Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00246/14.4BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/28/2019
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:FALTA INJUSTIFICADA; DIREITO À GREVE; TRABALHO EXTRAORDINÁRIO.
Sumário:
I- Trabalho extraordinário é definido pela lei como todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho [artigo 158.º, n.º 1 do RCTFP].
II- Dentro deste parâmetro, não se deteta nenhum erro de julgamento de direito na sentença recorrida, já que a prestação de trabalho, pelo A., nos dias 29.03.2013 e 31/03/2013, dias feriados obrigatórios, não correspondeu à prestação de trabalho extraordinário [nem suplementar] - e para o qual foi anunciado o pré-aviso de greve -, isto porque não se tratou de trabalho prestado fora do seu horário de trabalho, na aceção do n.° 1 do art.° 158.° do RCTFP, mas antes de trabalho prestado dentro do seu horário de trabalho normal, em regime de turnos. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:PSTL
Recorrido 1:MUNICÍPIO C…
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
PSTL, devidamente identificado nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra [doravante T.A.F. de Coimbra], de 16.03.2018, proferida no âmbito da Ação Administrativa Especial que o Recorrente intentou contra o MUNICÍPIO C…, que julgou a mesma improcedente, e, em consequência, absolveu o Réu do pedido.
Em alegações, o Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso:
(…)
I. Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. (...), nos termos da qual o Tribunal a quo concluiu que o ato impugnado, ao não ter aceitado a justificação apresentada pelo A. e ao ter considerado as ausências ao serviço nos dias em causa como faltas injustificadas não padece de qualquer ilegalidade, (...).
II. Decidiu o tribunal a quo julgar a “presente ação administrativa especial improcedente e, em consequência, absolve-se o R. do pedido.”, apreciando assim o dia de trabalho em feriado como dia de trabalho normal, atenta a não suspensão do trabalho e encerramento dos Serviços Municipalizados de Transportes Urbanos C… - regime de laboração contínua.
III. Salvo o devido respeito, tal decisão carece de fundamento de direito.
IV. O recorrente presta serviço todos os dias da semana, segundo uma escala de serviço que distribui os turnos pela semana, porém, não é menos certo, nem tão pouco significa que, em caso de o dia de trabalho coincidir com um feriado obrigatório, o mesmo possa ser considerado como trabalho prestado em dia de trabalho normal.
V. Não se pode considerar nem sequer conceber, que este, ou qualquer outro, regime de turnos possa distorcer a intenção legislativa de maior proteção em dias específicos como os dias de feriado, ou seja, não pode ser pelo facto de o regime de trabalho ser por turnos que, quando coincidente com dias de feriado, este deixe de o ser e passe a ser um dia normal de trabalho, banalizando assim, tanto o dia de feriado como a própria intenção legislativa.
VI. Ora, o trabalho prestado pelo recorrente no dia de feriado deve ser considerado como trabalho extraordinário, dando lugar à respetiva e competente compensação legal,
VII. Isto porque o regime plasmado no artigo 269° do CT, referente ao acréscimo retributivo para empresas não obrigadas a suspender o funcionamento, é imperativo.
VIII. Aliás, se assim não fosse, o legislador teria, com certeza, previsto tal hipótese e consagrado expressamente que estávamos perante uma situação de trabalho em dia/horário normal pelo que,
IX. A interpretação não pode ser analógica, extensiva e sem qualquer correspondência na Lei, não podendo o intérprete - ainda que com poder decisório - ir além do legislador.
X. A não suspensão ou encerramento da laboração dos Serviços Municipalizados de Transportes Urbanos C… em dias feriado não afasta a natureza e consideração do dia feriado e a classificação do trabalho prestado nesse dia como trabalho suplementar.
XI. Em todos os casos, no dia feriado ocorre suspensão da prestação de trabalho (obrigação) por força da natureza do dia feriado, a qual determina a não obrigação de prestação de trabalho. A ocorrer prestação de trabalho em dia feriado, essa prestação é tida e paga para todos os devidos e legais efeitos pela lei (RCTFP e CT) como trabalho suplementar.
