Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02328/15.6BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/03/2023
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA;
MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL/MILITAR;
RECUSA DA QUALIFICAÇÃO COMO DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA», solteiro, maior, residente na Rua ... ..., ex-1.º cabo com o NIM ..., instaurou ação administrativa especial contra o Ministério da Defesa Nacional, com sede na Avenida ... ..., o que faz na sequência do despacho proferido pelo Ex.mo Sr. Chefe do Estado-Maior do Exército de 15.07.2015 que recusou a sua qualificação como deficiente das forças armadas, e em que termina pedindo:
Nestes termos e nos demais de direito, invocando-se o douto suprimento, deve a presente acção administrativa especial ser julgada procedente por provada, anulando-se o despacho do Réu de 15 de Julho de 2015 (e rececionado pelo A. em 24 de Julho de 2015) e condenando-se o mesmo à prolação de novo despacho nos termos melhor descritos nos artigos 52.º e 53.º da presente petição inicial, com o que se fará Justiça.”

Por sentença proferida pelo TAF de Penafiel foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
A sentença de que se recorre padece de erro de julgamento da matéria de facto e de direito que vicia o seu sentido.
Desde logo,
Desconsidera factos que deveriam ter sido devidamente apreciados e valorados, nomeadamente a avaliação médica efetuada pelo Serviço de Psiquiatria do (então) Hospital ... 1 de fls. 114 a 117 do P.A., e subscrita pelos médicos especialistas, Drª. «BB» e Dr. «CC», na qual concluíram:
“Embora se trate de doença heredo constitucional, se se provarem os acontecimentos traumáticos vivenciados durante a sua comissão de serviço ... podem ter constituído factor precipitante e/ou agravante da sua doença psiquiátrica”.
A qual,
Conjugada com o Relatório do Oficial Instrutor – que consta do Facto 8 dos Factos provados na qual se concluiu que o A, “esteve exposto a episódios que pelas suas características de contacto com o In, constituíram perigosidade para o requerente”.
Alteraria o sentido da sentença recorrida, dando razão ao Autor!
Por outro lado,
A consulta de 09 de Maio de 2013 e o relatório que se seguiu de fls. 234 a 249 do P.A. (Facto 9 dos Factos Provados) não teve igualmente em conta o 1° internamento do Autor no Hospital ..., no ... entre 03.10.1963 e 14.12.1963,
Nem o 2° internamento no Hospital ..., no ... entre 17.11.1994 e 14.07.1965,
Sendo que,
Tal informação já constava do Processo Clínico Militar, nomeadamente da avaliação que consta de fls. 114 a 117 do PA,
E que jamais pode ser colocada em crise por não contestada ou impugnada!
Pelo que,
Os internamentos do Autor não podem deixar de ser dissociados das experiências traumáticas que vivenciou durante a prestação do serviço militar obrigatório e que agravaram consideravelmente o seu estado de saúde (já de si frágil).
Assim,
10ª
Aos factos dados por Provados deverá ser acrescentado um novo Facto, o resultante de fls. 114 a 117 do PA .
Por outro lado,
11ª
O Autor comprovou, como lhe competia, os factos demonstrativos do seu direito!
Com efeito,
12ª
Provou ter sido um “mal apurado” para o serviço militar,
13ª
Realidade que o Réu não podia ignorar, porquanto, apresentando o Autor alterações graves de comportamento, as mesmas seriam percetíveis pelos médicos que lhe fizeram a inspeção sanitária.
14ª
Não obstante a sua doença, o Autor foi considerado apto para a prestação de todo o
serviço militar e foi nomeado para combater na região militar de Moçambique.
15ª
A prova testemunhal e documental carreada para os autos confirma que o Autor durante a sua comissão de serviço na ex PU de Moçambique, nomeadamente entre o período de 11Mai1967 e 20Mar1968 esteve exposto a episódios que pelas suas características de contacto com o Inimigo, constituíram perigosidade para si;
Por outro lado,
16ª
As declarações médicas juntas aos autos pelo Autor com a P.I. são bem demonstrativas das doenças de que o mesmo padece e da influência que o serviço militar teve sobre o seu estado de saúde!
17ª
Haverá erro crasso e maior do que apurar para o serviço militar obrigatório, em pleno contexto de guerra colonial, um jovem que já padecia de uma esquizofrenia paranoide?
18ª
Se ainda assim o Réu o fez, tem que se responsabilizar pelas consequências que tal situação acarretou para o Autor: O agravamento da sua doença!
19ª
A Lei do Serviço Militar, o Regulamento da Lei do Serviço Militar e o Estatuto dos Militares das Forças Armadas garantem o direito à plena reparação dos efeitos de acidentes ou de doenças adquiridas ou agravadas por causa do serviço militar.
Por sua vez,
19ª
O Decreto-Lei nº 43/76 de 20/01, na redação do seu artigo 1º reconheceu o direito à reparação aos cidadãos portugueses que, sacrificando-se pela Pátria se deficientaram no cumprimento do serviço militar (e em serviço de campanha) vindo a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente causada por doença adquirida ou agravada, consistindo em prejuízo ou perda de função,
Por outro lado,
20ª
Partindo da constatação de que em qualquer doença agravada em serviço e por motivo do seu desempenho, há sempre uma percentagem desse agravamento que é inequivocamente adquirida em serviço face a circunstâncias ambientais específicas e desde que em grau superior ao que seria de prever pela evolução da doença em condições normais, foi criado o Despacho n° 139/87 de 03NOV do GENCEME, publicado na Ordem do Exército n°8, I Série,
21ª
Legislação a qual não foi minimamente considerada na decisão recorrida, escudando-se na discricionariedade técnica da Administração Pública.
22ª
Para fundamentar a sua decisão, a douta sentença recorrida invoca acórdãos dos Tribunais Superiores, os quais, nada têm a ver com a discricionariedade técnica da Administração Pública e/ou a sindicabilidade das juntas médicas, reportando-se essencialmente a apreciação de decisões de concursos públicos,
23ª
Não podendo ser levianamente confundidos com o pedido do Autor e com os in quantificáveis e incalculáveis prejuízos causados ao mesmo e à sua saúde!
Na verdade,
24ª
E ao contrário do sustentado pela decisão recorrida, as decisões médicas são sindicáveis contenciosamente no caso de erros e desacertos manifestos ou grosseiros ou se baseadas em critérios ou juízos ostensivamente inconsistentes ou arbitrários.
Nesse sentido:
25ª
Pela relevância e similitude das matérias abordadas com o caso sub judice, confronte-se a fundamentação do acórdão proferido pelo TCA Norte, no Processo n° ...2, de 19-10-2006,
“... Ou seja, se a malformação congénita aliada a um qualquer esforço físico, independentemente do local ou circunstâncias em que o mesmo era prestado, seria suficiente para o falecimento do militar, acrescem, no caso, mais duas circunstâncias que são determinantes para estabelecer a conexão a que se refere o dito artº. 22º:
- a primeira prende-se com o facto de não ter sido atempadamente detetada tal malformação, como poderia e deveria ter sido (por recurso aos mais simples meios de diagnóstico como a medição da tensão arterial) e por via disso o filho dos recorrentes ter sido incorporado no serviço militar que exige uma atividade física em muito superior àquela que é exigida ao comum dos cidadãos.
- a segunda prende-se com a obrigatoriedade desse serviço militar que o mesmo falecido não podia recusar.
O facto de tal tipo de acidente poder ter origem em qualquer outra circunstância da vida do falecido não faz desaparecer essa mesma conexão que necessariamente tem de ser encontrada no caso concreto que se discute nos autos, desde logo porque não é encontrada qualquer outra causa para o sucedido que não seja o esforço físico acrescido que lhe foi exigido.
Por outro lado, o facto de com a incorporação militar lhe ter sido exigido um risco acrescido para a sua débil condição física é determinante para que se deva considerar que a doença de que era portador foi agravada pelo facto de ter realizado os exercícios físicos que lhe foram impostos e aos quais não se poderia eximir.
Portanto, dependendo o acidente ocorrido de fatores circunstanciais, desencadeantes e/ou precipitantes, que atuam no terreno patológico predisposto, na presente situação, e associados ao desempenho do serviço militar, dever-se-á considerar o exercício físico como factor que convergiu no desencadeamento e precipitação do acidente.
Daqui se pode concluir que a entidade recorrida ao indeferir a pretensão dos recorridos não atendeu no nexo causal existente entre a doença de que o falecido era portador, o esforço físico que lhe foi exigido em sede de recruta militar e o falecimento que lhe sobreveio por tal motivo.
“Com efeito, a autoridade recorrida, na apreciação que fez dos elementos de facto constantes do processo, laborou em erro manifesto, grosseiro, decidindo em sentido oposto ao apontando por tal factualidade e, sendo a exatidão dos pressupostos de facto um momento vinculado dos atos praticados no âmbito da chamada discricionariedade técnica, o erro ora apurado, sendo manifesto, grosseiro e evidente, é sindicável contenciosamente.
O acto recorrido enferma, assim de erro nos pressupostos de faceto, carecendo de ser anulado...” cfr. Ac. Do TCA Sul de 19/05/2005, proc. 0041304.
...”.
25ª
Viola, pois, a sentença recorrida os artigos 413° e 606, n°4 do C°. Processo Civil, bem como os artigos 44° e 46° da Lei 174/99, de 21SET, artigos 72° e 73° do DL 289/2000, de 14NOV, artigo 160°, a) do DL 197-A/2003, de 30AGO), o artigo 1° do Decreto-Lei n° 43/76 de 20 de Janeiro, do Despacho Conjunto n° 502/2004 de 5 de Agosto e do Despacho n° 139/87 de 03NOV do GENCEME, publicado na O.E., n°8, I Série.

Termos em que, concedendo provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, far-se-á inteira e sã JUSTIÇA.

O Réu juntou contra-alegações e concluiu:
A. A. decisão ora recorrida negou provimento à ação administrativa especial intentada pelo Recorrente, e, em consequência, absolveu a entidade demandada dos pedidos formulados.
B. Não assiste razão ao Recorrente no pedido de revogação da sentença recorrida, pois que o Tribunal a quo fez uma correta valoração dos documentos juntos aos autos, bem como do processo administrativo apenso aos mesmos, pelo que bem andou, quando considerou que a recusa da qualificação do autor como deficiente das forças armadas resultou da conclusão segundo a qual não ficou demonstrado o nexo de causalidade entre a doença que determinou a desvalorização atribuída pela JHI e a prestação do serviço militar.
C. O conceito legal de deficiente das Forças Armadas, consagrado no Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro, prevê como seu elemento integrador essencial a verificação de uma relação causal entre o serviço de campanha ou equiparado e a lesão ou doença manifestada no exercício desse serviço.
D. No caso concreto a CPIP/DS, entidade competente no âmbito da tradicionalmente apelidada discricionariedade técnica para determinar e estabelecer a existência ou não de uma relação de causalidade entre a doença de que sofre o ex-militar e o cumprimento do serviço por si prestado, face aos elementos disponíveis nos autos, considerou não ser “clinicamente possível estabelecer nexo causal entre as mesmas e a prestação do serviço militar”.
E. Apesar do grau de desvalorização que lhe foi atribuído pela doença em causa (60%) ser superior ao mínimo exigido pela lei para a qualificação como deficiente das Forças Armadas, não se encontram reunidos os requisitos exigidos pelo n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, ou seja, falta o nexo de causalidade entre a doença de que o Autor atualmente padece, Esquizofrenia Paranóide, e a prestação do serviço militar.
F. Contrariamente ao invocado pelo Recorrente a sentença recorrida não padece de erro de julgamento sobre os factos por si alegados, e bem andou quando julgou que “(...) importaria que o autor tivesse alegado e demonstrado um erro crasso, claro, palmar na conclusão obtida no sentido de o referido nexo causal não existir”.
G. Bem andou a douta sentença ao concluir que, estando em causa uma área de ampla discricionariedade técnica, como é o caso da área médica, importaria que o autor tivesse alegado e demonstrado um erro crasso, na conclusão obtida no sentido de o referido nexo causal não existir, o que não fez, nem sequer alegou.
H. A douta sentença, contrariamente ao invocado pelo Recorrente, fez uma correta aplicação do direito aplicável, convocando o regime previsto no Decreto-Lei n.º 43/76, de 20.01, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 46/99, de 16.06.
I. É através daquele diploma que se reconhece o direito à reparação material e moral que assiste aos deficientes das forças armadas e institui medidas e meios que concorram para a sua plena integração na sociedade.
J. A atribuição do estatuto de deficiente das Forças Armadas depende da verificação cumulativa dos pressupostos e requisitos previstos nos artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei 43/76, de 20 de janeiro.
K. É pressuposto da qualificação como deficiente das Forças Armadas, como resulta do artigo 1.º daquele diploma legal, que o requerente padeça atualmente de uma diminuição permanente, causada por doença, adquirida ou agravada em cumprimento do serviço militar.
L. Os médicos militares que integram a CPIP/DS concluíram, no domínio da discricionariedade técnica que caracteriza a atividade médica, pela inexistência de nexo de causalidade entre a doença que determinou a desvalorização atribuída pela JHI e a prestação do serviço militar.
M. A questão de se saber se a doença - de que o Recorrente padece -, que determinou a desvalorização atribuída pela JHI se encontra ou não diretamente relacionada com a prestação do serviço militar por si prestado, constitui matéria de perícia médica, inserida no domínio da chamada "discricionariedade técnica".
N. Os pareceres da CPIP são verdadeiras decisões administrativas, de cariz técnico, que se concretizam em perícias decisórias e de avaliação médica final, com a principal função de interpretar os factos clínicos dados como provados, e verificar se os mesmos são derivados, consequência ou de alguma forma relacionados com eventos, acidentes ou outros acontecimentos ocorridos durante a prestação do serviço militar prestados pelos interessados.
O. O Recorrente não foi qualificado como deficiente das Forças Armadas, por não reunir cumulativamente os requisitos exigidos nos n.°s 2 e 3, do artigo 1.° e pela alínea b), do n.° 1 do artigo 2.°, do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro.
P. Bem decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel ao decidir pela improcedência das pretensões do Autor, ora Recorrente, não padecendo a sentença de nenhum dos apontados erros de julgamento invocados na petição de recurso.

Nestes termos e nos demais de direito, invocando-se o suprimento, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e, em conformidade, ser mantida a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, ora recorrida.

