Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02342/22.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/10/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:PRINCÍPIO DO ARQUIVO ABERTO;
DIREITO À CONSULTA E REPRODUÇÃO DE DOCUMENTOS;
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO; INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE;
Sumário:1 - O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo, consagra o princípio do arquivo aberto, ou da administração aberta, e constitui um instrumento fundamental contra o segredo administrativo, visando instituir uma administração democratizada e transparente.

2 - Do princípio da transparência da actuação da Administração decorre que a sua actuação deve poder ser sindicada perante os Tribunais, e para tanto, os interessados devem ter acesso a mecanismos que sejam por si acionáveis, sendo que o direito à consulta do processo e à reprodução de documentos são corolários daquele princípio.

3 - Dispondo o artigo 1.º do CPA que se entende por procedimento administrativo a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública [Cfr. n.º 1], e que se entende por processo administrativo o conjunto de documentos devidamente ordenados em que se traduzem os atos e formalidades que integram o procedimento administrativo [Cfr. n.º 2], e se o Instituto da Segurança Social, numa 1.ª vez, e depois, numa 2.ª vez, remeteu ao Requerente os elementos documentais relativos à sua pessoa e que entre o mais são atinente à atribuição da pensão de invalidez, e se são esses os elementos que tem em seu dispor, embora possam apresentar-se como indevidamente ordenados, ou com menções que não consegue o Requerente entender, se o âmbito e o objecto do pedido de intimação foi definido pelo pedido formulado pelo requerimento apresentado ao Requerido, a Intimação há-de ter-se por cumprida ou não [e assim, da ocorrência da inutilidade superveniente da lide], tendo por referência esse pedido, que resulta do balizamento que foi estabelecido pelo Requerente, em obediência ao princípio do dispositivo e tendo subjacente o disposto no artigo 5.º, n.º 1 do CPC, e que constituiu o Tribunal a quo no dever de decidir.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


AA [devidamente identificado nos autos] Requerente no processo que intentou contra o Instituto da Segurança Social, IP, [também devidamente identificado nos autos], no qual foi requerida a sua intimação para possibilitar a consulta electrónica do processo relativo à sua pensão de invalidez, ou caso não seja possível, a consulta presencial nos serviços do Réu na cidade ..., que lhe havia apresentado em outubro de 2022, inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual a instância foi julgada extinta por ocorrência de inutilidade superveniente da lide, veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“Conclusões
A. É o presente Recurso interposto da sentença proferida pelo tribunal a quo que determinou a inutilidade da lide do processo de intimação para prestação de informação.
B. Contudo não pode o recorrente concordar com tal fundamento
C. O artigo 1 do CPA menciona que “Entende-se por procedimento administrativo a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública”
D. Sucede que ao recorrendo não foi dado a consulta de qualquer PA, dado que dos documentos juntos não é possível retirar qualquer formalidade relativa à formação, manifestação e execução da vontade da recorrida.
E Para o recorrente o p.a tem de estar devidamente munido das informações relevantes no âmbito da pensão atribuído, ou seja, a sua concessão, data, montante, motivo para a sua suspensão (motivo e data). Ora dos requerimentos juntos aos autos pelo aqui recorrente é evidente que a recorrida não permitiu o acesso a essas informações, pelo que ainda não foi efectuada a consulta do PA, nos termos do CPA.
N. Mesmo que assim não se entenda, sempre se dirá que nesses documentos constam código dos quais o recorrente não conhece o significado.
O. Nos documentos juntos consta um print do sistema informático do Recorrido no qual consta:
situação 07- mudou residência
data do efeito 1999 O7
P. O recorrido tem esclarecer como se procedeu a essa mudança, ou em alternativa explicar o motivo dessa informação constar no sistema, caso contrário de nada serve a consulta do processo.
Q. Através da consulta do pa, o recorrente pretende ter acesso às informações relativas à sua pensão (concessão, suspensão, cessação...), contudo essas informações estão codificadas, pelo que considera o recorrente que cabe ao recorrido esclarecer esses códigos, dado que foram criados pelo mesmo.
R. Dos requerimentos juntos ao autos, o recorrente alegou que do print do sistema consta que a pensão foi suspensa em 1999/07 com o código “devolvido”.
S. O recorrido tem de esclarecer o que esse código representa, como o justifica. O valor da pensão era enviado por cheque e o cheque foi devolvido? Para que morada? Ou era pago através de transferência bancária? o recorrido teve a informação de que a conta foi cancelada?