XII. Porém, o recorrente não prestou trabalho no dia em causa - 29 de março de 2013 e 31 de março 2013 - por força do exercício do direito à greve, que, reitere-se, foi legalmente convocada e decretada,
XIII. Sendo verdade que não houve efetiva prestação do trabalho no dia em questão, logo não deve haver compensação, também é verdade que a prestação de trabalho não sucedeu aliás por força do exercício de um direito constitucionalmente garantido, ou seja, o direito à greve.
XIV. Termos em que a falta ao serviço num dia de feriado, por motivo de adesão à greve, deve ser entendida como uma ausência pelo legítimo exercício do direito à greve.
TERMOS EM QUE DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, REVOGANDO-SE A DECISÃO DO TRIBUNAL A QUO QUE JULGOU IMPROCEDENTE A ACÇÃO E ANULANDO-SE OS ACTOS IMPUGNADOS, CUMPRINDO-SE DESTA FORMA A LEI E FAZENDO-SE A COSTUMADA JUSTIÇA!
(…)”.
*
Notificado que foi para o efeito, o Recorrido não contra-alegou:
*
O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, que não vincula este Tribunal Superior [cfr. artigo 641º, nº. 5 do CPC].
*
O Ministério Público neste Tribunal não emitiu o parecer a que alude o artigo 146º, nº.1 do CPTA.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
*
II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão suscitada pelo Recorrente consiste em saber se o Tribunal a quo, ao determinar a improcedência da presente ação com fundamento na inexistência de “(…) nenhuma violação do disposto no art.° 234.° do Código do Trabalho, aplicável por força do art.° 8.°-A do RCTFP, bem como no art.° 158.°, n.° 1, do RCTFP, pelo que o ato impugnado deve ser mantido na ordem jurídica (…)”, incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação do direito.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
“(…)
1) O A. está vinculado aos Serviços Municipalizados de Transportes Urbanos C… (SMTUC) por contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, ocupando posto de trabalho correspondente à categoria de assistente operacional, da carreira de assistente operacional, do mapa de pessoal dos referidos SMTUC (acordo).
2) O A. está inserido no designado “Setor de Produção” dos SMTUC, estando adstrito à área de atividade de “agente único de transportes coletivos”, tendo como função principal a condução dos autocarros dos SMTUC destinados ao transporte urbano de passageiros (acordo).
3) Neste serviço de transporte urbano de passageiros a que o A. está afeto há lugar à prestação de trabalho em todos os dias da semana, trabalhando o A. em regime de horário de trabalho por turnos, cumprindo um horário semanal de 35 horas mediante rotação de diferentes turnos (acordo).
4) Pelo ofício n.° 1337/C de 12/12/2012, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local deu conhecimento aos SMTUC do aviso prévio de greve decretada ao trabalho extraordinário e suplementar, “devendo entender-se que esse tipo de trabalho abrange quer o respeitante aos dias úteis quer aos dias de descanso semanal, complementar e feriado, greve a iniciar às 0 horas do dia 1 de janeiro de 2013, prolongando-se por tempo indeterminado até à resolução definitiva e justa da matéria objeto desta greve, abrangendo todos os trabalhadores da Administração Local e Regional, independentemente do respetivo tipo de vínculo (…) (cfr. doc. de fls. 42 e 43 do processo administrativo).
5) O A. esteve ausente do serviço nos dias 29/03/2013 e 31/03/2013, dias em que tinha de cumprir um turno de acordo com a escala definida (cfr. doc. de fls. 44 e 45 do processo administrativo).
6) Pelo ofício n.° 001092 de 16/04/2013, recebido pelo A. em 17/04/2013, foi este notificado para justificar as faltas dadas ao serviço nos dias 29/03/2013 e 31/03/2013, sob pena de tais faltas serem consideradas injustificadas (cfr. docs. de fls. 38 e 39 do processo administrativo).
7) Em 22/04/2013 o A. apresentou exposição junto dos SMTUC, requerendo que as ausências ao serviço nos dias em causa fossem consideradas, não como faltas, mas como ausências pelo legítimo exercício do direito à greve (cfr. doc. de fls. 36 e 37 do processo administrativo).
8) Em 18/10/2013 a Diretora Delegada dos SMTUC proferiu despacho, tendo por base as informações n.° 9155, de 17/10/2013, e n.° 5654, de 21/06/2013, com o seguinte teor:
“No uso das competências que me foram concedidas por deliberação do Conselho de Administração, datada de 5 de março de 2013, considero injustificadas as faltas dadas pelo trabalhador PL nos dias 29 e 31 de março de 2013, com fundamento na informação da DRH” (cfr. docs. de fls. 24, 32 e 33 do processo administrativo).
