Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00223/20.6BEMDL-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/19/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:CAUTELAR; CUSTAS; REDUNDÂNCIA DE PROVIDÊNCIA CAUTELAR/RJUE
Sumário:Nos termos do Artº 115º do RJUE, a Ação Administrativa impugnatória dos atos previstos no artigo 106.º (Vg. Demolição), tem, desde logo, efeito suspensivo, o que torna, por natureza, inútil e redundante a apresentação ulterior de Providência Cautelar visando a suspensão de ato já suspenso, ficando assim o seu requerente responsável pelo pagamento das custas, uma vez declarada a improcedência da Providência.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.
Recorrido 1:MUNICIPIO (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
M., com os sinais nos autos, no âmbito da Providência Cautelar que apresentou contra o Município (...), requereu, em síntese, à “suspensão de eficácia do Despacho do Vereador do Pelouro do Ordenamento do Território e urbanismo de 02/10/2020, conforme Oficio 2020,CM,S,G,4724”, na pendência da ação administrativa de impugnação de atos que corre termos neste Tribunal sob o nº 223/20.6BEMDL.”
Notificada a requerente para concretizar quais os atos administrativos cuja eficácia pretende ver suspensa, esclareceu que: “com a instauração da presente Providência Cautelar, (…) pretende a suspensão de eficácia do Despacho do Vereador do Pelouro do Ordenamento do Território e Urbanismo do Município (...) de 02/10/2020, (…), e consequentemente a suspensão da posse administrativa e demolição do referido anexo 2, até que seja proferida Decisão no Processo Principal nº 223/20.6BEMDL.”
Perante a decisão proferida no TAF de Mirandela em 17 de dezembro de 2020, julgando improcedente o processo cautelar, recusando o decretamento da providência requerida, mais condenando a Requerente no pagamento das custas judiciais, veio esta, em 4 de janeiro de 2021, recorrer jurisdicionalmente tendo concluído:
1ª O presente recurso jurisdicional interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, vertida na nova Douta Sentença proferida, no âmbito do processo acima identificado.
2ª Na Sentença, aqui em crise, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, fixou a matéria de Facto e decidiu de Direito.
3ª Quanto à Matéria de Facto, a Meritíssimo juiz, considera como Provados, os Factos 1. a 17., que se dão aqui por inteiramente reproduzidos, por uma questão de economia processual.
4ª A Meritíssima Juiz considerou provados, designadamente os factos 15., 16., 13., 14. e 17, supra transcritos, que se dão aqui por inteiramente reproduzidos, por uma questão de economia processual.
5ª Como o referido no artigo 33º do requerimento inicial, o Município (...) em resposta ao requerimento apresentado pela aqui requerente em 20-08-2020 (cfr. documento B junto com o requerimento inicial e facto provado 13.), em 9 de Setembro, enviou email onde informa a aqui requerente, que não obstante o facto da ação administrativa de impugnação instaurada não ter efeitos suspensivos, foi solicitada pronuncia por parte do II. Consultor Jurídico do Município, pelo que não será viável a concretização da diligência agendada para o dia 10/09/2020.
Informou também que oportunamente, será dado conhecimento da posição a adotar pelo Município, no sentido da suspensão do procedimento ou no reagendamento da ordem de demolição. (cfr. Doc. E, junto com o requerimento inicial)
6ª Quanto ao Direito, a Meritíssimo juiz, na Douta Sentença, como o referido supra, decidiu em suma que face à matéria em crise, resulta a desnecessidade do recurso à tutela cautelar, pois que a própria ação administrativa, prevista no art. 115º nº 1 do RJUE, de impugnação do ato que determina a demolição das construções existentes, beneficia, ela própria de efeito suspensivo.
7ª A Meritíssima Juiz, na Sentença considera ilegal o ato de execução do despacho de 04/09/2019 que procede ao agendamento da execução da demolição para o dia 04/11/2020, em causa nos presentes autos, em violação do efeito suspensivo atribuído ex lege, e de forma automática, à ação administrativa que corre termos neste Tribunal sob o nº 223/20.6BEMDL.
8ª Quanto a esta parte da Sentença, designadamente ao disposto no nº 1 do art. 115 do RJUE, estamos completamente de acordo.
9ª Como resulta do facto provado 13. e do documento B, junto com o requerimento inicial, a requerente em 20/08/2020, através de requerimento, informou a Câmara Municipal, que recorreu à via judicial, intentou ação administrativa em 14 de Julho, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, à qual foi atribuído o processo nº 223/20.6BEMDL e requereu a suspensão da demolição agendada para o dia 10 de Setembro de 2020, até que seja proferida decisão judicial.
10ª Como o referido supra na Conclusão 5ª, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, o Município (...) informa a aqui requerente, que não obstante o facto da ação administrativa de impugnação instaurada não ter efeitos suspensivos, foi solicitada pronuncia por parte do II. Consultor Jurídico do Município, pelo que não será viável a concretização da diligência agendada para o dia 10/09/2020, ou seja suspendeu a posse administrativa e demolição agendada para o dia 10/09/2020.
11ª Como resulta do facto provado 14. e do documento A, junto com o requerimento inicial, o Município (...), com base no parecer do II. Consultor Jurídico que entendeu que a ação administrativa intentada pela aqui requerente (Processo: 223/20.6BEMDL), não tem efeito suspensivo, concluiu pela possibilidade de prosseguimento do processo de demolição.
12ª Com base no referido parecer do II. Consultor jurídico do Município (...), o Vereador do Pelouro do Urbanismo e Ordenamento do Território, no âmbito do processo administrativo 352/19, proferiu despacho em 02/10/2020, onde determinou dar sequência à ordem de demolição, reagendando a posse a posse administrativa do imóvel e demolição, para o dia 4 de Novembro de 2020, pelas 9.00 horas. (cfr. documento A junto com o requerimento inicial e como resulta do facto provado 14.)
13ª A requerente viu-se confrontada com o prosseguimento da posse administrativa e demolição do anexo 2, agendada para o dia 4 de Novembro de 2020.
14ª A requerente não lhe restava outro meio para impedir a posse administrativa e demolição do referido anexo 2, senão o recurso à Tutela Cautelar.
15ª Como o referido supra, e resulta do facto provado 17. a aqui requerente, apresentou requerimento inicial no dia 27/07/2020.
16ª O Processo Cautelar foi a única solução deixada pela Câmara, que considerou ao contrário do decidido pela Meritíssima Juiz, que a ação administrativa intentada pela aqui requerente Processo:223/20.6BEMDL, não tem efeitos suspensivo.
17ª Como o referido supra, no âmbito do presente Processo Cautelar, em 29-10-2020, Referência: 004375332, a Meritíssima juiz proferiu Despacho, a determinar a citação urgente, com advertência à entidade requerida da proibição de executar os atos administrativos (cfr. artigo 128º, nº 1 do CPTA).
18ª Acontece que no dia 04/11/2020 pelas 9:00 horas, os serviços de fiscalização do Município (...), acompanhados com 6 Agentes da PSP e pessoal ligado á firma contratada para realizar os trabalhos de demolição do anexo 2, deslocaram-se ao local, rua (…), para realizar a referida demolição. Cfr. documento que protesta juntar
19ª A requerente, confrontada com a força policial e pessoas ligadas ao serviço de fiscalização e a firma contratada para realizar a demolição, telefonou ao seu mandatário que se deslocou nesse dia e hora ao local;
20ª O Mandatário da requerente, informou os serviços de fiscalização, que para além da ação administrativa, a requerente intentou também Processo Cautelar, no qual foi proferido Despacho pela Meritíssima Juiz em 29-10-2020, Referência: 004375332, que ordenou a citação urgente com advertência à entidade requerida da proibição de executar os atos administrativos.
21ª Os elementos do serviço de fiscalização do Município (...), alegaram que não tinham conhecimento do Processo Cautelar e do Despacho.
22ª O mandatário da requerente, forneceu, cópia do Despacho proferido pela Meritíssima Juiz em 29-10-2020, Referência: 004375332, aos elementos do serviço de fiscalização do Município (...).
23ª Assim, o presente Processo Cautelar, teve o efeito útil e foi necessário para impedir a demolição do anexo 2.
24ª Caso a requerente não intenta-se o a providência Cautelar, o anexo 2 estaria demolido dada a conduta do Município (...).
25ª Assim, salvo melhor opinião quem deu azo ao presente Processo Cautelar, foi o Município (...), que para além não cumprir o disposto no artigo 115º do RJUE, reagenda a posse administrativa e demolição para o dia 04/11/2020.
26ª Como resulta também dos factos provados 15., 13. e 14., com o devido respeito somos de opinião, quem deu azo ao Processo Cautelar foi o Município (...).
27ª Com o devido respeito, não concordamos com o decidido na Sentença, designadamente quanto ao efeito útil do Processo Cautelar e às custas processuais.
28ª Como o referido supra, salvo melhor opinião, haver condenação em custas, deve ser a entidade requerida a suportar as custas Processuais, pois como o referido supra e resulta dos autos, foi ela que deu azo ao presente Processo Cautelar.
Nestes termos e nos demais de direito, que serão por V.ª Ex.ª doutamente supridas, ao presente recurso deve ser concedido integral provimento, com a consequente revogação da decisão recorrida, e Assim se fazendo a já costumada Justiça.”