T. Ora se no p.a há códigos que são só conhecidos pelo recorrido o mesmo deve ser condenado a esclarece-los para que seja possível aceder a essas informações, caso contrário o direito constitucional de acesso à informação não está assegurado.
U. Assim sendo a sentença enferma de erro de direito por não ter tido em conta a extensão constitucional do direito à informação no âmbito do procedimento administrativo, violando os artigos 1°, 11°, 82° e 83° do CPA, artigo 104° do CPTA, artigo 277° CPC e artigo 268° CRP
Nestes termos e nos melhores de Direito deverá a sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta, assim se fazendo JUSTIÇA.

**

O Recorrido Instituto da Segurança Social, IP, não apresentou Contra Alegações.

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

**

O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, no sentido da sua improcedência, do que foram notificadas as partes, e quanto ao que o Recorrente veio emitir pronúncia, sustentando a final, que não constando dos autos nenhum auto de destruição, que deve ser dado provimento ao recurso.

***

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.


***

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, a questão suscitada pelo Recorrente e patenteada nas conclusões apresentadas consiste, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se errou o Tribunal a quo em torno do julgamento por si prosseguido e que foi determinante da extinção da instância, e nesse domínio, se violou o disposto nos artigos 1.º, 11.º, 82.º e 83.º do CPA, do artigo 104.º do CPTA, do artigo 277.º do CPC e do artigo 268.º da CRP.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

Pese embora o Tribunal a quo não a tenha fixado na Sentença recorrida, para efeitos da apreciação do presente recurso jurisdicional e em face do que resulta do seu processado, é possível com toda a segurança jurídica fixar a que segue:

1 - Por email datado de 4 de Outubro de 2022, enviado pela Patrona do Requerente, foi solicitado ao Requerido o envio por correio electrónico, de cópia do Processo administrativo relativo à sua pensão de invalidez – Cfr. doc.n.º ... junto com o Requerimento inicial;

2 - Face à ausência de resposta do Requerido, por email datado de 20 de outubro de 2022, o Requerente informou que no dia 27 de outubro de 2022 iria deslocar-se aos serviços do Requerido, sitos na rua do ..., no ..., para efeitos de consultar o Processo – Cfr. doc.n.º ... junto com o Requerimento inicial;

3 - Por email remetido pelo Requerido, datado de 31 de Outubro de 2022, o mesmo informou o Requerente que se trata de um processo de 1981 e que foi pedida a sua requisição – Cfr. doc.s n.ºs 3 e 4 juntos com o Requerimento inicial;

4 – O Requerimento inicial que motivou os autos foi remetido ao TAF do Porto em 15 de novembro de 2022 – Cfr. fls. dos autos, SITAF:

5 – Na pendência dos autos no TAF do Porto, o Requerido veio apresentar Resposta, onde entre o mais, referiu já ter disponibilizado o processo administrativo relativo à pensão de invalidez do Requerente por via eletrónica, em 24 de novembro de 2022, do que juntou comprovativo, tendo requerido a inutilidade superveniente da lide.