9) O A. foi notificado do despacho que antecede através do ofício n.° 002750, de 16/12/2013, recebido em 18/12/2013 (cfr. docs. de fls. 22 e 23 do processo administrativo).
10) A remuneração correspondente aos dias de faltas injustificadas foi descontada no vencimento do A. do mês de fevereiro de 2014 (cfr. doc. de fls. 9 do suporte físico do processo).
11) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 27/03/2014 (cfr. doc. de fls. 1 do suporte físico do processo).
(…)”
*
III.2 - DO DIREITO
Cumpre decidir, sendo que a única questão que se mostra controversa e objeto do presente recurso jurisdicional consiste em saber, como se viu supra, se o Tribunal a quo, ao determinar a improcedência da presente ação com fundamento na inexistência de “(…) nenhuma violação do disposto no art.° 234.° do Código do Trabalho, aplicável por força do art.° 8.°-A do RCTFP, bem como no art.° 158.°, n.° 1, do RCTFP, pelo que o ato impugnado deve ser mantido na ordem jurídica (…)”, incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação do direito.
Vejamos, convocando, desde já, a fundamentação que ficou vertida na sentença recorrida:
“(…)
Na presente ação, o A. insurge-se contra o despacho proferido, em 18/10/2013, pela Diretora Delegada dos SMTUC, que considerou injustificadas as faltas dadas ao serviço nos dias 29/03/2013 e 31/03/2013, alegando, em suma, que o mesmo padece do vício de violação de lei, uma vez que o A. exerceu, nos dias em causa, o direito à greve ao trabalho extraordinário, não tendo cometido nenhuma falta, mas tendo estado ausente pelo legítimo exercício do direito à greve. Isto porque, no seu entender, tendo a ausência ao serviço ocorrido em dias feriados obrigatórios (sexta-feira Santa e domingo de Páscoa), o trabalho nesses dias seria sempre prestado fora do seu horário de trabalho, logo, seria trabalho extraordinário, nos termos do art.° 158.°, n.° 1, do RCTFP, e estaria abrangido pelo aviso prévio de greve emitido pelo STAL.
Contesta, porém, o R. que o trabalho que o A. tinha de cumprir nos dias 29/03/2013 e 31/03/2013 era trabalho normal, em face da escala de serviços que distribuem os turnos pela semana de trabalho, razão pela qual o aviso prévio de greve emitido pelo STAL não abrangia o trabalho que o A. tinha, obrigatoriamente, de prestar naqueles dias, justamente por não estar em causa trabalho extraordinário.
E julgamos que, de facto, a razão está do lado do R., senão vejamos.
Nos termos da factualidade provada, o aviso prévio de greve emitido pelo STAL determinava que a greve era decretada ao trabalho extraordinário e suplementar, “devendo entender-se que esse tipo de trabalho abrange quer o respeitante aos dias úteis quer aos dias de descanso semanal, complementar e feriado, greve a iniciar às 0 horas do dia 1 de janeiro de 2013, prolongando-se por tempo indeterminado até à resolução definitiva e justa da matéria objeto desta greve, abrangendo todos os trabalhadores da Administração Local e Regional, independentemente do respetivo tipo de vínculo (cfr. ponto 4 dos factos provados).
Nesta matéria, dispunha o art.° 8.°-A, n.° 1, da Lei n.° 59/2008, de 11/09 (que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas - RCTFP, entretanto revogado pela Lei n.° 35/2014, de 20/06, que aprovou a atual Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas) que, “sem prejuízo do disposto nos números seguintes ou em lei especial, é aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação e de contrato, o regime de feriados estabelecido no Código do Trabalho”.
Por sua vez, o art.° 234.° do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.° 7/2009, de 12/02) estabelece, sob a epígrafe “Feriados obrigatórios”, que “são feriados obrigatórios os dias 1 de janeiro, de sexta-feira Santa, de domingo de Páscoa, 25 de abril, 1 de maio, de Corpo de Deus, 10 de junho, 15 de agosto, 5 de outubro, 1 de novembro, 1, 8 e 25 de dezembro (n.° 1), sendo que “o feriado de sexta-feira Santa pode ser observado em outro dia com significado local no período da Páscoa” (n.° 2). Acresce que, “mediante legislação específica, determinados feriados obrigatórios podem ser observados na segunda-feira da semana subsequente” (n.° 3).
