Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00238/14.3BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/14/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Cristina Travassos Bento
Descritores:REVERTIDO, ARTº 24, Nº 1 ALÍNEA B) DA LGT; ERRO JULGAMENTO DE FACTO, CULPA, ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - O art. 24º, nº 1, alínea b) do CPPT institui uma presunção legal de culpa do gerente no que concerne à falta de pagamento das dívidas tributárias.

II - Tratando-se de uma presunção legal, a mesma só é susceptível de ser ilidida por prova em contrário - art. 350º nº 2 do C. Civil.

III - O oponente tem de conseguir persuadir o Tribunal, através de prova positiva e directa, da inverificação do facto presumido, convencendo-o de que administrou a sociedade com a diligência adequada e necessária de molde a evitar a falta de pagamento das dívidas tributárias. Ou seja, que inexiste uma relação causal entre a sua actuação de gerente e a falta de pagamento da dívida por parte da empresa que geriu.*
* Sumário elaborado pela relator
Recorrente:A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I - Relatório
A., com o NIF (...), e melhor identificado nos autos, veio interpor recurso jurisdicional de apelação da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a oposição judicial por si deduzida contra o processo de execução fiscal nº 0450200801091263, originariamente instaurada contra a sociedade comercial denominada “P., Lda.” por dívidas emergentes de IVA, IRS, IRC e IS do período de 2008 a 2011, contra si revertidas.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

- Enferma a Douta Decisão recorrida de erro de julgamento no que tange à matéria de facto, ocorrendo também na Douta Decisão erro no que se refere à Decisão de direito, decorrente não só da errónea aplicação do direito aos factos dados por provados, mas de igual modo, decorrente da incorrecta aplicação e interpretação da lei.

- No que tange à decisão sobre a matéria de facto, enferma a mesma de omissão sempre deveras restritiva, já que, para além da matéria fáctica dada por assente, outra havia que, por ser relevante para o desfecho da lide, e por ter sido comprovada quer por documentos não impugnados, quer pelo depoimento das testemunhas, deveria ter sido também considerada provada.

- De facto, e conforme decorre da Douta Decisão em crise, e conforme decorre também da análise dos autos, para fazer prova dos factos por si alegados, arrolou o ora recorrente três testemunhas.

- Duas das testemunhas eram antigos funcionários da sociedade gerida pelo recorrente, e a terceira foi técnico oficial de contas da mesma.

- De qualquer modo, todas as testemunhas depuseram com clareza e credibilidade, demonstrando conhecimento directo dos factos.

- Ora, factos existem que foram objecto do depoimento das referidas testemunhas, e que por serem relevantes, deveriam ter sido dados por assentes.

- De igual modo, factos há que, constantes de documentos não impugnadas, deveriam ter sido valorados de forma a terem sido dados por assentes.

- Em concreto, quer porque os indicados depoimentos, quer porque resultava da prova documental, deveriam ser dados por provados outros factos que a Sentença não considerou.

- Assim, deveriam ter sido dados por assentes os seguintes factos:
· Que os créditos dos clientes da sociedade “P., LDA.”, cifram o montante de € 247.585,88;
· Que as dificuldades financeiras da sociedade “P., LDA.”, se deveu à quebra de faturação, decorrente da crise económica e aumento da concorrência no setor, do aumento de custos e desvio de clientela, ocasionado com a renúncia dos gerentes M. e R..
· Que A. exerceu a gerência da sociedade “P., LDA.”, de forma cuidada e diligente, por forma a assegurar a existência dos fundos adequados ao pagamento das dívidas sob cobrança nos processos executivos.”
· A partir do ano de 2004, o volume de facturação da sociedade executada começou a diminuir em função dos primeiros sinais de crise económica, que se denotavam no nosso país.
· A partir de então, iniciaram-se as divergências entre os sócios da sociedade executada.
· Tais divergências entre os sócios culminaram entretanto com a saída de dois sócios gerentes, a saber, M. e R., o primeiro deles engenheiro civil, e o segundo desenhador técnico.
· A saída da sociedade dos dois referidos sócios representou para esta, por um lado, uma elevada perda de clientes que vieram a acompanhar os sócios
· cedentes das quotas, e, por outro lado, um acréscimo de custos e encargos correntes, já que grande parte dos projectos de engenharia, arquitectura e especialidades eram elaborados por estes e passaram a ser encomendados a terceiros.
· A partir do momento em que os demais sócios saíram da sociedade, o opoente passou assumir, em exclusivo, as responsabilidades pelo destino da sociedade, e, do mesmo modo, a assumir, em exclusivo, as responsabilidades pessoais perante terceiros, que os anteriores sócios haviam assumido anteriormente.
· A partir do ano de 2006, os sinais de crise que já se denotavam desde 2004, foram-se agravando.
· A crise que se fez sentir na economia nacional, teve de imediato consequências quer no sector da construção civil, quer no sector das obras públicas.
· O arrefecimento da economia com a quebra notória da procura de bens oferecidos pelos vários sectores económicos e empresariais, veio a fazer com que diminuísse a procura de construção de pavilhões e loteamentos comerciais e industriais.
· Por outro lado, a quebra abrupta na concessão de crédito às empresas, determinou que estes congelassem os seus investimentos, deixando de realizar novas construções, quer de edifícios, quer de equipamentos industriais.
· A quebra na concessão de crédito estagnou o mercado imobiliário habitacional, originando no mercado a cessação da procura de habitações.
· Todas estas circunstâncias constituíram causa directa da diminuição na procura dos serviços prestados pela sociedade executada, que assim viu diminuir drástica e sucessivamente o seu volume de facturação.
· Face à diminuição da procura dos serviços prestados pela sociedade executada, e pelas demais empresas instaladas no sector, verificou-se uma extrema concorrência, circunstância exacta que foi determinante da necessidade de reduzir preços para assim tentar captar clientela.
· A diminuição da procura dos serviços prestados pela sociedade gerida pelo opoente causou à mesma graves problemas de tesouraria, pois que a diminuição de proveitos não foi acompanhada pela diminuição de encargos, especialmente no que concerne a encargos salariais.
· Por força da diminuição da facturação e dos proveitos, e da manutenção ou acréscimo dos encargos, desde o ano de 2006, que foi tendo a sociedade executada resultados negativos.
· Por força de dificuldades financeiras de clientes da sociedade executada, viu-se esta a braços com créditos incobráveis, num valor aproximado de € 250.000,00.
· Os clientes da sociedade executada pagavam os serviços por esta prestados com atraso que, em média, ultrapassava os 120 dias em relação a cada uma das prestações de serviços.
· O opoente, na sua qualidade de gerente da sociedade executada, requereu e fez prosseguir Procedimento Extrajudicial de Conciliação através do Gabinete PEC do IAPMEI.
· O preferido procedimento findou com a aprovação de um plano prestacional de regularização de dívidas ao Estado.
· Não conseguiu a sociedade executada cumprir o plano prestacional estabelecido.
· No sentido de alargar a sua actividade e assim aumentar os seus proveitos, tentou a sociedade executada outros mercados que não o nacional, elaborando projectos para o mercado Angolano.
· Tal tentativa não surtiu o efeito desejado, já que tais clientes, deixaram de pagar à sociedade executada a quantia de € 69.000,00.

- Com efeito, a factualidade que acima se refere, resultou comprovada, não só pela análise e leitura dos documentos juntos aos autos, como de igual modo, de ser considerada assente por força dos depoimentos prestados pelas testemunhas.

- Em concreto, afirmam as testemunhas que foram inquiridas com pelo conhecimento dos factos, duas circunstâncias que foram directamente causais da debilidade económica e financeira da sociedade executada, salientando a saída dos sócios da empresa que configurou uma quebra na carteira de clientes, e um acréscimo exponencial de custos, e a crise prolongada e profunda do sector da construção civil.

- Salientam também as testemunhas que depois de uma fase inicial em que a sociedade executada se dedicava à elaboração dos projectos para empreendimentos habitacionais e industriais de grande porte, passou a mesma por contingências de mercado, e a partir de 2006, a tratar de projectos de diminuta relevância, com menor volume de facturação, e essencialmente com uma reduzidíssima margem de lucro.

- Afirmaram também as testemunhas que a profunda crise económica sentida no sector da construção civil, teve como consequência a diminuição de proveitos, e o desequilíbrio das contas, com a acumulação de sucessivos prejuízos e resultados negativos, sendo que, taos resultados foram causais de problemas sérios de tesouraria.

- Tais problemas de tesouraria, e sempre de acordo com o depoimento das referidas testemunhas, foram por seu turno causas de impossibilidade de cumprimento das obrigações correntes da sociedade.

- Salientaram também tais testemunhas que a agravar as situações de dificuldade de tesouraria, ocorriam atrasos nos pagamentos dos clientes, que em média, ultrapassavam 120 dias, sendo certo que o volume de créditos incobráveis era por demais elevado, chegando quase aos € 250.000,00.

- Ora, sendo certo que, quer em relação à prova documental junta aos autos, quer no que tange à prova testemunhas, vigora no nosso sistema jurídico o princípio da livre apreciação da prova, o certo é que, nenhuma razão existe para que se não considere também provados os factos que atrás se mencionaram, até porque se trata de matéria de facto alegada, e que possui notório e relevante interesse para o desfecho da lide, sendo certo que, a comprovação de tais factos, resulta indubitavelmente dos documentos juntos aos autos, e do depoimento credível e concreta das testemunhas inquiridas.

- Consequentemente, enferma pois a Decisão sobre a matéria de facto de notório erro de omissão, erro esse resultante desde logo de uma inadequada aplicação da força probatória da documentação junta aos autos e ao principio da livre apreciação da prova, pois que, para além dos factos que deu por assentes, deveria incluir no rol dos factos assentes os que acima se descreveram, pois que dos mesmos se faz a devida prova, sendo certo que tal factualidade é relevante e com notório interesse para a decisão a proferir.

- Com efeito, de acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes, para que haja responsabilização dos gerentes por dívidas fiscais das sociedades por si representadas, e assim, para que seja legitima a reversão de dívidas desta natureza, necessário é a conjugação de dois pressupostos essenciais, quais sejam, por um lado a insuficiência patrimonial da inexistência de bens penhoráveis da responsável originária, e , por outro lado, a culpa do administrador ou gerente nessa referida insuficiência patrimonial, causal do não pagamento dos impostos, taxas ou outros tributos de natureza fiscal.

- Tal culpa não é porém uma culpa funcional, ou de natureza objectiva, mas pressupõe sempre uma natureza subjectiva, constituída por uma actuação ou omissão ilícita por parte do responsável subsidiário, actuação ou omissão essas causais da insuficiência patrimonial determinante do não pagamento dos impostos, sendo que tal culpa se deverá aferir pela eventual censurabilidade das actuações face às circunstâncias concretas, tendo em conta aquela que deverá ser a actuação de um diligente “pai de família”.

- Consequentemente, a culpa relevante para efeitos de responsabilização do gerente ou administrador, não é aquela que consiste unicamente no incumprimento das disposições legais destinadas à protecção dos credores, mas é sim aquela que, reportada a tal incumprimento, determine a insuficiência patrimonial causal do incumprimento da obrigação de pagamento do imposto.

- De qualquer modo, tal responsabilidade subsidiária dos gerentes está consagrada no art° 34 da LGT, que nas duas alíneas do seu n° 1 prevê duas situações concretas de culpa.

- Assim, no caso da alínea a) são abrangidas as situações de responsabilidade pelas dívidas tributárias constituídas durante o período de exercício de funções de gerência, ou cujo prazo de respectivo pagamento ou entrega tenha ocorrido já depois desse período de gerência.

- De igual modo, e no circunstancialismo previsto nessa alínea a) e como pressuposto da efectivação da responsabilidade tributária e subsidiária, exige a lei que a administração tributária comprove a culpa do gerente na diminuição patrimonial que deu azo ao não pagamento do imposto.

- Contrariamente, na alínea b), estabelece a lei a imputação dessa mesma responsabilidade de falta de pagamento de impostos ou da entrega do tributo, ao gerente que tendo o prazo de pagamento ou de entrega ocorrido e terminado no período da sua gerência, o não tenha pago, a não ser que ele gerente demonstre que lhe não foi imputável tal falta de pagamento, ou seja, a não ser que o responsável subsidiário demonstre que não foi por culpa sua que a prestação tributária não foi paga.

- A inversão do ónus da prova consignada nesta aliena b) se é certo que consagra uma presunção de culpa, não altera porém o seu conceito, de modo a configura-la como uma culpa objectiva.

- Assim e embora neste normativo ocorra uma inversão do ónus da prova, continua porém a lei a exigir para que ocorra reversão, que haja uma actuação ou omissão ilícita do gerente, causal do não pagamento das obrigações fiscais, actuação essa ilícita que se presume porém.

- Como tal, no âmbito de tal normativo, competirá sempre ao responsável subsidiário provar que não teve culpa na insuficiência patrimonial, e assim, na consequente falta de pagamento dos tributos.

- No caso particular desta alínea b), exige-se então ao gerente a prova do contrário, ou seja, a demonstração de que a situação de insuficiência se ficou a dever exclusivamente a factores exógenos, e que, no exercício da sua gerência, usou da diligência de um bom pai de família, no sentido de evitar tal situação.

- Ora, como a figura de culpa só tem sentido quando reportada a omissões ou acções específicas e concretas, esses factos em causa deverão traduzir-se assim na alegação de medidas e actuações concretas que demonstrem a diligência do gestor face às dificuldades sentidas pela empresa.

- É necessário, porém, ter por princípio e ter em atenção que, para ilidir tal presunção de culpa, não se exige o sucesso integral das diligências tomadas pelo gestor, pois que, desde logo nem tudo é controlável ou previsível no Âmbito do exercício de uma actividade que é caracterizada pelo próprio risco assumido gestor.

- O que importa sim, tendo em conta o conceito de culpa subjectivo, é que, pata ilidir a presunção, o gestor demonstre e comprove o seu empenho e diligencia, no exercício da actividade da entidade por si gerida, tendo por objectivo o cumprimento das suas obrigações, e dentro destas o cumprimento das obrigações fiscais, sendo que, se porventura tal cumprimento não ocorreu, comprove e demonstre tido ter feito para que os créditos fiscais, face à situação de insuficiência patrimonial, fossem liquidados.

- Assim, provando tais factos, a tal actuação inverterá o gerente o ónus da prova, e afastará a presunção de culpa que sobre si recaia, logrando assim obter a “desculpabilização” da sua conduta.

- Ora, no caso em apreço, tendo em conta o conceito de culpa subjectivo, é forçoso concluir que, contrariamente ao Doutamente decidido, conseguiu o ora recorrente alegar e comprovar factos suficientes para ilidir a presunção de culpa, e assim afastar a sua responsabilidade subsidiária pelo pagamento dos débitos em execução.

- Com efeito, logrou o recorrente fazer prova que a partir de 2006, e por circunstâncias que lhe foram totalmente estranhas, a sociedade por si representada foi acumulando prejuízos sucessivos, sendo que, até à data da cessação da sua actividade, os proveitos anuais eram insuficientes para fazer face aos encargos correntes.
- Concretamente, conseguiu ele oponente fazer prova que nesse período temporal os prejuízos sofridos pela sociedade alcançaram valores não inferiores a € 66.989,33.

- De igual modo, conseguiu também ele recorrente fazer prova inequívoca que os prejuízos sofridos, e o desequilíbrio de contas, foram determinados não por um aumento de encargos ou custos, mas pelo contrário, por uma diminuição drástica e sucessiva do volume de facturação, e assim, do volume de negócios.

- Do mesmo modo, logrou o oponente comprovar que tal situação de desequilíbrio das suas contas causou à sociedade executada sérios problemas de tesouraria, e falta de liquidez, que, a final, conduziram a que não obtivesse a sociedade comercial por si gerida, fundos suficientes para cumprir as suas obrigações.

- Por força ainda dos factos que deverão ser julgados assentes, logrou também a oponente comprovar que, a agravar a situação de desequilíbrio das contas, sofreu a sociedade por si gerida de revezes a nível da cobrança dos seus créditos, comprovando concretamente que, no período em causa, não só os clientes se atrasavam no pagamento dos seus débitos, por períodos superiores a 120 dias, como também logrou comprovar que os créditos incobráveis, reportados a 2010, alcançavam o valor de € 247.585,88.

- Dos factos assentes, e dos factos que como tal deverão ser ora julgados, resulta também que, tal diminuição de proveitos, tal acumulação de prejuízos, tais problemas de tesouraria, e tais dificuldades de liquidez, resultaram de causas externas à sua vontade, e que, residiram, por um lado na saída de dois sócios (que determinou não só a diminuição de facturação, como também um acréscimo de custos) e por outro lado, na notória e prolongada situação de crise económica por que passou o sector da construção civil, e, até, a economia nacional.

- Em todo o caso, a acumulação de prejuízos, e a decorrente falta de liquidez, fez com que, estando a sociedade executada sujeita ao pagamento trimestral de IVA, se visse a mesma sem fundos, e sem meios para liquidar o IVA devido, pois que, não só o volume de créditos incobráveis atingiu somas deveras consideráveis, como também, a mora dos clientes ultrapassava em média cerca de 120 dias, o que determinava que, à data de vencimento do respectivo imposto, não fosse a sociedade executada portadora dos valores e meios necessários para tal, pelo facto dos seus clientes não terem pago ainda os valores respeitantes às facturas emitidas.

- Face à situação de crise prolongada no sector que determinou o decréscimo brutal do volume de negócio, o ora recorrente, tentando manter a sociedade, tudo fez para diminuir os seus custos e encargos correntes, circunstâncias essa que é aliás comprovada pelos valores constantes da sua contabilidade, que foram dados por comprovados, e que ilustram uma tendência constante de diminuição (ainda que não suficiente) dos custos correntes.

- Perante a prolongada situação de desequilíbrio das contas, tentou ainda o recorrente, por um lado pagar as suas obrigações fiscais, recorrendo nomeadamente à instauração de processo extrajudicial de conciliação, e por outro lado, tentou aumentar o volume de receitas, procurando novos mercados no exterior, e nomeadamente, em Angola, face à estagnação económica sentida em Portugal.

- Tal tentativa não teve qualquer sucesso, já que, tendo conseguido obter projectos de elevado volume e dimensão, tais serviços acabaram por não ser pagos, o que acarretou um prejuízo de € 69.175,00, conforme documentalmente comprovado.

- Este último facto fez com que a sociedade gerida pelo oponente (que se encontrava já na débil situação económica, fruto da prolongada acumulação de prejuízos) se visse totalmente despida de findos e meios necessários para fazer face às suas obrigações, e dentro destas, às suas obrigações fiscais, o que, em última instância, foi determinante para que se apresentasse a juízo, requerendo a sua insolvência.

- Correndo os seus termos, e conforme resulta dos factos assentes, tal insolvência foi declarada fortuita, o que, por si só revela que se entendeu que não era imputável ao ora recorrente qualquer actuação ou omissão culposa susceptível de ter ela própria causado a situação de impossibilidade de cumprimento das suas obrigações.

- Aliás, tal circunstância revela também que o raciocínio doutamente elaborado na Sentença de que ora se recorre (que aponta como comportamento culposo a suposta apresentação tardia à insolvência) não deverá merecer qualquer acolhimento, pois que, para aferir da eventual culpabilidade da gestão, não basta a ocorrência de mora ou de atraso na apresentação do pedido de insolvência, mas sim, que tal mora ou atraso tivesse sido ele próprio causador da insolvência, ou do agravamento da situação de insolvência, o que não ocorreu notoriamente.

- Por outro lado, ainda, se é certo que todos os factos até ora relatados (que deverão ser considerados assentes) conduziram à conclusão da inexistência de culpa por parte do recorrente, na situação de insuficiência patrimonial é também certo que os mesmos comprovam a “desculpabilização” no que respeita ao não pagamento do IVA em questão.

- De facto, contrariamente ao Doutamente decidido, e sob pena de se estar perante um entendimento de culpa objectiva, não permitido por lei, não se poderá aceitar que pelo facto de se estar perante uma dívida de IVA, só seria admitida como ocorrência “desculpabilizadora” do ora recorrente a comprovação de que a sociedade não havia recebido os valores liquidados referentes ao período temporal em causa.

- Com efeito, importará, para aferir de tal culpabilidade, a ponderação de outras circunstâncias que não só o não recebimento dos valores em concreto, respeitante ao mencionado imposto.

- Ora, para tal efeito, importará salientar que, conforme comprovado, os créditos incobráveis alcançam o valor de € 247.585,88.

- Ora, tendo em conta que tais créditos incobráveis constam de documento elaborado em 2010, forçosamente se deverá concluir que os mesmos se reportam necessariamente aos anos antecedentes, e mais concretamente, e pelo menos (tendo em conta os valores de facturação dos anos anteriores) aos exercícios fiscais de 2007, 2008 e 2009.

- Se assim é, desde logo não se poderá aceitar a conclusão vertida na Douta Sentença de que não logrou o ora recorrente fazer prova de que não recebeu dos clientes os valores correspondentes ao IVA, pois que, os créditos incobráveis necessariamente terão se se reportar ao período temporal em causa.

- Por outro lado, é necessário também não esquecer que, por força da produção de prova testemunhal, se deverá dar também como comprovado que, na sua normalidade, os débitos de terceiros eram sempre pagos com atraso não inferior a 120 dias, após a emissão das facturas.

- Ora, a conjugação destas duas circunstâncias, ou seja, o atraso no pagamento dos montantes facturados, e o volume de créditos incobráveis, deverão pelo contrário comprovar isso sim, que no momento em que se venciam os créditos, respeitantes a IVA, não só a sociedade executada não havia recebido dos clientes os respectivos valores, como também não dispunha (face às dificuldades de tesouraria) de valores que fossem suficientes para fazer face a tais pagamentos, mesmo que provindos de outras fontes de receita.

- Assim, dever-se-á concluir, face aos factos que necessariamente terão de ser dados por provados, que, logrou a ora recorrente fazer prova da inexistência de culpa no não pagamento dos débitos em execução, pois que, tal incumprimento decorreu por forças estranhas à sua vontade, que não permitiram à sociedade munir-se dos valores necessários ao cumprimento das obrigações fiscais em apreço.

- Face ao exposto, entende pois o recorrente que existem razões e fundamentos para que se altere a decisão em recurso no que tange à matéria de facto, devendo tal decisão ser ampliada, de forma a que passe a constar em si os factos narrados nestas alegações, e concretamente, os factos que atrás identificaram sob os nºs I a XIV, já que os meios probatórios, quer os testemunhais, quer os documentais, comprovam a realidade de tais factos, sendo os mesmos notoriamente relevantes para a decisão a proferir nos presentes autos.

- Em todo o caso, deverá ser considerado que, atentos tais factos, logrou a ora recorrente cumprir o ónus que sobre o mesmo recaia, logrando assim fazer prova da inexistência de culpa, quer na insuficiência patrimonial da sociedade executada, quer no incumprimento das obrigações fiscais, decorrentes precisamente de tal insuficiência patrimonial.

- Como tal, provada a inexistência de culpa da sua parte, necessário será concluir pela ilegitimidade do ora recorrente, ilegitimidade essa que, face ao disposto no art° 204, n° 1, alínea b) do CPPT, constitui excepção fundamentadora do direito de oposição à execução.

Como tal, a Douta Decisão proferida viola, entre outros, o disposto no art° 342° e seguintes do Código Civil, bem como as normas vazadas no art° 24°, n° 1, alínea b) da LGT, e art° 153°, n° 2 do CPPT, pelo que, deverá a mesma ser revogada e substituída por outra que julgue procedente por provada a ilegitimidade do recorrente, e assim, procedente por provada a oposição à execução, pois que assim se fará inteira, cabal e já costumada JUSTIÇA!


A Recorrida não apresentou contra-alegações.

Após a subida dos autos a este Tribunal Central Administrativo Norte, foram os autos com vista ao Exmo Procurador-Geral Adjunto que emitiu Parecer, de folhas 338 a 360 do SITAF, no sentido de se negar provimento ao recurso.

Dispensados os vistos legais, com a concordância das Exmas Juizes Desembargadoras Adjuntas, nos termos do artigo 657º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC), vem o processo à Conferência, para julgamento.

I.I Do Objecto do Recurso - Questões a apreciar e decidir

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas conclusões das alegações de recurso - artigos 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT – são saber se a sentença incorreu (i) em erro de julgamento facto ao não dar por provados o objecto das alegações ditas de facto, contidas nos 25 pontos do parágrafo 9, não numerado, das conclusões do recurso;(ii) se a sentença recorrida errou e violou os artigos 23º e 24º da LGT e 204º nº 1 b) do CPPT ao julgar que o aqui Recorrente não demonstrou que o não pagamento dos impostos exequendos não se deveu a culpa sua, tendo-o considerado parte legítima na execução fiscal.

II - Fundamentação

II.1 – Dos Factos
II.1.1 No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:
“Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos e ocorrências processuais:

1) Em 02-06-1981, foi constituída a sociedade “P., LDA”, tendo por objeto a “elaboração de projetos de arquitetura, urbanismo, engenharia e indústria de construção civil, compra e venda de imóveis e materiais de construção”, com o capital social de € 44.891,82 (cfr. Petição Inicial (213595) Petição Inicial (004975463) Pág. 23 de 02/02/2014 17:36:02).

2) Pela apresentação 12/19810602, da Conservatória do Registo Comercial de Vila Nova de Famalicão, encontra-se registada a nomeação de A., J. e R., como gerentes da “P., LDA.”, que se obrigava pela assinatura conjunta de dois gerentes (cfr. Petição Inicial (213595) Petição Inicial (004975463) Pág. 23 de 02/02/2014 17:36:02).

3) Em 11-11-2008, o Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão instaurou contra a sociedade “P., LDA.”, o processo executivo n.º 0450200801091263, com vista à cobrança de IRS – retenções na fonte, do mês de agosto de
2008, no valor de € 237,50 (cfr. Petição Inicial (213595) Petição Inicial (004975464) Pág. 63 de 02/02/2014 17:36:02 e cfr. fls. 1 do processo executivo apenso).

4) Ao processo executivo n.º 0450200801091263 encontram-se apensados os processos executivos n.º 0450200801096192, n.º 0450200901000438, n.º 0450200901006053, 0450200901013262, 0450200901071173, 0450200901075721, 0450200901096079, 0450201001008951, 0450201001010638, 0450201001013319, 0450201001037900, 0450201001042246, 0450201001045970, 0450201001052381, 0450201001054970, 0450201101009834, 0450201101013238, 0450201101024493, 0450201101046403, 0450201101049089, 0450201101064592, 0450201101097237, com vista à cobrança de, retenções na fonte de imposto de selo (2009), IRS e IRC (vencidas entre agosto de 2008 e junho de 2011, inclusive), autoliquidações de IRC (2008, 2009 e 2010) e IVA (2007, 2008, 2009, 2010 e 2011), no valor global atual de € 20.373,89, cujos prazos de pagamento voluntário terminaram entre 20-10-2008 e 01-08-2011 (cfr. fls. 2 a 28 do processo executivo apenso).

5) Em 28-10-2013, o Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão – 1, determinou a reversão do processo executivo n.º 0450200801091263 e apensos contra A. (cfr. fls. 34 a 35 verso do processo executivo apenso).

6) Em 02-12-2013, A. teve conhecimento do teor do despacho de reversão do processo executivo n.º 0450200801091263 e apensos (cfr. Petição Inicial (213595) Petição Inicial (004975464) Pág. 64 de 02/02/2014 17:36:02).

7) Em 02-01-2014, A. apresentou a petição inicial que deu origem ao presente processo de oposição n.º 238/14.3BEBRG (cfr. Petição Inicial (213595) Petição Inicial (004975464) Pág. 64 de 02/02/2014 17:36:02).

Mais se provou,

8) Em 21-03-2006, M. e R. renunciaram à gerência da sociedade “P., LDA.” (cfr. Petição Inicial (213595) Petição Inicial (004975463) Pág. 23 de 02/02/2014 17:36:02).

9) Em data não concretamente apurada, mas anterior a 21-10-2010, a sociedade “P., LDA.”, requereu um Procedimento Extrajudicial de Conciliação (PEC), ao qual foi atribuído o nº 1904 (cfr. Petição Inicial (213595) Petição Inicial (004975464) Pág. 49 a 51 de 02/02/2014 17:36:02).

10) Pelo ofício DSGCT 05512, de 21-10-2010, foi comunicado ao IPMEI, em cumprimento do despacho proferido pelo Substituto do Diretor Geral dos Impostos, de 14.10.2010, a participação da Fazenda Pública no Procedimento Extrajudicial de Conciliação nº 1904, e a autorização até 120 prestações mensais, iguais e sucessivas para a regularização das dívidas tributárias no valor de € 77.305,15 (cfr. Petição Inicial (213595) Petição Inicial (004975464) Pág. 49 a 51 de 02/02/2014 17:36:02).

11) Em 21-05-2012, o Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, 5º Juízo Cível, no âmbito do processo n.º 1727/12.0TJVNF, declarou a insolvência da sociedade “P., LDA.” (cfr. Petição Inicial (213595) Petição Inicial (004975464) Pág. 64 de 02/02/2014 17:36:02).

12) Por despacho de 26-09-2012, proferido no processo n° 1727/12.0TJVNF-B, a insolvência foi qualificada como furtuita, de acordo com as conclusões vertidas no parecer elaborado pela administradora judicial (cfr. Petição Inicial (213595) Petição Inicial (004975464) Pág. 54 de 02/02/2014 17:36:02).

13) De acordo com as declarações de rendimentos, modelo 22 de IRC, dos períodos de 2005, 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010, a sociedade “P., LDA.”, apresentou os seguintes resultados:
Ano de 2004, proveitos no valor de €175.430,85; resultado líquido: €7.721,29; IRC apagar: € 2.745,32;
Ano de 2005 proveitos no valor de €175.698,29; resultado líquido: €3.084,68; IRC a recuperar: € 209,28;
Ano de 2006 proveitos no valor de € 136.688,85; resultado líquido: - € 11.859,65; IRC a recuperar: € 818,12;
Ano de 2007 proveitos no valor de € 147.787,20; resultado líquido: - € 278,38; IRC a recuperar: € 845,95;
Ano de 2008 proveitos no valor de € 150.516,11; resultado líquido: - € 85,95; IRC a pagar:
€ 823,67;
Ano de 2009 proveitos no valor de € 86.321,50; resultado líquido: - € 17.585,81; IRC a pagar: € 257,44;
Ano de 2010 proveitos no valor de € 56.452,50; resultado líquido: - € 37.179,54; IRC a pagar: € 386,75 (cfr. Petição Inicial (213595) Petição Inicial (004975463) Pág. 27 a 60 de 02/02/2014 17:36:02 e cfr. Petição Inicial (213595) Petição Inicial (004975464) Pág.1 a 47 de 02/02/2014 17:36:02).

14) Em 28-07-2011, sociedade “P., LDA.”, elaborou a fatura n.º 2002364, dirigida à sociedade S., SA., no valor de € 37.000,00, com a descrição seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. Petição Inicial (213595) Petição Inicial (004975464) Pág. 52 de 02/02/2014 17:36:02).

15) Em 28-07-2011, sociedade “P., LDA.”, elaborou a fatura n.º 2002385, dirigida à sociedade S., SA., no valor de € 32.175,00, com a descrição seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. Petição Inicial (213595) Petição Inicial (004975464) Pág. 53 de 02/02/2014 17:36:02).
*
Da instrução da causa não resultou demonstrada a seguinte matéria:
A) Que os créditos dos clientes da sociedade “P., LDA.”, cifram o montante de € 247.585,88;
B) Que as dificuldades financeiras da sociedade “P., LDA.”, se deveu à quebra de faturação, decorrente da crise económica e aumento da concorrência no setor, do aumento de custos e desvio de clientela, ocasionado com a renúncia dos gerentes M. e R..
C) Que A. exerceu a gerência da sociedade “P., LDA.”, de forma cuidada e diligente, por forma a assegurar a existência dos fundos adequados ao pagamento das dívidas sob cobrança nos processos executivos.
*
A convicção do tribunal fundou-se na análise dos elementos documentais digitalizados e constantes da plataforma informática de apoio “SITAF”, nos termos especificados e, ainda, nos depoimentos prestados pelas testemunhas (cfr. Ata (005204473) de 17/04/2015 11:44:31).
Para fixar a matéria não provada, sob A), B) e C), o tribunal entende o seguinte.
O escrito que o oponente juntou aos autos não permite observar a realidade alegada (cfr. Petição Inicial (213595) Petição Inicial (004975464) Pág. 48 de 02/02/2014 17:36:02), quanto à existência de créditos incobráveis, no montante de € 247.585,88.
De facto, o procedimento legalmente instituído para refletir contabilisticamente a existência de créditos de cobrança duvidosa consiste na constituição de provisões, cuja legitimidade depende, por sua vez, da apresentação de provas de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.
Sucede, porém, que compulsadas as declarações de rendimentos, modelo 22 de IRC, dos períodos de 2005, 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010 (cfr. 13), não se vislumbra a existência de quaisquer provisões, ao longo de tais exercícios.
A testemunha J. (técnico oficial de contas da sociedade devedora originária, entre a década 1980 e 2010), não disfarçou o seu embaraço a explicar o motivo pelo qual não haviam sido constituídas provisões, sugerindo que era “inútil”, atenta a existência de prejuízos fiscais nos exercícios fiscais.

Quanto à divida da sociedade S., SA., (note-se, os montantes indicados em 13) e 14) estão refletidos no escrito que suporta a alegação não provada, sob A); por isso, valem os considerandos já tecidos), o tribunal acrescenta que, nenhuma das testemunhas demonstrou um conhecimento seguro, preciso e direto sobre as circunstâncias e termos da "adjudicação" de tal serviço. Atenta a “magnitude” de tal projeto, esforço e horas de trabalho que pressupunha (segundo relatado pela testemunha C., desenhador na sociedade devedora originária, desde 1992 até 2006 e deste 2007 até 2011), inexiste qualquer indício credível que aponte no sentido da efetiva celebração do negócio e respetivo crédito.
Ante o exposto, fixou-se a matéria não provada, sob A).
Quanto à matéria não provada, em B), os documentos juntos aos autos demonstram uma “quebra” do volume de negócios, mais acentuada nos anos 2009 e 2010.
Essa circunstância, de forma alguma, é controlável pelo oponente.
Todavia, não foi demonstrado o acréscimo de custos adveniente da contratação “externa” de serviços técnicos de arquitetura e engenharia (por força da renúncia de M. e R. – cfr. 7 – alegadamente sócios de indústria).
Aliás, nos exercícios de 2007 e 2008, que se seguiram à renúncia dos antigos gerentes, o volume de negócios não sofreu uma quebra significativa, em relação aos anos anteriores (cfr. 13), de modo que o tribunal não ficou convencido sobre a relação causa-efeito entre tal renúncia e a perda de clientela.
Também não foi adequadamente explicada a causa da alegada “crise” económica na atividade da sociedade nem afloradas as consequências, da mesma, noutros operadores económicos (inseridos no mesmo ramo de atividade e da mesma área geográfica). A prova produzida, a esse respeito, resume-se à “opinião” ou “entendimento” que as testemunhas debitaram a esse respeito.
Mesmo que tivesse sido demonstrado o alegado sobre a “crise”, o tribunal verifica que o processo executivo n.º 0450200801091263 e apensos, tem por objeto a cobrança de montantes que resultam de retenções na fonte de imposto de selo (2009), de IRS e IRC (vencidas entre agosto de 2008 e junho de 2011, inclusive), autoliquidações de IRC (2008, 2009 e 2010) e IVA (2007, 2008, 2009, 2010 e 2011) (cfr. 3) e 4).
Ora, decorre da experiência comum que os impostos retidos na fonte, muitas vezes, constituem formas de financiamento ilegítimo das empresas, que não os entregam ao Estado. Tal parece ter acontecido, justamente, no caso dos autos, quanto às retenções na fonte de imposto de selo, de IRS e IRC.
O mesmo seguramente sucedeu com o IVA, porquanto, como é consabido, a sociedade devedora originária é mera fiel depositária dos montantes suportados ou pagos, a esse título, pelos clientes/consumidores finais.
Ou seja, a dívida provém de montantes que não pertencem à sociedade devedora originária, que apenas tem o dever legal de reter/liquidar esses montantes e de os entregar ao Estado.

Assim sendo, mesmo que se tivesse demonstrado a quebra de receita decorrente da “crise económica”, os tributos que se exigem à sociedade devedora originária não demandam a aplicação de fundos da tesouraria nem o esforço financeiro que isso pressupõe.
Note-se, uma vez mais, que a sociedade devedora originária não constituiu qualquer provisão nos exercícios em referência nos autos, motivo pelo qual não se pode observar o alegado sobre a falta de pagamento dos serviços que originaram a dívida exigida a título do IVA.
No tocante à matéria em C), o tribunal fundou a sua convicção sob dois primas, que vêm a ser o mérito da gestão efetuada pelo oponente e o cumprimento de dever de apresentar a sociedade devedora originária à insolvência.
No tocante ao mérito da gestão efetuada pelo oponente, tendo em conta a globalidade dos factos relatados ao tribunal, devidamente conjugados com as regras da experiência comum, o tribunal conclui que os atos praticados pelo oponente não relevam a prudência e cuidado necessários a honrar os compromissos assumidos perante os credores sociais (neste caso, o Estado).
Valem, aqui, as considerações já expendidas sobre o incumprimento do dever de entregar ao Estado os impostos retidos na fonte.
Quanto ao cumprimento de dever de apresentar a sociedade devedora originária à insolvência, o tribunal considera que tal deveria ter sucedido no momento em que o oponente pressentiu que a situação económica e financeira era irrecuperável.
Como o oponente não produziu qualquer prova a este respeito, a fixação da matéria não provada reflete as ilações que o tribunal retira do conjunto da prova produzida.
Com efeito, o oponente alega a existência de créditos incobráveis, no montante de € 247.585,88. Ora, se tivesse sido diligente o oponente teria constituído as provisões pelo montante do crédito incobrado, por forma a ter um conhecimento real e preciso sobre a robustez financeira da sociedade devedora originária.
Tendo omitido o dever de cuidado que lhe era exigido, como responsável pelo destino da sociedade, o opoente permitiu a acumulação de passivo em montante que não podia já ser suportado pelo património da sociedade devedora originária, tanto mais que o conjunto desse crédito era muito superior ao capital próprio da sociedade (que cifrava € 44.891,82 – cfr. 1).
Apesar de se ter requerido um Procedimento Extrajudicial de Conciliação (PEC), não resultou demonstrada a forma como tal acordo foi executado.
Termos em que a matéria vai dada como provada e não provada nos termos enunciados.

II.2 - O Direito

II.2.1 O Recorrente insurge-se contra o decidido, imputando-lhe erro de julgamento de facto, ao não ter sido dado como provado o objecto das alegações ditas de facto, contidas nos 25 pontos do parágrafo 9, não numerado, das conclusões do recurso.
Para melhor intelecção do que nos vem pedido recuperem-se os 25 pontos pretendidos que, por uma questão de metodologia de apreciação da questão colocada, passamos a numerar:
Assim, deveriam ter sido dados por assentes os seguintes factos:
a. Que os créditos dos clientes da sociedade “P., LDA.”, cifram o montante de € 247.585,88;
b. Que as dificuldades financeiras da sociedade “P., LDA.”, se deveu à quebra de faturação, decorrente da crise económica e aumento da concorrência no setor, do aumento de custos e desvio de clientela, ocasionado com a renúncia dos gerentes M. e R..
c. Que A. exerceu a gerência da sociedade “P., LDA.”, de forma cuidada e diligente, por forma a assegurar a existência dos fundos adequados ao pagamento das dívidas sob cobrança nos processos executivos.”
d. A partir do ano de 2004, o volume de facturação da sociedade executada começou a diminuir em função dos primeiros sinais de crise económica, que se denotavam no nosso país.
e. A partir de então, iniciaram-se as divergências entre os sócios da sociedade executada.
f. Tais divergências entre os sócios culminaram entretanto com a saída de dois sócios gerentes, a saber, M. e R., o primeiro deles engenheiro civil, e o segundo desenhador técnico.
g. A saída da sociedade dos dois referidos sócios representou para esta, por um lado, uma elevada perda de clientes que vieram a acompanhar os sócios
h. cedentes das quotas, e, por outro lado, um acréscimo de custos e encargos correntes, já que grande parte dos projectos de engenharia, arquitectura e especialidades eram elaborados por estes e passaram a ser encomendados a terceiros.
i. A partir do momento em que os demais sócios saíram da sociedade, o opoente passou assumir, em exclusivo, as responsabilidades pelo destino da sociedade, e, do mesmo modo, a assumir, em exclusivo, as responsabilidades pessoais perante terceiros, que os anteriores sócios haviam assumido anteriormente.
j. A partir do ano de 2006, os sinais de crise que já se denotavam desde 2004, foram-se agravando.
k. A crise que se fez sentir na economia nacional, teve de imediato consequências quer no sector da construção civil, quer no sector das obras públicas.
l. O arrefecimento da economia com a quebra notória da procura de bens oferecidos pelos vários sectores económicos e empresariais, veio a fazer com que diminuísse a procura de construção de pavilhões e loteamentos comerciais e industriais.
m. Por outro lado, a quebra abrupta na concessão de crédito às empresas, determinou que estes congelassem os seus investimentos, deixando de realizar novas construções, quer de edifícios, quer de equipamentos industriais.
n. A quebra na concessão de crédito estagnou o mercado imobiliário habitacional, originando no mercado a cessação da procura de habitações.
o. Todas estas circunstâncias constituíram causa directa da diminuição na procura dos serviços prestados pela sociedade executada, que assim viu diminuir drástica e sucessivamente o seu volume de facturação.
p. Face à diminuição da procura dos serviços prestados pela sociedade executada, e pelas demais empresas instaladas no sector, verificou-se uma extrema concorrência, circunstância exacta que foi determinante da necessidade de reduzir preços para assim tentar captar clientela.
q. A diminuição da procura dos serviços prestados pela sociedade gerida pelo opoente causou à mesma graves problemas de tesouraria, pois que a diminuição de proveitos não foi acompanhada pela diminuição de encargos, especialmente no que concerne a encargos salariais.
r. Por força da diminuição da facturação e dos proveitos, e da manutenção ou acréscimo dos encargos, desde o ano de 2006, que foi tendo a sociedade executada resultados negativos.
s. Por força de dificuldades financeiras de clientes da sociedade executada, viu-se esta a braços com créditos incobráveis, num valor aproximado de € 250.000,00.
t. Os clientes da sociedade executada pagavam os serviços por esta prestados com atraso que, em média, ultrapassava os 120 dias em relação a cada uma das prestações de serviços.
u. O opoente, na sua qualidade de gerente da sociedade executada, requereu e fez prosseguir Procedimento Extrajudicial de Conciliação através do Gabinete PEC do IAPMEI.
v. O preferido procedimento findou com a aprovação de um plano prestacional de regularização de dívidas ao Estado.
w. Não conseguiu a sociedade executada cumprir o plano prestacional estabelecido.
x. No sentido de alargar a sua actividade e assim aumentar os seus proveitos, tentou a sociedade executada outros mercados que não o nacional, elaborando projectos para o mercado Angolano.
y. Tal tentativa não surtiu o efeito desejado, já que tais clientes, deixaram de pagar à sociedade executada a quantia de € 69.000,00.

Alega que dos depoimentos das testemunhas por si apresentadas, que diz transcrever, como de documentos, que não discrimina, tais factos deviam ter sido dado como provados.
Iniciemos esta nossa apreciação por, desde já, se sublinhar que parte dos pontos que o Recorrente pretende ver aditados, não se mostram factos concretos, mas conclusões fácticas e afirmações de carácter genérico desprovidas de quaisquer elementos concretos e historicamente situados. Nomeadamente o vertido nos pontos b) a t), w) x) e y).
Dito de outro modo, como qualquer petição inicial, também a petição de Oposição judicial deve ter como causa de pedir factos, que suportem o fundamento invocado pelo oponente, no caso, a sua ilegitimidade na execução fiscal.
Os factos poderão ser subdivididos em factos principais e factos instrumentais.
Na senda da melhor doutrina - veja-se, entre outros, Alberto dos Reis, “CPC Anotado” Volume II, 3ª edição, pág. 354, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, 1981, I Vol., pág. 207/208; Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979, II; pág. 847; e Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, 2ª edição, Vol. I, pág. 193, são considerados factos principais todos os que integram a causa de pedir, fundando o pedido; e factos instrumentais aqueles cuja função é apenas probatória, que não substanciam ou preenchem as pretensões jurídico-materiais do autor, mas da sua prova se pode inferir a prova dos factos principais.
Na petição inicial o autor deve, portanto, expor os factos principais e instrumentais necessários à procedência do pedido (e, acessoriamente, mencionar as razões de direito, isto é, a interpretação e aplicação das regras jurídicas aos factos narrados). Este é o corolário do acolhimento pelo nosso direito processual civil da teoria da substanciação, que implica para o autor a necessidade de articular os factos de onde deriva a sua pretensão. Ou seja, os fundamentos de facto e de direito devem estar para o pedido na mesma relação lógica em que as premissas dum silogismo estão para a conclusão - neste sentido Alberto dos Reis, ob. cit. pag. 350. Consequentemente, a fixação da matéria de facto não deve conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas, ali se exigindo que o juiz se pronuncie sobre os factos essenciais e ainda os instrumentais que assumam pertinência para a questão a decidir, sendo que é sobre os factos constantes dos articulados que a produção de prova e respectivos meios incidirão, tanto mais que são os factos que o n.º 4 do art.º 607.º do CPC impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo juiz, na sentença. Assim, na selecção dos factos em sede decisão da matéria de facto (art.º 607.º, n.º 4 do CPC) deve o Juiz atender à distinção entre factos, direito e conclusão, e acolher apenas o facto simples e afastar de tal decisão os conceitos de direito e as conclusões que mais não são que a lógica ilação de premissas, atendendo a todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Ora, o Recorrente pretende levar ao probatório, como acima expendido, conclusões fácticas, cuja relevância, salvo melhor opinião, deve ser apreciada a partir dos factos fixados. Saber se as ilações de facto retiradas pela sentença foram as correctas ou não, é matéria que não deve ser levada ao probatório. Nem tão pouco podem ser levados ao probatório afirmações de carácter geral, não concretizadas no tempo e individualizáveis e susceptíveis de prova, como acontece com os verdadeiros factos. Pelo que, aqui, o Recorrente não tem razão.
Fica-nos o vertido nas alíneas a) u) e v), que o recorrente pretende ver aditados. Sublinhe-se que o vertido nas alíneas u) e v), foi dado como provado, parcialmente no ponto 9), e ainda no 10) da matéria de facto dada como provada, respectivamente. Por sua vez, o vertido na alínea a) foi dado na sentença como não provado - cfr. alínea A) dos factos não provados.
Ora, tendo presente o agora expendido sobre os factos que devem ser levados ao probatório, não se olvida que, por um lado, a conjunção dos artigos 662º e 640º, do CPC, impõe que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa. Mas, por outro lado, obriga também que o Recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados indicando os concretos meios probatórios e qual a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Requisitos, estes, que não foram cumpridos pelo Recorrente.
Expliquemos.
Como decorre do artigo 627º do Código de Processo Civil “as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.”, ou seja, o recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.
Mas, como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas - cfr. art. 607º. O juiz a quo, na decisão sobre a matéria de facto, aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que, na formação dessa convicção, não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que, em caso algum, podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, quando estes existam.
Daí que a convicção do tribunal se forme de um modo dialéctico.
É, pois, pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere a correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Assentando a decisão da matéria de facto, no presente caso, na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação da prova documental e testemunhal, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância, na respectiva apreciação.
Como se aponta no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11 (processo 334/07.3 TBASL.E1), “O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.
Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs 690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b),[actuais artigos 640º e 662º do CPC] terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.”
Sobre este entendimento do duplo grau de jurisdição, também já o Tribunal Constitucional se pronunciou (...): “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e factores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2.ª instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1.° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos” Acórdão de 13.10.2001, in Acórdãos do T. C. vol. 51°, pág. 206 e ss..)”.
Tendo presente o agora exposto, compreende-se que a conjugação do nº 1 do artigo 640.º e 662.º do CPC afaste a possibilidade de o Tribunal de recurso com competência em matéria de facto efectuar um novo julgamento. Consequentemente, tais normativos fazem recair sobre a Recorrente o ónus de, primeiro, indicar os concretos pontos de facto que pretende ver modificados e, segundo, indicar os concretos meios probatórios constantes do processo - artº 640º do CPC, que dispõe o seguinte:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
(…)”.
No caso de não serem observados os requisitos mencionados no artigo 640º do CPC, pela Recorrente, o recurso no que tange à impugnação da matéria de facto, será imediatamente rejeitado, não sendo defensável que se lance mão do convite ao aperfeiçoamento em tal matéria. (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 134 e seg).
No presente caso, a Recorrente assaca erro de julgamento à sentença, nomeadamente, quanto à apreciação da factualidade alegada. Sempre se diga, a título de nota de rodapé, que o juiz não tem que se pronunciar sobre toda a matéria esgrimida pela parte, pois os argumentos invocados não se confundem com a questão a dirimir, que essa sim deve ser apreciada, pressupondo o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor - cfr. artigos 596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil.
Mas continuando. Com efeito, a imposição do ónus previsto no artigo 640º do CPC é perfeitamente lógica e necessária. Em primeiro lugar, porque ninguém está em melhor posição do que a Recorrente para indicar a decisão que devia recair sobre as questões de facto impugnadas, bem o que os meios documentais que a suportariam e que contradiziam o que havia sido explanado pela testemunha. Em segundo lugar, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do agora Recorrente, para os poder contrariar cabalmente, assim se garantindo o devido cumprimento do princípio do contraditório. Todavia, o Recorrente discordando do julgamento de facto efectuado não concretizou, nos termos do artigo 640.º as passagens da gravação dos depoimentos testemunhais, que transcreveu, nem identificou a prova documental que referiu ser sustentáculo da impugnação do julgamento de facto.
Acresce referir que atenta a estrutura das alegações/conclusões formuladas pelo Recorrente, o que se retira é que este pretende discutir a convicção do julgador, sendo certo que o M Juiz fundamentou a decisão do julgamento efectuado.
Impõe-se, por isso, nos termos do artigo 640º, nº1 do CPC, rejeitar o recurso da matéria de facto.

II.2.2 O Recorrente continuou a discordar do decidido por entender que errou no seu julgamento de direito ao concluir que o oponente, aqui Recorrente, não havia feito prova da sua falta de culpa no pagamento dos impostos exequendos, violando os artigos 23º r 24º da LGT.
Recordemos que a dívida exequenda é constituída por dívidas de IRS, IRC, IVA e IS de períodos de 2008 a 2011.
A situação dos autos é enquadrável na alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT e para que o Recorrente afaste a sua responsabilidade subsidiária teria que demonstrar que a falta de entrega da prestação tributária, por delapidação do património societário, não lhe era imputável. É que nos termos do aludido normativo, a Fazenda Pública beneficia de uma presunção legal relativamente à culpa.
O discurso fundamentador da sentença, para além do mais, foi o seguinte:”(…) A fim de ser ilidida a presunção legal de culpa, deverão ser alegados factos relevantes e demonstrativos das iniciativas que um gestor diligente sempre empreenderia em circunstâncias adversas de modo a evitar, ou minimizar, o impacto negativo de eventuais fatores externos no desenvolvimento da atividade social.
Deve ser produzida prova de uma atuação diligente e criteriosa no exercício das suas funções, demonstrando a prática de atos necessários ao integral cumprimento das obrigações tributárias.
De acordo com Rui Duarte Morais, no estudo Insolvência da Sociedade e Responsabilidade fiscal dos seus Administradores – Algumas questões, in Revista Electrónica de Fiscalidade da AFP, Ano I, Nº 2 (2019), pág. 5 (disponível para consulta em https://www.afp.pt/revista/edicoes): “a obrigação legal que impende sobre os titulares dos órgãos executivos (gerentes, administradores, etc.) é a de apresentar a sociedade (a pessoa coletiva, melhor dizendo) à insolvência. Tal obrigação decorre, desde logo, do disposto no art. 18.º, n.º 1 do CIRE, do dever de apresentação à insolvência. Cumpre aqui salientar o seguinte: a competência para a apresentação à insolvência cabe “ao órgão social incumbido da sua administração ou, se não for o caso, a qualquer um dos seus administradores” (art.º 19.º do CIRE). O mesmo é dizer, aos potenciais responsáveis fiscais. Temos assim que, cumprido o dever de apresentação à insolvência, o administrador ou o gestor que a requereu atuou de acordo com o que a lei determina, pelo que – a nosso ver - a sua responsabilidade tributária se deve ter por excluída. Isto porquanto – repete-se – o facto ilícito gerador do dever de indemnizar não é a falta de pagamento de imposto pela sociedade (aliás, sempre seria difícil conceber um ilícito culposo constituído pelo não cumprimento de uma obrigação em situações em que se verifique a impossibilidade de o efetuar), mas sim o não cumprimento das obrigações legais que, para os gerentes e administradores, resultam de situações de impossibilidade de pagamento. É certo que o dano (a não arrecadação, porventura em definitivo, dos impostos em dívida) permanece. Mas a responsabilidade dos gerentes e administradores deve ser considerada inexistente, na medida em que se deve entender que não contribuíram culposamente para tal dano, dado terem atuado conformemente ao que a lei lhes exigia”.
Volvendo ao caso dos autos.
O oponente não põe em causa o exercício de facto das funções de gerente da sociedade devedora originária, apenas que não foi por culpa sua que o património desta se tornou insuficiente para solver as dívidas fiscais.
Importa, desse modo, apurar se a falta de pagamento das dívidas ficou a dever-se a culpa sua.
Como se disse, cabe-lhe ilidir a presunção de culpa pelo não pagamento das dívidas contributivas, dado que o prazo de pagamento voluntário terminou durante o período do exercício de funções da oponente (cfr. alínea b) do n.º 1, do artigo 24º, da Lei Geral Tributária).
Pois bem, os factos alegados em torno da atuação do oponente resumem-se aos seguintes: , a) foi gerente da sociedade devedora originária, contudo inexistiu qualquer atuação ou omissão ilícita que tivesse causado o não pagamento da quantia; b) atuou na gestão dos destinos da sociedade com a máxima diligência e zelo; c) no ano de 2004, a crise imobiliária veio afetar o volume de negócios, ao que se somou a saída de dois sócios gerentes, o que arrastou consigo a perda de clientes e aumento de gastos; d) a expansão do mercado da construção civil e obras públicas que se havia verificado até 2004, fez com que aumentasse o número de empresas relacionadas com a elaboração de projetos de arquitetura, o que levou a que com a crise a concorrência aumentasse, determinando a necessidade de baixar os preços; e) em consequência, desde 2004 que a faturação da sociedade começou a diminuir, o que levou a que a devedora originária tivesse de incumprir com as suas obrigações; f) para fazer face aos débitos fiscais tudo fez para que os mesmos fossem pagos, e em agosto de 2010, requereu o Procedimento Extrajudicial de Conciliação, por força do qual requereu o pagamento dos débitos fiscais a prestações, o que foi aprovado, mas que não conseguiu cumprir; g) a devedora originária foi declarada insolvente, tendo sido considerada a insolvência como fortuita.
O tribunal, porém, considerou tal factualidade como não provada.
Não se pode concluir, portanto, que as dificuldades financeiras da sociedade devedora originária se relacionassem com fatores exógenos ou não imputáveis a atos do oponente.
Os bens da sociedade devedora originária podem não ter sido utilizados em proveito pessoal do oponente, circunstância que permite, apenas, afastar uma atuação dolosa.
Porém, tal factualidade não documenta qualquer esforço ou empenho em resolver as adversidades alegadas, de forma resoluta e tempestiva.
A presunção legal de culpa poderia ser ilidida se o dever de apresentação à insolvência tivesse sido cumprido.
No caso dos autos, porém, a declaração de insolvência da sociedade devedora originária parece ter sido extemporânea, à luz do que supra se expendeu.
Se a sociedade devedora originária tivesse apresentado um plano de recuperação ou de insolvência, num momento em que aparentemente ainda gerava receitas suficientes, poderia ter beneficiado de um plano de pagamentos eventualmente mais favorável.
Assim sendo, a responsabilidade do oponente só poderia ser afastada pela demonstração de medidas que evitassem a degradação financeira da sociedade ou a salvaguarda dos credores sociais, o que não sucede.
Diga-se, ainda, que não pode extrair-se automaticamente do parecer elaborado pela administradora judicial, no âmbito do processo de insolvência, o afastamento da presunção de culpa do responsável subsidiário pela falta de pagamento das dívidas tributárias, cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo.
Com efeito, tal relatório/parecer não tem qualquer carácter vinculativo no âmbito de outros processos judiciais, ou seja, dele não se pode retirar, ipso jure, efeitos relativamente a outros processos, designadamente o de ter-se por afastada a presunção de culpa do gerente na falta de pagamento das dívidas, porquanto os pressupostos em que assenta tal qualificação não são os mesmos em que assenta a responsabilidade tributária dos administradores por dívidas tributárias da sociedade, nem esta se destina a apurar os pressupostos daquela (neste sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 17-06-2015, tirado no processo n.º 01189/14, disponível em www.dgsi.pt).
Sendo assim, urge concluir que o oponente não demoliu a presunção de culpa pela falta de pagamento da dívida em execução, pelo que, deve ser considerado como parte legítima. (…)”

E nada há a apontar à sentença recorrida. Como se afirmou no recente acórdão deste TCAN, de 05.12.2020, proferido no processo 189/14.1BEBRG, em que o aqui Recorrente igualmente se opunha à reversão, contra si, de uma execução fiscal para pagamento do IVA em falta pela mesma devedora originária, relativamente ao 4º trimestre de 2009: “(…) Sendo certo que o êxito na gestão ou a falta dele não se confunde com a culpa, para efeitos de cumprimento do dever de diligência de um gestor criterioso e ordenado, para que seja afastada a presunção de culpa prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT seria necessário demonstrar que, no caso em concreto, a sua conduta não tenha contribuído para a situação de falta de pagamento da dívida tributária.
Portanto, não se mostra provado quais são em concreto as decisões ou atitudes do adoptadas pelo Recorrente, como gerente, para tentar resolver os problemas (…). Também não ficou demonstrado que o Recorrente não teve culpa em termos de condução da devedora originária a uma situação de impossibilidade de pagamento das suas dívidas, face aos padrões de gestão média.”
Não se retira dos factos provados se e que “medidas concretas que foram tomadas no sentido de viabilizar a empresa e de cumprir com as obrigações tributárias”.
Acresce que o facto de a insolvência ter sido apenas requerida em 2012, vários anos após as alegadas dificuldades, revela que o Recorrente protelou indevidamente uma situação de incumprimento para com o fisco.
“Acresce que, estando em causa dívidas de IVA a falta da sua entrega ganha particular gravidade, na medida em que se trata de impostos que traduzem um fluxo monetário na empresa (…), e ao não serem entregues nos cofres do Estado mais esforço se exige na demonstração de factos positivos bastantes que contrariem indícios de censurabilidade, sob pena de não afastar a presunção de culpa que a lei lhe atribui.”
“Finalmente quanto à qualificação da insolvência como fortuita, que o Recorrente invoca como causa de afastamento da culpa, vejamos o que está por demais decidido pela jurisprudência do STA, nomeadamente, e entre outros, no acórdão 0708/17 de 28/02/2018, onde vem dito o seguinte:
“(…) este Supremo Tribunal já se pronunciou sobre a questão em sentido conforme com o decidido pelo TCA, adoptando o entendimento de que «da qualificação da insolvência da devedora originária como “fortuita” não se pode extrair ipso jure ou automaticamente o afastamento da presunção de culpa do responsável subsidiário pela falta de pagamento das dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo (artigo 24º, nº 1, alínea b) da LGT)» - cfr. acórdão de 17/06/2015, no proc. nº 01189/14”.”

Regressando ao caso que nos ocupa, também aqui as dívidas são de IVA, bem como de Imposto de Selo, IRC e IRS retidos na fonte, fundamento para que, transpondo para os presentes autos a jurisprudência que vimos de expor, também aqui seja de concluir que nada há a apontar à sentença que decidiu que o Recorrente não ilidiu a presunção de culpa que sobre ele impendia.
Destarte, é de negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

III. Decisão

Termos em que acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica,
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Custas pelo aqui Recorrente.
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Porto, 14 de Outubro de 2021

Cristina Paula Travassos de Almeida de Jesus Bento Duarte
Maria Celeste Gomes Oliveira
Maria do Rosário Meneses da Silva Pais