6 - Notificado da Resposta apresentada pelo Requerido, bem como para se pronunciar quanto à suscitada inutilidade superveniente da lide, o Requerente apresentou requerimento em que referiu, entre o mais, que o Processo administrativo se encontra incompleto, passando do dia 28 de maio de 1991 para o dia 26 de fevereiro de 2022, e bem assim, que do Processo administrativo não consta a data do pagamento da última pensão ao beneficiário na década de 90, nem a data da sua renovação em 2022, assim como não consta a devolução de qualquer carta, apesar de se referir a sua existência – Cfr. fls. 36 e seguintes dos autos;

7 – Nessa sequência, em pronúncia emitida nos autos pelo Requerido, referiu o mesmo, entre o mais, que foram remetidos ao Requerente os elementos em falta, por email datado de 12 de dezembro de 2022, tendo ainda sido prestada informação relativa ao Processo administrativo no corpo desse mesmo email – Cfr. fls. 43 e seguintes dos autos;

8 – Em face do teor dessa pronúncia do Requerido, o Requerente veio requerer esclarecimentos e pedir informações adicionais relativos aos elementos disponibilizados, tendo o Requerido, em resposta, informado entre o mais, que tendo em conta a antiguidade das alterações e de acordo com a Portaria n.º 1383/2009, de 4 de novembro, que não é possível dar cumprimento ao pretendido quanto ao período de 1999 e 2005, mais informando que existe uma alteração de morada em 18 de maio de 2021 que não foi efetuada pelo Centro Nacional de Pensões, mas sim nos serviços de cartão de cidadão – Cfr. fls. 56 e seguintes, e 63 e seguintes dos autos.

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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 23 de dezembro de 2022, que com referência ao pedido formulado pelo Requerente a final do Requerimento inicial, no sentido da intimação do Instituto da Segurança Social para possibilitar a consulta electrónica do processo relativo à sua pensão de invalidez, ou caso não seja possível, a consulta presencial nos serviços do Réu na cidade ..., que lhe havia apresentado em outubro de 2022, veio a julgar pela extinção da instância, por ocorrência de inutilidade superveniente da lide, com fundamento, em suma, em que a pretensão do Requerente foi satisfeita, embora apenas na pendência dos autos.

Inconformado com a Sentença proferida, veio o Requerente apresentar recurso de Apelação, com fundamento em erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, sustentando para tanto e em suma que não concorda com a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, por ter determinado a inutilidade da lide do processo de intimação para prestação de informação, e nesse sentido, que não lhe foi dada a consulta de qualquer PA, e que dos documentos juntos não é possível retirar qualquer formalidade relativa à formação, manifestação e execução da vontade da recorrida, e que no seu entender, e para efeitos do artigo 1.º do CPA, o Processo administrativo tem de estar devidamente munido das informações relevantes no âmbito da pensão atribuída, ou seja, a sua concessão, data, montante, motivo para a sua suspensão e respectiva data, e que em face dos requerimentos por si juntos aos autos resulta evidente que o Recorrido não permitiu o acesso a essas informações, e que dessa forma ainda não foi efectuada a consulta do Processo administrativo, mas sempre e de todo o modo, que nesses documentos constam códigos, que cabe ao Recorrido explicar o seu teor, pois desses não conhece o recorrente o seu significado, devendo o mesmo ser condenado a esclarecê-los para que seja assim possível aceder a essas informações, pois caso contrário o direito constitucional de acesso à informação não está assegurado.

Enfatizou que a Sentença recorrida enferma de erro de direito por não ter tido em conta a extensão constitucional do direito à informação no âmbito do procedimento administrativo, violando os artigos 1.°, 11.°, 82.° e 83.° do CPA, artigo 104.° do CPTA, artigo 277.° CPC e artigo 268.° CRP, e que deve a mesma ser revogada e substituída por outra que se coadune com a sua pretensão.

Ou seja, o que constitui o cerne da pretensão recursiva deduzida pelo Recorrente, assenta no facto de considerar que formulou pedido ao ora Recorrido Instituto da Segurança Social que não se encontra satisfeito, e que por essa razão, errou o Tribunal a quo quando julgou pela extinção da instância, com fundamento na inutilidade superveniente da lide, tendo por pressuposto que o seu pedido já foi satisfeito.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Vejamos.