No que ao trabalho extraordinário concerne, estipulava o art.° 158.°, n.° 1, do RCTFP que se considerava “trabalho extraordinário todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho” (sublinhado e negrito nosso).
No caso dos autos, o A., afeto ao serviço de transporte urbano de passageiros, está adstrito a um regime de prestação de trabalho em todos os dias da semana, trabalhando em regime de horário de trabalho por turnos, cumprindo um horário semanal de 35 horas mediante rotação de diferentes turnos, sendo que, nos dias em que o A. esteve ausente do serviço, este tinha de cumprir um turno de acordo com a escala definida, como resulta da factualidade provada e como o próprio A. reconhece (cfr. pontos 3 e 5 dos factos provados).
Nos termos do art.° 149.° do RCTFP, “considera-se trabalho por turnos qualquer modo de organização do trabalho em equipa em que os trabalhadores ocupem sucessivamente os mesmos postos de trabalho, a um determinado ritmo, incluindo o ritmo rotativo, que pode ser de tipo contínuo ou descontínuo, o que implica que os trabalhadores podem executar o trabalho a horas diferentes no decurso de um dado período de dias ou semanas”. Nestes casos, o n.° 1 do art.° 150.° do RCTFP previa que “devem ser organizados turnos de pessoal diferente sempre que o período de funcionamento ultrapasse os limites máximos dos períodos normais de trabalho”. Ademais, “os turnos no regime de laboração contínua e dos trabalhadores que assegurem serviços que não possam ser interrompidos, nomeadamente trabalhadores diretamente afetos a atividades de vigilância, transporte e tratamento de sistemas eletrónicos de segurança, devem ser organizados de modo que aos trabalhadores de cada turno seja concedido, pelo menos, um dia de descanso em cada período de sete dias, sem prejuízo do período excedente de descanso a que o trabalhador tenha direito” (n.° 5 do art.° 150.° do RCTFP).
Ora, uma vez que o A. estava escalado para prestar trabalho (por turnos) nos dias 29/03/2013 e 31/03/2013, ambos correspondentes a dias feriados obrigatórios (Sexta-Feira Santa e domingo de Páscoa, respetivamente), e que não eram o seu dia de descanso obrigatório, tal prestação de trabalho conferia-lhe o direito ao abono a que alude o art.° 213.°, n.° 2, do RCTFP, segundo o qual “o trabalhador que realiza a prestação em órgão ou serviço legalmente dispensado de suspender o trabalho em dia feriado obrigatório tem direito a um descanso compensatório com duração de metade do número de horas prestadas ou ao acréscimo de 50% da remuneração pelo trabalho prestado nesse dia, cabendo a escolha à entidade empregadora pública”.
Do exposto resulta, portanto, que a prestação de trabalho, pelo A., nos dias 29/03/2013 e 31/03/2013, dias feriados obrigatórios, não correspondeu à prestação de trabalho extraordinário (nem suplementar) - e para o qual foi anunciado o pré-aviso de greve -, isto porque não se tratou de trabalho prestado fora do seu horário de trabalho, na aceção do n.° 1 do art.° 158.° do RCTFP, mas antes de trabalho prestado dentro do seu horário de trabalho normal, em regime de turnos, os quais, de acordo com a escala previamente definida, coincidiram com os referidos dias feriados, o que, como vimos, nos termos legais, lhe conferia o direito a um descanso compensatório ou ao acréscimo de 50% da remuneração pelo trabalho prestado nesses dias.
Por conseguinte, o ato impugnado, ao não ter aceitado a justificação apresentada pelo A. e ao ter considerado as ausências ao serviço nos dias em causa como faltas injustificadas não padece de qualquer ilegalidade, porquanto o aviso prévio de greve emitido pelo STAL não abrangia o trabalho que o A. tinha, obrigatoriamente, de prestar nos dias 29/03/2013 e 31/03/2013, pois que, como vimos, e ao contrário do que o A. defende, o trabalho prestado nesses dias não configurou trabalho extraordinário (nem suplementar). Não é, pois, possível concluir que o A. tenha exercido, nos dias em causa, o direito à greve ao trabalho extraordinário e que esteve ausente pelo legítimo exercício do direito à greve.
Não se verifica, assim, nenhuma violação do disposto no art.° 234.° do Código do Trabalho, aplicável por força do art.° 8.°-A do RCTFP, bem como no art.° 158.°, n.° 1, do RCTFP, pelo que o ato impugnado deve ser mantido na ordem jurídica.
(…)”.
Do que vem de se transcrever grassa à evidência que o Tribunal a quo decidiu que a prestação de trabalho do Recorrente nos dias 29 e 31.03.2013 não correspondeu à prestação de trabalho prestado fora do seu horário de trabalho, mas antes de trabalho prestado dentro do seu horário normal em regime de turnos, e, qua tale, não era possível concluir que o A. tenha exercido o direito à greve ao trabalho extraordinário, nessa sequência rematando que o ato impugnado não enfermava da ilegalidade assacada no libelo inicial.
Adiante-se, desde já, que o assim decidido é de manter.
Na verdade, sobre a questão decidenda, pronunciou-se já este Tribunal Central Administrativo Norte no âmbito do processo nº. 247/14.2BECBR em caso de contornos idênticos, de cujo Coletivo fez parte o aqui Juiz Relator.
Efetivamente, a questão ali decidida prendia-se também com a conformidade legal do despacho proferido pela Diretora Delegada dos Serviços Municipalizados de Transportes Urbanos C…, datado de 18 de outubro de 2013, que considerou injustificada a falta ao serviço de um condutor de autocarros nos SMTUC ocorrida no dia 10 de junho de 2013, que embora se encontrasse escalado para cumprir turno em tal dia, optou por exercer o seu direito à greve ao trabalho extraordinário.
Por concordarmos com o aí decidido, e com o arrazoado jurídico que sustenta o sentido da decisão, limitar-nos-emos a reproduzir grande parte desse texto, procedendo às devidas e necessárias adaptações ao caso dos autos.
Efetivamente, vertida a solução a que aderimos num texto jurídico que merece a nossa inteira concordância, não se justifica o esforço de elaboração de um novo nesta matéria, porventura menos conciso molde textual.
Acompanhemos, por isso, as partes mais significativas da argumentação expendida no mencionado Acórdão:
”(…)
O T.A.F. de Coimbra julgou improcedente a ação administrativa especial em apreço, decisão da qual discordou o A. que estribou o presente recurso na alegação segundo a qual – cfr. conclusão IX – a não suspensão ou encerramento da laboração dos Serviços Municipalizados de Transportes Urbanos C… em dias feriados não afastará a natureza e consideração do dia feriado e a classificação do trabalho prestado nesse dia como trabalho suplementar.
Vejamos, para o que importa atentar nos atinentes preceitos, da Lei nº 59/2008, de 11 de setembro, aplicáveis face ao princípio tempus regit actum:
“Artigo 117.º
Tempo de trabalho
Considera-se tempo de trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador está a desempenhar a atividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as interrupções e os intervalos previstos no artigo seguinte.
Por sua vez, de acordo com o artigo 120º do mesmo diploma, considera-se período normal de trabalho, o tempo que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana.
Por sua vez, prescreve o artigo 121º da referida Lei
“Artigo 121.º
Horário de trabalho
1 - Entende-se por horário de trabalho a determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho diário, bem como dos intervalos de descanso.
2 - O horário de trabalho delimita o período de trabalho diário e semanal.
3 - O início e o termo do período de trabalho diário podem ocorrer em dias de calendário consecutivos. “
Por seu turno, de acordo com o nº 1 do artigo 132º da Lei em apreço: “Compete à entidade empregadora pública definir os horários de trabalho dos trabalhadores ao seu serviço, dentro dos condicionalismos legais.”
Conforme se retira da matéria de facto assente o Recorrente é condutor de autocarros nos SMTUC, serviço em que há prestação de serviço todos os dias da semana, de acordo com escalas que distribuem os turnos pela semana de trabalho e com horário semanal de trinta e cinco horas – cfr. itens A), B), C), D) e E) dos factos apurados.
