Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00255/21.7BEMDL-A |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 01/14/2022 |
| Tribunal: | TAF de Mirandela |
| Relator: | Rogério Paulo da Costa Martins |
| Descritores: | CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL; QUESTÃO TRIBUTÁRIA; COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA; PROVIDÊNCIA CAUTELAR; PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA E DA TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA; INDEFERIMENTO LIMINAR; TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE MIRANDELA; COMPETÊNCIA AGREGADA; NOS ARTIGOS 20.º E 268.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; ARTIGO 7.º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; NA ALÍNEA F) DO N.º 2 DO ARTIGO 116º, DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS |
| Sumário: | 1. A declaração de incompetência do tribunal, sendo acertada, não viola o princípio geral de acesso à justiça e o princípio da tutela efectiva consagrados nos artigos 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa, nem o princípio in dubio pro actione previsto no artigo 7.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Apenas impõe que a questão seja submetida ao tribunal competente, o mais habilitado para a decidir. 2. No caso da providência cautelar a questão da competência material não se coloca de forma autónoma, dado que o procedimento cautelar se caracteriza, além do mais, pela sua instrumentalidade, ou seja, pela dependência da acção principal. Coloca-se como falta de um pressuposto para o decretamento da providência, pois existindo uma questão obstativa do conhecimento de mérito da acção principal, como é o caso da incompetência do tribunal, não é provável que a acção principal venha a ser julgada procedente, pelo contrário, não se chega a conhecer sequer do mérito da mesma – n.º1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, conjugado com o disposto nos n.º1, alínea i), n.º 3, alínea a), do artigo 97º do Código de Procedimento e Processo Tributário. 3. O que legitima, a verificar-se, o indeferimento liminar da providência cautelar, face ao expressamente determinado na alínea f) do n.º 2 do artigo 116º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 4. As contribuições devidas à Segurança Social sobre remunerações pagas a trabalhador, têm natureza tributária, atenta o carácter da sua fonte legal e o facto de se tratar de uma imposição unilateral não sancionatória. Os litígios entre a Administração e os particulares a propósito destas contribuições, designadamente acerca dos pressupostos do respectivo pagamento ou da sua dispensa, têm natureza tributária estando, por esse motivo, excluída a competência da respectiva apreciação dos tribunais administrativos. 5. Não existe um Tribunal Administrativo de Círculo de Mirandela a par de um Tribunal Tributário de Mirandela. Existe apenas um Tribunal que agrega as competências administrativa e fiscal, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela. Isto sendo certo que as unidades orgânicas que o compõem não são “tribunais”, com autonomia como tal. Daí que os meios processuais não sejam – nem possam ser - intentados em cada unidade orgânica, mas sim, indistintamente, apenas no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.* * Sumário elaborado pelo relator |
| Recorrente: | D., SA |
| Recorrido 1: | Instituto de Segurança Social, I.P. |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Não emitiu parecer. |
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| Decisão Texto Integral: | EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A D., S.A. veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 21.12.2021, pela qual foi liminarmente rejeitada a providência cautelar interposta pela ora Recorrente contra o Instituto de Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Vila Real – para: 1 - a suspensão de eficácia de actos administrativos; 2 - a regulação provisória de situação jurídica; e 3 – a intimação para adoção ou abstenção de conduta, consignando, expressamente, constituírem objecto da requerida providência o acto de lançamento da situação de dívida de contribuições para a segurança social e a respectiva certidão de dívida constantes dos documentos n.ºs 1 a 3 juntos aos autos principais com a petição inicial. Invocou para tanto, em síntese, que se verifica na decisão recorrida: 1) violação do princípio in dubio pro actione ínsito no artigo 7.º do CPTA e dos princípios de acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva ínsitos nos artigos 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP); e 2) erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito quanto à qualificação da questão como sendo “relativa ao exercício da função tributária da Administração”. Não foram apresentadas contra-alegações. O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer. * Cumpre decidir já que nada a tal obsta.* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1.ª A decisão recorrida rejeitou liminarmente o requerimento da presente providência cautelar apresentado pela ora Recorrente nos termos dos artigos 113.º, n.º 2 e 114.º, n.º 1 alínea c), do CPTA, na pendência de acção administrativa de impugnação de acto administrativo e condenação à prática de ato devido, com vista à (1) suspensão de eficácia de actos administrativos, (2) à regulação provisória de situação jurídica, e, para (3) intimação para adopção ou abstenção de conduta; 2.ª Como fundamento da rejeição liminar identifica-se o entendimento perfilhado pelo Tribunal de que a competência para a respectiva apreciação não caberia aos tribunais administrativos, mas antes aos tribunais tributários. 3.ª Não pode, todavia, proceder o entendimento da decisão recorrida. 4.ª Deverá ter-se em consideração o princípio geral de acesso ao direito e o princípio da tutela efectiva consagrados nos artigos 20.º e 268.º da CRP, bem como o princípio in dubio pro actione previsto no artigo 7.º do CPTA, que privilegia a justiça material à forma e à formalidade dos processos. 5.ª A doutrina tem entendido que à luz destes princípios “(…) em caso de dúvida, os tribunais têm o dever de interpretar as normas processuais num sentido que favoreça a emissão de uma pronúncia sobre o mérito das pretensões formuladas” (cf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2017, p. 77). 6.ª Nos presentes autos o Tribunal a quo rejeitou liminarmente a providência cautelar por entender que a questão em apreço é relativa ao exercício da função tributária, sem prejuízo de reconhecer que está vedado ao Tribunal “(…) declarar, em sede cautelar, a sua incompetência (…)” (cf. p. 8 da decisão recorrida). Ora, se está vedado ao Tribunal em sede cautelar declarar a sua incompetência é manifesto que não lhe cabia nessa sede aferir da competência em razão da matéria. 7.ª A excepção de incompetência material do Tribunal só poderia ter sido cabalmente apreciada e determinada no âmbito do processo principal, pois é somente naquele que se irá conhecer do mérito da pretensão da Recorrente e apreciar cabalmente o pedido e a causa de pedir formulados, determinantes para aferir as regras de competência material; 8.ª O objetivo do processo cautelar não é – de todo – o da apreciação de formalidades nem dos pressupostos da ação principal. 9.ª - O pretendido é assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, sem que se produzam ou consolidem danos gravosos dificilmente reparáveis para a parte que requereu a providência cautelar. 10.ª De acordo com FERNANDA MAÇÃS, na aplicação da alínea f) do n.º 1 do artigo 116.º do CPTA impõe-se “(…) ao tribunal alguma contenção no indeferimento liminar com base na apreciação deste tipo de requisitos, porque não serão frequentes as hipóteses em que, nesta fase tão inicial do processo, o juiz disponha de elementos que lhe permitam, com segurança, formar convicção no sentido do imediato indeferimento da providência cautelar requerida” (cf. FERNANDA MAÇÃS, “O contencioso cautelar”, em “Comentários à Revisão do CPTA e do ETAF”, AAFDL Editora, 2016, p. 733), pelo que não poderia o Tribunal a quo ter determinado a rejeição liminar do presente requerimento uma vez que não é manifesta a incompetência material do tribunal administrativo; 11.ª A então Requerente, ora Recorrente, configurou os actos impugnados como actos administrativos, sendo certo que somente no âmbito da ação principal é que se poderia descortinar em maior detalhe a sua natureza, remetendo-se para essa sede as conclusões acerca da competência material do tribunal para o conhecimento da acção. 12.ª De acordo com o artigo 7.º do CPTA o Tribunal a quo deveria ter-se abstido de promover a rejeição liminar, apreciando o requerimento e desse modo garantindo os princípios de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva. Não o tendo feito, verifica-se que a decisão recorrida incorre em violação do princípio in dubio pro actione, impondo-se a sua revogação com as demais consequências legais. 13.ª Neste mesmo sentido e com pertinência para os presentes autos deverá atentar-se no Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 15.12.2017, no âmbito do processo n.º 00325/17.6BEMDL que decidiu que “Na dúvida pertinente sobre a natureza da acção a intentar, sempre deveriam as Requerentes ser com ela confrontadas, com a possibilidade de esclarecimento ou definição da questão”. 14.ª Cumpre ainda ter presente o despacho proferido no âmbito do processo cautelar n.º 254/21.9BEMDL-A, nos termos do qual o requerimento cautelar apresentado por uma das empresas do grupo ao qual a Recorrente pertence (a D., S.A.) foi aceite, considerando-se que “(…) é necessário admitir, numa apreciação perfunctória, no caso concreto, a tese do Requerente, de que estaremos diante de actos administrativos, como também é necessário admitir-se que estejamos diante de outro tipo de actos jurídicos ou de operações materiais” (cf. despacho de 15.09.2021 proferido no processo n.º 254/21.9BEMDL-A). 15.ª Em face de todo o exposto, é manifesto que a decisão recorrida incorreu em violação dos princípios do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva e in dubio pro actione, devendo ser revogada com as demais consequências legais; 16.ª Invoca-se desde já para os devidos efeitos legais, que a interpretação da alínea f) do n.º 1 do artigo 116.º da CRP no sentido de que em face da perceção de que poderá existir uma situação de incompetência material do tribunal para apreciação da ação principal ser liminarmente rejeitado o requerimento de providência cautelar incorre em violação do direito de acesso ao direito e do princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrados nos artigos 20.º e 268.º da CRP. 17.ª Deverá considerar-se também o disposto no n.º 3 do artigo 278.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, pois o Tribunal a quo identificou uma eventual exceção – a incompetência em função da matéria –, todavia, não deveria ter decidido pela rejeição liminar da providência cautelar (visto que a absolvição da instância só poderia ser determinada no âmbito da acção principal e somente na eventualidade de se confirmar a incompetência material do tribunal) na medida em que a providência cautela requerida se destinava a tutelar o interesse do Recorrente. 18.ª Assim, impõe-se a revogação da decisão recorrida com as demais consequências, nomeadamente a baixa dos autos para apreciação do requerimento de providência cautelar. 19.ª Sem conceder, note-se que conforme decorre da p.i. de acção administrativa em relação à qual o presente processo corre como apenso, o seu objecto é o acto administrativo de lançamento da situação de dívida de contribuições para a segurança social, no valor de € 85.516,25 (referentes ao período de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2020, e respectivos juros de mora), bem como a certidão de dívida emitida em 05.08.2021 que evidencia a existência de dívidas à segurança social. 20.ª A repartição de competências entre os tribunais administrativos e os tribunais tributários é aferida em função do pedido e da causa de pedir, tal como configurados na petição inicial. 21.ª Na petição inicial da acção principal a Autora, ora Recorrente, configurou a relação jurídica em apreço como uma relação administrativa (e não tributária). 22.ª Salvo melhor opinião, não está em causa a sindicância de um acto de liquidação de natureza tributária. 23.ª Ao invés, o que está em causa é um complexo de atos administrativos interligados entre si, que se afiguram lesivos para a Recorrente, os quais não têm natureza tributária pois não têm subjacente qualquer relação jurídica tributária, nem foram praticados no âmbito da função administrativa tributária. 24.ª Os actos em apreço são atos administrativos praticados no âmbito de funções e de um procedimento administrativo. 25.ª Estando afastada a competência tributária e a existência de um acto tributário, e tendo em consideração que os tribunais administrativos detém competência residual para as matérias administrativas que não seja da competência dos tribunais tributários, então impõe-se a conclusão de que é o Tribunal Administrativo o Tribunal competente para apreciar a presente acção, tal como indicado pelo Recorrente. 26.ª Assim, a sentença recorrida padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e deverá ser revogada, com as demais consequências legais, nomeadamente a baixa dos autos para a apreciação do requerimento de providência cautelar. Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da decisão recorrida e, nessa medida, a apreciação e decretamento da providência cautelar nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA! * II – Este é, no que para aqui interessa do enquadramento jurídico, o teor da decisão recorrida:“Estabelece o artigo 116.º, n.º 1 do CPTA que, uma vez distribuído, o processo cautelar é concluso ao juiz, com a maior urgência, para despacho liminar, constituindo fundamento de rejeição liminar, nos termos do disposto no n.º 2 do mesmo preceito, nomeadamente, a manifesta ausência dos pressupostos processuais da ação principal. (al. f)). In casu, atendendo à pretensão que a Requerente visa acautelar em juízo e à qualificação jurídica que merece a relação jurídica que lhe subjaz, coloca-se, desde logo, uma questão atinente ao pressuposto processual da competência do tribunal, que se afigura não pertencer a este Tribunal Administrativo mas sim ao Tribunal Tributário. Ora, nos termos do artigo 13.º do CPTA, o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria. O artigo 4.º do ETAF define a competência dos tribunais administrativos e fiscais em função do objeto da ação, delimitando, no seu n.º 1, através das várias alíneas que compõem o preceito, um elenco das questões inseridas na esfera de competência desses tribunais. O artigo 44.º, n.º 1 desse estatuto atribui competência aos tribunais administrativos para “conhecer, em primeira instância, de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que incidam sobre matéria administrativa e cuja competência, em primeiro grau de jurisdição, não esteja reservada aos tribunais superiores.” O artigo 49.º do ETAF, por seu turno, delimita, especificamente, a competência dos tribunais tributários, estabelecendo competir-lhes conhecer, designadamente, “dos atos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais” (ponto iv. da al. a) do n.º 1) e “das ações destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal” (al. c) do n.º 1). A repartição de competências entre os tribunais administrativos e os tribunais tributários é, pois, efetuada em função de os litígios emergirem, respetivamente, de relações jurídicas administrativas ou de relações jurídicas tributárias. Isto posto, a competência do Tribunal, em razão da matéria, é aferida, em concreto, pelo pedido e pela respetiva causa de pedir, tal como configurados na petição inicial, ou seja, pelo quid decidendum. No caso dos autos, pretendendo a Requerente ver suspensos (e anulados, em sede principal) o ato de lançamento de situação de dívida de contribuições à segurança social, por parte do empregador, e de emissão da competente certidão de dívida, a par da regulação provisória (e definitiva, na ação principal) no sentido do reconhecimento de a compensação retributiva paga em caso de lay off não integrar a contribuição devida pelo empregador, não poderá senão qualificar-se a relação jurídica em discussão como sendo de natureza contributiva e, como tal, pertencente à esfera de competência dos tribunais tributários. Neste exato sentido, veja-se, designadamente, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 26.09.2012, proferido no Proc. n.º 00231/11.8BECBR, disponível em www.dgsi.pt, no qual se conclui que “estamos perante questão fiscal quando a mesma diga respeito à interpretação e aplicação de normas legais de natureza tributária, ou seja, se refira a uma resolução autoritária que negue direito a não pagamento ou que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação dos encargos públicos do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que com elas estejam objetivamente conexas ou teleologicamente subordinadas.” e, por conseguinte, que “é da competência dos tribunais tributários o conhecimento de questões referentes à regularização contributiva das entidades empregadoras perante a Segurança Social.” De realçar a citação, nesse aresto, de Acórdão do mesmo Tribunal de 01.06.2012, proferido no Proc. n.º 227/11.0BECBR, no qual era demandado, precisamente, o ISS, I.P., em reação a uma ordem de regularização da situação contributiva perante a segurança social, que, pela sua aplicabilidade integral ao caso dos autos aqui se transcreve: “…tem vindo a ser aceite, pela doutrina e pela jurisprudência, e de forma maioritária, que as contribuições para a segurança social têm natureza parafiscal, não assumindo natureza de impostos ou taxas. (…) Distinguem-se destas figuras - diz o Ac. do STA de 04.10.2007, R.º 014/07- em razão das caraterísticas da relação jurídica tributária pura, que tem por fim a realização de uma receita pública e não depende de outros vínculos jurídicos nem determina para o sujeito ativo respetivo qualquer dever de prestar específico [Professor Soares Martinez, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 27; Ac. Tribunal Conflitos de 27.10.2004, R.º 02/04; Ac. Tribunal Conflitos de 19.10.2006, R.º 09/06; e apenas sobre a parafiscalidade, Professor Sousa Franco, Finanças Públicas, 1992, a página 73], enquanto as contribuições para a segurança social supõem a existência de uma relação laboral, e são determinadas por referência à remuneração do trabalhador. (…) Mas precisamente por isso, por o montante das contribuições da entidade patronal ser determinado pela referência à remuneração do trabalhador, é que elas constituem, sem dúvida uma relação jurídica contributiva [ver artigo 24.º da Lei n.º 28/84, 14.08; artigo 60.º da Lei n.º 17/2000, de 08.08; artigos 45.º n.º 1 e 47.º da Lei n.º 32/2002, de 20.12; Ac. Tribunal Conflitos de 27.10.2004, R.º 02/04; e Ac. STJ de 05.02.2005, R.º 2673/02], devendo ser cumprida a obrigação dela emergente perante as instituições de segurança social, que integram a chamada administração indireta do Estado, revestidas de poder de autoridade pública, tendo, designadamente, poderes de intervenção coativa. (…) Como escreve o Professor Saldanha Sanches [Manual de Direito Fiscal, 1998, página 25], ao lado dos impostos que constituem a receita normal do Estado, e que se encontram afetos ao financiamento global das suas despesas, encontramos receitas tributárias - tributos parafiscais, parafiscalidade - que comparticipam de todas as caraterísticas normais dos impostos - unilateralidade, coatividade, ausência de qualquer objetivo punitivo - mas se encontram afetas ao funcionamento de certas entidades públicas que comparticipam no preenchimento de objetivos públicos. (…) O que na relação jurídica contributiva está em causa é, portanto, a relação entre uma entidade empregadora [o sujeito passivo da obrigação parafiscal] e o Estado - Segurança Social [sujeito ativo da obrigação parafiscal]. E será, pois, perspetivando esta relação jurídica contributiva que se alcança a competência dos tribunais tributários. (…) É, efetivamente, a competência dos tribunais tributários, para conhecimento de questões referentes à regularização contributiva das entidades empregadoras, a que vem sendo, geralmente, reconhecida pela jurisprudência do Tribunal de Conflitos [entre outros, Ac. do Tribunal Conflitos de 27.10.2004, R.º 02/04; Ac. do Tribunal Conflitos de 04.10.2006, R.º 03/06; Ac. do Tribunal Conflitos de 04.10.2007, R.º 014/07; Ac. Tribunal Conflitos de 17.01.2008, R.º 016/07]. (…) Concluímos, na linha da doutrina e jurisprudência citadas, que o objeto da presente ação, atentas as partes, o pedido, e a causa de pedir, é de natureza parafiscal, sendo que o conhecimento jurisdicional do mesmo cabe à jurisdição fiscal, distinta, para efeitos de competência, da jurisdição administrativa. Pertence, pois, aos tribunais tributários.”(itálico e sublinhado nossos). Estando em causa, inequivocamente, na situação sub judice, a apreciação de uma questão relativa ao exercício da função tributária da Administração e à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos através de contribuições para a segurança social - idêntica, portanto, à visada no Acórdão vindo de citar - é de concluir, pois, que a competência para a respetiva apreciação não cabe aos tribunais administrativos, mas sim aos tribunais tributários. A incompetência do tribunal consubstancia uma exceção dilatória (cfr. artigos 89.º, n.º 4, alínea a) do CPTA e 577.º do CPC), de conhecimento oficioso (cfr. artigos 96.º, a), 97.º, n.º 1 e 98.º e 578.º do CPC), cuja verificação obsta ao conhecimento do mérito da causa (cfr. artigo 89.º, n.º 4, a) do CPTA), sendo que, assumindo-se o processo cautelar, nos termos do disposto no artigo 113.º do CPTA, como instrumental a uma ação principal, a sua subsistência fica sujeita às vicissitudes relativas ao processo principal e à respetiva viabilidade. Constituindo o processo cautelar um apenso ao processo principal e a este umbilicalmente ligado, e estando este, in casu, já pendente em juízo, está vedado, forçosamente, ao Tribunal declarar, em sede cautelar, a sua incompetência e determinar a remessa autónoma do processo ao tribunal tributário, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 1 do CPTA, impondo-se, assim, por verificação de uma exceção que impedirá a apreciação do mérito da ação principal por este Tribunal (e que obsta, necessariamente, à apreciação em sede cautelar, de qualquer questão de mérito, desde logo o requerido decretamento provisório), a rejeição liminar do requerimento inicial. Nesta conformidade, sendo manifesta a ausência do pressuposto processual atinente à competência do tribunal (para decisão da ação principal e, por inerência, do processo cautelar), cumpre determinar a rejeição liminar do requerimento cautelar, nos termos do disposto no artigo 116.º, n.ºs 1 e 2, f) do CPTA. (…)”. * III - Enquadramento jurídico.A competência em razão da matéria afere-se pelo pedido formulado e pela natureza da relação jurídica que serve de fundamento a esse pedido, tal como a configura o autor – vd. neste sentido, os acórdãos da Relação de Évora de 8.11.1979, Colectânea de Jurisprudência, 1979, IV, p. 1397, do Supremo Tribunal de Justiça de 3.2.1987, BMJ 364, p. 591, e de 9.5.1995, Colectânea de Jurisprudência /acórdãos STJ, 1995, II, p. 68; do Supremo Tribunal Administrativo de 10.3.1988, recurso 25.468, de 27.11.1997, recurso 34.366, e de 28.5.1998, recurso 41.012; e do Tribunal dos Conflitos, de 23.9.2004, processo n.º 05/04; na doutrina, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1ª ed., vol. I, p. 88. Saber se a situação jurídica descrita na petição pelo autor está ou não sujeita ao regime jurídico por si invocado é questão que se prende com o mérito da acção e não com o pressuposto processual da competência – ver o acórdão do Tribunal de Conflitos de 9.7.2003, recurso 09/02, em www.dgsi.pt . A declaração de incompetência do tribunal, sendo acertada, não viola o princípio geral de acesso à justiça ou o princípio da tutela efectiva consagrados nos artigos 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa, nem o princípio in dubio pro actione previsto no artigo 7.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Apenas impõe que a questão seja submetida ao tribunal competente, o mais habilitado para a decidir. No caso da providência cautelar a questão da competência material não se coloca de forma autónoma, dado que o procedimento cautelar se caracteriza, além do mais, pela sua instrumentalidade, ou seja, pela dependência da acção principal (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, paginas 228 a 231). Coloca-se como falta de um pressuposto para o decretamento da providência, pois existindo uma questão obstativa do conhecimento de mérito da acção principal, como é o caso da incompetência do tribunal, não é provável que a acção principal venha a ser julgada procedente, pelo contrário, não se chega a conhecer sequer do mérito da mesma – n.º1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, conjugado com o disposto nos n.º1, alínea i), n.º 3, alínea a), do artigo 97º do Código de Procedimento e Processo Tributário. O que legitima, a verificar-se, o indeferimento liminar da providência cautelar, face ao expressamente determinado na alínea f) do n.º 2 do artigo 116º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos: “A manifesta ausência dos pressupostos processuais da acção principal”. Dito isto, vejamos. Aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal cabe dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais (artigo 1º, n.º1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na redacção dada pela Lei 114/2019, de 12.09, e art.º 212º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa). Aos tribunais administrativos cabe conhecer dos processos que incidam sobre matéria administrativa – artigo 44º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Aos tribunais tributários conhecer, além do mais, das acções, providências cautelares ou da intimação para a passagem de certidão em que se suscitem questões fiscais e que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais (ponto IV da alínea a) do n.º 1) e alínea (alínea c) do n.º 1, do artigo 49º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Importa assim, averiguar, antes de mais, se no caso estamos perante uma questão tributária ou administrativa. A causa de pedir, na parte que aqui é relevante para aferir se estamos perante “questão administrativa” ou “questão tributária”, diz respeito ao pressuposto “fumus boni iuris”: “(…) 5. Do fumus boni iuris. 5.1 Do cumprimento pela Requerente das suas obrigações contributivas e da inexistência de qualquer contribuição em dívida – erro clamoroso quanto aos pressupostos de facto. 101. Como resulta cristalino da legislação aplicável – seja no Código do Trabalho, seja no Código Contributivo – no caso de um lay off tramitado nos termos dos artigos 298.º e seguintes do Código do Trabalho (vulgo “Lay off Código do Trabalho”), existe isenção contributiva dos valores pagos pela entidade empregadora (à taxa de 23,75%) aos trabalhadores a título de compensação contributiva, 102. Inexistindo apenas essa isenção para a entidade empregadora relativamente aos valores pagos pela entidade empregadora a título de retribuição. 103. Ou seja, e como adiante melhor se exporá, no caso de lay off do Código de Trabalho com suspensão da prestação do trabalho (vulgo “lay off de suspensão”), o trabalhador tem direito a auferir apenas compensação retributiva, e não retribuição, 104. E, ao contrário do que acontece quanto às quotizações dos trabalhadores (em que existe a obrigação de proceder ao pagamento das quotizações para a Segurança Social sobre a remuneração e sobre a compensação retributiva), do lado da entidade empregadora essa obrigação existe apenas quanto aos valores pagos a título de remuneração, e não a título de compensação retributiva. 105. Tendo em conta que o lay off a que os trabalhadores da Requerente estiveram sujeitos foi de suspensão da prestação do trabalho (lay off de suspensão), 106. E que os valores pagos pela empresa aos trabalhadores na pendência do referido lay off foram exclusivamente compensações retributivas, nada tendo sito pago a título de retribuição, 107. Nenhuma obrigação legal existia ou existe, do lado da Requerente, de proceder ao pagamento de contribuições para a Segurança Social sobre compensações retributivas pagas aos trabalhadores, nos termos legais aplicáveis, pelo que tanto o ato administrativo de lançamento de situação de dívida, como o ato administrativo consubstanciado na certidão de dívida emitida em 05.08.2021 deverão ser anulados, com as demais consequências legais. 108. Aliás, reitere-se que em situação idêntica à dos presentes autos o Requerido já se pronunciou no sentido de “(…) aceitar como válidos os argumentos relativos ao FUMUS BONI IURIS E DO PERICULUM IN MORA”(cf. Documento n.º 7 junto aos autos principais). Vejamos, 5.2. Dos valores a pagar aos trabalhadores em regime de lay off (Código do Trabalho). 109. Como referido anteriormente, o Código do Trabalho prevê, nos artigos 298.º e seguintes, a possibilidade de, em caso de situação de crise empresarial, a entidade empregadora determinar (i) a redução temporária do período normal de trabalho do trabalhador ou (ii) a suspensão do contrato de trabalho do trabalhador. 110. Na verdade, logo na comunicação inicial a entidade empregadora deverá comunicar qual a medida que pretende implementar: se a redução do período normal de trabalho, se a suspensão da prestação do trabalho (artigo 299.º, n.º 1, do Código do Trabalho). 111. Da mesma forma, no momento da decisão final, a entidade empregadora deve também indicar qual a medida adotada relativamente a cada trabalhador a integrar no lay off, ou seja: se decidiu suspender a prestação do trabalho ou reduzir temporariamente o período normal de trabalho (cfr. artigo 300.º, n.º 3, do Código do Trabalho). 112. A medida em concreto aplicada a cada trabalhador terá um impacto determinante para os valores que o mesmo auferirá e a rúbrica em concreto a que correspondem esses valores. 113. Isto porque, caso o trabalhador continue a prestar atividade para a empresa (ainda que com um período normal de trabalho reduzido, por força do lay off), o mesmo terá direito a cobrar a respetiva retribuição pelo trabalho prestado, na proporção do trabalho prestado. 114. Porém, caso o trabalhador não preste qualquer trabalho, ou, caso continue a prestar trabalho, a remuneração que aufira por esse trabalho não seja suficiente para alcançar os limiares mínimos previstos no artigo 305.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho, então o trabalhador terá direito a receber da entidade empregadora uma compensação retributiva (cfr. artigo 305.º, n.º 3, do Código do Trabalho). 115. A compensação retributiva servirá para que, juntamente com os valores que o trabalhador aufira a título de retribuição pelo trabalho prestado, se atinjam os limiares mínimos de rendimento previstos no artigo 305.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho. 116. Significa isto que, no caso de um lay off de suspensão da prestação de trabalho, nada é pago ao trabalhador a título de retribuição – precisamente porque nenhum trabalho está a ser prestado pelo trabalhador – forçando a que o valor a ser pago pelo empregador durante o lay off seja apenas a título de compensação retributiva, nos termos do artigo 305.º, n.º 3, do Código do Trabalho. 117. Assim, e em termos esquemáticos, um trabalhador em regime de lay off previsto no Código do Trabalho poderá auferir da entidade empregadora: a. Lay off de suspensão: apenas compensação retributiva; b. Lay off de redução: apenas retribuição, ou, se a retribuição auferida não for suficiente para atingir 2/3 da sua retribuição normal ilíquida (com o mínimo de um salário mínimo nacional), retribuição e compensação retributiva . 118. Dando um exemplo prático: se um trabalhador que aufere normalmente € 1.000,00 de retribuição entra em lay off de suspensão, o mesmo não receberá qualquer retribuição do empregador durante o lay off (porque não está a prestar qualquer trabalho), mas receberá uma compensação retributiva de € 666,67: × € 1.000,00 = € 666,67 119. O mesmo trabalhador que auferia € 1.000,00 se, ao invés, entrar em lay off de redução do período normal de trabalho em 50%, o mesmo vai passar a auferir uma retribuição de € 500,00 (€ 1.000,00 x 50% = € 500,00), a que acrescerá uma compensação retributiva de € 166,67 (€ 666,67 - € 500,00 = € 166,67). 120. Neste último caso o trabalhador, no processamento salarial, terá o pagamento de duas rúbricas distintas (retribuição + compensação retributiva), para que, conjuntamente, aquelas duas rúbricas atinjam o limiar mínimo previsto no artigo 305.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho (2/3 da retribuição normal ilíquida, ou seja, € 666,67). 121. No primeiro exemplo, do trabalhador que estava em regime de lay off de suspensão da prestação do trabalho, o mesmo vai receber apenas uma rúbrica, a título de compensação retributiva, que terá como mínimo o valor previsto no artigo 305.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho. 122. A claríssima distinção entre retribuição e compensação retributiva, que o legislador faz ao longo dos artigos do Código do Trabalho referentes ao lay off não é pura semântica, já que conceptualmente têm uma natureza radicalmente distinta. 123. A retribuição corresponde ao pagamento contratualizado entre empregador e trabalhador pelo trabalho prestado ou, dito de uma forma mais simples: corresponde à contrapartida financeira pelo trabalho prestado. Por esse motivo é que só há pagamento de retribuição se houver trabalho prestado e na proporção do trabalho prestado. 124. Ou seja, quando há trabalho prestado, o empregador retira uma vantagem económica desse mesmo trabalho, que por isso tem de ser remunerado. E, havendo uma vantagem económica do trabalho efetivamente prestado pelo trabalhador, o mesmo não está isento de contribuições para a Segurança Social do lado do empregador. 125. Em situação completamente distinta encontra-se a compensação retributiva. 126. A compensação retributiva não visa retribuir o trabalho prestado pelo trabalhador, mas tem antes uma natureza assistencialista, com vista a assegurar ao trabalhador um limiar mínimo de rendimento no contexto de um lay off. 127. Enquanto montante assistencialista, a compensação retributiva é atribuída ao trabalhador apenas na medida do necessário para, em complemento da retribuição (se esta existir), se atingir os mínimos previstos no artigo 305.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho. 128. Aliás, por esse mesmo motivo é que a Segurança Social apenas comparticipa o valor pago pelo empregador ao trabalhador no âmbito de um lay off a título de compensação retributiva, e não a título de retribuição (cfr. artigo 305.º, n.º 4, do Código do Trabalho). 129. Sem qualquer surpresa, e de modo absolutamente claro e inequívoco, o artigo 303.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho circunscreve o dever de pagamento de contribuições para a Segurança Social a cargo do empregador à “retribuição auferida pelos trabalhadores”, 130. Mas não já à compensação retributiva… 131. Importa ter presente que, na exegese legislativa, o intérprete deve presumir “que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil). 132. Ora, é por demais evidente a distinção que o legislador faz, ao longo dos diversos artigos do Código do Trabalho que regulam o lay off, entre retribuição, por um lado, e compensação retributiva, por outro. 133. Aliás, o legislador vai ao ponto de delimitar de forma clara um e outro conceito. 134. Por um lado, ao indicar que a retribuição devida ao trabalhador é proporcional ao trabalho que o mesmo preste durante o lay off (artigo 305.º, n.º 2, do Código do Trabalho). 135. Por outro lado, ao indicar que a compensação retributiva se circunscreve ao valor necessário para, juntamente com a retribuição que o trabalhador continue a auferir , se atingir o limiar mínimo de rendimento previsto no artigo 305.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho – cfr. artigo 305.º, n.º 3, do Código do Trabalho. 136. É, portanto, clara a ratio legis de diferenciar regimes atinentes a atribuições completamente distintas (e apenas uma delas comparticipada pela Segurança Social). 137. Mas importa também assinalar que outro entendimento não seria legalmente possível à luz do que prevê o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, segundo o qual “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. 138. Ora, além de o pensamento legislativo não ter sido o de integrar a compensação retributiva na base de incidência, qualquer interpretação tendente a integrá-la nessa base jamais encontraria na letra da lei o mais pequeno apoio, 139. Antes tendo de contrariar essa letra, 140. E configurando por isso uma interpretação ilegítima. 141. Todo o exposto em torno da letra e do espírito da lei resultará ainda mais claro a partir das considerações que a seguir se deixarão feitas. 5.3 A base de incidência contributiva dos trabalhadores num âmbito de um lay off (Código do trabalho). 142. Como referido no ponto anterior, no âmbito de um lay off do Código do Trabalho, os trabalhadores podem auferir (1) apenas compensação retributiva, (2) retribuição e, complementarmente, uma compensação retributiva ou (3) apenas retribuição. 143. O tratamento em matéria de Segurança Social da compensação retributiva, por um lado, e da retribuição, por outro, não foi tratado de igual forma por parte do legislador. 144. Assim, no artigo 304.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho o legislador estipulou que era obrigação do trabalhador durante o lay off “pagar contribuições para a segurança social com base na retribuição auferida e na compensação retributiva” (negrito e sublinhado nossos). 145. Ou seja, o legislador determinou de forma inequívoca que, do lado do trabalhador, a obrigação contributiva recaía, não só, sobre os valores que o mesmo auferisse a título de retribuição, mas também sobre os valores que auferisse a título de compensação retributiva. 146. Porém, do lado do empregador, a solução dada pelo legislador não foi a mesma. 147. Com efeito, no artigo 303.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho, o legislador indicou que a obrigação do empregador de pagamento de contribuições para a Segurança Social se circunscrevia apenas à retribuição paga ao trabalhador, excluindo assim os valores auferidos a título de compensação retributiva. 148. Ora, caso fosse intenção do legislador que o empregador pagasse contribuições para a Segurança Social sobre a compensação retributiva auferida pelo trabalhador, tê-lo-ia dito, como manifestamente fez no caso dos trabalhadores (cfr. artigo 304.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho). 149. Se a leitura individualizada dos artigos 303.º e 304.º do Código do Trabalho já não permite qualquer dúvida, 150. O cotejo de tais artigos torna qualquer dúvida, com a devida vénia, um absurdo jurídico, pois que o entendimento segundo o qual a compensação retributiva está sujeita a contribuições referentes ao empregador só pode ser, pura e simplesmente, contra legem! 151. Assim, ao indicar que apenas o trabalhador deverá pagar contribuições para a Segurança Social sobre a compensação retributiva, e não o empregador, resulta claro que, no que diz respeito ao pagamento desta rúbrica, apenas são devidas contribuições do lado do trabalhador, 152. O que equivale a dizer que o empregador não está sujeito à obrigação de pagar contribuições sobre os valores que pague aos trabalhadores a título de compensação retributiva. E, sempre se diga, 153. A verdade é que esta solução jurídica está em linha com as regras de incidência contributiva previstas no Código Contributivo, num exemplo escolar de harmonia e congruência jurídicas entre vários diplomas legislativos. 154. Com efeito, nos termos do artigo 44.º do Código Contributivo, a base de incidência contributiva dos trabalhadores é composta pela “remuneração ilíquida devida em função do exercício da atividade profissional ou decorrente da cessação do contrato de trabalho nos termos do presente Código” (sublinhado nosso). 155. Ora, o conceito de remuneração é densificado no artigo 46.º do Código Contributivo, estabelecendo-se aí que se consideram remunerações “as prestações pecuniárias ou em espécie que nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos são devidas pelas entidades empregadoras aos trabalhadores como contrapartida do seu trabalho” (negrito e sublinhado nosso). 156. Ao contrário do que ocorre com o pagamento da retribuição aos trabalhadores, em que a mesma é paga, precisamente, como contrapartida da prestação do trabalho (cfr. artigo 258.º, n.º 1, in fine, do Código do Trabalho), a compensação retributiva não é paga aos trabalhadores como contrapartida do trabalho prestado. É precisamente o contrário. 157. A compensação retributiva tem uma natureza assistencialista, precisamente pela ausência de prestação de trabalho do trabalhador. 158. Ou seja, a compensação retributiva não integra a retribuição do trabalhador, mas visa compensá-lo pela perda de rendimentos. Ora, 159. Evidentemente que o legislador não poderia onerar o empregador – que, recorde-se, no caso de lay off do Código do Trabalho tem de estar numa situação de crise empresarial – sobre o valor que aquele paga aos trabalhadores para os compensar pela ausência de trabalho. 160. E não o faz precisamente pela natureza assistencialista que a compensação retributiva tem. 161. Aliás, o legislador força o empregador a comparticipar nessa assistência ao trabalhador, em termos financeiros, de duas formas. 162. Em primeiro lugar, ao onerar o empregador com o encargo de adiantar o pagamento da compensação retributiva ao trabalhador, na medida em que é o empregador quem tem de pagar ao trabalhador a compensação retributiva e só posteriormente é que a Segurança Social entrega ao empregador a parte da compensação retributiva que lhe diz respeito (cfr. artigos 303.º, n.º 1, alínea a), e 305.º, n.º 4 e n.º 6, do Código do Trabalho). 163. Em segundo lugar ao onerar o empregador com 30% do valor da compensação retributiva, na medida em que a Segurança Social apenas assume 70% do valor da mesma (cfr. artigo 305.º, n.º 4, do Código do Trabalho). 164. Ora, tendo em conta que está em causa um empregador numa situação de crise empresarial (tal como indicado no artigo 298.º, n.º 1, do Código do Trabalho), e que o mesmo já é chamado a adiantar o pagamento da compensação retributiva e a suportar efetivamente o valor corresponde a 30% da mesma, quando essa compensação retributiva não se relaciona com qualquer trabalho prestado pelo trabalhador, isso explica o facto de o legislador não ter colocado ainda um encargo acrescido sobre o empregador, com pagamento de contribuições para a Segurança Social sobre o valor da compensação retributiva. 165. De outra forma, a Segurança Social estaria a arrecadar receita sobre um valor que é, na verdade, 70% custo seu (cfr. artigo 305.º, n.º 4, do Código do Trabalho) – numa inusitada e juridicamente absurda “pescada de rabo na boca”, ou então, a diminuir contra legem o montante da comparticipação da Segurança Social imposta por lei, por via de uma integração na base de incidência não consentida pela letra ou pelo espírito das normas. 166. Já o mesmo não se passa do lado do trabalhador. 167. Aqui, o legislador entendeu que o mesmo deveria efetuar contribuições para a Segurança Social não só relativamente à retribuição que auferisse durante o lay off, mas também relativamente à compensação retributiva que auferisse. 168. Isto porque, do lado do trabalhador, tanto a retribuição como a compensação retributiva constituem rendimento do mesmo. 169. Uma vez que a compensação retributiva não integraria a priori a base de incidência contributiva ao abrigo dos artigos 44.º e 46.º, n.º 1, do Código Contributivo, o legislador teve de o indicar expressamente, no artigo 304.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho, 170. O que não fez do lado do empregador, tal como anteriormente melhor explicado (cfr. artigo 303.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho). 171. Veja-se, de resto, que a conjugação dos artigos 46.º e 48.º do Código Contributivo confirmam ad nauseam tudo quanto se deixou dito, pois que todas as situações de indemnização ou compensação com origem em ato lícito ou ilícito do empregador estão excluídas da base de incidência, 172. Como se retira em termos cristalinos, das alíneas a), g), h), ou i) do artigo 48.º do Código Contributivo. 173. A única compensação que pode eventualmente integrar a base de incidência de contribuições – e apenas parcialmente - supõe a existência de um acordo entre as partes (e já não um ato lícito ou ilícito do empregador) e o direito de acesso às prestações de desemprego – alínea v) do n.º 2 do artigo 46.º do Código Contributivo. Assim, 174. Não integrando a compensação retributiva paga aos trabalhadores no âmbito de um lay off de Código do Trabalho a base de incidência contributiva nos termos dos artigos 44.º, n.º 1 e 46.º, n.º 1, do Código Contributivo, 175. Nem havendo qualquer outra norma legal que determine a sua inclusão na base de incidência contributiva, havendo apenas para efeitos de contribuições do lado do trabalhador, 176. Então, não existe qualquer obrigação legal de o empregador pagar contribuições para a Segurança Social sobre as verbas pagas ao trabalhador a título de compensação retributiva. 177. Regressando ao artigo 9.º do Código Civil, veja-se que o número 1 manda também ter em conta a “unidade do sistema jurídico”, sendo que existe uma perfeita harmonia e sintonia entre as disposições do Código do Trabalho e as do Código Contributivo na exclusão da compensação retributiva da base de incidência, pelo que distinta interpretação, além de violar a letra da lei e de contrariar o seu espírito, desrespeitaria ainda a unidade do sistema jurídico. 178. Resulta de tudo o exposto que a Requerente tem cumprido escrupulosamente as suas obrigações perante a Segurança Social, 179. Seja no que diz respeito à sua obrigação declarativa, 180. Seja no que diz respeito à sua obrigação de dedução das quotizações dos seus empregadores, 181. Seja no que diz respeito à entrega mensal das quotizações sobre a compensação retributiva (para os trabalhadores em regime de lay off) e sobre a remuneração (para os trabalhadores que não se encontram em lay off), 182. Seja ainda no que diz respeito ao pagamento das contribuições a cargo da entidade empregadora sobre as retribuições pagas (aos trabalhadores não incluídos em lay off). 183. Não existe qualquer motivo válido para que exista no sistema qualquer situação de dívida da Requerente. 184. De tal forma flagrantes e evidentes são os erros sobre os pressupostos de facto e a interpretação contrária à luz que subjaz ao ato administrativo que o mesmo é anulável à luz do disposto no artigo 163.º do Código de Procedimento Administrativo. 185. A torrente de argumentos que não permitem acompanhar, nem suportar a alegada dívida, não ficam por aqui… 186. Veja-se que o artigo 17.º do Código Contributivo refere que “a equivalência à entrada de contribuições é o instituto jurídico que permite manter os efeitos da carreira contributiva dos beneficiários com exercício de atividade que, em consequência da verificação de eventualidades protegidas pelo regime geral, ou da ocorrência de outras situações consideradas legalmente relevantes, deixem de receber ou vejam diminuídas as respetivas remunerações”. 187. Eis precisamente o caso da compensação retributiva! 188. Veja-se, neste sentido, o que diz o mais conhecido autor em matéria de Segurança Social, o insigne Doutor APELLES J. B. CONCEIÇÃO, no seu “Segurança Social – Manual Prático ”, a páginas 137 a 139, 189. Segundo o qual “consideram-se equivalentes à entrada de contribuições, durante os períodos em que se verifiquem nomeadamente, as seguintes situações: (…) – redução de atividade ou suspensão do contrato de trabalho em situação de crise empresarial com compensação retributiva (lay off)”, 190. Seguido de anotação (n.º 120) que esclarece que assim é “nos termos do disposto nos arts. 298.º a 308.º do CT”. 191. A doutrina, como se vê, não hesita, de tão flagrante que é a situação. 192. Chega mesmo a ser difícil evitar a acumulação de argumentos em sentido distinto ao que subjaz ao ato impugnado. 193. Na verdade, a estar a compensação retributiva sujeita a contribuições no caso do lay off de suspensão do contrato de trabalho, e uma vez que essa contribuição é comparticipada – por imperativo legal – pela Segurança Social em 70% do seu valor, 194. O valor da comparticipação legal e imperativamente estabelecido seria reduzido pela existência de tais contribuições, contrariando de forma clamorosa a letra e o espírito da lei, 195. E tornando o ato também nulo por força do disposto no artigo 294.º do Código Civil (ex vi artigo 295.º do Código Civil). 5.4 O contrato de trabalho intermitente – um lugar normativo paralelo absolutamente fulcral e confirmativo de tudo o que se alegou 196. Bem sabia (e sabe) o legislador que as quantias compensatórias, mais a mais quando não há prestação de trabalho, estão situadas fora da base de incidência de contribuições e bem sabe que especialmente assim sucede quanto à compensação retributiva. 197. De facto, e por isso mesmo, quando pretendeu sujeitar – em sentido contrário ao do normal fluir da aplicação das regras gerais – a compensação retributiva a contribuições pela entidade empregadora, fê-lo expressamente no quadro do contrato de trabalho intermitente, sob o artigo 93.º do Código Contributivo. 198. Portanto, é especialmente eloquente que o mesmo não suceda quanto à compensação retributiva no caso do procedimento de lay off. 199. Mais: o artigo 94.º do Código Contributivo refere haver registo de equivalência pela diferença entre a compensação retributiva e a remuneração normal, confirmando que a parte em que há sujeição a contribuições é incompatível com o registo de equivalência. 200. Ora, recorde-se que no caso do lay off do Código do Trabalho o registo de equivalência é pelo montante total da compensação retribuição, sempre excluída de contribuições da entidade empregadora! 201. Veja-se que Apelles J. Conceição (in “Legislação da Segurança Social”, 7ª edição, Almedina, Coimbra, página 139) dá sintomaticamente como exemplo de situação integrante da base de incidência e não compreendida no n.º 2 do artigo 46.º do Código Contributivo o caso da compensação retributiva do contrato de trabalho intermitente, mas não já a compensação retributiva no caso do procedimento de lay off previsto nos artigos 298.º e seguintes do Código do Trabalho. 202. Ao invés, recorde-se o que acima se assinalou, o insigne autor dá a compensação retributiva no lay off do Código do Trabalho como exemplo de registo de equivalência integral - Segurança Social – Manual Prático”, a páginas 137 a 139. 203. Percebe-se muito bem que assim seja, pois que no lay off do Código do Trabalho a compensação retributiva é comparticipada pela Segurança Social; ao passo que na do contrato intermitente não é; 204. E só faz sentido haver registo de equivalência onde deixam de existir remunerações e contribuições. 205. Eis, aliás, o que se retira do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 72.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro. 5.5 Dos demais e evidentes vícios de invalidade do ato administrativo de lançamento da situação de dívida de contribuições para a segurança social (que inquinam, atenta a relação de dependência ou prejudicialidade, igualmente a certidão de dívida). 206. O Requerido praticou, sem mais, e sem fundamento, o ato administrativo de lançamento da situação de dívida de contribuições para a segurança social, cuja legalidade se sindica, que tem, inquestionavelmente, eficácia externa e impacto na esfera jurídica da Requerente, 207. Nomeadamente, a manter-se o aludido ato administrativo de lançamento de situação de dívida – que não se concede –, pela impossibilidade de obtenção de certidão da sua efetiva situação regularizada, 208. Além de todos os efeitos que se lhe poderão suceder, conforme acima explicitado. 209. Tal acto não foi objecto de qualquer audição prévia à Requerente, que não se pôde sobre ele pronunciar e defender, o que é especialmente grave atenta a manifesta e evidente razão que lhe assiste. 210. Não foi notificado, nem antecedido de processo administrativo, como devia, com isso incorrendo na nulidade prevista na alínea l) do n.º 2 do artigo 161.º Código de Procedimento Administrativo. 211. Além disso, o ato impugnado criou obrigações pecuniárias (in casu, de natureza contributiva e para-tributária) não prevista da lei, alargando por via administrativa a base de incidência de contribuições para a Segurança Social, 212. Com isso ficando ferida de nulidade à luz do que consta do artigo 161.º, n.º 2, alínea k), do Código de Procedimento Administrativo. 213. Aliás, este alargamento por via administrativa da base de incidência de contribuições para a Segurança Social é flagrantemente inconstitucional, por violação do artigo 165.º, alínea i) da Constituição da República Portuguesa, 214. Que prevê reserva do poder legislativo, concretamente da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, quanto a “criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas”. 215. O acto em questão viola também o artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República, em conjugação com o princípio da igualdade previsto no seu artigo 13.º, pois não respeita a regra aí estabelecida segundo a qual é o tempo de trabalho que contribui para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, pois que estabelece contribuições sobre períodos de não trabalho. 216. O acto impugnado viola, ainda, o artigo 103.º da Constituição da República que estabelece que “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”. 217. A Requerente argui, portanto, a inconstitucionalidade do ato impugnado por violação dos artigos 13.º, 63.º, n.º 4, 103.º e 165.º, alínea i) da Constituição da República Portuguesa, o que faz nos termos e para os fins do disposto 72.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional. 218. Além de tudo isto, estamos também na presença de um ato com absoluta falta de fundamentação (que aliás nem sequer poderia existir). 219. Tudo em violação flagrante dos princípios da legalidade, proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, da justiça e razoabilidade, da boa-fé, da participação dos particulares e da decisão, tal como previsto nos artigos 3.º, 4.º, 8.º, 10.º, 12.º e 13.º do Código de Procedimento Administrativo. 220. Em violação também do disposto nos artigos 121.º e 150.º a 153.º do mesmo Código, referentes, respectivamente, ao direito de audição dos interessados e à forma dos atos, suas menções obrigatórias e sua fundamentação, 221. Vícios insanáveis e que ferem o ato administrativo de nulidade à luz do disposto nas alíneas g) do n.º 2 do artigo 161.º do Código de Procedimento Administrativo, 222. E anuláveis à luz do artigo 163.º do mesmo Código. 223. De tudo resulta, enfim, ser a todos os títulos – formais e substanciais – evidente a procedência da pretensão da Requerente. 224. Onde a lei exige apenas uma prova indiciária do direito, crê sinceramente a Requerente, salvo o respeito por melhor opinião, que no caso vertente é flagrante e evidente que esse direito existe e que a actuação do Requerido não assenta em qualquer razão válida, carecendo de qualquer legalidade, o que implica a sua imediata anulação, com as demais consequências legais. 5.5.1. Da violação do dever de fundamentação 225. O acto administrativo aqui posto em causa padece, desde logo, de manifesta falta de fundamentação, o que, como se disse, constitui um vício formal que torna o ato em causa inválido. 226. Na verdade, do texto que figura no ato administrativo acima referido, não consta sequer uma linha, ainda que por remissão, que exponha, em termos claros e inteligíveis, quais os concretos motivos que o fundamentam, 227. Ou seja, quais foram as concretas irregularidades cometidas pela Requerente quanto ao pagamento das contribuições para a Segurança Social relativas aos trabalhadores ao seu serviço que determinaram a existência de dívida e a sua consequente situação irregular perante a Segurança Social, tal como a mesma foi decidida. 228. Por tal razão, a Requerente não conseguiu (nem consegue ainda), através da informação constante dos atos que evidenciam a existência de tal ato administrativo que ora se impugna, interpretar os elementos constitutivos subjacentes à decisão de lançamento de situação de dívida. 229. A este respeito, veja-se a pronúncia recente do Tribunal Central Administrativo do Norte ao considerar que “a obrigação de fundamentação de uma decisão administrativa é uma exigência de legalidade externa do ato administrativo destinada a garantir a compreensibilidade e a inteligibilidade da decisão administrativa e daí que só possa dar-se como satisfeita quando a decisão administrativa contenha a enunciação das razões factuais e jurídicas que a Administração considerou e ponderou antes de proferir a decisão ”. 230. Este entendimento, que tem vindo a ser sufragado pela jurisprudência administrativa, foi incumprido, em toda a linha, pelo Requerido em flagrante violação do dever de fundamentação previsto nos artigos 152.º e 153.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), 231. Vício que acarreta a anulabilidade do ato administrativo praticado, à luz do disposto no artigo 163.º do mesmo Código. Sem prescindir, 5.5.2. Da violação dos direitos de defesa e de audiência prévia da Requerente 232. A opacidade na actuação do Requerido que acima ficou exposta na violação do dever de fundamentação, repercutiu-se, igualmente, noutras fases do procedimento, designadamente na falta de observação da fase de audiência prévia, prevista no artigo 121.º do CPA. 233. Com efeito, o Requerido praticou o ato lesivo cuja legalidade se sindica (com impacto grave, direto e imediato na esfera jurídica da Requerente), 234. Sem que a Requerente tenha tido possibilidade de sobre esse ato previamente se pronunciar e defender – o que é especialmente grave tendo em conta a natureza manifesta e evidente da razão que lhe assiste. 235. Ora, decorre da legislação aplicável o direito dos particulares participarem nas decisões que lhes digam respeito. 236. O artigo 12.º do CPA di-lo de forma expressa ao consagrar o princípio da participação, 237. O qual é declinado no artigo 121.º do CPA, onde se refere que os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento administrativo, antes de ser tomada a decisão final. 238. Este direito dos interessados tem também uma dimensão constitucional prevista no artigo 267.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP). 239. A jurisprudência administrativa portuguesa já se pronunciou (e tem vindo a pronunciar-se) no sentido de que estas regras impõem “à Administração a obrigação de criar as condições fácticas necessárias à garantia de uma efetiva audição dos destinatários da decisão administrativa desfavorável aos seus interesses” – vide acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 8 de maio de 2015 (sublinhado nosso). 240. Por isso, é importante que a Administração aprecie os argumentos deduzidos pelos particulares antes de se tomar uma decisão, pois só assim se cumpre o desiderato da audiência prévia – vide acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 3 de junho de 2016 (negrito e sublinhado nossos). 241. No caso sub judice, resulta claro que à Requerente não foi dada a mínima oportunidade para se pronunciar, em sede de audiência prévia, pois que, caso tal tivesse ocorrido, não teria o Requerido emitido o ato administrativo aqui posto em causa em crise. 242. À luz do exposto, verifica-se que a Requerente não teve a possibilidade – mínima sequer – de participar e defender-se das imputações que lhe são feitas no procedimento administrativo, 243. O que inquina o ato administrativo impugnado de anulabilidade, nos termos e para os efeitos do artigo 163.º, n.º 1, do CPA. Sem prescindir, 5.5.3. Da violação do princípio da proporcionalidade e da boa-fé 244. A CRP, no seu artigo 266.º, estabelece os princípios a que a Administração Pública se encontra sujeita, estatuindo no seu n.º 2 que: “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”. 245. O CPA incorporou também estes princípios, designadamente no artigo 7.º que, quanto ao princípio da proporcionalidade expressamente prevê que: “Na prossecução do interesse público, a Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos”, 246. E que “as decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições na medida do necessário e em termos proporcionais aos objetivos a realizar”, 247. O princípio da boa-fé determina que “no exercício da atividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras gerais da boa-fé”, e, consequentemente “devem ponderar-se os valores fundamentais do Direito relevantes em face das situações consideradas, e, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa e o objetivo a alcançar com a atuação empreendida”, nos termos do artigo 10.º do CPA. 248. Estes princípios vinculam a Segurança Social (o aqui Requerido), por pertencer à administração indireta do Estado. 249. No caso dos presentes autos, é evidente o desrespeito por parte da Administração dos princípios da proporcionalidade e da boa-fé, de uma dupla forma. 250. Com efeito, a Administração “deve prosseguir os fins legais, os interesses públicos, primários e secundários, segundo o princípio da justa medida, adotando, dentre as medidas necessárias e adequadas para atingir esses fins e prosseguir esses interesses, aquelas que impliquem menos gravames, sacrifícios ou perturbações à posição jurídica dos administrados ”. (negrito e sublinhado nossos). 251. Ora, sucede que, por um lado, a Segurança Social limitou-se a imputar uma dívida à Requerente sem qualquer explicação prévia e sem indicar qualquer fundamento legal, nunca tendo procurado ouvir a Requerente em sede de audiência prévia (ou em qualquer outra), nem tendo os seus direitos de defesa sido, de alguma forma, garantidos pelo Requerido, 252. Atuação que a ausência de respostas por parte da Segurança Social, quando interpelada pela Requerente não atenua – bem pelo contrário. 253. Mais se diga que esta atuação do Requerido sempre acarretaria, para qualquer empresa abstratamente considerada, uma série de prejuízos, os quais, em particular no caso da Requerente são manifestos e não poderiam ser desconhecidos do Requerido. 254. A violação destes princípios por parte da Segurança Social ao longo deste caso também inquina o acto administrativo impugnado de anulabilidade, nos termos e para os efeitos do artigo 163.º, n.º 1, do CPA. 255. A confirmar-se que o Requerido entende serem devidas contribuições sobre as verbas pagas aos trabalhadores a título de compensação retributiva, antevê-se que o mesmo possa vir a “lançar” – indevidamente –, no seu sistema informático, novas dívidas, 256. O que se traduzirá – embora erradamente – numa situação contributiva irregular por parte da Requerente, 257. Impedindo-a, desde logo, de obter certidão de inexistência de dívidas de que a todo o momento a Requerente precisa para os mais diversos fins – alguns dos quais claramente identificados no presente documento - mormente em relação ao Estado e demais entidades públicas, que, sistematicamente, exigem este tipo de documento. 258. Por outro lado, a impossibilidade de obtenção desta certidão impede a Requerente de continuar a beneficiar e/ou a poder recorrer a apoios públicos, nomeadamente o chamado “apoio à retoma progressiva de atividade”, 259. Apoios financeiros bastante relevantes, associados a isenções contributivas não menos importantes, 260. Que estão sujeitos a uma situação contributiva regularizada. 261. Ora, a providência ora requerida é essencial para a Requerente, até porque implicitamente implicará que o Requerido não possa entender que existe qualquer obrigação legal de a Requerente pagar contribuições para a Segurança Social sobre as verbas pagas aos trabalhadores a título de compensação retributiva, 262. Redundando numa composição da questão de fundo subjacente não apenas quanto ao ato sub judice, mas quanto a todos os que tenham subjacente as mesmas questões. 6. Da emissão de uma certidão que ateste a situação contributiva da Requerente como “regularizada”, i.e., sem dívidas à Segurança Social 263. Em face do exposto, é evidente que não só o ato administrativo de lançamento de situação de dívida, evidenciado através Documentos n.º 1 e 3 junto com a petição inicial, como a certidão de dívida (Documento n.º 2 junto com a petição inicial) não poderão manter-se na ordem jurídica, 264. Como se impõe a emissão de uma certidão que ateste que a situação contributiva da Requerente se encontra devidamente regularizada, i.e., que inexistem na sua esfera jurídica dívidas ao Requerido. 265. Efectivamente, decorre das normas aplicáveis (artigos 298.º e seguintes do Código do Trabalho), que nenhuma obrigação legal existia ou existe, do lado da Requerente, de proceder ao pagamento de contribuições para a Segurança Social sobre compensações retributivas pagas aos trabalhadores. 266. Ao que acrescem os vícios de falta de audição prévia, de falta de notificação, de falta de fundamentação, de violação dos princípios da legalidade, protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da justiça e razoabilidade, da boa-fé, da participação dos particulares e da decisão, que inquinam o acto de lançamento da situação de dívida, conforme supra melhor evidenciado. 267. Neste contexto, sendo inquestionável a procedência da presente providência na parte da suspensão de actos administrativos, deverá em consequência ser determinada a regulação provisória de situação jurídica, o qual se consubstancia em concreto na emissão de uma certidão de dívida cujo teor reconheça a inexistência de dívidas da Requerente à Segurança Social. 268. O que equivale a manifestamente ser, no entender da Requerente, flagrante existência de fumus boni iuris, tal a confluência de erros e vícios invalidantes, formais e substanciais, nos atos praticados. 7. Da posição do Instituto de Segurança Social, I.P. no âmbito de providência cautelar movida por empresa do Grupo ao qual a Requerente pertence 269. Importa trazer à colação que uma das empresas do grupo ao quala Requerente pertence, mais precisamente a W., S.A. apresentou requerimento de procedimento cautelar (processo número 2210/20.5BEPRT, Unidade Orgânica n.º 4 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto). 270. No âmbito desse procedimento cautelar, e embora sem descurar a natureza própria da lide cautelar, a verdade é que não é irrelevante a reação aí assumida pelo Requerido, 271. Na medida em que houve reconhecimento do fumus boni iuris e do periculum in mora… 272. Acompanhada de suspensão voluntária do ato cuja suspensão se requereu – mesmo sem abdicar de discutir o mesmo em sede de ação principal – cf. Documento n.º 7 junto com a petição inicial. 273. A verdade é que em sede de contribuições para a Segurança Social não há margem para dúvidas, 274. E nenhumas são legítimas quanto ao facto de a compensação retributiva não integrar a base de incidência, seja pelo elemento literal, seja pelo elemento teleológico, seja pelo elemento intra-sistemático. 275. Ora, estamos num domínio em que a Administração tem de ter certezas; não só não as tem (nem poderia) como reconhece bondade aos argumentos do particular, 276. Contexto juridicamente insuportável, 277. Que não se compadece com a inexistência de prévia lei que preveja a necessidade de pagamento do tributo, nem que o mesmo nasça de qualquer “dúvida” ou “interpretação imaginativa” constante de fontes infra-legais, ou de correntes opinativas intra-administrativas. (…)”. Os pedidos formulados são os seguintes: “(…) Termos em que se requer seja a presente providência cautelar julgada provada e procedente e como tal, decretada designadamente por existirem múltiplos vícios que ferem de invalidade (por nulidade e anulabilidade) o ato administrativo praticado, seja por falta de audiência de interessados, seja por falta absoluta de fundamentação, seja por manifesto e evidente erro sobre os pressupostos de facto e, em consequência: a) Ser suspensa a eficácia do acto administrativo de lançamento da situação de dívida de contribuições para a segurança social, bem como da certidão de dívida emitida em 05.08.2021, até ser decidida a ação principal já instaurada; b) Ser o Requerido condenado a abster-se de retirar qualquer apoio ou benefício, de deixar de conceder ou suspender qualquer apoio ou benefício e abster-se de pedir qualquer restituição de montantes antes entregues ou isentados; c) Regular-se provisoriamente a relação entre a Requerente e o Requerido no sentido de se afirmar e este reconhecer que a compensação retributiva paga em caso de lay off, nomeadamente em caso de suspensão de contrato de trabalho, nos termos dos artigos 298.º e seguintes do Código do Trabalho, não integra a base de incidência de contribuições devidas pelo empregador à taxa de 23,75%, estando apenas sujeita às quotizações à taxa de 11% relativas aos trabalhadores; d) E consequentemente, sendo emitidas certidões regularizadas em tudo o que diga respeito ao thema decidendum, ou seja, pelo menos quanto ao tema sub judice do regime contributivo da compensação retributiva paga no quadro do lay off instaurado nos termos do Código do Trabalho. Mais requer o decretamento provisório da providência nos termos e ao abrigo no artigo 131.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e pelos fundamentos acima melhor explicitados. Uma vez decretada provisoriamente a providência, ou em qualquer caso, deve o Requerido ser citado para se opor, querendo, devendo para tanto a citação referir-se expressamente à proibição de prosseguimento de execução do ato, nos termos do disposto no artigo 128.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Consigna que os actos administrativos alvos da providência e do pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo de lançamento da situação de dívida de contribuições para a segurança social, bem como respetiva certidão de dívida que evidencia a existência de dívidas à segurança social e os respetivos efeitos jurídicos externos, constantes dos documentos n.os 1 a 3 juntos aos autos principais com a petição inicial. (…)” . Olhando quer para o pedido quer para a causa de pedir é inequívoco que na presente providência está em causa matéria tributária, como decidido. A Requerente, Recorrente, não imputa qualquer vício próprio e autónomo aos actos de lançamento da situação de dívida de contribuições para a segurança social, nem à respetiva certidão de dívida. Imputa o vício de violação de lei, a violação dos artigos 298.º e seguintes do Código do Trabalho, ao acto que lhes está pressuposto, o acto que definiu que a compensação retributiva paga em caso de lay off, nomeadamente em caso de suspensão de contrato de trabalho, integra a base de incidência de contribuições devidas pelo empregador à taxa de 23,75%, e não está sujeita apenas às quotizações à taxa de 11% relativas aos trabalhadores (ver artigos, entre outros, os artigos 111, 126, 147,186 e 211, bem como o pedido sob a alínea c) do articulado inicial. Ora, como se sustenta no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 04.11.2011, com o mesmo relator, no processo 00086/11.2 CBR (sumário): “(…) 2. As contribuições devidas à Segurança Social sobre remunerações pagas a trabalhador, têm natureza tributária, atenta o carácter da sua fonte legal e o facto de se tratar de uma imposição unilateral não sancionatória. 3. Os litígios entre a Administração e os particulares a propósito destas contribuições, designadamente acerca dos pressupostos do respectivo pagamento ou da sua dispensa, têm natureza tributária estando, por esse motivo, excluída a competência da respectiva apreciação dos tribunais administrativos. (…)”. Entendimento este que é pacífico, como se pode verificar na jurisprudência citada na decisão recorrida. Mas a conclusão de que estamos perante uma “questão tributária” não implica, no caso, concluir-se que o Tribunal a quo é incompetente, em razão da matéria, para conhecer da acção principal e, logo, se justifica o indeferimento liminar da providência cautelar. Isto porque o tribunal competente, em razão da matéria, para conhecer do pleito é o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela. Não existe um Tribunal Administrativo de Círculo de Mirandela a par de um Tribunal Tributário de Mirandela. Existe apenas um Tribunal que agrega as competências administrativa e fiscal, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela. Isto sendo certo que as unidades orgânicas que o compõem não são “tribunais”, com autonomia como tal. Daí que os meios processuais não sejam – nem possam ser - intentados em cada unidade orgânica, mas sim, indistintamente, apenas no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela. Pelo que sendo o Tribunal recorrido o competente para conhecer da acção principal, a decisão recorrida violou, por errada aplicação ao caso concreto, o disposto no artigo 116.º, n.ºs 1 e 2, alínea f), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o que impõe a sua revogação. Apenas se impõe redistribuir a providência, dando baixa como providência cautelar em matéria administrativa e carregando na adequada espécie em matéria tributária. * IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que: 1. Revogam a decisão recorrida. 2. Ordenam a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela para aí prosseguirem os seus normais termos, depois da redistribuição na competente espécie tributária. Não é devida tributação. * Porto, 14.01.2022 Rogério Martins Fernanda Brandão Hélder Vieira |