O artigo 268.º da CRP consagra o direito a ser informado sobre o andamento dos processos em que é interessado [n.º 1] e de acesso aos arquivos e registos administrativos [n.º 2].

Conforme acentua a doutrina, tratam-se de direitos fundamentais dispersos, mas de natureza análoga à dos direitos fundamentais consagrados na Parte I da CRP, e nesta medida partilhando com eles, portanto, do mesmo regime, designadamente da aplicabilidade directa e da limitação da possibilidade de restrição apenas nos casos expressamente previstos na CRP e mediante lei geral e abstracta – Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 3.ª edição revista, páginas 933 a 935; Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 7.ª edição, páginas 404 e 405.

O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo, consagra o princípio do
arquivo aberto, ou da administração aberta, e constitui um instrumento fundamental contra o segredo administrativo, visando instituir uma administração democratizada e transparente.

Com as ressalvas legais em matérias relativas, designadamente, à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas [ver artigo 268.º nº 2 in fine da CRP], a nossa Lei Fundamental deixa claro que a liberdade de acesso é a regra, e que sempre que o referido direito de acesso conflitue com outros bens constitucionalmente tutelados, a sua restrição não dispensa o legislador ordinário da observância dos princípios jurídico-constitucionais da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, conhecido como direito à informação não procedimental, foi recebido pelo legislador ordinário no artigo 82.º do NCPA [como princípio da administração aberta], e regulado pela LADA [Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto]. De acordo com estas normas, o exercício deste direito [com salvaguarda do disposto na lei em matéria de restrições ao direito de acesso, designadamente em matéria de segurança interna e externa, investigação criminal e dados pessoais] não está dependente da pendência de um prévio procedimento administrativo nem da invocação de interesse directo pelo respectivo requerente, antes impondo à entidade administrativa em causa a satisfação das solicitações feitas, no prazo máximo de 10 dias [artigo 15.º da LADA].

Estas duas modalidades de informação, ambas assentes em direitos fundamentais dos administrados, cumprem objectivos distintos, pois enquanto a
informação procedimental visa essencialmente tutelar interesses e posições subjectivas daqueles que intervêm ou podem intervir num determinado procedimento administrativo, a informação não procedimental protege o interesse mais objectivo da transparência administrativa – Cfr. Sérvulo Correia, in O Direito à Informação e os Direitos de Participação dos Particulares no Procedimento, Cadernos de Ciência de Legislação, n.º 9-10, 1994.

Na actualidade, ambos estes direitos podem efectivar-se, em caso de recusa injustificada do seu cumprimento pela respectiva entidade administrativa requerida, através do processo urgente de intimação para a prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões, previsto nos artigos 104.º a 108.º do CPTA. Os presentes autos tratam assim de um processo principal, adequado a proporcionar, de forma célere e alargada, a tutela devida aos direitos à informação e acesso aos documentos administrativos, deixando definitivamente de ser necessário referir o fim para que se pretende consultar o processo ou obter a informação ou a certidão – Cfr. Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo Nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4.ª edição, 2005, páginas 278 a 281.

Relativamente ao processo urgente destinado à intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, estabelece o artigo 104.º n.º 1 do CPTA, que quando não seja dada integral satisfação aos pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o interessado pode requerer a intimação da entidade administrativa competente.

Por sua vez, o artigo 105.º do mesmo CPTA, estabelece o prazo de 20 dias para que a intimação seja requerida ao tribunal, dispondo que este prazo se inicia com a verificação de qualquer dos seguintes factos: (i) a) decurso do prazo legalmente estabelecido, sem que a entidade requerida satisfaça o pedido que lhe foi dirigido; (ii) b) indeferimento do pedido; e (iii) c) satisfação parcial do pedido.

O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos inclui, também, um feixe de direitos instrumentais, do qual fazem parte o direito de consulta de documentos nos locais onde esses arquivos e registos estão guardados, bem como o direito à reprodução [fotocópia, microfilme] das peças documentais arquivadas ou registadas com interesse para o cidadão.