Conforme consta dos factos assentes o STAL emitiu pré-aviso de greve ao trabalho extraordinário para o ano de 2013, o que foi comunicado aos SMTUC – cfr. itens F) e G) dos factos apurados – não tendo o ora Recorrente comparecido ao serviço no dia 10 de junho – dia feriado nacional - embora se encontrasse escalado para cumprir turno em tal dia – cfr. itens H), I) e J) dos factos apurados – por, nos termos invocados nos autos, ter optado por exercer o seu direito à greve ao trabalho extraordinário.
A resolução do dissídio que marca os presentes autos passa, então, por determinar se o trabalho prestado em dia feriado obrigatório, por trabalhador a exercer funções num serviço em que há lugar à prestação de trabalho em todos os dias da semana mediante horário de trabalho em regime de turno, com direito a receber compensação pelo trabalho em dia feriado, deve ser considerado trabalho extraordinário, no sentido propugnado pelo Recorrente e refutado pelo recorrido.
Nos termos anteriormente previsto no artigo 149º da Lei 59/2008, de 11 de setembro : “Considera-se trabalho por turnos qualquer modo de organização do trabalho em equipa em que os trabalhadores ocupem sucessivamente os mesmos postos de trabalho, a um determinado ritmo, incluindo o ritmo rotativo, que pode ser de tipo contínuo ou descontínuo, o que implica que os trabalhadores podem executar o trabalho a horas diferentes no decurso de um dado período de dias ou semanas.”
Como se refere na decisão recorrida: “o período normal de trabalho do Autor coincide com os turnos que efetua, segundo a distribuição que é feita pelas escalas de serviço, e aos quais corresponde, na globalidade, um horário de trinta e cinco horas semanais.
Vejamos, agora, como se processa a remuneração dos trabalhadores em dia feriado, situação prevista no artigo 213º da Lei em apreço:
“Artigo 213.º
Feriados
1 - O trabalhador tem direito à remuneração correspondente aos feriados, sem que a entidade empregadora pública os possa compensar com trabalho extraordinário.
2 - O trabalhador que realiza a prestação em órgão ou serviço legalmente dispensado de suspender o trabalho em dia feriado obrigatório tem direito a um descanso compensatório com duração de metade do número de horas prestadas ou ao acréscimo de 50 % da remuneração pelo trabalho prestado nesse dia, cabendo a escolha à entidade empregadora pública. “
Resulta do preceito supra transcrito que o trabalho prestado em dia feriado está sujeito, como bem se refere na decisão recorrida, a dois regimes distintos: o aplicável aos órgãos ou serviços legalmente não dispensados de suspenderem o trabalho em dia feriado, outro aplicável aos órgãos ou serviços legalmente dispensados de suspender o trabalho em dia feriado obrigatório.
Assim, o Recorrente trabalhador dos SMTUC, serviço em que há prestação de trabalho durante todos os dias da semana, teria direito à compensação se tivesse trabalhado no dia 10 de junho.
Será então que o trabalho que prestaria nesse dia seria de considerar como trabalho extraordinário?
A resposta é-nos dada pela sentença recorrida, em raciocínio que se acompanha na íntegra e que se transcreve:
(…)
“Trabalho extraordinário é definido pela lei como todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho (artigo 158.º, n.º 1 do RCTFP).
Mais dispõe a lei que são condições legais da prestação de trabalho extraordinário, (i) acréscimos eventuais e transitórios de trabalho que o órgão ou serviço tenha de fazer e que não justifiquem a admissão de trabalhador, e (ii) motivos de força maior ou situações em que o mesmo se torne indispensável para prevenir ou reparar prejuízos graves para o órgão ou serviço (artigo 160.º, n.ºs 1 e 2, do RCTFP). Apenas com base nestas motivações, poderão, pois, ser extraordinariamente prolongados os tempos de trabalho dos trabalhadores.
Ora, o Autor não alega que no dia 10 de junho de 2013 se tenha verificado que o serviço que lhe foi atribuído tenha como causa um acréscimo eventual ou transitório de trabalho no transporte urbano de passageiros, que não justificasse a admissão de novo trabalhador pelos SMTUC; do mesmo modo, não alega que tenham existido motivos de força maior ou situações que tornassem indispensável esse serviço para prevenir ou reparar prejuízos graves para os SMTUC.
Alega, isso sim, que “foi no âmbito daquela relação jurídica de emprego e sob este regime de prestação de trabalho, nomeadamente em termos de horário de trabalho”, que “esteve ausente no dia 10/06/2013, dia correspondente a um feriado em que tinha de cumprir um turno de acordo com a escala”.
Ou seja, reconhece que o serviço de transporte urbano de passageiros é um serviço em que há lugar à prestação de trabalho todos os dias, pelo que, nestes moldes, cumpre um horário semanal de trinta e cinco horas, e que, de acordo com a escala que distribui os turnos pela semana, tinha de cumprir um turno de trabalho nesse dia 10/06/2013 [facto assente em H)].
Portanto, não obstante tratar-se de dia feriado, o Autor prestaria trabalho normal e não extraordinário (pese embora tivesse direito a uma compensação por se tratar de dia feriado, conforme se deixou dito).
O Autor faltou, pois, a horário de trabalho normal e não extraordinário.
Assim, bem andou a Entidade Demandada, ao ter considerado injustificada a falta dada ao serviço pelo Autor (artigos 184.º, n.º 1 e 185.º, n.º 1 do RCTFP), com a consequente perda da remuneração correspondente ao período de ausência e o desconto deste na antiguidade do trabalhador (artigos 192.º do RCTFP) – [cfr. factos assentes em O), S), T) e W)].”
A este propósito e ainda que no domínio de legislação já revogada importa chamar à colação Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 04/07/2001, no âmbito do Proc. 0052554, cujo sumário, parcialmente, se transcreve:
(…)
“II - Nas empresas de laboração contínua ou que estejam autorizadas a laborar ao domingo e dias feriados, à regra da suspensão de trabalho em dia feriado, sofre exceção, como resulta claramente do nº 3 do art. 35º do DL 409/71.
III - Nesses casos, quer ao domingo, quer por maioria de razão o feriado, fazem parte do regime normal de trabalho, e, por isso, o trabalho prestado nesses dias não pode ser considerado suplementar.
IV - Trabalho suplementar é todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho que o trabalhador se obrigou a prestar, bem como nos dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar.
V - Estando a entidade patronal dispensada de encerrar ou suspender a sua atividade aos Domingos, está igualmente dispensada de "observar" os feriados pelo que a atividade prestada nesses dias não pode ser tida como trabalho suplementar.
VI - Exercendo o trabalhador apelante as suas funções por conta da apelada no Hospital Garcia da Horta, que está autorizado a laborar continuamente, e trabalhando no regime de turnos relativos, é manifesto que os dias de feriado que recaiam nos turnos em que trabalhava constituem trabalho normal, e por isso, esse trabalho não pode ser considerado como sendo prestado fora do horário normal, não estando sujeito ao pagamento do acréscimo devido pela prestação de trabalho suplementar.”
Este Tribunal acolhe, na íntegra, a linha de argumentação traçada na decisão recorrida, concluindo-se que o trabalho que o Recorrente deveria prestar no dia 10 de junho de 2013 por não ser prestado fora do horário de trabalho, não pode ser considerado trabalho extraordinário, pelo que a falta ao serviço, na referida data, não pode ser considerada como uma ausência justificada pelo “legítimo exercício do direito à greve”, nos termos do aviso de greve divulgado pelo STAL, devendo ser confirmada a sentença proferida pelo T.A.F. de Coimbra.
(…)”.
Não se vislumbra, nem descortina, qualquer argumento de natureza jurídica ou prática para inverter a direção seguida no referido processo, assomando a mesma, a nosso ver, como a mais concordante e consentânea com o bloco legal aplicável ao caso versado nos autos.
Assim, inexistindo quaisquer razões ou circunstâncias específicas que justifiquem diverso procedimento, não vemos razões sustentáveis para divergir da doutrina produzida pelo dito aresto, antes a ele aderimos.
Deste modo, é mandatório concluir pela improcedência do erro de julgamento de direito imputado à decisão recorrida.
Concludentemente, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a decisão judicial recorrida.
Ao que se provirá em sede de dispositivo.
* * *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em negar provimento ao recurso jurisdicional “sub judice” e manter a decisão judicial recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Registe e Notifique-se.
Porto, 28 de junho de 2019
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco