Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01747/06.3BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/20/2011
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro
Descritores:IRC
CUSTO
ALIENAÇÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
MENOS-VALIA
Sumário:A administração fiscal não pode desconsiderar um custo nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC traduzido numa menos-valia com o único fundamento de que o preço da alienação não corresponde ao preço de mercado, quando não coloca em causa existência da transacção.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:P..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – Relatório
P…SOCIEDADE IMOBILIÁRIA …, S.A. (anteriormente denominada P… - Sociedade Urbanizadora …, S.A.), com sede em …, contribuinte fiscal n.º … … …, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 1998, interpôs o presente recurso, concluindo da seguinte forma as suas alegações:
i) Vem o presente recurso interposto contra a Sentença proferida, em 9 de Maio de 2011, no âmbito do processo de impugnação judicial que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro sob o n.º 1747/06.3BEVIS;
ii) Na referida Sentença, o Exmo. Senhor Juiz a quo julgou totalmente improcedente a Impugnação Judicial apresentada pela ora Recorrente contra o acto de liquidação adicional de IRC n.º 8910032733, praticado na sequência da correcção à respectiva matéria colectável respeitante ao exercício de 1998, consistente na não aceitação, pela Administração Tributária, como custo fiscal, da menos-valia fiscal realizada com a alienação da totalidade das participações sociais detidas na sociedade M…, S.A., no montante de € 5.836.314,48, o qual acabou por se traduzir na não aceitação de prejuízos fiscais dedutíveis declarados pela ora Recorrente no mesmo exercício, no valor de € 5.841.678,93;
iii) O Tribunal a quo optou, assim, por manter na ordem jurídica o acto tributário respeitante ao IRC do exercício de 1998 controvertido, considerando-o válido e legal, confirmando, consequentemente, a correcção efectuada pela Administração Tributária à matéria colectável do mesmo exercício da ora Recorrente;
iv) E tal raciocínio encontra sustentação jurídica, no entender do Exmo. Senhor Juiz a quo no facto de “(…) As teses aduzidas como razões fundamentadoras para a desvalorização das acções (…) além de desconexas, e por isso desmerecedoras de credibilidade, carecem ainda de fundamento (…)”;
v) Todavia, ficou aqui devidamente comprovado que a menos-valia fiscal resultante da alienação da participação detida pela Recorrente na sociedade M…, S.A. está devidamente fundamentada, comprovada e justificada;
vi) Com efeito, o que aqui está em causa é, pois, tão somente uma desvalorização extraordinária - e significativa – de um terreno, em virtude de uma (inversão de) tomada de posição do IPPAR quanto à viabilidade urbanística do mesmo;
vii) Que gerou, efectivamente, uma enorme diminuição do valor da sociedade que detinha como principal activo esse mesmo terreno – a sociedade M…, S.A..
viii) Ora, naturalmente que essa perda de valor do terreno, extraordinária e decorrente de uma posição de um instituto público, conduziu, directa e necessariamente, a uma diminuição significativa do valor das acções detidas pela ora Recorrente, na sociedade M…, S.A., e, consequentemente, à menos-valia realizada, no momento da respectiva alienação;
ix) A questão do valor inicial da participação adquirida no capital social da sociedade M…, S.A. e consequente perda de valor é, como se vê, simples e fácil de perceber;
x) Ora, factos como os descritos pesariam, naturalmente, na decisão de qualquer administrador de bom senso, como efectivamente pesaram na Administração da Recorrente, razão pela qual esta optou por vender a participação detida na sociedade M…, S.A., da forma mais rápida e menos onerosa possível, para limitar as gravosas perdas já verificadas e evitar as (certas) perdas futuras deste desastroso investimento, que a inflexão da posição do IPPAR havia tornado desastroso;
xi) Resulta igualmente do que se acaba de expor, que o custo (menos-valia) associado a tal operação económico-financeira foi (atentas as vicissitudes elencadas, quer do objecto da venda, quer do negócio em si mesmo considerado e, bem assim, da orientação estratégica adoptada e dos condicionalismos que presidiram a tal decisão), absolutamente indispensável para a manutenção da fonte produtora e futura geração de proveitos tributáveis, devendo, nessa medida e como tal, ser aceite como perda dedutível para efeitos fiscais, de acordo com o disposto no artigo 23.º do Código do IRC;
xii) Pelo contrário, tivesse a Recorrente mantido o ruinoso investimento feito, isso seria fortemente condicionador da sua vitalidade – ou mesmo viabilidade – futura, o que conduziria certamente a uma diminuição dos seus resultados e, consequentemente do seu lucro tributável e imposto que veio a gerar para os cofres do Estado;
xiii) Para usar uma expressão, particularmente feliz, da nossa jurisprudência, o resultado negativo apurado no exercício de 1998 teve, pois, uma causação empresarial e não privada;
xiv) In casu, a causação empresarial é inequívoca quer se tenha em conta apenas as causas próximas ou imediatas, quer se vá mais longe no historial da perda registada;
xv) Por outro lado, a Administração Tributária embora tenha aflorado a questão da simulação e dos preços de transferência no Relatório Final de Inspecção Tributária não foi consequente;
xvi) Ou seja, não questionou a correcção do preço de venda da participação ora em causa em termos quantitativos, optando pelo caminho mais fácil – mas errado – de questionar qualitativamente a venda operada, recorrendo à “vala comum” do artigo 23.º do Código do IRC;