Devidamente notificado o Recorrido/Município não veio este apresentar contra-alegações de Recurso.

A Procuradora-Geral Adjunta junto deste tribunal, devidamente notificada em 18 de outubro de 2021, veio a emitir Parecer em 28 de outubro de 2021, no qual, a final, se pronuncia no sentido de que “deve proceder o recurso ora interposto, por provado, por entendermos que as custas devem ser suportadas pelo Município que violou o efeito suspensivo atribuído ex lege no art. 115.º do REJUE, substituindo a sentença recorrida por outra que condene o Município, no pagamento de custas.”

O Município (...) veio em 8 de novembro de 2021 pronunciar-se relativamente ao referido Parecer no qual conclui que “o presente recurso não é admissível, em função do valor da decisão impugnada, nos termos do artigo 142º nº1 do CPTA, sendo esta questão prévia de conhecimento oficioso, que obsta ao julgamento do objeto do recurso.”

Em bom rigor, o Parecer do Ministério Público não passa disso mesmo, não sendo, portanto, um Recurso em face do que o aí suscitado apenas releva no que estritamente se refere à matéria de custas, não carecendo esta pronuncia do Município de contraditório atenta a sua “manifesta desnecessidade” (Artº 3º CPC) e considerando até a natureza urgente do presente Processo.

Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), mas com apresentação antecipada do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, designadamente no que concerne à imputação das Custas Judiciais do Processo, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC.
III – Fundamentação de Facto
Foi pelo tribunal a quo fixada a seguinte factualidade provada:
1. Em 28/07/2006, a ora requerente e o marido, J., outorgaram, no Cartório Notarial de (…), escritura de compra e venda, pela qual declararam comprar “o prédio misto, composto de monte, casa de rés-do-chão e andar, águas furtadas e dois terraços, com inclusão de cento e trinta e seis metros quadrados da parte urbana (…), sito no lugar das (…), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 508 e na matriz predial rústica sob o artigo 1006, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número mil cento e sessenta e dois, de dez de Outubro de dois mil e um, da dita freguesia de (...)” (cfr. documento nº 11 junto com a petição inicial dos autos nº 223/20.6BEMDL, aos quais estes se encontram apensos, doravante apenas autos principais);
2. No ano de 2007, no prédio indicado no ponto antecedente, a requerente construiu um anexo, designado como anexo 2, o qual foi objeto do alvará de obras de construção nº 98/08, emitido pela Câmara Municipal de (...) (cfr. documentos nº 12 a 16 juntos com a petição inicial dos autos principais);
3. Em 19/03/2015, a Câmara Municipal de (...) emitiu certidão da qual consta, entre o mais, o parecer favorável ao destaque “de parcela de terreno com a área de 1208,00 metros quadrado (…) a destacar do prédio misto, sito no Lugar (…) – (...), com a área de 1935,00 metros quadrados (…) inscrito na matriz predial urbano e rústico, da freguesia de (...), sob os artigos nº 508 e 1006, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 1162/20011010 da referida Freguesia de (...), uma vez que satisfaz os condicionalismos estabelecidos no referido artigo, ou seja o prédio situa-se em perímetro urbano e as duas parcelas resultantes do destaque confrontam com arruamento público” (cfr. documento nº 20 junto com a petição inicial dos autos principais);
4. O prédio indicado no ponto antecedente, com a área de 1.208 m2, está inscrito na matriz sob o artigo urbano 1520 e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 1797/20190821, da freguesia de (...) e nele encontra-se implantado o anexo 2 referido no ponto 2 deste probatório (cfr. documentos nº 8, 10 e 12 juntos com a petição inicial dos autos principais);
5. Por ofício nº 2019,CM,S,G,4359, datado de 05/09/2019, com a referência 471/82, foi comunicado à requerente, o seguinte (cfr. documento nº 21 junto com a petição inicial dos autos principais):
“(…) fica V Exa NOTIFICADA para no prazo de TRINTA DIAS, a contar da data do recebimento deste oficio, proceder a demolição voluntária das obras levadas a efeito (três anexos), conforme o disposto no nº 1 do artº 106º do Decreto-Lei 55/99 de 16 de Dezembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei 136/2014 de 9 de Setembro.
No caso de não vir a ser cumprida a ordem de demolição, serão esses trabalhos executados por ordem e sob orientação da Câmara Municipal, sendo-lhe debitados os respectivos custos, nos termos do nº 4 do artigo e diploma citado, no valor de 5.200,00 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, conforme orçamento que se anexa.
Mais se informa que. para a execução coerciva da mesma foi determinada, por despacho do Vereador de 04/09/2019, a posse administrativa do imóvel pelo período de o tempo necessário á execução da demolição, nos termos do artº 107º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, ficando, desde já, agendada para o dia 29 de Outubro do corrente ano, pelas 9.00 horas, a execução dos referidos trabalhos a levar a cabo pela firma F., Lda.. (…)”;
6. A requerente exerceu o direito de audição prévia, em requerimento apresentado nos serviços da Câmara Municipal de (...) em 20/09/2019 (cfr. documento nº 22 junto com a petição inicial dos autos principais);
7. Por ofício nº 2019,CM,S,G,5789, datado de 29/11/2019, foi comunicado à requerente, o seguinte (cfr. documento nº 24 junto com a petição inicial dos autos principais):
“(…)Decorrido o prazo de audiência prévia, foi a sua pronúncia analisada pelos serviços técnicos da DGU, tendo os mesmos concluído, tal como já comunicado, que os argumentos apresentados não são considerados procedentes nesta fase, já tendo sido concedidos todos os prazos para a legalização, encontrando-se concluída essa fase administrativa, mantendo-se a ordem de demolição dos anexos edificados sem licença.
Neste sentido, e dado que não foi possível concretizar a posse administrativa agendada para o passado dia 29/10/2019, e em cumprimento do despacho do Vereador do Pelouro do Ordenamento do Território e do Planeamento Urbano deste Município de 04/09/2019 (…) fica V Exa NOTIFICADA, da nova data da posse administrativa, agendada para o dia 12 de Dezembro do corrente ano, pelas 9.00 horas, com vista à execução coerciva dos trabalhos de demolição, por ordem e sob orientação da Câmara Municipal, sendo-lhe debitados os respectivos custos, nos termos do nº 4 do artigo 106º Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (…)”;
8. Em 06/12/2019 a autora requereu o licenciamento da construção do anexo 2, processo de licenciamento que tomou o nº 352/19 da Câmara Municipal de (...) (cfr. documento nº 27 junto com a petição inicial dos autos principais);
9. Por ofício nº 2020,CM,S,G,782, datado de 06/02/2020, foi comunicado à requerente, o seguinte (cfr. documento nº 29 junto com a petição inicial dos autos principais):
“(…) Em conformidade com o disposto no artigo 121º do Código do Procedimento Administrativo, cumpre-me informar que o requerimento nº 24267/19, apresentado em 2019/12/06, relativo ao assunto supra referido, obteve parecer desfavorável dos Serviços Técnicos da Divisão de Gestão Urbanística, pelo que, de acordo com o referido parecer, o mesmo será indeferido.
Assim, nos termos do artigo 122º do referido Código, fica V. Exa. notificado para, querendo, no prazo de 30 dias, a contar da data da receção do presente ofício, se pronunciar por escrito sobre o mencionado parecer, do qual se anexa fotocópia, ou apresentar o que entender por relevante quanto à resolução da sua pretensão, podendo requerer diligências complementares e juntar documentos que considere do seu interesse.(…)”;
10. Por ofício nº 2020,CM,S,G,2085, datado de 28/04/2020, foi comunicado à requerente, o seguinte (cfr. documento nº 1 junto com a petição inicial dos autos principais):
“(…) Relativamente ao requerimento supra mencionado e de acordo com o despacho do Vereador do Pelouro do Ordenamento do Território e Urbanismo, de 2020/04/17, no exercido das competências delegadas por despacho do Presidente da Câmara Municipal, de 17/10/2017, cumpre-me informar V. Exa que foi Indeferida a sua pretensão, nos termos do parecer emitido pelos serviços técnicos da Divisão de Gestão Urbanística, do qual se anexa fotocópia. (…)”;
11. Por ofício nº 2020,CM,S,G,2289, datado de 15/05/2020, foi comunicado à requerente, o seguinte (cfr. documento nº 3 junto com a petição inicial dos autos principais):
“(…) Considerando que, por despacho do Vereador do Ordenamento do Território e Urbanismo de 17/04/2020, foi indeferido o processo nº 352/19, não sendo a construção passível de legalização, nos termos da informação técnica.
(…)
Assim, em cumprimento do despacho do Vereador do Pelouro do Ordenamento do Território e Urbanismo de 4 de Setembro de 2019, no exercício das competências delegadas pelo Presidente da Câmara Municipal em 17/10/2017, fica V. Exa. NOTIFICADA para no prazo de TRINTA DIAS, a contar da data do recebimento deste oficio, proceder à demolição voluntária das obras levadas a efeito (2 anexos), conforme o disposto no nº 1 do artº 106º do Decreto-Lei 55/99 de 16 de Dezembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei 136/2014 de 9 de Setembro.
No caso de não vir a ser cumprida a ordem de demolição, serão esses trabalhos executados por ordem e sob orientação da Câmara Municipal, sendo-lhe debitados os respectivos custos, nos termos do nº 4 do artigo e diploma citado, no valor de 3.200,00 €, acrescido de IVA à taxa lega! em vigor, conforme orçamento que se anexa, correspondente ao anexo 1 e 2.
Mais se informa que, para a execução coerciva da mesma foi determinada, por despacho do Vereador do Pelouro do Ordenamento do Território e Urbanismo de 04/09/2019, a posse administrativa do imóvel pelo período de tempo necessário â execução da demolição, nos termos do artº 107º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, ficando, desde já, agendada para o dia 14 de Julho do corrente ano, pelas 9.00 horas, a execução dos referidos trabalhos a levar a cabo pela firma F., Lda.(…)”;
12. Por ofício nº 2020,CM,S,G,3042, datado de 07/07/2020, foi comunicado à requerente, o seguinte (cfr. documento nº 4 junto com a petição inicial dos autos principais):
“(…) Assim, em complemento da anterior notificação, e em cumprimento do despacho do Vereador do Pelouro do Ordenamento do Território e Urbanismo de 4 de Setembro de 2019, no exercício das competências delegadas pelo Presidente da Câmara Municipal em 17/10/2017, fica V. Exa. NOTIFICADA para no prazo de TRINTA DIAS, a contar da data do recebimento deste oficio, proceder à demolição voluntária das obras levadas a efeito (2 anexos), conforme o disposto no nº 1 do artº 106º do Decreto-Lei 555/99 de 16 de Dezembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei 136/2014 de 9 de Setembro.
(…)
Mais se informa que, para a execução coerciva da mesma foi determinada, por despacho do vereador do Pelouro do Ordenamento do Território e Urbanismo de 04/09/2019, a posse administrativa do imóvel pelo período de tempo necessário à execução da demolição, nos termos do artº 107º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, ficando, desde Já, agendada para o dia 10 de Setembro do corrente ano, pelas 9.00 horas, a execução dos referidos trabalhos a levar a cabo pela firma F., Lda.”;
13. Por requerimento entregue em 20/08/2020 nos serviços da Câmara Municipal de (...), a requerente informou: “que, relativamente ao assunto, recorri à via Judicial, foi intentada ação Administrativa, para tal apresentei em 14 de Julho no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela Petição Inicial, à qual foi atribuído o Processo n? 223/20.6BEMDL. Pelo exposto, venho requerer a Vª Exª que a demolição agendada por Vªs Exªs para o dia 10 de Setembro de 2020, seja suspensa até que seja proferida decisão judicial.” (cfr. documento B junto com o requerimento inicial);
14. Por ofício nº 2020,CM,S,G,4724, datado de 14/10/2020, foi comunicado à requerente, o seguinte (cfr. documento A junto com o requerimento inicial):
“(…) Não obstante a ação administrativa de impugnação instaurada por V. Exa. não ter efeitos suspensivos, foi solicitada pronúncia ao Il. Consultor Jurídico do Município, o qual concluiu pela possibilidade de prosseguimento do processo de demolição.
Nesse sentido, em cumprimento do despacho do Vereador do Pelouro do Ordenamento do Território e Urbanismo de 4 de Setembro de 2019, no exercício das competências delegadas pelo Presidente da Câmara Municipal em 17/10/2017, e conforme determinado, por despacho do Vereador de 02/10/2020, fica notificada que irá dar-se sequência à ordem de demolição, ficando a posse administrativa do imóvel para execução dos referidos trabalhos a levar a cabo pela firma F., Lda., nos termos do artº 107º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, reagendada para o próximo dia 4 de Novembro do corrente ano, pelas 9.00 horas, (…)”;
15. Em 14/07/2020 a requerente, na qualidade de autora, deu entrada de petição inicial de ação administrativa contra o Município (...), a que coube o nº 223/20.6BEMDL, formulando, a final, o seguinte pedido (cfr. petição inicial a fls. 4-31 autos principais):
“Face a todo o exposto, deverão os despachos impugnados ser declarados nulos, ou se assim não se entender anulados, por erro sobre os pressupostos de facto e violação dos Princípios e normas supra invocadas, com as legais consequências.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente ação ser julgada provada e procedente e, por via disso:
Declarar-se nulo ou anulado os despachos proferidos pelo Vereador do Ordenamento do Território e Urbanismo e em consequência:
a) Relativamente ao anexo 2, declarar-se plenamente válida a licença, já concedida e liquidada pela aqui autora em 07-03-2008, correspondente ao Alvará de Obras de Construção de obras nº 98/08, com as devidas e legais consequências
b) Caso assim não se entenda, relativamente ao anexo 2 (Processo nº 352/19), ser o réu Condenado à prática de ato legalmente devido, ou seja a emitir decisão de deferimento, do pedido de legalização apresentado pela autora.
c) Ser também o réu condenado abster-se de realizar a demolição do anexo 2, agendada para o dia 10 de Julho do corrente ano, pelo que o processo de demolição deverá ficar a aguardar pela decisão do presente processo.
d) Relativamente ao anexo 1 (processo 551/19) ser o réu condenado, à prática de ato legalmente devido, ou seja a emitir decisão de deferimento, do pedido de legalização apresentado.”;
16. O Município (...) foi citado para os autos principais – nº 223/20.6BEMDL no dia 20/07/2020 (cfr. fls. 127-128 e 130 dos autos principais);
17. O requerimento inicial relativo à presente providência cautelar foi apresentado no dia 27/10/2020 (cfr. fls. 1-3).

IV – Do Direito
No que ao direito concerne, e no que aqui releva, discorreu-se na decisão recorrida:
“Constitui objeto do presente processo aferir se deve ser decretada a suspensão de eficácia do ato administrativo praticado pela entidade requerida e consubstanciado na decisão que determinou a demolição do prédio da requerente, denominado anexo 2, ao abrigo do disposto no artigo 106º, nº 1 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE).
No caso dos autos, está, portanto, em causa, o despacho de 04/09/2019 que determinou a “(…) a demolição voluntária das obras levadas a efeito (três anexos), conforme o disposto no nº 1 do artº 106º do Decreto-Lei 55/99 de 16 de Dezembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei 136/2014 de 9 de Setembro” (cfr. ponto 5 do probatório) e as subsequentes notificações do agendamento dessa demolição para os dias 29/10/2019, 12/12/2019, 14/07/2020, 10/09/2020 e 04/11/2020 (cfr. factos provados nº 5, 7, 11, 12 e 14).
Importa, assim, antes de mais, indagar o que prevê, a este respeito, o RJUE.
Sob a epígrafe “Ação administrativa especial”, que no contexto da unificação das formas de ação operada pelo Decreto-Lei nº 215-G/2015 de 2 de Outubro, deve ser lida como “Ação administrativa”, dispõe o artigo 115º do RJUE que:
“1- A ação administrativa especial dos atos previstos no artigo 106º tem efeito suspensivo.
2 - Com a citação da petição de recurso, a autoridade administrativa tem o dever de impedir, com urgência, o início ou a prossecução da execução do ato recorrido.
3 - A todo o tempo e até à decisão em 1ª instância, o juiz pode conceder o efeito meramente devolutivo à ação, oficiosamente ou a requerimento do recorrido ou do Ministério Público, caso do mesmo resultem indícios da ilegalidade da sua interposição ou da sua improcedência.
4 - Da decisão referida no número anterior cabe recurso com efeito meramente devolutivo, que sobe imediatamente, em separado.”
Por sua vez, sob a epígrafe “Demolição da obra e reposição do terreno” o artigo 106º do RJUE determina que:
“1 - O presidente da câmara municipal pode igualmente, quando for caso disso, ordenar a demolição total ou parcial da obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras ou trabalhos, fixando um prazo para o efeito.
2 - A demolição pode ser evitada se a obra for suscetível de ser licenciada ou objeto de comunicação prévia ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração.
3 - A ordem de demolição ou de reposição a que se refere o n.º 1 é antecedida de audição do interessado, que dispõe de 15 dias a contar da data da sua notificação para se pronunciar sobre o conteúdo da mesma.
4 - Decorrido o prazo referido no n.º 1 sem que a ordem de demolição da obra ou de reposição do terreno se mostre cumprida, o presidente da câmara municipal determina a demolição da obra ou a reposição do terreno por conta do infrator.” (…)
O ato suspendendo corresponde ao despacho de 04/09/2019 que determinou a “demolição voluntária das obras levadas a efeito (três anexos), conforme o disposto no nº 1 do artº 106º do Decreto-Lei 55/99 de 16 de Dezembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei 136/2014 de 9 de Setembro” (cfr. facto provado nº 5) e, mais concretamente, ao despacho que determinou que: “em cumprimento do despacho do Vereador do Pelouro do Ordenamento do Território e Urbanismo de 4 de Setembro de 2019 (…) irá dar-se sequência à ordem de demolição” (cfr. facto provado nº 14), verificando-se que tais atos encontram fundamento expresso no artigo 106º do RJUE.
Donde, face à matéria em crise, resulta a desnecessidade do recurso à tutela cautelar, pois que a própria ação administrativa, prevista no artigo 115º do RJUE, de impugnação do ato que determina a demolição das construções existentes, beneficia, ela própria de efeito suspensivo.
Ora, no caso dos autos, essa ação já foi intentada em 14/07/2020, tendo sido o Município (...) citado para a causa em 20/07/2020 (cfr. factos provados nº 15 e 16), pelo que se encontra assegurado o efeito suspensivo do ato que determinou a demolição das referidas construções.
Como referem as Autoras supra citadas, esse efeito acaba por ser mais benéfico para a requerente, na medida em que a poupa da demonstração da verificação dos pressupostos para a concessão da tutela cautelar, sendo imediato, ao contrário deste.
A este propósito, pela clareza da sua exposição, transcrevemos o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 16/12/2015, processo nº 12666/15 (…), que sumaria:
“III - O artigo 106º do RJUE consagra a possibilidade de o presidente da câmara ordenar a demolição total ou parcial da obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data do início das obras ou trabalhos, fixando um prazo para o efeito. Havendo impugnação dos atos previstos no artigo 106º do RJUE, o efeito suspensivo da ação administrativa especial aqui consagrado parece ser mais benéfico do que o recurso ao regime geral previsto no CPTA. A atribuição do efeito suspensivo à ação de impugnação concretizada pelo artigo 115º do RJUE é uma exceção ao regime geral da ação administrativa especial consagrada no CPTA, a qual não apresenta efeito suspensivo, obrigando à utilização da providência cautelar de suspensão da eficácia de ato administrativo, consagrada no artigo 112º nº 2 al a) do CPTA.
IV - Com a propositura de ação nos termos do artigo 115º do RJUE suspender-se-ão de imediato os efeitos do ato de demolição, sendo destarte desnecessário o esforço de iniciar um procedimento cautelar, de nele fazer prova sumária dos factos alegados com a consequente sujeição aos critérios de decisão previstos no artigo 120º do CPTA.”.
No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 09/09/2011, processo nº 00640/11.2BEPRT, a cuja fundamentação aderimos e na qual podemos ler:
“(…) tal situação ocorre, pois, cumpria levar em consideração o quadro normativo que deriva do art. 115.º do RJUE e suas implicações tal como foi entendido já por este Tribunal no seu acórdão de 13.01.2011 (Proc. n.º 01885/10.8BEPRT in: «www.dgsi.pt/jtcn»).
VIII. Sustentou-se naquele acórdão, cujo entendimento aqui se reitera, que “… estando-se em concreto face a situação que se enquadra no âmbito da previsão do art. 106.º do RJUE temos que a sua impugnação contenciosa no nosso ordenamento jurídico terá de ser feita única e exclusivamente através da ação administrativa especial, sendo absolutamente desnecessária e legalmente não admissível a sua cumulação/articulação com procedimento cautelar de suspensão de eficácia.
É que resulta do art. 115.º do RJUE, enquanto regime especial que afasta o geral inserto no CPTA [cfr. seus arts. 50.º, n.º 2, 112.º, 113.º, 128.º e segs.], que a“… ação administrativa especial dos atos previstos no artigo 106.º tem efeito suspensivo …” (n.º 1), que com “… a citação da petição de recurso, a autoridade administrativa tem o dever de impedir, com urgência, o início ou a prossecução da execução do ato recorrido …” (n.º 2) e que a “… todo o tempo e até à decisão em 1.ª instância, o juiz pode conceder o efeito meramente devolutivo à ação, oficiosamente ou a requerimento do recorrido ou do Ministério Público, caso do mesmo resultem indícios da ilegalidade da sua interposição ou da sua improcedência …” (n.º 3).
Deste quadro legal ressalta, pois, o claro afastamento da possibilidade ou admissibilidade de dedução de procedimento cautelar de suspensão de eficácia como o “sub judice” tendente a obter a suspensão da execução do ato administrativo proferido no quadro no art. 106.º do RJUE, já que a sua impugnação contenciosa está reconduzida apenas à instauração da competente ação administrativa especial (cfr. João Pereira Reis, Margarida Loureiro e Rui R. Lima Maçãs in: “Regime Jurídico da Urbanização e Edificação”, 3.ª edição revista e atualizada, págs. 291 e 312; Isabel Celeste Fonseca em “Direito Contencioso Administrativo Autárquico” in: “Tratado de Direito Administrativo Especial”, vol. IV, pág. 319, nota 25;Fernanda Paula Oliveira, Maria J. Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs in: “Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - Comentado”, 2.ª edição, págs. 603 e 604).
É que por expressa determinação legal aquela ação goza ou possui efeito suspensivo automático na certeza de que com a citação para os seus termos sobre a autoridade administrativa demandada impende o dever de impedir, com urgência, o início ou continuação da execução do ato impugnado, tudo num quadro específico que afasta o regime geral de impugnação contenciosa de ato administrativo previsto no CPTA (seja a título principal seja a título cautelar).
Desta forma, a dedução do presente procedimento cautelar … com vista à obtenção da suspensão da execução do ato administrativo em crise apresenta-se como ilegal por violadora do que se dispõe conjugadamente nos arts. 106.º e 115.º do RJUE, 50.º, 112.º, 113.º e 128.º do CPTA, e, nessa medida, constitui uso indevido de procedimento contencioso não legalmente admissível conducente à sua rejeição [art. 116.º, n.º 2, al. d) do CPTA] …”.
IX. Valendo em pleno para o caso vertente o entendimento acabado de parcialmente reproduzir temos que ocorre, assim, situação de manifesta ilegalidade da pretensão cautelar formulada [por uso indevido daquele meio processual] pelo que a mesma necessariamente teria de ser rejeitada e nesta fase negada em sede de decisão final, irrelevando assim e nessa medida, por inútil, a análise dos demais fundamentos/questões também objeto de recurso jurisdicional.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente e do presente recurso jurisdicional, se impõe ainda que com diversa fundamentação manter a decisão de improcedência da pretensão cautelar “sub judice”, com todas as legais consequências.”.
Resulta do acabado de expor que, citada a entidade requerida nos autos principais, nos quais é peticionada, entre o mais, a anulação do Despacho do Vereador do Ordenamento do Território e Urbanismo de 04/09/2019, no exercício das competências delegadas por despacho do Presidente da Câmara Municipal, de 17/10/2017, com referência 2020,CM,S,G 2289 -15-05-2020, no âmbito do processo de legalização 352/19; notificada à autora através do oficio do Diretor do Departamento Administrativo e Financeiro do Município (...), com o assunto “ OBRAS DE DEMOLIÇÃO - EXECUÇÃO COERCIVA E POSSE ADMINISTRATIVA – LUGAR DAS (...) - (...)”, onde agenda a demolição do anexo 2, para o dia 14 de Julho de 2020. Cfr. Doc. nº 3 (cfr. petição inicial dos autos principais), esta tem o dever de impedir, com urgência, o início ou a prossecução do ato recorrido, nos termos previstos no artigo 115º, nº 2 do RJUE.
Afigura-se, assim, ilegal o ato de execução do despacho de 04/09/2019 que procede ao agendamento da execução da demolição para o dia 04/11/2020, em causa nos presentes autos, em violação do efeito suspensivo atribuído ex lege, e de forma automática, à ação administrativa que corre termos neste Tribunal sob o nº 223/20.6BEMDL.
Porém, o presente processo cautelar não é adequado aos fim pretendido pela requerente – suspensão de efeitos do ato impugnado, o qual é concedido pela apresentação do meio processual adequado, in casu, a ação administrativa de impugnação do ato que determinou a demolição nos termos do artigo 106º, nº1 do RJUE (cfr. artigo 115º, nº 1 do RJUE), já que, como vimos, a partir do momento em que o interessado intenta a ação administrativa e se efetiva a citação do autor do ato impugnado, o meio cautelar cede face ao efeito suspensivo da ação principal, a cujo cumprimento a entidade requerida se encontra obrigada.
Concluímos, assim, que não se verifica, no presente processo cautelar, o necessário carácter de instrumentalidade face ao processo principal, atento o efeito suspensivo atribuído ao processo principal, o qual se mostra adequado a assegurar a utilidade da sentença a proferir naqueles autos.
Com os fundamentos expostos, improcede, assim, o presente processo cautelar, e fica prejudicada a apreciação dos requisitos previstos no artigo 120º do CPTA.”

Correspondentemente, decidiu o tribunal a quo julgar o processo cautelar improcedente, recusando o decretamento da providência requerida, mais tendo condenando a requerente no pagamento das custas processuais.

Em face do decidido, concluiu a Recorrente, em síntese, o seu Recurso, afirmando quequem deu azo ao Processo Cautelar foi o Município (...)”, em face do que deveria ser este a suportar as custas processuais.

Com efeito, a Recorrente cinge o objeto do Recurso à sua discordância “quanto ao efeito útil do Processo Cautelar e às custas processuais”.

Nesse sentido, mais afirma a Recorrente que ahaver condenação em custas, deve ser a entidade requerida a suportar as custas Processuais, pois (…) foi ela que deu azo ao presente Processo Cautelar”.

Vejamos:
Há desde logo uma questão incontornável e que tem reflexos, quer relativamente ao efeito útil da Providência Cautelar, quer face às custas processuais, e que se prende exatamente com o facto de, nos termos do Artº 115º do RJUE, a Ação Administrativa impugnatória dos atos previstos no artigo 106.º, que é aqui o caso, tem, desde logo, efeito suspensivo, o que torna, por natureza, inútil e redundante a apresentação ulterior de Providência Cautelar, visando a suspensão de ato já suspenso.

Diferente poderia ser a situação se, por uma questão de celeridade, a Providência Cautelar tivesse sido apresentada em momento anterior à Ação Principal, o que não foi aqui o caso, na medida em que aquela foi apresentada em juízo em momento posterior a esta.

Deste modo, igualmente se mostra inútil a análise das questões conexas com a fixação da matéria de facto, uma vez que, em face do precedentemente afirmado, ficam as mesmas prejudicadas, pois que independentemente dos factos fixados, sempre a presente Providência se mostraria inútil e redundante.

Mas vejamos mais em pormenor o afirmado, acolhendo o entendimento de Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves e Dulce Lopes, in Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado, Almedina 2016, 4ª edição, páginas 720 e seguintes, relativamente ao Artº 115º do RJUE, já trazido pelo tribunal a quo, onde lapidarmente afirmam que “Havendo impugnação judicial de atos administrativos de demolição ou de reposição do terreno, pela mobilização da ação administrativa, nos termos do artigo 58º do CPTA (…), determina o presente artigo a suspensão da eficácia do mesmo, de modo a evitar a sua execução pelos serviços competentes. Em face da gravidade destes atos e da onerosidade dos mesmos para os seus destinatários, alia a lei a imediata suspensão da eficácia do ato recorrido, tornando desnecessário o recurso a um meio processual acessório para o efeito (…).
O efeito suspensivo da ação administrativa constitui uma exceção ao regime regra que é o da ausência de tal efeito. Para obter a suspensão de eficácia dos atos objeto da ação os interessados têm de lançar mão de providências cautelares, em especial, no caso, da suspensão judicial de eficácia, e demonstrar a verificação dos respectivos pressupostos.
O efeito suspensivo automático aqui consagrado parece à partida mais benéfico para o interessado que pretende a manutenção da obra, na medida em que, para além de o furtar a todo o esforço processual decorrente da instauração de um processo cautelar (…), se exime à ponderação feita pelo juiz, nos termos do artigo 120.º do CPTA, designadamente sobre a falta de fundamentação da pretensão no processo principal (…). Neste sentido, vide, entre outros, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 11 de Dezembro de 2003, processo 07320/03, e de 21 de Outubro de 2004, processo 00307/04.
Ligada a esta hipótese, embora não decorra expressamente da formulação do artigo, encontra-se o disposto no seu nº 2, que refere que, a partir da citação da petição da impugnação dos atos que ordenam a demolição e a reposição do terreno (para que a autoridade administrativa deduza contestação), e em face da aludida suspensão de eficácia dos mesmos, a autoridade administrativa tem a obrigação, com urgência, de impedir a sua execução ou a continuação da mesma. Ora, esta é uma solução que atualmente se encontra consagrada no CPTA, funcionando como uma providência cautelar da providência cautelar. De facto, de acordo com o artigo 128º do CPTA estabelece-se a proibição de executar o ato administrativo quando seja requerida a suspensão da sua eficácia. A razoabilidade destas cautelas é incontestável, mas pode, no entanto, não funcionar em todos os casos, na medida em que até ao momento da citação da entidade recorrida, quer no âmbito do RJUE quer no CPTA, decorrer um espaço de tempo (o correspondente ao despacho liminar) no qual pode ser, de facto, executado o ato. No entanto, na prática, tem-se assistido a que o interessado acaba por lançar mão da providência cautelar da suspensão judicial da eficácia, sujeitando-se ao ónus de alegar e provar a verificação dos respectivos pressupostos. O que se compreende sobretudo nos casos em que a ação exija tempo atendendo à complexidade da questão. A partir do momento em que o interessado intenta a ação administrativa especial e se dá a citação do autor do ato impugnado, o meio cautelar cede face ao efeito suspensivo da ação principal. Neste sentido, vide, entre outros, os acórdãos supra citados.
Acresce que, se a Administração der, entretanto, execução aos seus atos de forma deliberada, sobretudo sabendo que está em curso a impugnação de uma ordem de demolição, pode ser responsabilizada pelos danos que causar”.

Como se discorreu igualmente no Acórdão deste TCAN, de 09/09/2011, proferido no Processo nº 00640/11.2BEPRT, “(…) ressalta, pois, o claro afastamento da possibilidade ou admissibilidade de dedução de procedimento cautelar de suspensão de eficácia como o “sub judice” tendente a obter a suspensão da execução do ato administrativo proferido no quadro no art. 106.º do RJUE, já que a sua impugnação contenciosa está reconduzida apenas à instauração da competente ação administrativa especial.”

Aqui em concreto, importa sublinhar que resulta dos registos SITAF que a citação da Ação Principal se efetivou em 20 de julho de 2020, tendo o Processo Cautelar sido apresentado em 27 de outubro de 2020, quando o controvertido ato se encontrava já suspenso, em face do que não se verifica, no presente processo cautelar, o necessário carácter de instrumentalidade face ao processo principal, atento que o efeito suspensivo do ato objeto de impugnação resultava já da apresentação do processo principal.

No que concerne às Custas Judiciais, e tal como discorrido e decidido em 1ª Instância, decorre do Artº 527º do CPC, que será condenada em custas a parte que tiver dado causa à ação (nº 1), entendendo-se que dá causa às custas a parte vencida (nº 2), na proporção em que o for.
Tendo sido julgada improcedente a Providência Cautelar apresentada, ficou necessariamente responsável pelo pagamento das custas a Requerente, até pela redundância e inutilidade do meio cautelar utilizado.

Assim, sem necessidade de acrescida argumentação, entende-se dever improceder o Recurso, devendo manter-se a decisão recorrida.

V - DECISÃO
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento ao recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 19 de novembro de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Isabel Jovita (em substituição)
Paulo Ferreira de Magalhães