O Senhor Procurador Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

1. Entre 03.10.1963 e 14.12.1963 o aqui autor esteve internado no Hospital ..., no ..., tendo-lhe sido diagnosticado esquizofrenia paranoide - cf. documento de fls. 10 (verso) do suporte físico dos autos;
2. Não obstante, o autor foi recenseado pela freguesia ..., concelho ..., tendo sido considerado apto para a prestação de todo o serviço militar pela inspeção sanitária da junta de recrutamento - cf. documento de fls. 11/12 do suporte físico dos autos;
3. Tendo sido, em consequência, incorporado no Regimento de Infantaria n.º 13, em 02.08.1966 - cf. documento de fls. 11/12 do suporte físico dos autos;
4. E foi nomeado para combater na então região militar de Moçambique, integrado na CCS/BC 1916 - cf. documento de fls. 11/12 do suporte físico dos autos;
5. Entre 17.11.1994 e 14.07.1995, o autor voltou a estar internado no Hospital ..., com o diagnóstico de esquizofrenia paranoide - cf. documento de fls. 13 (frente) do suporte físico dos autos;
6. Em 27.09.2007, foi recebido na secção de processos individuais do arquivo geral do Exército requerimento escrito apresentado pelo autor, no qual este terminava do seguinte modo:
(...)
Em face do exposto e porque a doença de que sofre foi agravada pelas circunstâncias e factos vividos no decorrer da comissão de serviço militar na ex-Região Militar de Moçambique, vem requerer a V.Exa a instrução de um processo por doença agravada em serviço de campanha, bem como, ser presente a uma JHI, a fim de lhe ser atribuído o grau de incapacidade e poder ser considerado Deficiente das Forças Armadas, ao abrigo do Dec. Lei 43/73 de 20 de Janeiro.
(...)”;
Cf. documentos de fls. 13 (verso) e 14 do suporte físico dos autos, e de fls. 4 a 13 do processo administrativo apenso aos autos;
7. A 26.11.2009, pela médica psiquiatra «DD», foi emitido documento escrito intitulado “relatório médico”, no qual se pode ler:
“(...)
«DD», médica pela Faculdade de Medicina do Porto, psiquiatra pela Ordem dos Médicos, titular da cédula profissional nº ...49, atesta sob honra profissional que «AA», portador do BI ..., emitido a 7/08//02, pelo A.I. do Porto, sofre de Esquizofrenia e de Stress Pós-Traumático de Guerra.
O doente cumpriu o serviço militar obrigatório numa zona de combate, em Moçambique, de 1967 a 1969.
Refere que desde há 10 anos, começou a ter dificuldade em dormir e, “até agora tem medo da noite”; umas vezes, porque receia reviver os sonhos que todas as noites o “atacam” e que o impedem de adormecer; outras vezes, durante a noite, acorda em pânico “a gritar, todo transpirado” e com taquicardia; o conteúdo dos seus sonhos relaciona-se com cenas vividas durante a guerra e, até por vezes, corresponde a um cenário de guerra em que ele próprio é interveniente ora como vítima, ora como atirador; diz que é frequente acordar e que é difícil distinguir o sonho da realidade (“é como se fosse um filme de tudo o que lé vivi e em que acordo aflito com os tiros ou com as explosões”).
Subjacente a este quadro, existe a sua Psicose que tem, por isso, evoluído para um estado de agravamento; os distúrbios de comportamento incluem a agressividade e as crises de agitação psico-motora são mais frequentes.
Está medicado com VALIUM-5mg, ARTANE-2mg, DOGMATIL-50mg, HALDOL-5mg; as dosagens vão variando de acordo com a clínica.
(...)”;
Cf. documento de fls. 20 (frente) do suporte físico dos autos;
8. Na sequência do respetivo processo organizado pelo Exército após o requerimento apresentado pelo autor, que correu termos sob o número 48/DCS/09, foi elaborado relatório final em 13.01.2012, no qual se pode ler nomeadamente o seguinte:
“(...)
II
Análise
Factos Apurados:
1 - O requerente foi incorporado em 02Ago1966; (fls. 08 e 10)
2 - Entre 17 a 25 de Agosto de 1966 baixou à Enfermaria do RI 13, devido a uma “Colite”; (fls. 10 e 13V)
3 - Foi transferido para o RAL 4 em 02Out1966, a fim de frequentar a especialidade de Escriturário; (fls. 08, 10 e 10V)
4 - Entre 15 a 25 de Outubro de 1966 baixou à Enfermaria do RAL 4, ficando a dieta e dispensado de todos os exercícios violentos, dispensa essa por 10 dias; (fls. 10)
5 - Embarcou em 12Abr1967 para a ex. PU de Moçambique, integrado na CCS/BCaç 1916, data em que foi promovido ao posto de 1Cb; (fls. 09V, 10V e 123);
6 - Desembarcou em Lourenço Marques em 02Mai1967, data a partir da qual passou a contar 50% de aumento no tempo de serviço; (fls. 09V, 10V e 123)
7 - Em 04Mai1967 partiu para o Norte da província - Mocímboa da Praia, destino a que chegaram em 10Mai1967, desde quando passou a contar 100% de aumento no tempo de serviço; (fls. 10V e 123)
8 - Em 11Mai1967 a CCS e a CCaç 1710 foram autotransportadas para Mueda, destino onde chegaram em 12Mai1967; (fls. 123 e 130)
9 - Durante o percurso efetuado entre Mocímboa da Praia e Mueda, onde seguia todo o ..., foram atacados pelo In através de armamento ligeiro, no entanto tiveram apoio aéreo, tendo-se registado apenas o ferimento de um militar; (fls. 22, 48, 107 e 161)
10 - Em 23Jun1967 foi punido com 05 dias de Detenção pelo Comandante da CCS/BCaç 1916, por ter faltado à Parada da Guarda desse mesmo dia, sem motivo justificativo, quando se encontrava nomeado para entrar de serviço; (fls. 09 e 10V)
11 - Em 02Ago1967 o In atacou Mueda com morteiros e fogo de armas automáticas durante cerca de 35 minutos. Caiu uma granada no quartel do BCaç 1916. Não se registaram baixas humanas apenas materiais. O requerente encontrava-se no local; (fls. 22, 48, 107, 126, 148, 161, 179 e 202)
12 - Em 28/29Jan1968 partiu para Nancatari uma coluna de da CCaç. 1710 comandada pelo Alf «EE», que sofreu o rebentamento de minas anti-carro e uma emboscada durante o percurso, resultando o ferimento do Comandante da coluna e a morte de um Condutor; (fls. 22, 107, 179 e 203)
13 - O aquartelamento de Mueda era o ponto de evacuação de feridos, tendo o requerente presenciado a chegada de diversos militares provenientes de outras Companhias, com a finalidade de serem evacuados. Neste âmbito, o requerente presenciou o estado em que muitos militares ficaram feridos; (fls. 22, 48, 107, 161, 179 e 203)
14 - Entre os mortos que chegavam ao aquartelamento de Mueda, muitos deles foram enterrados no próprio local. A CCS era a companhia encarregue de proceder ao enterro; (fls. 22, 48, 107, 161 e 180)
15 - Em 20Mar1968 o requerente foi transferido para a Secção Administrativa de CSCA/QG/RMM, data a partir da qual passou a contar 50% de aumento no tempo de serviço; (fls. 09V e 10V)
16 - Em 06Abr1968 apresentou-se na CCS/QG, proveniente do BCaç 1916; (fls. 11)
17 - A CCS contabilizou um ferido em combate e um ferido por outros motivos durante toda a Comissão de Serviço prestada. No total o BCaç 1916 contabilizou 12 mortos e 49 feridos; (fls. 132 e 150)
18 - Não existe qualquer registo de baixa hospitalar do requerente durante o cumprimento da Comissão de Serviço; (fls. 10 a 13V e 23)
19 - Em 13NMar1969 o requerente marchou para o DGA por ter terminado a Comissão de Serviço; (fls. 11)
20 - Em 07Mai1969 embarcou de regresso a Lisboa; (fls. 09V e 11)
21 - O Diretor dos Serviços de Apoio Geral do Hospital ... certifica o internamento do requerente naquela Unidade Hospitalar no período de 03 de Outubro de 1973 a 14 de Dezembro de 1973, por Esquizofrenia Paranóide, destacando a presença de alterações graves de comportamentos há vários anos, devidas à sua personalidade psicótica, por períodos mais ou menos longos de dissociação psicótica grave, apresentando-se impraticável o exercício regular e rentável de qualquer profissão; (fls. 213)
22 - Desde 30Mai2006 o requerente é seguido em consulta externa no serviço de Psiquiatria do Hospital de ..., apresentando atualmente queixas e sintomas compatíveis com o diagnóstico de Esquizofrenia Paranóide. (fls. 214)
III
Conclusão
A prova testemunhal e documental carreada para os autos confirma que NIM ... ex. 1Cb «AA», do ArqGEx, durante o cumprimento da Comissão de Serviço na ex. PU de Moçambique, nomeadamente entre o período de 11Mai1967 a 20Mar1968, esteve exposto a episódios que pelas suas características de contacto com o In, constituíram perigosidade para o requerente.
(...)”;
Cf. documento de fls. 218 a 223 do processo administrativo apenso aos autos;
9. No dia 09.05.2013, o autor foi submetido a consulta de psiquiatria no Hospital ... n.º 1, constando o seguinte do campo “História e Sintomas”:
“(...)
O ex-militar tem agora 67 anos de idade.
Apresenta um quadro clínico compatível com o diagnóstico de Esquizofrenia Paranóide, corroborado por diversos relatórios médicos que foram anexados ao actual processo. O primeiro surto que levou a internamento ocorreu 5 anos após a sua desmobilização. Continua a ser acompanhado com regularidade em consulta de psiquiatria e está cronicamente medicado com antipsicóticos adequados ao diagnóstico clínico.
Cumpriu serviço militar em Moçambique, desempenhando funções de escriturário, numa CCS, unidade de serviços de apoio. Alega ter estado exposto a situações penosas do ponto de vista psicológico.
Após o serviço militar trabalhou nas oficinas de serralharia dos caminhos de ferro, até 1992, altura em que foi aposentado por invalidez do foro psiquiátrico. Não casou e ainda vive com o pai. No presente, convive e colabora com amigo a quem ajuda em pequenas tarefas de bricolage caseiro, trata do quintal de casa e ajuda um irmão com problemas motores.
Conserva bom grau de autonomia pessoal que se traduz na sua capacidade para se deslocar para qualquer lado e cumprir as actividades da vida diária sem necessidade de auxílio de terceiros. Ao exame objectivo apresenta-se calmo, colaborante e capaz de responder e dialogar na entrevista embora o conteúdo seja escasso e pobre. Não apresenta actividade produtiva, nomeadamente actividade alucinatória ou delirante. Contudo, exibe sinais de deterioração global da personalidade e um grau moderado de deterioração cognitiva. Não se observam alterações ao nível do humor.
Face ao exposto, em nossa opinião:
1 - Sofre de Esquizofrenia Paranóide;
2 - Não sofre de PTSD;
3 - Não parece existir nexo de causalidade entre as queixas actuais e o serviço militar. (...)”;
Cf. documento de fls. 234 a 239 do processo administrativo apenso aos autos;
10. Em 29.05.2013, o autor foi submetido a Junta Hospitalar de Inspeção [HJI] no Hospital ... n.º 1, tendo esta deliberado que o autor se encontra incapaz de todo o serviço militar, e apto parcialmente para o trabalho com 60% de desvalorização - cf. documento de fls. 232/233 do processo administrativo apenso aos autos;
11. Pela comissão permanente para informações e pareceres da Direção de Saúde do Comando da Logística do Exército foi emitido o parecer n.º 367/2014, no âmbito do processo referente ao autor, em que se pode ler o seguinte:
(...)
História do Evento
1 - Incorporado em 02AGO66.
2 - Em 02OUT66 foi transferido para o RAL 4 onde frequentou a especialidade de escriturário.
3 - Em 12 Abr67 embarcou para Moçambique onde cumpriu comissão de serviço e de onde regressou em 07MAI69.
4 - Em requerimento dirigido ao CEME pediu a instrução de processo por doença agravada em serviço e ser presente a uma JHI para atribuição de grau de incapacidade e ser considerado DFA.
5 - Em auto de declarações relatou algumas situações vividas durante a sua comissão em Moçambique, potencialmente traumatizantes do ponto e vista psicológico.
6 - Em 09Mai13 foi observado no Serviço de Psiquiatria do HMR 1 onde se constatou:
- apresentar um quadro compatível com o diagnóstico de Esquizofrenia Paranóide, corroborado por relatório médicos, tendo o primeiro surto surgido 5 anos após a sua desmobilização.
- que não sofre de PPST.
- que não parece existir nexo de causalidade entre as queixas atuais e o serviço militar.
7 - Presente a JHI no HMR 1 em 29MAI13 foi considerado “Incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com 60% de desvalorização”.
8 - Perante o acima exposto esta Comissão é de
PARECER: que as razões que levaram a JHI a pronunciar-se nos termos acima enunciados não se relacionam com o Serviço Militar nem são devidos ao seu desempenho.
(...)”;
Cf. documento de fls. 244 do processo administrativo apenso aos autos;
12. Tendo o processo sido remetido ao Gabinete do Chefe do Estado-Maior do Exército, pelos respetivos serviços do departamento de assessoria jurídica e contencioso foi elaborada informação em 27.05.2015, na qual se pode ler o seguinte, para o que ao caso importa:
“(...)
B - Análise
15 - A atribuição do estatuto de deficiente das Forças Armadas depende, como se viu, da verificação cumulativa dos pressupostos e requisitos previstos nos artigos 1.° e 2.° do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro;
16 - Assim, e desde logo, é pressuposto da qualificação como deficiente das Forças Armadas, como resulta do artigo 1.° daquele diploma legal, que o requerente padeça atualmente de uma diminuição permanente, causada por doença, adquirida ou agravada em cumprimento do serviço militar.
17 - No caso em análise, os médicos militares que integraram a CPIP/DS concluíra, no domínio da discricionariedade técnica que caracteriza a atividade médica, pela inexistência de nexo de causalidade entre a doença que determinou a desvalorização atribuída pela JHI e a prestação do serviço militar.
18 - Verifica-se, pois, que não se encontram preenchidos cumulativamente, os requisitos exigidos pelos artigos 1.°, n.°s 2 e 3, e 2.°, n.° 1, alínea b), do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro, que impede a qualificação do requerente como deficiente das Forças Armadas.
IV
Parecer
Face ao que precede, somos de parecer que o ex- 1 Cabo NIM ... «AA» não deve ser qualificado como deficiente das Forças Armadas, por não reunir os requisitos exigidos nos n.°s 2 e 3, do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro.
(...)”;
Cf. documento de fls. 246 a 254 do processo administrativo apenso aos autos;
13. Sobre esta informação recaiu despacho de concordância do Sr. Chefe de Estado-Maior do Exército em 29.05.2015 - cf. documento de fls. 246 do processo administrativo apenso aos autos;
14. Na sequência de notificação para o efeito, o autor apresentou requerimento escrito dirigido ao Sr. Chefe do Estado-Maior do Exército destinado a emitir pronúncia sobre a proposta de não qualificação como deficiente das forças armadas - cf. documentos de fls. de fls. 257 a 262 do processo administrativo apenso aos autos;
15. Após o que, em 10.07.2015 os sobreditos serviços do departamento de assessoria jurídica e de contencioso do Chefe do Estado-Maior do Exército elaboraram informação na qual se pode ler o seguinte:
“(...)
B - Análise:
15. A atribuição do estatuto de deficiente das Forças Armadas depende, como se viu, da verificação cumulativa dos pressupostos e requisitos previstos nos artigos 1.º e 2.° do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro.
16. Assim, e desde logo, é pressuposto da qualificação como deficiente das Forças Armadas, como resulta do artigo 1° daquele diploma legal, que o requerente padeça atualmente de uma diminuição permanente, causada por doença, adquirida ou agravada em cumprimento do serviço militar.
17. No caso em análise, os médicos militares que integram a CPIP/DS concluíram, no domínio da discricionariedade técnica que caracteriza a atividade médica, pela inexistência de nexo de causalidade entre a doença que determinou a desvalorização atribuída pela JHI e a prestação do serviço militar.
18. Ainda que ao requerente tenha sido atribuído um grau de desvalorização de 60%, preenchendo o mínimo legal previsto, para a qualificação como DFA, inexiste o nexo causal entre a doença e a prestação do serviço militar.
19. Verifica-se, pois, que não se encontram preenchidos cumulativamente, os requisitos exigidos pelos artigos 1.º nºs 2 e 3, e 2.°, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 janeiro, o que impede a qualificação do requerente como deficiente das Forças Armadas.
20. Notificado o requerente nos termos e para os efeitos dos artigos 121.º e 122..º do Código do Procedimento Administrativo, através do Ofício n.º ...10 deste Gabinete, de 03.05.2015, veio o mesmo, no exercido do direito de audiência prévia, apresentar alegações, com registo de entrada neste Gabinete em 23.06.2015, em que manifesta desacordo com o projeto de decisão final que lhe foi remetido.
21. Analisadas as alegações de facto e de direito, apresentadas pelo ex-1 Cabo «AA», que assentam na discordância dos pareceres da JHI e da CPIP, verifica-se que, não foram carreados para o processo, quaisquer dados ou argumentos suscetíveis de alterar o sentido do parecer do projeto de decisão final.
IV
Parecer
Face ao que precede, somos de parecer que o ex- 1 Cabo NIM ... «AA» não deve ser qualificado como deficiente das Forças Armadas, por não reunir cumulativamente os requisitos exigidos nos n.°s 2 e 3, do artigo 1.° e pela alínea b), do n.° 1 do artigo 2.°, do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro.
(...)”;
Cf. documentos de fls. 15 (verso) a 19 do suporte físico dos autos, e de fls. 263 a 271 do processo administrativo apenso aos autos;
16. Sobre esta informação recaiu o seguinte despacho do Sr. Chefe do Estado-Maior do Exército, em 15.07.2015: “1 - Concordo. 2 - Com os fundamentos do presente parecer, e nos uso da competência que me foi subdelegada pelo despacho n.° .../2015, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.° 111, de 9 de junho de 2015, não qualifico o ex-1.° Cabo NIM ... «AA» como deficiente das Forças Armadas, porquanto não preenche os requisitos cumulativos exigidos para esse efeito pelo Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro.º - cf. documentos de fls. 15 (verso) e de fls. 263 do processo administrativo apenso;
17. Deste despacho, e da respetiva informação, foi dado conhecimento ao autor por ofício de 23.07.2015, de referência ...28, recebido por este em 24.07.2015 - cf. documentos de fls. 15 (frente) do suporte físico dos autos, e de fls. 272/273 do processo administrativo apenso;
18. Em 01.10.2015, foi emitida pela médica Dra. «FF», a seguinte informação clínica:
(...)
Informação Clínica
O utente, de 70 anos de idade, é seguido por Psiquiatria no polo de ... desde Maio de 2006 e tem o diagnóstico de Psicose Esquizofrénica tipo paranoide.
Tem comparecido regularmente nas consultas marcadas. Não tem apresentado actividade
heteróloga.
Queixa-se de ter lembranças perturbadoras recorrentes de acontecimentos do tempo que esteve a prestar serviço militar em Moçambique e também pesadelos recorrentes sobre os mesmos factos.
Está medicado com:
Haldol 5 mg 1+0+1
Artane 2mg 1+0+1
Bunil 25 mg 1 ao deitar
Dogmatil 50 mg 1+0+1
(...)”;
Cf. documento de fls. 20 (verso) do suporte físico dos autos.

*
O Tribunal consignou:
Factos Não Provados
Com relevo para a decisão a proferir, não subsistem factos que o tribunal tenha considerado como não provados.

E, em sede de motivação da factualidade assente exarou: Na determinação do elenco dos factos provados, o tribunal considerou e analisou, de modo crítico, os documentos que se encontram juntos aos autos e ao processo administrativo apenso, os quais não foram objeto de impugnação ou mero reparo por qualquer das partes, inexistindo razões para duvidar da sua genuinidade ou da fidedignidade do seu conteúdo, motivo pelo qual foram merecedores de crédito para efeitos probatórios.
Para melhor elucidação, ficou identificado a propósito de cada facto elencado o documento que em concreto alicerçou a convicção do tribunal.

DE DIREITO
É objecto de recurso a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou “a presente ação administrativa especial totalmente improcedente”, e, em consequência, absolveu “a entidade demandada dos pedidos formulados”.
Por via da ação administrativa especial, que o Autor, ora Recorrente, propôs contra o Réu, ora Recorrido, foram formulados os seguintes pedidos:
“(...) deve a presente ação administrativa especial ser julgada procedente por provada, anulando-se o despacho do Réu de 15 de Julho de 2015 (e rececionado pelo A. em 24 de Julho de 2015) e condenando-se o mesmo à prolação de novo despacho nos termos melhor descritos nos artigos 52.° e 53.° da presente petição inicial (...)”.
Nas alegações do presente recurso jurisdicional, considera o Recorrente que a decisão do Tribunal a quo “(...) enferma de erro grosseiro na apreciação da prova, incorrendo em erro de julgamento da matéria de facto e da apreciação de Direito que se seguiu (...), pelo que a mesma deve ser revogada”.
O Recorrente alega, quanto ao erro de julgamento da matéria de facto, que “a decisão sob recurso despreza factos que constam do Processo Administrativo que importava considerar, nomeadamente a avaliação médica efetuada pelo Serviço de Psiquiatria do (então) Hospital ... 1 de fls. 114 a 117 do P.A. e subscrita pelos médicos especialistas, Dra. «BB» e Dr. «CC» na qual concluíram:
“Embora se trate de doença heredo constitucional, se se provarem os acontecimentos traumáticos vivenciados durante a sua comissão de serviço...podem ter constituído factor precipitante e/ou agravante da sua doença psiquiátrica”.
E que conjugada com o Relatório do Oficial Instrutor que consta do Facto 8 dos Factos provados (...) concluiu:
A prova testemunhal e documental carreada para os autos confirma que o NIM ... ex. 1Cb «AA», do ArqGEx, durante o cumprimento da Comissão de Serviço na ex. PU de Moçambique, nomeadamente entre o período de 11MAI1967 a 2Omar1968, esteve exposto a episódios que pelas suas características de contacto com o Ini, constituíram perigosidade para o requerente.”
Alteraria o sentido da sentença recorrida, dando razão ao Autor.”
Alega, ainda, a este respeito, que o Tribunal a quo se baseou na circunstância dos factos apurados na consulta de psiquiatria do Hospital ... n.° 1 de fls. 234 a 239 do PA (...), alheando-se “da avaliação psiquiátrica então efetuada ao Autor pelo referido hospital e a conclusão a que os médicos especialistas chegaram no sentido de a prestação do serviço militar não ser indiferente à doença (esquizofrenia paranoide) de que o A. já padecia.”
Mais alega que, “o Tribunal recorrido erra no juízo que faz sobre os factos alegados pelo Autor ao entender que ... importaria que o autor tivesse alegado e demonstrado um erro crasso, claro, palmar na conclusão obtida no sentido de o referido nexo causal não existir”, concluindo o Recorrente que “Os factos enunciados pelo Autor encontram-se suficientemente provados nos autos quer por via documental, quer testemunhal, como se atesta pela consulta do processo administrativo instrutor, permitindo a sua qualificação como Deficiente das Forças Armadas”, e que a sentença, ao não fazê-lo, incorreu em erro de julgamento.
Quanto ao erro da apreciação de direito, alega o Recorrente que “a sentença recorrida ao decidir como decidiu, errou na aplicação de Direito, olvidando que, existe legislação especial que garante o direito à plena reparação dos efeitos de acidentes ou de doenças adquiridas ou agravadas por causa do serviço militar”, e que “a sentença recorrida por ter dado relevância à autonomia técnica da Junta Médica do Réu, fez errada aplicação da Lei”.
Cremos que carece de razão.
Vejamos,
Do erro de julgamento de Facto -
Relativamente ao erro de julgamento da matéria de facto invocado pelo Recorrente, - ao afirmar que “a decisão sob recurso despreza factos que constam do Processo Administrativo que importava considerar, nomeadamente a avaliação médica efetuada pelo Serviço de Psiquiatria do (então) Hospital ... 1 de fls. 114 a 117 do P.A. e subscrita pelos médicos especialistas, Dra. «BB» e Dr. «CC» na qual concluíram:
“Embora se trate de doença heredo constitucional, se se provarem os acontecimentos traumáticos vivenciados durante a sua comissão de serviço...podem ter constituído factor precipitante e/ou agravante da sua doença psiquiátrica”.
E que conjugada com o Relatório do Oficial Instrutor que consta do Facto 8 dos Factos provados (...) concluiu:
A prova testemunhal e documental carreada para os autos confirma que o NIM ... ex. 1Cb «AA», do ArqGEx, durante o cumprimento da Comissão de Serviço na ex. PU de Moçambique, nomeadamente entre o período de 11MAI1967 a 2Omar1968, esteve exposto a episódios que pelas suas características de contacto com o Ini, constituíram perigosidade para o requerente.”
Refira-se que o julgador do TAF a quo cumpriu a lei, designadamente o preceituado no artigo 607.º, do CPC que, nos seus nºs 4 e 5, prescreve o seguinte:
“(...)
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”.
Decidiu-se no Acórdão do STJ, de 10 de março de 2005, proc. 05B016, que a plenitude do segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto sofre naturalmente a limitação que a inexistência de imediação necessariamente acarreta, não sendo, por isso, de esperar do tribunal superior mais do que a sindicância de erro manifesto na livre apreciação das provas.
No mesmo sentido, o Acórdão da RC de 09/03/2010, proc. 1041/07.2TBCNT.C1: “O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.”
E, o Acórdão da RL de 31/03/2011, proc. 96/06.1TBBBR.L1-2: “A alteração da decisão sobre a matéria de facto - em função da reapreciação da prova - só deve ocorrer caso o tribunal recorrido haja incorrido em patente equívoco ou erro na apreciação das provas, erro esse resultante da patente desconformidade da decisão em relação aos meios de prova.”
Exarou-se, nesse Acórdão, o seguinte: “Saber se a decisão de facto deve ser alterada em função dessa reapreciação, não estando em causa a renovação dos meios de prova, é, conforme tem sido entendido por este colectivo, algo que impõe que o Tribunal recorrido, em face do princípio da livre apreciação das provas, haja incorrido em patente equívoco, erro na sua apreciação, erro esse resultante da patente desconformidade da decisão em relação aos meios de prova.”
E o Acórdão da RC de 28/06/2011, no proc. 185/07.5TBANS-B.C1JTRC definiu: “Na impugnação da decisão da matéria de facto do tribunal de 1ª instância, o objecto precípuo da cognição do Tribunal da Relação não é a coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto, mas antes uma apreciação e valoração autónoma da prova produzida, labor que contudo se orienta para a deteção de qualquer erro de julgamento naquela decisão da matéria de facto. Por isso, não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento.”
Voltando ao caso concreto, a convicção do Tribunal baseou-se na prova documental que se encontra junta aos autos e ao processo administrativo apenso, a qual não foi objeto de impugnação ou mero reparo por qualquer das partes.
Assim, não assiste razão ao Recorrente, como seguidamente se demonstrará, pois que o Tribunal a quo fez uma correta valoração dos documentos juntos aos autos, bem como do processo administrativo apenso aos mesmos. Pelo que bem andou, quando considerou que “conforme se colhe então das informações que sustentaram as decisões tomadas pelo Sr. Chefe do Estado-Maior do Exército, a recusa da qualificação do autor como deficiente das forças armadas resultou da conclusão segundo a qual não ficou demonstrado o nexo de causalidade entre a doença que determinou a desvalorização atribuída pela JHI e a prestação do serviço militar”.
Com efeito, por despacho do General Chefe do estado-Maior do Exército, de 15 de julho de 2015, exarado no Parecer n.° 305/2015, de 10 de julho de 2015, do Departamento de Assessoria Jurídica e Contencioso, do Gabinete do CEME, o ora Recorrente – ex-1.° Cabo NIM ... «AA» - não foi qualificado como deficiente das Forças Armadas, por não reunir cumulativamente os requisitos exigidos nos n.°s 2 e 3, do artigo 1.° e pela alínea b), do n.° 1 do artigo 2.°, do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro.
Tal decisão alicerçou-se no parecer n.° 367/2014, da Comissão Permanente para Informações e Pareceres da Direção de Saúde (CPIP/DS) do Comando da Logística do Exército, onde se concluiu que “as razões que levaram a JHI a pronunciar-se nos termos acima enunciados não se relacionam com o Serviço Militar nem são devidos ao seu desempenho”.
Assim, aquela Comissão, analisados todos os elementos históricos e clínicos disponíveis no processo, considerou não ser clinicamente possível relacionar a situação clínica do ora Recorrente com o serviço militar por si prestado na ex-PU de Moçambique.
Como é sabido, o conceito legal de deficiente das Forças Armadas, consagrado no Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro, prevê como seu elemento integrador essencial a verificação de uma relação causal entre o serviço de campanha ou equiparado e a lesão ou doença manifestada no exercício desse serviço.
Assim, não basta que o ex-militar tenha integrado uma Companhia com atividade operacional e que padeça atualmente de uma diminuição permanente. É também indispensável apurar a existência de uma dupla relação de causalidade adequada com aquela situação e com a incapacidade atribuída ao ex-militar.
No caso concreto a CPIP/DS, entidade competente no âmbito da tradicionalmente apelidada discricionariedade técnica para determinar e estabelecer a existência ou não de uma relação de causalidade entre a doença de que sofre o ex-militar e o cumprimento do serviço por si prestado, face aos elementos disponíveis nos autos, considerou não ser “clinicamente possível estabelecer nexo causal entre as mesmas e a prestação do serviço militar”.
Apesar do grau de desvalorização que lhe foi atribuído pela doença em causa (60%) ser superior ao mínimo exigido pela lei para a qualificação como deficiente das Forças Armadas, não se encontram reunidos os requisitos exigidos pelo n.° 2 do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro, ou seja, falta o nexo de causalidade entre a doença de que o A. atualmente padece, Esquizofrenia Paranóide, e a prestação do serviço militar.
Contrariamente ao pretendido pelo Recorrente, não se verifica qualquer erro de julgamento quanto à matéria de facto.
O Recorrente alega erro de julgamento sobre os factos por si invocados - face ao entendimento do Tribunal no sentido de que “ (...) importaria que o autor tivesse alegado e demonstrado um erro crasso, claro, palmar na conclusão obtida no sentido de o referido nexo causal não existir »-, considerando que os factos por si enunciados “(..) encontram-se suficientemente provados nos autos quer por via documental, quer testemunhal, como se atesta pela consulta do processo administrativo instrutor, permitindo a sua qualificação como Deficiente das Forças Armadas”., e que a sentença, ao não fazê-lo, incorreu em erro de julgamento.
Não vemos que assim seja, pois que, considerando a inexistência de nexo de causalidade, torna-se impossível à Administração, adstrita que está ao vinculante princípio da legalidade, outro entendimento que não seja o de não qualificação como deficiente das Forças Armadas do ora Recorrente, porquanto não se encontram reunidos os requisitos exigidos pelo n.° 2 do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro.
E bem andou a sentença ao reconhecer que “tal como mencionado nas informações que sustentaram a proposta de decisão e, depois, a decisão final, está em causa uma área de ampla discricionariedade técnica, nomeadamente na área médica, inerente ao exercício de estabelecer o nexo causal entre o serviço militar e o alegado agravamento da doença do autor”.
Inexistindo nos autos, outra prova de cariz técnico-médico, ou perícia médica, idónea, isenta, que, fundamentadamente, destrone a atual pronúncia da CPIP/DS, e afirme que a doença que determinou a desvalorização atribuída pela JHI ao ora Recorrente tem nexo com a prestação do serviço militar, torna-se juridicamente impossível ao decisor final tomar outra decisão que não a de não considerar preenchidos os pressupostos previstos no Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro, para efeitos de qualificação de DFA.
E atente-se que, pelo exposto, neste tipo de processos não bastará estabelecer uma possibilidade de nexo, baseada num “estado de arte” adveniente de uma qualquer perícia médica que contradiga um colégio de médicos militares, especializado para apreciar incapacidades resultantes de acidentes produzidos em ambiente tipicamente militar, com um elevado “estado de técnica e arte” e de apurado sentido para avaliações periciais decisórias desta natureza, será necessário uma demonstração científica, séria e imparcial de que existe uma certeza fundada e razoável da existência de nexo.
Note-se que o Supremo Tribunal Administrativo tem sustentado, em alguns dos seus Acórdãos, que o Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro evidencia que o legislador quis fixar rigidamente o conceito de DFA e que a sua preocupação de clareza e rigor foi tal que entendeu ser ele a definir os diversos conceitos susceptíveis de contribuir para aquela qualificação, sendo que a clareza com que o legislador expôs e desenvolveu os citados conceitos revela que pretendeu que os mesmos fossem interpretados de um modo restritivo, o que quer dizer que a atribuição da qualidade de DFA deve ser feita, apenas e tão só, a quem preencha por inteiro os apontados requisitos.
O legislador quer certificar-se, através de um apertado crivo avaliativo, de que a atribuição deste estatuto seja apenas adquirido por aqueles que, de forma plenamente certa, segura e inequívoca se deficientaram ao serviço da Pátria em condições muito específicas, e não, por aqueles, nos quais fundadas dúvidas acerca dos pressupostos na lei subsistem, por muitas e mais variadas diligências procedimentais que se efetuem, como foi o caso dos presentes autos.
Ora, como já se referiu anteriormente, foi com base nos elementos históricos e clínicos existentes no processo administrativo do ora Recorrente que a CPIP/DS fundamentou as conclusões vertidas no seu Parecer n.º 367/2014.
Com efeito, foram motivos de ordem médica que estiveram na base da citada decisão.
A questão de se saber se a doença - de que o ora Recorrente padece -, que determinou a desvalorização atribuída pela JHI se encontra ou não diretamente relacionada com a prestação do serviço militar por si prestado, constitui matéria de perícia médica, inserida no domínio da chamada “discricionariedade técnica”, salvo ocorrência de erro manifesto ou grosseiro (v. neste sentido, entre outros, os Acs. STA de 06.10.11 – P. 0502; de 30.01.83 in BMJ nº 323, pág. 262; de 16.01.86 – P. 20919; de 29.09.88 – P. 22497 e de 7.05.98 – P. 42076). Isto significa que a autoridade administrativa com competências decisórias (in casu o General Chefe do Estado-Maior do Exército) só poderia pronunciar-se se resultasse dos autos qualquer prova de ter havido erro manifesto ou grosseiro ou de ter sido adotado um critério inadmissível ou desacertado na apreciação da situação em apreço ou que permitisse questionar de forma idónea o parecer médico que fundamenta o ato recorrido, o que - de facto - não se verificou no caso do ora Recorrente.
Assim, bem andou a sentença recorrida ao considerar ser de reconhecer “neste âmbito um amplo espaço de discricionariedade técnica à Administração (...). Na verdade, ainda que a discricionariedade não possa resvalar para a arbitrariedade da decisão, sempre se constatará que o controlo jurisdicional a fazer é atenuado, encontrando-se limitado nomeadamente a alguns tipos vícios externos ou outros formais (por exemplo, o erro sobre os pressupostos de facto, a competência, o dever de fundamentação ou a audiência prévia), aos casos de erro grosseiro, extensivo, palmar ou evidente, bem como de violação dos princípios gerais reguladores da atividade administrativa.”
Tendo a mesma sentença concluído que “ (...) importaria então que o autor tivesse alegado e demonstrado um erro crasso, claro, palmar na conclusão obtida no sentido de o referido nexo causal não existir. No entanto, julga-se que o autor não faz essa demonstração; aliás, entende-se que nem sequer faz a alegação (...)” , que “a informação do ponto 9 dos factos provados, a qual, de resto, se mostra estruturada e sem razões para cogitar um erro grosseiro quanto à sua conclusão.” e que “os pareceres ou declarações médicas referidas pelo autor estão longe de, só por si, invalidarem esta conclusão no sentido de demonstrar que assenta em erro grosseiro. Tratam-se apenas de juízos técnicos, de natureza médica, em sentido divergente sobre o mesmo assunto, sem que tal possa implicar o apuramento de qualquer erro grosseiro.”
Do exposto se conclui que não se verificam os alegados erros de julgamento do tribunal, pois que os elementos constantes do processo não permitem a sua qualificação como deficiente das Forças Armadas, uma vez que não se encontram preenchidos os pressupostos previstos no Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro e o Autor, ora Recorrente, não alegou, nem demonstrou um erro crasso, claro, palmar na conclusão obtida no sentido de o referido nexo causal não existir.
Quanto ao erro da apreciação de direito, alega o Recorrente que “a sentença recorrida ao decidir como decidiu, errou na aplicação de Direito, olvidando que, existe legislação especial que garante o direito à plena reparação dos efeitos de acidentes ou de doenças adquiridas ou agravadas por causa do serviço militar”, e que “a sentença recorrida por ter dado relevância à autonomia técnica da Junta Médica do Réu, fez errada aplicação da Lei”.
Todavia, sem razão.
A sentença fez uma correta aplicação do direito aplicável, convocando o regime previsto no Decreto-Lei n.° 43/76, de 20.01, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 46/99, de 16.06.
Com efeito, é através daquele diploma que se reconhece o direito à reparação material e moral que assiste aos deficientes das forças armadas e institui medidas e meios que concorram para a sua plena integração na sociedade.
De acordo com o n.º 2, do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, é considerado deficiente das Forças Armadas Portuguesas o cidadão que:
“No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;
quando em resultado de acidente ocorrido:
Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;
vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:
Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função, tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:
Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço activo; ou
Incapaz de todo o serviço militar”.
A alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do mesmo diploma legal, estabelece em 30% o mínimo de incapacidade geral de ganho, para o efeito de definição de deficiente das Forças Armadas.
Por outro lado, os números 2 e 3 deste mesmo artigo 2.º esclarecem que:
“2. O «serviço de campanha ou campanha» tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta de inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.
3. As «circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha» têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional, ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade”.
Por sua vez o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 46/99, de 16 de junho, refere que:
“3 - Para efeitos do número anterior é considerado deficiente das Forças Armadas o cidadão português que, sendo militar ou ex-militar, seja portador de perturbação psicológica crónica resultante da exposição a factores traumáticos de stress durante a vida militar”.
A atribuição do estatuto de deficiente das Forças Armadas depende da verificação cumulativa dos pressupostos e requisitos previstos nos artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei 43/76, de 20 de janeiro.
Assim, e desde logo, é pressuposto da qualificação como deficiente das Forças Armadas, como resulta do artigo 1.º daquele diploma legal, que o requerente padeça atualmente de uma diminuição permanente, causada por doença, adquirida ou agravada em cumprimento do serviço militar.
No caso em apreço, os médicos militares que integram a CPIP/DS concluíram, no domínio da discricionariedade técnica que caracteriza a atividade médica, pela inexistência de nexo de causalidade entre a doença que determinou a desvalorização atribuída pela JHI e a prestação do serviço militar.
Ainda que ao requerente tenha sido atribuído um grau de desvalorização de 60%, preenchendo o mínimo legal previsto, para a qualificação como DFA, inexiste o falado nexo causal entre a doença e a prestação do serviço militar.
Nestes termos, por despacho do General Chefe do estado-Maior do Exército, de 15 de julho de 2015, exarado no Parecer n.º 305/2015, de 10 de julho de 2015, do Departamento de Assessoria Jurídica e Contencioso, do Gabinete do CEME, o ora Recorrente não foi qualificado como deficiente das Forças Armadas, por não reunir cumulativamente os requisitos exigidos nos n.ºs 2 e 3, do artigo 1.º e pela alínea b), do n.º 1 do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro.
Contrariamente ao invocado pelo Recorrente, bem andou a sentença ao entender que “tal como mencionado nas informações que sustentaram a proposta de decisão e, depois, a decisão final, está em causa uma área de ampla discricionariedade técnica, nomeadamente na área médica, inerente ao exercício de estabelecer o nexo causal entre o serviço militar e o alegado agravamento da doença do autor”.
Reitera-se, a decisão de não qualificação do ora Recorrente como deficiente das Forças Armadas, alicerçou-se no parecer n.º 367/2014, da Comissão Permanente para Informações e Pareceres da Direção de Saúde (CPIP/DS) do Comando da Logística do Exército, onde se concluiu que “as razões que levaram a JHI a pronunciar-se nos termos acima enunciados não se relacionam com o Serviço Militar nem são devidos ao seu desempenho”.
Os pareceres da CPIP são verdadeiras decisões administrativas, de cariz técnico, que se concretizam em perícias decisórias e de avaliação médica final, com a principal função de interpretar os factos clínicos dados como provados, e verificar se os mesmos são derivados, consequência ou de alguma forma relacionados com eventos, acidentes ou outros acontecimentos ocorridos durante a prestação do serviço militar prestados pelos interessados.
E como já se referiu anteriormente, a questão de se saber se a doença - de que o ora Recorrente padece -, que determinou a desvalorização atribuída pela JHI se encontra ou não diretamente relacionada com a prestação do serviço militar por si prestado, constitui matéria de perícia médica, inserida no domínio da chamada “discricionariedade técnica”, perante a qual o Tribunal, tem um controlo atenuado, quedando-se pela apreciação de determinados vícios formais, por exemplo, ocorrência de erro manifesto ou grosseiro, que o ora recorrente não demonstrou e não alegou, como reconheceu a sentença.
Em suma, desatende-se o apelo ao erro na aplicação de direito - uma vez que o regime legal aplicável na sentença é o correto para o caso dos presentes autos, e que a matéria em causa se reveste de uma ampla discricionariedade técnica.
Na verdade, o Tribunal só pode sindicar um vício de procedimento, por exemplo a falta de algum requisito formal, como um erro na comunicação ou na informação ao beneficiário, a falta ou deficiente fundamentação, ou a existência de erro grosseiro. Assim, não se verificando nenhum destes vícios (pois a nenhum deles se refere a sentença) não poderia o Tribunal substituir-se à Administração e formular juízos de natureza médica. A tecnicidade e especialização dos conhecimentos aplicados conduz a que a fiscalização jurisdicional sobre o conteúdo das soluções se restrinja a casos - limite, a situações excepcionais em que se torna patente, mesmo a um leigo, o carácter grosseiramente erróneo dos resultados que a Administração afirma estarem fundados em regras técnicas. Só nestes casos extremos, de erros e desacertos manifestos, critérios ou juízos ostensivamente inconsistentes ou arbitrários, é que o Tribunal se imiscuirá no exercício da discricionariedade técnica da Administração.

Os pareceres elaborados pelas autonomia técnica da Junta Médica do Réu são insindicáveis, situando-se no domínio da “discricionariedade técnica”, não podendo o tribunal substituir-se aos peritos médicos, a não ser que se verifique um erro grosseiro ou manifesto.
Além disso, como se refere no Acórdão do STA de 07/03/2002, proc. nº 048335, “os pareceres médicos constituem juízos periciais complexos, expressos em linguagem ultrasintética, precisa e de carácter técnico (...) sendo adequada a fundamentação que para eles remeta, mesmo que o concreto destinatário do acto os não entenda, mas desde que as respectivas conclusões possam ser conferidas por especialistas na matéria”.
Improcedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Autor/Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.
Notifique e DN.
Porto, 03/11/2023

Fernanda Brandão
Isabel Jovita
Nuno Coutinho