Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00746/18.7BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/02/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:COLIGAÇÃO ILEGAL;
SUPRIMENTO;
Sumário:
I - Para as situações de coligação ilegal, ou seja, naqueles casos em que não exista nexo, conexão, entre os pedidos formulados/efeitos jurídicos pretendidos, o artigo 38.º do CPC traça o caminho a seguir em direcção ao suprimento da ilegalidade cometida, que, quando se verifique pluralidade de autores, passa pela notificação de todos, para, mediante acordo, indicarem quais os pedidos que pretendem ver apreciados no processo – cfr. n.º 2.

II - Não se podendo descurar que este instituto da coligação de autores (e de réus) é legitimado e suportado, além do mais, pela ideia da obtenção de ganhos em sede de economia processual, no sentido de se conseguir, com a menor actividade e intervenção dos tribunais, a resolução do maior número possível de pretensões dos interpelantes da justiça; o suprimento só é legal se visar e puder conseguir o prosseguimento da lide com as partes originárias em coligação, desenhada na petição inicial.

III - O suprimento da coligação ilegal, regulado no artigo 38.º do CPC, é, pois, um mecanismo que deve estar ao serviço da economia processual, o que não se verifica in casu.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA», NIF ..., e «BB», NIF .......07, residentes na Rua ..., ... ..., interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 12/07/2022, que julgou procedente a excepção dilatória da coligação ilegal de Oponentes e absolveu o Exequente da instância de oposição, deduzida contra a reversão do processo de execução fiscal n.º ...........415 e apensos, que a Secção de Processo Executivo de ..., do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. instaurou à sociedade «X, Lda.», NIPC ..., para cobrança coerciva de dívida referente a contribuições e cotizações.

Os Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«1- A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos que o Exequente instaurou à sociedade «X, Lda.», NIPC ..., o processo de execução fiscal n.º ...........415 e apensos, para cobrança coerciva de dívida referente a contribuições e cotizações (cf. Págs. 20 a 31 do Sitaf e processo de execução fiscal não paginado), o Exequente proferiu despacho de reversão do processo de execução fiscal n.º ...........415 e apensos contra a Oponente (cf. Págs. 20 a 31 do Sitaf e processo de execução fiscal não paginado), o Exequente proferiu despacho de reversão do processo de execução fiscal n.º ...........415 e apensos contra o Oponente (cf. Págs. 20 a 31 do Sitaf e processo de execução fiscal não paginado, e que os Oponentes em 13.06.2017 apresentaram a presente oposição junto do Exequente. (cf. Pág. 24 do SItaf).
2- Na sua motivação, o Tribunal a quo, vem referir que “os Oponentes deduziram, conjuntamente, a presente oposição para atacarem os dois atos de reversão que converteram cada um deles em responsável subsidiário pelo pagamento da dívida exequente com causas de pedir comuns aos dois e com causa de pedir própria de um deles.”
3- Concluindo que “considerando os factos que cada um dos oponentes concretamente alega para integrar a respectiva ilegitimidade substantiva para ser revertido e consequentemente, para fundamentar o pedido de procedência da oposição, estamos num dos casos perante causa de pedir que não afasta o exercício da gerência de facto embora com ausência de culpa na insuficiência do património da executada originária para satisfazer as dívidas tributárias, no outro caso, perante causa da pedir que se consubstancia no não exercício da gerência de facto e como tal, na ausência de culpa na insuficiência do património da executada originária para satisfazer as dívidas tributárias.”
4- O tribunal a quo determinou assim a absolvição do Exequente da instância.
5- Ora, entendem os recorrentes que a douta sentença recorrida, ao absolver a Fazenda Pública da Instância, violou o disposto art. 38.º do CPC (anterior art. 31.º-A);
6- Com efeito, antes de conhecer da ilegalidade da coligação activa o Tribunal a quo, deveria ter notificado os oponentes para indicarem qual o pedido que pretendiam ver apreciado, sob cominação de não o fazendo, a Exequente/Fazenda Pública ser absolvida da instância, tudo nos termos do disposto no art. 38.º do CPC.