xvii) A este propósito, dir-se-á somente que não sendo questionável o cariz ilegal da denominada fundamentação a posteriori, enquanto invocação de fundamentos que não os antecedentes ou, no máximo, contemporâneos da prática do acto administrativo, não relevam para a análise da correcção em apreço as considerações que não se mostram retratadas no discurso fundamentador da correcção, i.e., nas Conclusões do Relatório de Inspecção Tributária;
xviii) Em razão do que, por força desta circunstância, deverá o acto tributário em crise ser anulado, devendo destino idêntico ser dado à correcção efectuada à matéria colectável do exercício de 1998, dado que, em face do destino a dar ao acto tributário consequente, a mesma não pode permanecer na nossa ordem jurídica.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, e, assim, revogada a Sentença recorrida, por erro de julgamento, e, consequentemente, ser promovida a sua substituição por outra que determine a anulação da correcção à matéria colectável do exercício de 1998 da ora Recorrente, em resultado da não aceitação, como custo fiscal, da menos-valia fiscal realizada com a alienação da totalidade das respectivas participações sociais na sociedade M…, S.A., no montante de € 5.836.314,48, e, consequentemente, a anulação do acto tributário de liquidação adicional de IRC consequente, na medida em que desconsiderou os prejuízos fiscais dedutíveis declarados pela ora Recorrente no mesmo exercício, no valor de € 5.841.678,93, nos termos e com os fundamentos amplamente demonstrados.».
A Fazenda Pública não contra-alegou.
Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso por entender que «… não tendo a ora recorrente demonstrado a indispensabilidade e a relação causal e justificada deste custo com o interesse societário e com a actividade produtiva da empresa, a menos-valia em causa não pode ser jurídica e fiscalmente aceitável para efeitos do disposto no art. 23º do CIRC».
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir já que a tal nada obsta.
A questão a decidir, delimitada pelas alegações de recurso, é a seguinte: Saber se a menos-valia realizada com a alienação da totalidade das participações sociais detidas pela recorrente na sociedade Mosteiro de Grijó, S.A., são de aceitar como custo fiscal nos termos do artigo 23.º do Código do IRC.
II- Fundamentação
II-1. De facto
II.1.1 O Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro deu como provada a seguinte matéria de facto:
«A)- A impugnante é uma sociedade que exerce a sua actividade económica na área da compra e venda de bens imobiliários (cfr. fls. 156 do PA);
B)- A impugnante adquiriu à sociedade T… - Const. Urb. E Tur., Lda., em 1995, acções no valor de 2 424 600 000$00 (cfr. relatório da IT – 1º quadro constante de fls. 40 dos autos);
C)- Em 12/10/1998 a impugnante alienou as acções referidas na alínea B) supra à sociedade S…, SGPS, SA, correspondentes à totalidade das suas participações sociais na empresa M…, SA, totalizando 1 350 000 acções ao portador, com o valor nominal de 1 000$00 cada, representativas de 84,375 % do capital social, por 1 400 000 000$00, obtendo desta operação menos-valias fiscais no valor de 1 170 076 000$00/5 836 314,48 €, gerando neste exercido contabilístico prejuízos fiscais no valor de 1 171 151 476$00/5 841 678,93€ (cfr. relatório da IT, a fls. 39/40 dos autos; e art° 52º da pi);
D).- A IT determinou a realização de um acto inspectivo externo junto da impugnante, relativamente ao IRC do ano de 1998 (cfr. ordem de serviço, a fls. 25 do PA e art° 5° da p.i.);
E)- O valor recebido em resultado da alienação referida na alínea C) supra, no montante de 1 400 000 000$00, foi transferido para o senhor A…como pagamento de suprimentos (385 743 359$00), para a sociedade S…Fósforos Portugal, SA, para pagamento parcial de lotes de terreno (335 000 000$00), e para a empresa T… (775 000 000$00), (cfr. relatório da IT, a fls. 44 dos autos);
F)- O Parecer do IPPAR, remetido por este em 1991 à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, junto aos autos pela impugnante, manifestava «dúvida relativamente à figura sequente e este pedido de viabilidade dado o regime de condomínio fechado proposto para este empreendimento, susceptível de não ser contemplado” (cfr. Parecer do IPPAR junto pela impugnante, a fls. 270 a 273 dos autos):
G)- A IT teceu comentários à evolução de várias empresas pertencentes ao Grupo A… (cfr. art° 27° da pi; e relatório da IT, a fls. 40 a 43 dos autos);
H} A Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição prévia, direito que não exerceu (cfr. art° 47° da p.i.; e relatório da IT, a fls. 51 dos autos);
I)- A impugnante foi notificada do relatório final com as conclusões da intervenção da IT, nele se procedendo a correcções à matéria tributável em ordem a desconsiderar como custos fiscais, nos termos do art° 23° do CIRC, as menos-valias geradas em 1998 (cfr, relatório da IT, a fls. 46 e 51 dos autos);
J)- A impugnante foi notificada da liquidação adicional respeitante ao ano de 1998 (cfr. parte introdutória da p.i., 3° parágrafo, a fls, 2 dos autos; e fls. 30, também dos autos);
K)- Da notificação das liquidações em causa deduziu a impugnante reclamação graciosa, que foi indeferida (cfr. artº 1° da p1.; fls. 78 e ss. do PA; e fls. 32 dos autos);
L)- Da notificação do indeferimento da reclamação graciosa deduziu a Impugnante a presente Impugnação judicial (cfr. artigos 1° a 3°da p.i.; e parte superior e intróito da petição de impugnação, a fls. 2 dos autos).
Os factos provados assentam na análise critica dos documentos insertos no presente processo de impugnação, bem como no processo administrativo apenso por unha, e ainda no depoimento das testemunhas inquiridas.
Factos não provados:
a). Que a invocada imprevisibilidade da não aprovação dos projectos urbanísticos pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, e pelo IPPAR, constituam factos justificativos da variação patrimonial negativa da sociedade P… (cfr. artigos 93° a 101° da p.i.}, e
b). Que o invocado contencioso judicial da sociedade P… envolvendo os seus accionistas, que demorou vários anos e que lhe condicionou a sua actividade; a reestruturação por fusão, com a sociedade D…, SA; e a aquisição de uma participação relevante em 1995 na sociedade M…, SA, constituam factos justificativos da variação patrimonial negativa da sociedade P… (cfr. fls. 174 e 174 vs. do PA: e nº 3 do relatório da IT, a fls. 41 a 44 dos autos).».
II-2. De direito
A administração tributária não aceitou como custo a menos-valia realizada pela impugnante, no montante de € 5.836.314,48 com a alienação da totalidade das participações sociais detidas na sociedade M…, S.A., e nessa medida corrigiu a matéria colectável da impugnante no exercício de 1998 em igual montante.
A administração fiscal não considerou como custo a menos-valia ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, por entender que a alienação das participações sociais «eram perfeitamente dispensáveis para a realização dos proveitos» (fls. 7 do relatório da fiscalização). Embora no relatório da fiscalização (a fls. 7-8 do relatório) seja também invocado o artigo 39.º da Lei Geral Tributária (LGT) e esteja dito «entendo que se está perante negócios simulados», face às objecções feitas pela impugnante na petição inicial, no sentido de que apesar da invocação da simulação, a administração tributária não curou de preencher os pressupostos da figura, em sede de contestação a Fazenda Pública veio dizer que «a utilização daquele conceito só serviu como instrumento e mecanismo lógico de apoio que conduziu à conclusão de que os preços das acções, naquelas condições de negociação, não poderiam corresponder à realidade, e neste sentido, seriam artificiais, o que numa perspectiva menos rigorosa do ponto de vista técnico jurídico nada repugnaria que se designassem de simuladas» (fls. 250 dos autos). Entendimento que foi perfilhado na sentença recorrida nos seguintes termos: «Considera o Tribunal que a referência feita pela IT a “negócios simulados”, por ser feita nas conclusões do relatório, tem um carácter de balanço apreciativo da situação tributária da impugnante, não constituindo tal instituto o fundamento das correcções efectuadas. Como consta a folhas 8 do relatório (a fls. 46 dos autos), o fundamento legal das correcções operadas é o artº 23º do CIRC, pelo que aquela referência a negócios simulados é juridicamente irrelevante».
Há, pois, consenso quanto ao fundamento legal subjacente à liquidação que ora tratamos: o disposto no artigo 23.º do CIRC. Deste modo, a administração fiscal não põe em causa a realização do negócio, não diz que o negócio é simulado. O que a determinou a desconsiderar o custo foi o valor da transacção que considera ter sido inferior ao valor real, ao valor de mercado, o que, defende, só foi possível “naquelas condições de negociações”, ou seja por vendedora e compradora pertencerem «à mesma entidade económica suportada numa família» (fls. 7 do relatório da fiscalização).
Nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC «Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».
Como já se salientou não está em causa a existência da menos-valia. Nem tão-pouco que o custo não esteja devidamente documentado. A discussão centra-se na indispensabilidade dessa menos-valia para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora.
Uma menos-valia é uma perda que resulta da diminuição do valor de um activo da empresa que se manifesta/realiza aquando da sua alienação. Ou seja, é o prejuízo que resulta da venda ou troca de um activo abaixo do preço de compra.
Se o bem vendido é um bem do activo da empresa (“Um activo é um recurso controlado pela empresa como resultado de eventos passados e do qual se esperam benefícios económicos futuros para a empresa." O International Accounting Standards Board, IASB), não se vislumbra como é que a sua alienação possa ser excluída do âmbito empresarial. Para o bem pertencer ao activo da empresa foi no passado adquirido. A empresa suportou um custo na aquisição que teve de contabilizar. Este custo da aquisição é que poderia ser posto em causa nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, por o bem não ter qualquer interesse para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora. A partir do momento que se aceita este custo, a menos-valia resultante da alienação não poderá ser desconsiderada com fundamento no artigo 23.º do Código do IRC.
Ao fazer-se passar pelo crivo do artigo 23.º do Código do IRC uma menos-valia, estar-se-á a avaliar a gestão empresarial, a oportunidade do negócio. E foi isso que fez a sentença recorrida ao fundamentar da seguinte forma a legalidade da actuação da administração: «o facto de o projecto imobiliário da sociedade M…, S.A., não se concretizar, não justifica, de per si, a desvalorização patrimonial da P…, que poderia canalizar os seus projectos imobiliários noutro sentido e noutros projectos». Ao dizer-se na sentença recorrida que a impugnante poderia, em vez de alienar as participações socais da P…, canalizar os seus projectos imobiliários noutro sentido, embora não indique o sentido, está a avaliar a decisão empresarial.
Entende-se, contudo, que ao tribunal, e à administração fiscal, está vedada tal apreciação com base em critérios de oportunidade e mérito do negócio.
Na verdade, o Código do IRC afastou o critério da razoabilidade previsto no artigo 26º do Código da Contribuição Industrial, que atribuía à administração fiscal, como era reconhecido pela jurisprudência, um poder discricionário, pois para o custo ser aceite, para além de indispensável, tinha de ser “razoável”.
Ora, a interpretação deste conceito de indispensabilidade não pode permitir aquela discricionariedade que o Código do IRC afastou. A indispensabilidade do custo há-de resultar simplesmente da sua ligação à actividade empresarial. Se o custo não é estranho à actividade da empresa, isto é, se se relaciona com a actividade normal da empresa (independentemente de ser maior ou menos o grau de intensidade ou proximidade), e se se aceita a sua existência (não se está perante um custo aparente ou simulado), o custo é indispensável.
No caso dos autos a administração desconsiderou o custo apenas porque entende que não está justificada a desvalorização das participações sociais alienadas, isto é, porque entende que a alienação não foi efectuada a preços de mercado. Mas a administração não pode substituir-se aos órgãos próprios das empresas na sua gestão. Não pode num juízo necessariamente a posteriori, avaliar se o negócio foi bom ou mau, adiantar as hipóteses de rumo que se perfilhavam na altura em que ocorreu e afastar a escolhida pelo empresário, desconsiderando o custo contabilizado.
O direito fiscal tem de reconhecer ao dono do negócio o direito ao erro de gestão. A não ser assim, «ao empresário não lhe bastaria sofrer as adversas consequências ligadas a um negócio ruinoso. Além disso, ver-se-ia confrontado com a desvantagem tributária do não reconhecimento fiscal dos custos suportados»” – Tomás Castro Tavares, in Fisco, n.º 101/102, Janeiro 2002, Ano XIII, p. 37-43. citado pela recorrente.
Se a administração tributária entende que o preço não foi o preço de mercado e que tal se deveu às relações especiais entre as empresas, com o objectivo de diminuição da carga fiscal, a lei prevê outros mecanismos para a sua actuação – designadamente as normas dos preços de transferência - artigo 57.º do Código do IRC em vigor ao tempo dos factos - caminho que não foi o por ela trilhado – neste sentido João Taborda da Gama, “Cobertura de prejuízos, valor da participação social e dedutibilidade de menos-valias”, in Reestruturação de Empresas e Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, p. 179 e ss. .
Conclui-se, assim, que a administração fiscal não pode desconsiderar um custo nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC traduzido numa menos-valia com o único fundamento de que o preço da alienação não corresponde ao preço de mercado, quando não coloca em causa existência da transacção.
III – Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar a impugnação procedente anulando-se a liquidação impugnada de IRC do ano de 1998.
Sem custas.
Porto, 20 de Dezembro de 2011
Ass. Paula Ribeiro
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Álvaro Dantas