Importa realçar que o artigo 5.º, n.º 2 da LADA, dispõe que o direito de acesso se pode efectivar em qualquer estado de integração em que se encontrem os documentos a que se pretende aceder.

Do princípio da transparência da actuação da Administração decorre que a sua atuação deve poder ser sindicada perante os Tribunais, e para tanto, os interessados devem ter acesso a mecanismos que sejam por si acionáveis, sendo que o direito à consulta do processo e à reprodução de documentos são corolários daquele princípio.

Aqui chegados, cumpre para aqui extrair a essencialidade da fundamentação aportada pelo Tribunal a quo para efeitos de ter julgado pela extinção da instância, com fundamento na inutilidade superveniente da lide, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Cumpre então, desde logo, aferir da inutilidade da lide, extraindo as consequências jurídicas das respostas apresentadas pelo Requerido, face aos pedidos de informação apresentados pela Requerida.
O Requerente havia solicitado a consulta do p.a. junto dos serviços do Requerido (cfr. docs. ... a ... da p.i.).
[…]
Tendo sido disponibilizada, por parte do Requerido, a consulta do p.a. e inexistindo, segundo o mesmo, outros elementos na sua posse, há que concluir que se encontra satisfeito do direito à informação do Requerente.
[…]
Assim, considerando o teor das respostas apresentadas pelo Requerido, há que considerar que a pretensão de obtenção de informação inicialmente formulada pelo Requerente se encontra satisfeita, tendo o resultado visado com a pretensão do Requerente sido alcançado, pelo que se verifica a inutilidade superveniente da lide, considerando-se extinta a instância, nos termos do art. 277.º, al. e), do CPC.
[…]”
Fim da transcrição

Cumpre apreciar.

Conforme foi dado por documentalmente provado [Cfr. ponto 1 da matéria de facto assente], o Requerente enviou ao Requerido um requerimento, em 04 de outubro de 2022, que visava a emissão de reprodução do Processo administrativo atinente à sua pensão de invalidez, sendo que, por não estar satisfeito com a inacção do Requerido, em 20 de outubro de 2022 remeteu novo pedido, que visava desta vez a consulta desse mesmo Processo administrativo [Cfr. ponto 2 da matéria de facto assente].

O Requerido não deu tempestiva satisfação a nenhum desse dois pedidos, e não satisfeito por isso, o Requerente requereu a sua intimação judicial, por via dos presentes autos [por reporte a esses requerimentos], em 15 de novembro de 2022, isto é, antes de decorrido o prazo de 20 dias [seguido] a que se reporta o artigo 105.º, n.º 2 do CPTA, e após o decurso do prazo de 10 dias [úteis] a que se reportam os artigos 84.º, n.º 1 e 86.º do CPA [Cfr. ainda o artigo 87.º do CPA], que a lei fixa para a prestação do que tinha peticionado ao Requerido.

Neste patamar.

Atento o objecto do processo, e como assim resulta do probatório [fixado por decorrência das informações que foram trazidas ao processo, mormente as traduzidas em elementos documentais], foi com acerto que o Tribunal a quo julgou que no que é atinente à pretensão do Requerente, o Requerido, efetivamente, veio a dar-lhe satisfação total, e que ocorre por isso a inutilidade superveniente da lide.

Ou seja, pese embora o Requerido não ter dado qualquer satisfação à pretensão do Requerente em face dos requerimentos que lhe apresentou, veio todavia a fazê-lo na pendência dos presentes autos, e do que a eles juntou comprovativo.

Em face dessa prestação tardia, sempre julgamos que é dever do Requerido emitir uma concreta e efetiva pronúncia face a todos os requerimentos que lhe sejam dirigidos por requerentes, ao abrigo do disposto no artigo 13.º, n.º 1 do CPA [sem prejuízo do disposto no n.º 2 deste mesmo normativo], e principalmente do disposto nos artigos 5.º e 13.º da Lei nº. 26/2016, de 22 de Agosto, agindo e relacionando-se com eles segundo as regras da boa-fé e em estreita colaboração, tudo em vista da prossecução de um dever geral de boa administração, da prossecução do interesse público, sempre com respeito pelos seus direitos e interesses legalmente protegidos, porquanto, antes da busca pela garantia da tutela jurisdicional efectiva por parte dos interessados, está a Administração [o Requerido] obrigado a garantir-lhes a devida tutela administrativa, porque a mesma [Administração] tem a sua actividade subordinada ao princípio da legalidade, com o qual deve conformar a sua atuação e a sua relação para com quem se lhe dirige.

Neste patamar.

Dispondo o artigo 1.º do CPA que se entende por procedimento administrativo a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública [Cfr.n.º 1], e que se entende por processo administrativo o conjunto de documentos devidamente ordenados em que se traduzem os atos e formalidades que integram o procedimento administrativo [Cfr. n.º 2], e se o Instituto da Segurança Social, numa 1.ª vez, e depois, numa 2.ª vez, remeteu ao Requerente os elementos documentais relativos à sua pessoa e que entre o mais são atinente à atribuição da pensão de invalidez, e se são esses os elementos que tem em seu dispor, embora possam apresentar-se como indevidamente ordenados, ou com menções que não consegue o Requerente entender, se o âmbito e o objecto do pedido de intimação foi definido pelo pedido formulado pelo requerimento apresentado ao Requerido, a Intimação há-de ter-se por cumprida ou não tendo por referência esse pedido.

Como assim resulta do probatório, pelo email datado de 04 de outubro de 2022, o Requerente requereu o envio de cópia do Processo administrativo referente à sua pensão de invalidez, por correio electrónico, e porque não lhe deu satisfação o Requerido, veio a enviar novo email, em 20 de outubro de 2022, em que entre o mais, informava o Requerido de que no dia 27 de outubro ía deslocar-se ao balcão dos seus serviços sitos na rua do ... para efectuar a consulta desse processo.

Portanto, o que foi requerido pelo Requerente ao Requerido em sede procedimental, num 1.º momento, foi a emissão e envio de cópia do seu processo de atribuição da pensão de invalidez, e num 2.º momento, face à ausência de resposta a esse seu pedido [sem que aqui agora se coloque a questão, sobre se o direito de acção quanto ao 1.º desses requerimentos já não estaria caducado], o Requerente informou o Requerido de que se ía deslocar aos seus serviços para fazer a consulta desse processo.

Ora, não tendo o Requerido dado satisfação ao pedido formulado pelo Requerente, que o temos no sentido de que pretendia ter acesso a todo o teor de documentação referente ao procedimento administrativo de atribuição da sua pensão de sobrevivência, que devia estar constante do Processo administrativo, decorrido o prazo de 10 dias, e dentro do prazo a que se reporta o artigo 105.º, n.º 2 do CPTA, veio requerer a Intimação judicial do Requerido, por via de uma concreta forma de processo, a que o mesmo seja condenado a “… possibilitar a consulta electrónica do processo ou caso não seja possível, à consulta presencial nos serviços do Réu na cidade ....”

Esse é o balizamento que foi estabelecido pelo Requerente, em obediência ao princípio do dispositivo e tendo subjacente o disposto no artigo 5.º, n.º 1 do CPC, e que constituiu o Tribunal a quo no dever de decidir, o que fez.

Ou seja, e ao contrário do que vem sustentar o Recorrente nas suas Alegações de recurso e respectivas conclusões, o seu pedido foi cabalmente satisfeito pelo Requerido, e foi nesse pressuposto tirado pelo Tribunal a quo, e que não merece qualquer censura jurídica, que foi julgada extinta a instância, porque inclusivamente, para além do reconhecimento do direito à consulta do processo, o que o Requerido fez, foi remeter todos os documentos que tem em seu dispor e que são respeitantes à sua pretensão de aceder ao Processo administrativo, na dimensão conferida pelo artigo 1.º, n.º 2 do CPA.

Se um Processo administrativo, enquanto repositório do resultada da relação jurídica administrativa estabelecida entre um cidadão e a Administração, vem a ser reputado, por aquele, como incompleto ou desordenado, não cabe no âmbito da forma de processo a que se reporta o artigo 104.º do CPTA, condenar a Administração a essa [re]organização. E outro tanto também não cabe impor à Administração, no sentido da sua condenação a prestar coisa diversa do pedido, quando entre a totalidade dos elementos documentais existam referências numéricas ou outras que o mesmo não consegue perceber, e para que a Administração preste essas informações ou esclarecimentos, quando o pedido que lhe foi formulado circunscreveu-se, primeiramente, ao envio por correio electrónico, o que achamos compreendido no direito a obter cópias, e depois, no direito de consulta.

Em suma, não cabendo no âmbito do pedido que o Requerente ora Recorrente fez ao Requerido ora Recorrido [seja em 04 ou 20 de outubro de 2022], a prestação de informações ou esclarecimentos, se em face do teor do que veio trazido aos autos pelo Requerido após a sua citação, é por este apresentado como sendo a totalidade dos elementos documentais que tem em seu poder, a instância tem de ser julgada extinta, porque na pendência dos autos foi dada satisfação integral ao pedido formulado pelo Requerente, que o Requerido entendeu, e a que em tempo devido [no prazo de 10 dias a contar da sua recepção] não havia dado satisfação.

De maneira que, tem de improceder a pretensão recursiva do Recorrente, por não ter o Tribunal a quo violado qualquer dos normativos por si invocados, como enunciado sob a conclusão U das suas Alegações de recurso, não ocorrendo assim o invocado erro de julgamento.

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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Princípio do arquivo aberto; Direito à consulta e reprodução de documentos; Princípio do dispositivo; Inutilidade superveniente da lide.

1 - O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo, consagra o princípio do arquivo aberto, ou da administração aberta, e constitui um instrumento fundamental contra o segredo administrativo, visando instituir uma administração democratizada e transparente.

2 - Do princípio da transparência da actuação da Administração decorre que a sua actuação deve poder ser sindicada perante os Tribunais, e para tanto, os interessados devem ter acesso a mecanismos que sejam por si acionáveis, sendo que o direito à consulta do processo e à reprodução de documentos são corolários daquele princípio.

3 - Dispondo o artigo 1.º do CPA que se entende por procedimento administrativo a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública [Cfr. n.º 1], e que se entende por processo administrativo o conjunto de documentos devidamente ordenados em que se traduzem os atos e formalidades que integram o procedimento administrativo [Cfr. n.º 2], e se o Instituto da Segurança Social, numa 1.ª vez, e depois, numa 2.ª vez, remeteu ao Requerente os elementos documentais relativos à sua pessoa e que entre o mais são atinente à atribuição da pensão de invalidez, e se são esses os elementos que tem em seu dispor, embora possam apresentar-se como indevidamente ordenados, ou com menções que não consegue o Requerente entender, se o âmbito e o objecto do pedido de intimação foi definido pelo pedido formulado pelo requerimento apresentado ao Requerido, a Intimação há-de ter-se por cumprida ou não [e assim, da ocorrência da inutilidade superveniente da lide], tendo por referência esse pedido, que resulta do balizamento que foi estabelecido pelo Requerente, em obediência ao princípio do dispositivo e tendo subjacente o disposto no artigo 5.º, n.º 1 do CPC, e que constituiu o Tribunal a quo no dever de decidir.

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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente AA, confirmando a Sentença recorrida.

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Custas a cargo do Recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.
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Porto, 10 de março de 2023.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Fernanda Brandão, em substituição
Helena Ribeiro