7- O suprimento da coligação ilegal prende-se com o princípio da economia processual, podendo nomeadamente todos os autores acordarem no prosseguimento de um só pedido.
8- Com efeito, conforme vem perfilhado na Decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra de 21/11/2016, proferida no processo n.º 1461/13.3BESNT, podemos ler o seguinte :“Nos presentes autos a causa de pedir dos Oponentes não é “a mesma e única”, nem se verifica estarem os pedidos “numa relação de dependência” [...], existindo apenas essa identidade de causa de pedir quanto aos pedidos formulados em relação a C……. e A…….. (...) Notificados os oponentes para se pronunciarem nos termos do art. n.º 38.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT, vieram dizer que “pretendem ver apreciados todos os pedidos com excepção do que se prende com o exercício de facto da gerência por parte do oponente B………”.Nestes termos e verificada a excepção dilatória de ilegalidade de coligação activa, absolve-se a Fazenda Pública da instância quanto ao oponente B…….. (....) prosseguindo a acção apenas com os oponentes C……… e A………” tudo conforme consta da certidão que se junta como Documento n.º 1.”
9- Nesse sentido Acórdão proferido 2.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 30.10.2013, proferido no processo n.º 01318/13: “Em processo de oposição à execução fiscal, ocorrendo coligação sem que entre os pedidos exista a conexão exigida pelo art. 30.º Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 329-A/95 de 12/12, deverá o juiz notificar os oponentes para, no prazo fixado, indicarem, por acordo, qual o pedido que pretendem ver apreciado no processo, sob cominação de, não o fazendo, o exequente ser absolvido da instância quanto a todos eles (art. 31.º-A, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal”;
10- O douto Acórdão da 2.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 30.05.2012, proferido no processo 0131/12, onde podemos ler: “A ilegalidade da coligação activa é excepção dilatória de conhecimento oficioso mas, a seu conhecimento deve ser precedido do convite com a cominação a que se refere o art. 31º-A do CPC”;
11- Por todo o exposto se constata que a decisão recorrida padece de erro ao absolver a Fazenda Pública da instância o exequente, por julgar verificada excepção dilatória (coligação ilegal), sem notificar previamente os ora recorrentes para suprimento da coligação ilegal, nos termos do artigo 38.º n.ºs 1 e 2 do CPC.
12- Nestes termos, e com o douto suprimento desse Supremo Tribunal Administrativo, o presente recurso deve ser declarado procedente, revogando-se a sentença recorrida, e ordenar a baixa dos autos à primeira instância a fim de prosseguirem os seus trâmites, nomeadamente para efeitos do disposto no art. 38.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, fazendo-se assim JUSTIÇA»
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O Recorrido não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento, atento o disposto no artigo 38.º do CPC ex vi do artigo 2.º, n.º 2, alínea e) do CPPT.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao absolver o Recorrido da instância, por verificação da excepção de coligação ilegal, sem notificar previamente os Recorrentes para suprimento da coligação ilegal, nos termos do artigo 38.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Apreciando a mencionada excepção, importa dar como assentes os seguintes factos:
A) O Exequente instaurou à sociedade «X, Lda.», NIPC ..., o processo de execução fiscal n.º ...........415 e apensos, para cobrança coerciva de dívida referente a contribuições e cotizações (cf. págs. 20 a 31 do Sitaf e processo de execução fiscal não paginado);
B) O Exequente proferiu despacho de reversão do processo de execução fiscal n.º ...........415 e apensos contra a Oponente (cf. págs. 20 a 31 do Sitaf e processo de execução fiscal não paginado);
C) O Exequente proferiu despacho de reversão do processo de execução fiscal n.º ...........415 e apensos contra o Oponente (cf. págs. 20 a 31 do Sitaf e processo de execução fiscal não paginado);
D) Os Oponentes, em 13.06.2017, apresentaram a presente Oposição junto do Exequente (cf. pág. 24 do Sitaf).
A factualidade que se considerou provada resulta da análise do processo de execução fiscal apenso aos autos, e dos documentos juntos aos mesmos, conforme referido a propósito nas alíneas do probatório.”
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2. O Direito

A questão que cumpre apreciar é a de saber se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao absolver o Recorrido da instância desde logo, sem convidar ao suprimento, por se verificar a excepção de coligação ilegal.
Sustentam os Recorrentes, no essencial, que o tribunal recorrido não promoveu o suprimento da excepção dilatória, violando o disposto no artigo 38.º do Código de Processo Civil (CPC).
O tribunal recorrido ouviu previamente as partes acerca da excepção dilatória que suscitou oficiosamente, tendo, nessa sequência, mantido a convicção da sua verificação in casu, tendo julgado e fundamentado o seu julgamento da seguinte forma:
«(…) No âmbito da anterior redacção do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aqui aplicável, não obstante não existir norma legal que previsse a coligação de oponentes, não ocorria impedimento a que ela sucedesse, caso se verificassem os requisitos em que a coligação era admitida pelo Código de Processo Civil, diploma de aplicação subsidiária, de acordo com o disposto na alínea e), do artigo 2º do CPPT.
Estabelece o artigo 36º do CPC, sob a epígrafe “[C]oligação de autores e de réus”, o seguinte:
1 - É permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência.
2 - É igualmente lícita a coligação quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas.
3 - É admitida a coligação quando os pedidos deduzidos contra os vários réus se baseiam na invocação da obrigação cartular, quanto a uns, e da respetiva relação subjacente, quanto a outros.”.
Neste sentido, é permitida a coligação de autores quando seja a mesma e única a causa de pedir, quando os pedidos estiverem entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, ou quando a procedência dos pedidos principais depende essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.
No caso vertente, os Oponentes deduziram, conjuntamente, a presente oposição para atacarem os dois actos de reversão que converteram cada um deles em responsável subsidiário pelo pagamento da dívida exequenda, com causas de pedir comuns aos dois e com causa de pedir própria de um deles.
Na verdade, ambos invocaram a inexistência de culpa na diminuição do património societário para a satisfação dos créditos fiscais, tendo, ainda, o Oponente invocado o não exercício da gerência de facto.
O n.º 1, do artigo 36º do CPC, para permitir a coligação de autores com fundamento na mesma causa pedir não se basta com a exigência dessa identidade, exigindo ainda que a causa de pedir seja única (não no sentido de uma só, mas no de que não existam outras causas de pedir que não sejam comuns a todos os autores).
Com efeito, não faria sentido permitir a coligação de autores que, a par da mesma causa de pedir, invocassem causas de pedir próprias, sob pena de as razões de economia processual justificativas da coligação saírem postergadas. É o que sucede na situação em apreço, em que, a par de causa de pedir comum a ambos os Oponentes, existe causa de pedir própria de um.
Por seu lado, argumentaram os Oponentes que “(…) nos presentes autos constata-se que os períodos de responsabilidade subsidiária imputados aos oponentes são os mesmos, (…) E ambos invocam a sua ilegitimidade para ser revertidos nos presentes autos nos termos do previsto no artigo 204, al. b) do CPPT. (…) E, sendo assim, daí resulta grande ganho de economia processual, pois que é aplicável ao caso a mesma regra de direito - o artº 24º da LGT- (…) O que significa que estamos perante a mesma causa de pedir e a interpretação e aplicação das mesmas regras de direito, devendo considerar-se admissível a sua coligação na oposição.”.
Ora, considerando os factos que cada um dos Oponentes concretamente alega para integrar a respectiva ilegitimidade substantiva para ser revertido e, consequentemente, para fundamentar o pedido de procedência da oposição, estamos, num dos casos, perante causa de pedir que não afasta o exercício da gerência de facto embora com ausência de culpa na insuficiência do património da executada originária para satisfazer as dívidas tributárias, no outro caso, perante causa de pedir que se consubstancia no não exercício da gerência de facto e, como tal, na ausência de culpa na insuficiência do património da executada originária para satisfazer as dívidas tributárias.
Desta forma, não se pode afirmar que, quanto à falta de responsabilidade pela dívida exequenda, fundamento invocado por ambos os Oponentes, que a causa de pedir seja a mesma. De facto são diferentes as causas de pedir, e a procedência dos pedidos não depende da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.
No caso presente, a causa de pedir não é a mesma e nem é única, os pedidos não estão entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, nem a procedência dos pedidos principais depende essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito, não preenchendo assim os requisitos da coligação, impostos pelo artigo 36º do CPC.
É lícita a coligação de oponentes, com base na mesma causa de pedir, sendo que a exigência de que a causa de pedir seja a mesma e única, não significa que esta haja ser uma só, mas que não existam outras causas de pedir que não sejam comuns a todos os oponentes.
Assim sendo, existindo diferentes fundamentos de oposição, os Oponentes estavam impedidos de se coligarem, bem como impedido está o Tribunal de formular qualquer convite à regularização da petição inicial, uma vez que não se encontra perante uma causa de pedir única, mas perante diferentes causas de pedir.
E, a falta da conexão exigida pelo artigo 36° do CPC constitui excepção dilatória [cf. alínea f), do artigo 577º do CPC ex vi alínea e), do artigo 2º do CPPT], de conhecimento oficioso [cf. artigo 578º do CPC ex vi alínea e), do artigo 2º do CPPT], que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância [cf. alínea e) do n.º 1, do artigo 278º e n.º 2, do artigo 576º, ambos do CPC ex vi alínea e), do artigo 2º do CPPT].
Neste sentido, vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.10.2012, proferido no processo n.º 0702/12, de 31.10.2012, proferido no processo n.º 0640/12, de 14.02.2013, proferido no processo n.º 01067/12, de 09.07.2014, proferido no processo n.º 0194/13, de 06.05.2015, proferido no processo n.º 01310/14, de 27.04.2016, proferido no processo n.º 0339/15, de 12.10.2016, proferido no processo n.º 0558/16, de 08.02.2017, proferido no processo n.º 0755/14, de 20.12.2018, proferido no processo n.º 01471/13.0BESNT, de 21.11.2019, proferido no processo n.º 01451/13.6BESNT e de 03.06.2020, proferido no processo n.º 01332/15.9BELRS, disponíveis in www.dgsi.pt/jsta.nsf, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30.10.2014, proferido no processo n.º 00339/10.7BEBRG, disponível in www.dgsi.pt/jtcn.nsf, e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31.10.2019, proferido no processo n.º 2528/16.1BELRS, disponível in www.dgsi.pt/jtca.nsf.
Pelo que, a coligação dos Oponentes claudica em face da invocação de causa de pedir (ausência de gerência de facto) própria e exclusiva do Oponente que não da Oponente, o que determina a absolvição do Exequente da instância. (…)”
A sentença recorrida, admitindo, em abstracto, a possibilidade da coligação nas situações em que o CPC a prevê, considerou que, no caso, não se verifica a conexão de que o artigo 36.º daquele Código a faz depender, designadamente porque não se verifica unidade da causa de pedir.
Apoiando-se em vasta jurisprudência dos tribunais superiores, a decisão recorrida considerou que os oponentes invocaram uma causa de pedir em comum – ausência de culpa na insuficiência do património, mas um dos oponentes invocou outra que lhe é própria e exclusiva, relativa ao não exercício da gerência de facto da sociedade devedora originária.
Mais se entendeu que esta causa de pedir própria de um dos oponentes leva à inexistência de uma causa de pedir única, não existindo, igualmente, prejudicialidade ou dependência entre os pedidos formulados pelos dois oponentes, nem, sendo diferentes as causas de pedir, a procedência dos pedidos depende da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.
Nesse entendimento, absolveu o Recorrido da instância, por considerar verificada a excepção dilatória de ilegal coligação dos oponentes, mas não sem antes explicar o motivo para não formular convite ao suprimento da excepção: existindo diferentes fundamentos de oposição, os Oponentes estavam impedidos de se coligarem, bem como impedido está o Tribunal de formular qualquer convite à regularização da petição inicial, uma vez que não se encontra perante uma causa de pedir única, mas perante diferentes causas de pedir.
É contra este julgamento que se insurgem os Recorrentes, bem sabendo que o tribunal recorrido se fundou em jurisprudência maioritária, conforme deu a conhecer na sentença recorrida.
Com efeito, os Recorrentes não questionam a verificação de coligação ilegal, apenas não se conformando com o facto de o Tribunal a quo ter decidido, desde logo, absolver o Recorrido da instância, sem ter previamente dado cumprimento ao plasmado no artigo 38.º, nºs. 1 e 2, do CPC (suprimento de coligação ilegal), nomeadamente, ordenando a notificação dos oponentes, ora Recorrentes, para, no prazo fixado, indicarem, por acordo, qual o pedido que pretendiam ver apreciado no processo, sob a cominação de, não o fazendo (então sim), o exequente ser absolvido da instância.
Efectivamente, o artigo 38.º, n.º 2 do CPC (aqui aplicável, por existir pluralidade de autores/oponentes), na medida em que visa ultrapassar situações de coligação ilegal, ou seja, objectiva o prosseguimento dos autos com todos os autores (iniciais), devida e legalmente coligados, tem de ser interpretado no sentido de que só há lugar à notificação dos autores para, por acordo, indicarem que pedidos pretendem ver apreciados no processo, quando, havendo vários, diversos, pedidos formulados, os notificados se entendam sobre quais deixam cair, de forma que só prossigam, para apreciação e decisão, os suportados pela comum causa de pedir ou que estejam entre si numa relação de prejudicialidade/de dependência ou que, suportados por diferente causa de pedir, a actividade jurisdicional, a desenvolver pelo tribunal, dependa, na essência, da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito. Doutro modo, o suprimento que analisamos só é legal (pois não é lícito realizar no processo actos inúteis – artigo 130.º do CPC) se visar e puder conseguir o prosseguimento da lide com as partes originárias em coligação, desenhada na petição inicial - cfr., entre outros, os Acórdãos do STA, de 17/10/2012, proferido no âmbito do processo n.º 0702/12, ou de 06/05/2020, proferido no processo n.º 026/03.2BTCTB 0946/15.
Não se pode descurar que este instituto da coligação de autores (e de réus) é legitimado e suportado, além do mais, pela ideia da obtenção de ganhos em sede de economia processual, no sentido de se conseguir, com a menor actividade e intervenção dos tribunais, a resolução do maior número possível de pretensões dos interpelantes da justiça.
Posto isto, in casu, compreende-se que tendo os dois oponentes peticionado a mesma coisa, o mesmo efeito jurídico - a extinção da execução fiscal n.º ...15 e apensos contra si revertida, à partida, estava afastada a hipótese de serem convocados para acordarem no pedido que queriam ver apreciado nesta oposição à execução fiscal.
Mas mesmo que se considerasse, numa perspectiva subjectiva, que os pedidos eram diferentes, porque cada um dos oponentes pretendia para si, individualmente, a extinção do identificado processo executivo e seus apensos, ainda assim, subsiste uma causa de pedir que não é comum, assente na invocação de factos específicos quanto a um dos oponentes não ter exercido efectivamente a gerência da devedora principal.
Em abstracto, a oposição à execução fiscal poderia prosseguir para conhecimento da única causa de pedir comum a ambos oponentes, mas a tal obsta o disposto no n.º 1 do artigo 36.º do CPC, que exige que a causa de pedir susceptível de suportar a coligação de autores seja, não só a mesma, como única.
Aparentemente, a prossecução da oposição para conhecimento da causa de pedir comum (ausência de culpa na insuficiência do património) poderia resultar em algum ganho, em termos de economia processual, pois, como a oponente não invocou factos susceptíveis de integrar uma causa de pedir própria, levaria a que somente o oponente tivesse que deduzir outra oposição suportada pela causa de pedir própria (não ter exercido a gerência de facto).
No entanto, observando, com cuidado, os termos da presente oposição, ressalta que a causa de pedir comum não se funda em factos totalmente coincidentes quanto aos dois oponentes, dado que o oponente sustenta também (e essencialmente) a ausência da sua culpa pela insuficiência do património no seu alheamento/afastamento da gerência, pelo que não vislumbramos qualquer economia processual na apreciação conjunta da causa de pedir referente à inexistência de culpa (podendo mesmo obter-se um resultado desfavorável a um dos coligados). Aliás, a petição de oposição mostra-se cindida em duas partes, uma primeira relativa à oponente e outra segunda concernente ao oponente, com invocação de factualidade diversa, como vimos; pelo que, processualmente, é mais adequado, ajustado e eficaz que o litígio dê origem a duas oposições deduzidas por cada um dos Recorrentes.
Sendo assim, em suma, não estamos perante a mesma e única causa de pedir e, sendo diferentes as causas de pedir, a procedência dos pedidos não depende da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.
Por outro lado, os pedidos formulados pelos oponentes não estão entre si numa relação de prejudicialidade, pois que podem ser apreciados autonomamente, sendo que um poderá ser julgado procedente e outro improcedente –cfr. Acórdão do STA, de 08/02/2017, proferido no processo n.º 755/14.
Daí que se conclua, também aqui, que se verificam diferentes fundamentos de oposição, pelo que os oponentes estavam impedidos de se coligarem, conforme bem decidiu o Tribunal de 1.ª Instância.
Por conseguinte, constituindo a coligação ilegal excepção dilatória, nos termos do disposto na alínea f) do artigo 577.º do CPC, deve o juiz abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância, conforme o previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 278.º do CPC, não obstante a faculdade que assiste aos oponentes nos termos do disposto no artigo 279.º do CPC - cfr. Acórdão do STA, de 04/10/2017, proferido no processo n.º 1314/16 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31/10/2019, proferido no âmbito do processo n.º 2528/16.1BELRS.
Nesta conformidade, urge negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Conclusões/Sumário

I - Para as situações de coligação ilegal, ou seja, naqueles casos em que não exista nexo, conexão, entre os pedidos formulados/efeitos jurídicos pretendidos, o artigo 38.º do CPC traça o caminho a seguir em direcção ao suprimento da ilegalidade cometida, que, quando se verifique pluralidade de autores, passa pela notificação de todos, para, mediante acordo, indicarem quais os pedidos que pretendem ver apreciados no processo – cfr. n.º 2.
II - Não se podendo descurar que este instituto da coligação de autores (e de réus) é legitimado e suportado, além do mais, pela ideia da obtenção de ganhos em sede de economia processual, no sentido de se conseguir, com a menor actividade e intervenção dos tribunais, a resolução do maior número possível de pretensões dos interpelantes da justiça; o suprimento só é legal se visar e puder conseguir o prosseguimento da lide com as partes originárias em coligação, desenhada na petição inicial.
III - O suprimento da coligação ilegal, regulado no artigo 38.º do CPC, é, pois, um mecanismo que deve estar ao serviço da economia processual, o que não se verifica in casu.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo dos Recorrentes, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 02 de Março de 2023


Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares