos naquele nº 1 do artº 87º para que possa liquidar adicionalmente o IVA respeitante a deduções indevidas,
BB. cabendo ao impugnante apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, por se mostrarem verificados os pressupostos legais da atuação da AT, ou seja, provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito à dedução, incumbência que dimana das regras do ónus da prova, especificamente do nº 1 do artº 74º da LGT.
CC. Porém, não lhe basta criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, sendo que, para contrariar o juízo da AT, dificilmente bastará a prova testemunhal só por si, desacompanhada de outros elementos de prova que permitam ao Tribunal convencer-se da realidade das operações a que se referem as faturas No sentido assim pugnado pela Fazenda Pública, veja-se o douto acórdão do TCA Sul, de 2003/03/11, processo nº 7450/02, bem como o douto Acórdão do STA, de 2003/05/07, processo nº 01026/02, que veio harmonizar a jurisprudência e definir a quem compete o ónus da prova em situações similares às dos autos. Ainda no mesmo sentido, veja-se, por todos, os doutos Acórdãos do TCA Norte, de 2008/01/24, processo nº01834/04 – VISEU, de 2012/03/14, processo nº 03636/04-Viseu, de 2012/02/29, processo nº 00550/08.0BEPNF, de 2008/11/27, processo nº 00554/05.5BEPNF, bem como do TCA Sul, de 2011/10/04, processo nº 04840/11, todos disponíveis em www.dgsi.pt..
DD. Pelo contrário, para que a AT utilize o mecanismo consagrado no nº 3 do artº 19º do CIVA, basta que existam indícios sérios e objetivos que traduzam uma probabilidade elevada de que efetivamente as faturas não consubstanciam operações reais, incumbindo depois ao contribuinte demonstrar o contrário,
EE. sendo que a prova da existência de um acordo simulatório somente é feita com apoio em certos factos que são plenos índices de falsidade das faturas em que assenta o pretenso direito à dedução e que, uma vez reunidos, são cabal fundamento de legalidade da atuação da AT, concretizada na prática dos atos tributários de liquidação impugnados.
FF. Da factualidade ínsita nos autos resulta que, contrariamente ao que decidiu a Mma Juíza do Tribunal a quo, no caso sub judice, a AT demonstrou a razão pela qual desconsiderou, para efeitos de IVA, as faturas controvertidas, tendo desenvolvido todas as diligências instrutórias necessárias à descoberta da verdade material, nomeadamente, no âmbito do cruzamento de informação com as conclusões resultantes das diligências efetuadas junto de S... e L... Veja-se o douto Acórdão do TCA Norte, de 2007/03/01, processo nº 00027/00, disponível em www.dgsi.pt. / Factos que não foram tidos em conta na decisão em análise., alicerçando as suas conclusões nos factos indiciários que constam do ponto 2.º do probatório, demonstrando-os “de tal forma que, à luz das regras da experiência, se conclui que as respetivas operações comerciais eram simuladas” Como resulta, aliás, do douto parecer do Ministério Público emitido nos autos, o qual pugna pela improcedência dos mesmos..
GG. Com o respeito devido por melhor opinião, do conspecto da factualidade subjacente no relatório final da inspeção, conjugado com os elementos diligenciados pelos SIT, conclui-se que, no decurso do iter procedimental, foram carreados para os autos uma série de indícios suficientes e credíveis que lhe permitiram extrair a ilação de que estamos perante operações simuladas, indícios esses suscetíveis de serem preenchidos em função da específica e estrita atuação do impetrante e legitimadores das conclusões extraídas da ação inspetiva.
HH. Conclui a decisão recorrida que ”[a] suposta desconformidade entre a assinatura do contrato de empreitada (…) e a assinatura (…) aposta no Auto de Declarações, bem como as apontadas contradições entre as declarações do impugnante e o referido S..., não permitem suportar a conclusão da administração tributária no sentido de que as facturas aqui em causa são falsas”, sem que no entanto fundamente quais os motivos inerentes à formação da sua convicção, e sem que exerça a devida análise crítica de cada um desses indícios, mormente dos autos de declaração tidos nos autos.
II. Acresce que, a questão decidenda dos presentes autos passa por saber se foi o S... quem prestou, efetivamente, os serviços a que as faturas respeitam, motivo pelo qual não pode a Fazenda Pública concordar com as conclusões colhidas pela douta sentença recorrida, no sentido de que é contraditório que os SIT desconsiderem as faturas em crise quando aceitam que o impugnante recorreu à subcontratação, face à sua incapacidade de pessoal para os prestar, e não consideram falsa a faturação para os seus clientes.
JJ. E não se diga, como faz a Mma Juíza do Tribunal a quo, que a AT não “procedeu a diligências que teriam revestido importância. Nomeadamente à audição dos donos da obra, no sentido de apurar que trabalhos foram efectuados e por quem”, porquanto, como já se concluiu e resulta da própria sentença em análise, à AT apenas incumbia recolher indícios sérios, credíveis e objetivos, que levassem a concluir, de modo seguro, pela simulação das operações tituladas pelas faturas em crise e não a prova de que essas operações são reais, prova esta que impende sobre o impugnante.
KK. Mais uma vez não pode a Fazenda Pública concordar com o Tribunal a quo quando afirma que “[f]icou provado, pelo depoimento das testemunhas, que se revelou credível, que, as referidas facturas, juntas aos autos, foram preenchidas pelo S...”, porquanto não resulta do depoimento de qualquer das testemunhas que assim seja.
LL. Sem que esclareça qual o processo lógico-mental que serviu de suporte à conclusão colhida, ou seja, sem que efetue a reconstituição ou análise crítica do iter que conduziu a essa conclusão, resulta da decisão de que se recorre que “da petição inicial um quadro elaborado pelo impugnante, no qual é feita a correspondência entre as facturas emitidas por S... e as obras em que os serviços por ele facturados ao impugnante foram aplicados e que por este foram facturadas aos seus clientes, com correspondência aos documentos juntos com a petição inicial, sob os n.ºs 7 a 72 dos autos”.
MM. Mesmo que assim seja, tal facto não prova que tenha sido o S... quem prestou, efetivamente, os serviços a que as faturas respeitam, questão que importa decidir nos autos.
NN. De igual modo, não se pode concordar com a douta sentença sob recurso ao concluir que “[a]s transacções entre o impugnante e o referido S... foram efectuadas com base no contrato celebrado em 10.07.99”, nada impedindo que o mesmo fosse aplicável no na o de 2000, sem que analise criticamente os factos da assinatura ali aposta como sendo de S... ter sido questionada pelos SIT e no mesmo não se encontrarem identificadas as obras a que se refere.
OO. Finalmente, no atinente à fatura nº 84, emitida em nome de L… (adiante apenas L...), concluiu o Tribunal a quo que a prova testemunhal foi no sentido de que, apesar de encomendado ao impugnante, o serviço em causa foi executado pelo S..., com pessoal seu e que o faturou e recebeu o respetivo preço”, “[n]ão tendo, o ora impugnante retirado qualquer vantagem dessa obra”, conclusão esta que, com o respeito devido pelo que assim vem decidido, não resulta de nenhum documento junto aos autos, nem do depoimento das testemunhas.
PP. Ademais, não nos podemos olvidar que os indícios recolhidos devem ser analisados no seu todo e não isoladamente, por forma a podermos concluir, de forma séria e objetiva, com o auxílio das regras da experiência comum, que as operações tituladas pelas faturas controvertidas consubstanciam operações simuladas.
QQ. Decidindo como decidiu, abstrai-se o Tribunal a quo, com o devido respeito, do facto de que à AT apenas incumbia demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações tituladas pelas faturas são simuladas, ónus este com que a mesma cumpriu, atentos os factos elencados no ponto 2.º do probatório, ao longo de quase três páginas da fundamentação, elementos vários, objetivos e ponderosos que consubstanciam factos indiciadores, que se mostram suficientes e claros, por forma a permitirem concluir que as faturas desconsideradas pela AT não têm qualquer correspondência com qualquer operação real ou efetiva.
RR. Olvida ainda o Tribunal a quo que competia ao contribuinte o ónus de provar que as operações tituladas pelas faturas controvertidas correspondem a operações realmente efetuadas pelo emitente das mesmas e, assim, comprovar o direito às deduções que efetuou do IVA nelas mencionado, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, sendo que a prova testemunhal, por si só, desacompanhada de outros elementos de prova, designadamente documentais, dificilmente servirá para convencer o Tribunal da realidade das operações e/ou da sua dimensão.
SS. In casu, não logrou o impetrante fazer, inequivocamente, a prova que se propôs fazer, isto é, contrariar os indícios de falsidade em que assentaram as conclusões dos SIT, ou seja, a comprovação da materialidade das operações tituladas pelas faturas que lhe foram emitidas e ora se encontram controvertidas Aliás, em consonância com o douto parecer do Ministério Público proferido nos autos.

, revelando-se a prova testemunhal produzida revela-se, manifestamente vaga e imprecisa, insuscetível de infirmar os indícios objetivos, concludentes e seguros recolhidos pelos SIT.
TT. Face ao que vem de ser dito, enferma a douta sentença recorrida de erro de julgamento, porquanto o Tribunal a quo errou na subsunção dos factos às normas jurídicas aplicáveis in casu, mormente as normas que regem as regras do ónus da prova, mais concretamente os artºs 74º e 77º da LGT e 342º do CC.

Termos em que,

Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser considerada nula a douta sentença recorrida, com as legais consequências ou,

Caso assim não se entenda

Deve ser revogada a douta sentença recorrida, por erro de julgamento, com as legais consequências.


CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. PGA junto deste TCA emitiu parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
As questões que se impõe apreciar neste recurso, delimitadas pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, consistem em saber se a sentença:
Enferma de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão e por falta de fundamentação.
Se enferma de erro de julgamento.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados:
1.º - As liquidações objecto da presente impugnação resultam de uma acção inspectiva efectuada ao impugnante, que decorreu entre 26 de Janeiro de 2004 e 15 de Maio do mesmo ano, em resultado da qual a Administração Tributária (AT) concluiu que um conjunto de facturas que tinham sido emitidas por S... não correspondiam a operações reais e a serviços que tivessem sido prestados ao impugnante, originando a correcção da matéria colectável no exercício de 2000.
2.° - A AT baseou as suas conclusões nos seguintes factos, (resultantes do relatório de inspecção tributária ínsito no Processo Administrativo (PA), apenso aos autos):
- O ora impugnante iniciou a sua actividade de construção e engenharia civil em 3 de Maio de 1999.
- Para a execução dos trabalhos que contratava, em regra relacionados com obras de estrutura e armação de ferro, dispunha de funcionários, mas recorria frequentemente à subcontratação.
- A sua actividade foi cessada em 31.03.2001.
- Em sede de IVA encontra-se enquadrado no regime normal com periodicidade trimestral.
- O ora impugnante entregou sempre as declarações periódicas a que estava obrigado, bem como os respectivos meios de pagamento.
- Exerceu durante cerca de dois anos a actividade de empresário em nome individual.
- Essa actividade foi exercida em 1999 durante seis meses e em 2000 no primeiro trimestre.
- Trata-se de uma actividade de fornecimento de mão de obra no âmbito da qual os materiais são fornecidos pelo dono da obra.
- A facturação emitida adquire a periodicidade do pagamento dos salários aos trabalhadores afectos às obras.
- Em regra era emitida uma factura por mês e por obra, que reflectia o tempo gasto e os metros quadrados executados em cada obra.
- Durante o exercício de 2000, o ora impugnante executou várias obras ao longo do ano.
- A actividade exercida apoiava-se sobretudo nos trabalhos subcontratados a terceiros.
- Esses subcontratos no exercício de 2000, no valor de € 157.019,57 representavam 70% do volume total de negócios.
- Com o número de funcionários inscritos, o sujeito passivo impugnante não podia alcançar a facturação emitida.
- A maior parte dos trabalhos contratados a terceiros estavam documentados por facturas emitidas por S....
- Este (S...) tinha sido objecto de uma acção inspectiva aos exercícios de 1999 e 2002 no decurso da qual declarou que as facturas emitidas ao impugnante não correspondiam a trabalhos efectuados, mas sim a facturas de favor pelas quais cobrava uma percentagem de 6% do seu valor.
- No exercício de 2000 o S... facturou trabalhos no valor global de
€181.553,59.
- No mesmo período o IVA deduzido foi no montante de €26.379,58.
- De Janeiro a Junho do ano de 2000, o ora impugnante foi o principal utilizador das facturas emitidas por S....
- A numeração das facturas de Junho para Agosto de 2000 passou do n.°99 para o n.°150.
- O S... não apresentou o livro de facturas do n.°51 ao n.°150 declarando tê-lo extraviado.
- O sujeito passivo impugnante não apresentou à Administração Fiscal os contratos de subempreitada alegadamente celebrados com o S....
- Não apresentou os respectivos autos de medição.
- Não apresentou os meios de pagamento que utilizou.
- Apresentou apenas um contrato celebrado em 10.09.1999 com o S..., notando-se que a assinatura nele constante não coincidia com a que ele tinha aposto no auto de declarações que proferiu ma acção inspectiva a que tinha sido sujeito.
- Nesse contrato não estão identificadas as obras pelo mesmo abrangidas.
- Foram exibidos alguns cheques, mas não se logrou fazer uma correspondência entre os pagamentos que eles titulavam e as facturas emitidas pelo S....
- Os valores pagos a este estão documentados no valor de € 1.745,80, enquanto que os valores facturados ascendiam a € 181.553,59.
- Em Auto de Declarações J... «afirma ter travado conhecimento com S... numa obra na qual ambos prestavam serviço. Na sequência desse contacto S... terá procurado J..., através de um funcionário seu vizinho, no sentido de conseguir trabalho. De acordo com J… no seguimento do contacto é assinado um contrato de subempreitada segundo o qual S... disponibilizaria mão-de-obra mediante as necessidades de J.... Ainda de acordo com as declarações do S.P. os pagamentos eram realizados em dinheiro e em cheque».
- No entender dos Serviços de inspecção tributária «Em resumo, não nos foram apresentados, com excepção do contrato e cópia de alguns cheques, quaisquer outros documentos que comprovem a realização e/ou intervenção de S... nos trabalhos facturados por J.... Na falta de meios comprovativos inequívocos das relações comerciais estabelecidas entre J... e S..., face às declarações prestadas por ambos e às conclusões obtidas pela D.F. Viseu estão reunidos indícios fortes de utilização de facturas falsas por parte do S.P. em análise».
3 - Na sequência do que, os Serviços de inspecção tributária propuseram as seguintes correcções técnicas:
«.IRS - No caso em apreço os documentos que serviram de base aos custos com subcontratos, facturas emitidas por S..., não correspondem a trabalhos executados, têm por base operações simuladas cujo encargo não poderá ser considerado para efeitos do cálculo do rendimento da actividade. A correcção ao rendimento líquido da categoria C ascende a 155.174,01€.
IVA - Nos termos do n.°3 do artigo 19° do CIVA (Código do Imposto sobre
o Valor Acrescentado) não é possível a dedução de imposto resultante de operações simuladas pelo que o S.P. deduziu indevidamente o IVA constante de todas as facturas contabilizadas, emitidas por S... no exercício de 2000, que por período resulta nos montantes constantes do quadro seguinte:
Período IVA
1° Trimestre 9.276,64
2° Trimestre 8.847,23
3° Trimestre 3.931,13
4.° Trimestre 4.324,58
Total 26.379,88
Valores em Euros.
4.° - Quanto à omissão de proveitos, resulta do relatório de inspecção tributária, que:
«Na sequência de uma acção inspectiva ao S.P. L…, NIF 1…, foi detectada a factura n.°84 de 30-03-2000 de S... que L… afirma em Auto de Declarações ter-lhe sido entregue por J... para justificar trabalhos executados por este. Declara ainda que só aceitou a factura quando obteve o recibo comprovativo do seu pagamento uma vez que desconhecia o emitente da mesma.
Relativamente à factura n.°84 de S..., J... afirma em Auto de Declarações, ter conhecimento da sua existência, confirmando o seu recebimento. Justifica a entrega da referida factura a L... com o facto de trabalhar em parceria com S... tendo este facturado o total dos serviços prestados por ambos. Como trabalhavam em conjunto noutras obras os valores entre eles eram acertados tendo em conta o valor total das obras em que prestavam serviço. No que toca ao recebimento da factura afirma que terá entregue o respectivo quantitativo a S..., facto que não comprovou.
Resumindo, no que respeita à factura n.°84 de S... emitida a L…, J... confirma a prestação do serviço e o respectivo recebimento, não consegue comprovar que o mesmo terá sido prestado por S..., nem qualquer pagamento relacionado com a mesma. Pelo exposto tendo em conta o descrito e o facto de no período em causa prestar o tipo de serviços facturados e estar comprovadamente ligado à obra em questão propõem-se as seguintes correcções:
IRS - nos termos do artigo 40 do CIRS trata-se de um rendimento proveniente da actividade pelo que se propõe a inclusão como proveito do exercício do montante de 5.162,56 € correspondente ao valor da factura já identificada;
IVA - de acordo com o n.°1 do CIVA estão sujeitas a imposto as prestações de serviços efectuadas a título oneroso pelo que terá que ser liquidado adicionalmente IVA no valor de 17% de 5.162,56 € no primeiro trimestre de 2000 correspondente a 877,63 €».
5.° - O ora impugnante foi notificado pelo Ofício n.°320565 de 24.05.2004 do prazo e condições para o exercício do direito de audição sobre as propostas de correcção supra referidas.
6.° - No prazo estabelecido foi enviada uma exposição, assinada pela esposa do ora impugnante, na qual foi reiterada a posição de que os trabalhos titulados pelas facturas de S... constantes da escrita correspondem efectivamente a serviços executados por pessoal ao serviço dele, tendo sido feita referência à possibilidade de vários funcionários atestarem a veracidade desses mesmos factos.
7.° - Na sequência do que os Serviços de inspecção tributária, notificaram o ora impugnante, para esses efeitos (funcionários atestarem a veracidade dos factos por si alegados).
8.° - Não tendo o impugnante apresentado quaisquer outros documentos.
9.º - Assim, concluíram os Serviços de inspecção tributária que, as facturas emitidas em nome do impugnante, por S…, não correspondiam a quaisquer transacções, tratando-se de facturas falsas.
10.º - Estão em causa as seguintes facturas:
n.°75 de 30.01.2000 de € 11.671,87.
n.°81 de 29.02.2000 de € 11.905,31.
n.°85 de 30.03.2000 de € 15.757,02.
n.°83 de 30.03.2000 de €7.003,12.
n.°82 de 30.03.2000 de € 17.507,81.
n.°91 de 30.04.2000 de€ 8.170,31.
n.°90 de 30.04.2000 de € 10.504,68.
n.°92 de 30.05.2000 de € 11.671,87.
n.°99 de 30.06.2000 de € 12.101,39.
n.°98 de 30.06.2000 de € 18.441,55.
n.°150 de 17.08.2000 de € 7.096,50.
n.°151 de 31.08.2000 de €5.158,96.
n.°157 de 25.09.2000 de € 14.799,93.
n.°174 de 29.12.2000 de €7.003,12.
n.°170 de 30.12.2000 de € 13.422,65.
n.°169 de 30.12.2000 de €9.337,50.
Total das facturas -€181.553,59.
11.º - O ora impugnante não dispunha de estruturas próprias suficientes para os serviços que prestava, recorrendo a subcontratação - cfr.prova testemunhal.
12.° - As facturas juntas aos autos foram preenchidas por S... - cfr. prova testemunhal.
13.° - Entre o ora impugnante e o S... foi celebrado um contrato de subempreitada em 10.07.99 - cfr.doc. de fls.81 dos autos.
14.° - O S... esteve com os seus trabalhadores durante o ano de 2000, nas obras das Pedreiras; Paredes/rotunda; Felgueiras-Escola pré-primária; Borba de Godim- Casa do Povo da Lixa; obra Refoutoura; Escolas Ensino pré- escolar Telões - Amarante e Vizela - cfr. prova testemunhal.
15.° - O serviço correspondente à factura n.°84, de 30.03.2000, no valor de € 5.162,56, emitida por S... em nome de L…, foi efectuado por S..., com o seu pessoal - cfr.prova testemunhal.
16.° - Foi arquivado o processo-crime que correu termos no Tribunal de Cinfães, no qual estava em causa a utilização pelo ora impugnante de facturas, alegadamente falsas, emitidas por S... - cfr. doc. de fls.130 a 136 dos autos.
Sobre a matéria não provada, a sentença registou o seguinte:
Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
J... foi sujeito a ação de fiscalização (parcial), a qual culminou com a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios, por a ATA ter considerado indiciada facturação falsa por parte do emitente S....

O contribuinte deduziu impugnação judicial que correu termos no TAF de Penafiel.

Por sentença de 20 de Dezembro de 2006 a impugnação foi julgada improcedente.

Foi interposto recurso para este TCA que por acórdão de 9/2/2012 ordenou «a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que aí seja proferida nova decisão que inclua os fundamentos de facto, provados e não provados com interesse para a decisão da causa, bem como uma análise das provas nos termos do disposto no art. 123º n.º 2 do CPPT».

Em 9/11/2012 foi proferida nova sentença julgando totalmente procedente a impugnação.

Desta sentença vem o presente recurso interposto pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública.
Quanto à nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão.

Para além da nulidade por falta de fundamentação, o recorrente imputa à sentença o vício de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão. Tal vício, conclui o ERFP nas conclusões M) e N), resulta de

M) no ponto 2.º do probatório, no qual constam relacionados os indícios recolhidos pelos SIT, os quais não foram dados como não provados pelo Tribunal a quo, assim se concluindo que a Mma Juíza do Tribunal a quo considera que a AT cumpriu com o ónus que sobre ela impendia, da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação.

N) Não obstante, decide a final, que “[a] administração tributária não demonstrou, minimamente que seja, a razão pela qual (…) não aceitou as únicas facturas, relativas a subcontratação existentes na contabilidade do impugnante”, nem “procedeu a diligências que teriam revestido importância”.

(…)

P) Assim, enferma ainda a douta sentença sob recurso da nulidade prevista na al. c) do nº 1 do artº 668º do CPC, porquanto a decisão proferida está em contradição com os seus fundamentos.

Efectivamente do n.º 2 do probatório consta o seguinte:
- O ora impugnante iniciou a sua actividade de construção e engenharia civil em 3 de Maio de 1999.
- Para a execução dos trabalhos que contratava, em regra relacionados com obras de estrutura e armação de ferro, dispunha de funcionários, mas recorria frequentemente à subcontratação.
- A sua actividade foi cessada em 31.03.2001
(…).
- Exerceu durante cerca de dois anos a actividade de empresário em nome individual.
- Essa actividade foi exercida em 1999 durante seis meses e em 2000 no primeiro trimestre.
- Trata-se de uma actividade de fornecimento de mão de obra no âmbito da qual os materiais são fornecidos pelo dono da obra.
- A facturação emitida adquire a periodicidade do pagamento dos salários aos trabalhadores afectos às obras.
- Em regra era emitida uma factura por mês e por obra, que reflectia o tempo gasto e os metros quadrados executados em cada obra.
- Durante o exercício de 2000, o ora impugnante executou várias obras ao longo do ano.
- A actividade exercida apoiava-se sobretudo nos trabalhos subcontratados a terceiros.
- Esses subcontratos no exercício de 2000, no valor de € 157.019,57 representavam 70% do volume total de negócios.
- Com o número de funcionários inscritos, o sujeito passivo impugnante não podia alcançar a facturação emitida.
- A maior parte dos trabalhos contratados a terceiros estavam documentados por facturas emitidas por S....
- Este (S...) tinha sido objecto de uma acção inspectiva aos exercícios de 1999 e 2002 no decurso da qual declarou que as facturas emitidas ao impugnante não correspondiam a trabalhos efectuados, mas sim a facturas de favor pelas quais cobrava uma percentagem de 6% do seu valor.
- No exercício de 2000 o S... facturou trabalhos no valor global de €181.553,59.
- No mesmo período o IVA deduzido foi no montante de €26.379,58.
- De Janeiro a Junho do ano de 2000, o ora impugnante foi o principal utilizador das facturas emitidas por S....
- A numeração das facturas de Junho para Agosto de 2000 passou do n.°99 para o n.°150.
- O S... não apresentou o livro de facturas do n.°51 ao n.°150 declarando tê-lo extraviado.
- O sujeito passivo impugnante não apresentou à Administração Fiscal os contratos de subempreitada alegadamente celebrados com o S....
- Não apresentou os respectivos autos de medição.
- Não apresentou os meios de pagamento que utilizou.
- Apresentou apenas um contrato celebrado em 10.09.1999 com o S..., notando-se que a assinatura nele constante não coincidia com a que ele tinha aposto no auto de declarações que proferiu ma acção inspectiva a que tinha sido sujeito.
- Nesse contrato não estão identificadas as obras pelo mesmo abrangidas.
- Foram exibidos alguns cheques, mas não se logrou fazer uma correspondência entre os pagamentos que eles titulavam e as facturas emitidas pelo S....
- Os valores pagos a este estão documentados no valor de € 1.745,80, enquanto que os valores facturados ascendiam a € 181.553,59.
- Em Auto de Declarações J... «afirma ter travado conhecimento com S... numa obra na qual ambos prestavam serviço. Na sequência desse contacto S... terá procurado J..., através de um funcionário seu vizinho, no sentido de conseguir trabalho. De acordo com J... no seguimento do contacto é assinado um contrato de subempreitada segundo o qual S... disponibilizaria mão-de-obra mediante as necessidades de J.... Ainda de acordo com as declarações do S.P. os pagamentos eram realizados em dinheiro e em cheque».
- No entender dos Serviços de inspecção tributária «Em resumo, não nos foram apresentados, com excepção do contrato e cópia de alguns cheques, quaisquer outros documentos que comprovem a realização e/ou intervenção de S... nos trabalhos facturados por J.... Na falta de meios comprovativos inequívocos das relações comerciais estabelecidas entre J... e S..., face às declarações prestadas por ambos e às conclusões obtidas pela D.F. Viseu estão reunidos indícios fortes de utilização de facturas falsas por parte do S.P. em análise».

Aceitando todos estes factos, a Mma. Juiz «a quo» concluiu que
«Afigura-se-nos que estes factos indiciários recolhidos pela administração tributária e por esta externados no cumprimento do dever de fundamentação formal do acto impugnado, não permitem suportar a conclusão a que chegou de as facturas supra identificadas não corresponderem a serviços prestados por S... ao ora impugnante.
A suposta desconformidade entre a assinatura do contrato de empreitada celebrado no ano de 1999 entre o impugnante e o S... e a assinatura deste aposta no Auto de Declarações, bem como as apontadas contradições entre as declarações do impugnante e o referido S..., não permitem suportar a conclusão da administração tributária no sentido de que as facturas aqui em causa são falsas.» (fls. 17 da sentença).

E porque é que, no entender da Mma. Juiz «a quo», estes indícios não permitem suportar a conclusão da administração tributária de que as facturas aqui em causa são falsas?

A Mma. Juiz alinhou, em síntese, quatro argumentos:
(i) No período a que se reporta a inspecção, os sub contratos representam 70% do volume de negócios do impugnante, não tendo o impugnante funcionários em número suficiente para a facturação emitida;
(ii) Se 70% do VN (volume de negócios) se referia a sub contratação, não há razões para que a ATA não tenha aceite as únicas facturas registadas na contabilidade do impugnante que emergem dessa sub contratação – precisamente as do S...;
(iii) A facturação do impugnante para os seus clientes não foi considerada falsa;
(iv) A ATA não procedeu à audição dos donos da obra, para apurar que trabalhos foram efectuados e para quem.

Embora aparentemente os indícios recolhidos e provados apontassem para a existência de facturação simulada, a Mma. Juiz «a quo» porém, fundamentou a razão pela qual os considerou insuficientes para tal.

A conclusão não revela assim qualquer falta de coerência com as premissas de facto, mas apenas uma interpretação dos factos provados que, podendo ser discutível, não é suficiente para se dizer que estamos perante nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão (cfr. Ac. do TRC n.º 169487/08.3YIPRT-A.C1 de 06-11-2012 (Relator: HENRIQUE ANTUNES) A nulidade da decisão com fundamento na contradição intrínseca só se verifica no caso de falta de coerência com as respectivas premissas de facto e de direito.)

Nulidade da sentença por falta de fundamentação.
Refere ainda o recorrente que a douta sentença padece de nulidade por falta de exame crítico das provas, o que implica a sua falta de fundamentação, em conformidade com o disposto nos art.ºs 125º n.º 1 do CPPT e 668º, n.º 1 al. b) do CPC. (conclusão S).

Nos termos do art. 123º/2 do CPPT, na sentença o juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões. Esta exigência de fundamentação deve ser aproximada com o disposto no art. 659º/3 do CPC (com correspondência no art. 607º/4 do NCPC) segundo o qual na fundamentação da sentença o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo eu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer (sublinhado nosso).

Sendo este exame o resultado de uma imposição legal, o juiz não pode deixar de o fazer, sob pena de nulidade da sentença (art.º 125º/1 do CPPT, 668º/b) CPC e 615º/1,b) do NCPC).

Na realização desse exame crítico, o juiz deve exprimir, esclarecendo, quais foram os elementos probatórios que o levaram a decidir como decidiu e não de outra forma. E no caso de haver elementos probatórios divergentes, explicar (fundamentar) as razões porque deu prevalência a uns sobre os outros.

Como refere Jorge Lopes de Sousa (In CPPT anotado, II, 2011, pp. 321 e 322) «A fundamentação da sentença, no que concerne à fixação da matéria de facto, é exigida pelo n.° 2 do art. 123. do CPPT.
Essa fundamentação deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro.
A fundamentação da sentença visa primacialmente impor ao juiz reflexão e apreciação crítica da coerência da decisão, permitir às partes impugnar a decisão com cabal conhecimento das razões que a motivaram e permitir ao tribunal de recurso apreciar a sua correcção ou incorrecção.
Mas, à semelhança do que sucede com a fundamentação dos actos administrativos, a fundamentação da sentença tem também efeitos exteriores ao processo assegurando a transparência da actividade jurisdicional.
Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto.
Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios.
Mas, quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos relativamente aos quais essa apreciação seja necessária» (sublinhado nosso).

Se preterir o dever de examinar criticamente a prova testemunhal, a sentença enferma de nulidade nos termos do art. 125º/1 do CPPT e 668º/1,b) do CPC.
Retomando mais uma vez a doutrina de Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, II, 2011, pp. 357 e segs. «Relativamente à matéria de facto, esta nulidade abrange não só a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo n.º 2 do art.º 123º do CPPT, como a falta do exame crítico das provas, previsto no n.º 3 do art. 659º do CPC.
Como vem entendendo uniformemente o STA só se verifica tal nulidade quando ocorra falta absoluta de fundamentação…»

Detetamos essa falta absoluta na sentença.
A Mma. juiz «a quo» limita-se a enunciar em relação aos factos que poderiam ter sido provados com base na prova testemunhal apenas o seguinte «cfr. prova testemunhal», o que, evidentemente, nada nos diz sobre o percurso da convicção formada, as razões por que se deu valor probatório aos depoimentos, o conhecimento dos factos demonstrados e respectiva coerência, a isenção da testemunha, sem esquecer a credibilidade dos depoimentos no contexto de toda a prova produzida.
Seria esse o exame crítico da prova que se impunha fazer, mas que no caso em apreço foi totalmente omitido.

E dizemos que a análise crítica da prova foi totalmente omitida não obstante a dado passo da sentença (na parte respeitante à fundamentação de direito, fls. 18) a Mma. Juiz «a quo» ter referido que «Ficou provado, pelo depoimento das testemunhas que se revelou credível, que, as referidas facturas, juntas aos autos, foram preenchidas pelo S....
Foram pelas testemunhas, com base, num conhecimento directo, identificadas as obras em que, andaram os homens/trabalhadores do S...», a verdade é que nada de concreto se esclarece.

Bem se vê que esta «fundamentação» não cumpre minimamente os objectivos legais que a lei exige, sendo uma fundamentação meramente aparente. Não se explicita, ainda que sumariamente, porque é que os depoimentos se revelaram credíveis. E quem são as testemunhas que tinham conhecimento «directo»? O conhecimento directo resulta de quê? As testemunhas conheciam as obras, ou conheciam o S..., os seus trabalhadores, ou todos e tudo? Como lhe adveio esse conhecimento? Qual era a sua relação com o impugnante? Que conhecimentos tinham dos factos? De que modo os depoimentos confirmam (ou infirmam), o conteúdo dos documentos?
E se infirmam o conteúdo dos documentos, porque razão os depoimentos justificam prevalência sobre eles?

É que sendo a prova livremente apreciável, o juiz não está dispensado de motivar a decisão de facto, isto é proceder a uma análise crítica da prova e fundamentar as razões da sua convicção.

Ora isso não só não foi feito, como há factos provados com base no depoimento das testemunhas que suscitam alguma perplexidade, se não for devidamente fundamentada a razão da convicção da Mma. Juiz «a quo».
Exemplo concreto disso é a matéria relativa à factura n.º 84.

Esta factura foi emitida por S... a L…, mas foi apresentada a este pelo impugnante, ora recorrente, como justificação dos seus serviços. O Sr. L… não conhecia o Sr. S..., mas pagou a factura ao impugnante pelos serviços debitados o qual emitiu o respectivo recibo.

Na petição inicial, o impugnante alegou que apesar de o serviço lhe ter sido encomendado, na realidade foi executado pelo S..., com pessoal seu o qual facturou e recebeu o respectivo preço, não tendo o impugnante retirado qualquer vantagem dessa obra (art. 38º e 39º da douta petição inicial).

Mas quando foi ouvido em declarações (fls. 106 do apenso) o impugnante disse, a propósito desta factura, que «…num determinado mês foi S... quem facturou o valor total dos serviços realizados por ambos, com o acordo de posteriormente efectuar o acerto». O que é diferente do alegado na petição inicial.

A sentença, por se turno, registou que:
15.° - O serviço correspondente à factura n.°84, de 30.03.2000, no valor de € 5.162,56, emitida por S... em nome de L…, foi efectuado por S..., com o seu pessoal.

Ora se o impugnante disse em determinada altura que o serviço mencionado na factura 84 foi prestado por ambos (o impugnante e S...), dever-se-á esclarecer muito bem porque é que o depoimento das testemunhas contrariou as declarações do próprio impugnante em matéria do seu conhecimento pessoal.

Fazemos esta observação em relação ao confronto entre os depoimentos e o conteúdo dos documentos, mas toda a prova não pode deixar de ser devidamente analisada, filtrada e conscienciosamente apurada, pois é neste exercício de busca da verdade relativa aos factos que lhe é lícito conhecer «… que o juiz exercita o núcleo, a excelência, do seu múnus, é nesse momento que tem de fazer jus à sua condição de julgador, que se lhe impõe o acertado e responsável exercício do poder de julgar, aqui ao serviço da melhor, mais justa e equitativa, apreensão e tradução da realidade, da verdade, dos factos, com relação aos quais importa, sequentemente, aplicar o direito, tarefa, sobretudo, de cariz e apuro técnico (acessível, pois, a qualquer cultor do direito), determinada, condicionada, pelo quadro factual previamente traçado.» (ac. deste TCAN n.º 00482/08.2BECBR de 30-04-2014 in www.dgsi.pt)


E não devemos esquecer que o dever de fundamentação/motivação da sentença contribui «…para a sua eficácia, pela via da persuasão dos respectivos destinatários e da comunidade jurídica em geral, (ii) consinta às partes e aos tribunais de recurso, fazer reexame do processo lógico ou racional subjacente à decisão, e (iii) constitua um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere), nessa medida se configurando como garantia do respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões (Ac. do TRE n.º 368/12.6GBLLE.E1 de 13-05-2014 (Relator: ANTÓNIO CLEMENTE LIMA)

De modo que omitindo o cumprindo o dever de fundamentação, a sentença enferma efectivamente de nulidade.

Nos termos do art. 715º/1 do CPC (actual 665º/1 do NCPC) ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação.

Mas como a prova produzida inclui apreciação de documentos e prova testemunhal não analisada criticamente, isso significaria proceder a um novo julgamento da matéria de facto nesta instância.
Cremos que isso seria ilegal.

A reapreciação da matéria de facto não pode significar a abertura da possibilidade de realização de um novo julgamento pela Relação, objectivo que jamais esteve no horizonte das sucessivas modificações legais, antes uma medida paliativa destinada a resolver situações patológicas que emergem simplesmente de uma nebulosa que envolva a prova que foi produzida e que não foi convenientemente resolvida segundo o juízo crítico da Relação (António Santos Abrantes Geraldes , in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, pp. 241 e 245 e Ac. do TCAS n.º 07219/13 de 29-05-2014 (Relator: BENJAMIM BARBOSA) iii) A modificação não deve atingir uma amplitude tal que implique todo um novo julgamento de facto, com a reapreciação de toda a prova produzida, a alteração da convicção do julgador a quo e a postergação dos princípios da livre apreciação das provas e da imediação.

Nestas circunstâncias a declaração de nulidade da sentença, com a amplitude deste fundamento, impede o conhecimento das restantes matérias objecto da apelação.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em julgar nula a sentença recorrida e ordenar a remessa dos autos ao tribunal «a quo» a fim de proferir nova sentença dando cumprimento ao dever de a fundamentar, procedendo à análise crítica de toda a prova produzida.
Sem custas.

Porto, 30 de Abril de 2015.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira