Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01017/19.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/22/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ARRENDAMENTO SOCIAL; MUNICÍPIO ; DIREITO À HABITAÇÃO; CADUCIDADE DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO COM O FALECIMENTO DA RESPETIVA ARRENDATÁRIA.
Recorrente:J.
Recorrido 1:Município (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
J., residente na Rua (…), instaurou ação administrativa contra o Município (...), na sequência do ato administrativo consubstanciado no despacho proferido pelo Vereador da Câmara Municipal (...) com os Pelouros da Habitação, Coesão Social e Educação de 22.12.2018, exarado na Informação/Proposta de decisão n.º DI-GPH-27958-2018, que determinou a notificação do Autor para proceder à desocupação e entrega voluntária da habitação na Rua (...), no prazo de 30 (trinta) dias, formulando o seguinte pedido:
a) Declarar-se que o contrato de arrendamento relativo à habitação sita no Bairro das (...), à Rua (...), inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Ramalde, a que se alude na presente petição, não caducou por óbito da arrendatária A., tendo-se transmitido para o A. seu filho, pelo facto do mesmo residir com ela desde julho de 2016 e viver na mesma economia doméstica;
b) Consequentemente, condenar-se a Ré a reconhecer a transmissão que se operou por óbito daquela A., a favor do A, e que o mesmo beneficia dos requisitos para o seu alojamento;
c) Declarar-se que a decisão de desocupação e entrega da habitação referida em a), pela "Domus Social" e pela Ré, é ilegal, por violação da lei, abstendo-se de qualquer despejo;
d) Condenar-se a Ré a ordenar à Domus Social" que, doravante, emita os recibos de renda em nome do A, mediante a renda de 36,16€ mensais, ou aquela que se vier a fixar de acordo com os rendimentos por invalidez que o mesmo aufere.”
Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgada improcedente a acção e absolvido o Réu do pedido.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
1. O A., aqui Recorrente, coabitava com a sua mãe, primitiva arrendatária, há mais de um ano antes da sua morte e vivia com ela na mesma economia comum, estando verificado requisito legal do art.º 1106 n.º 1 alínea c), do Código Civil, aplicável ao caso dos autos;
2. Contrariamente ao decidido, não caducou o arrendamento para habitação.
3. Em vida da primitiva arrendatária, o Município (...) não autorizou a inscrição do A. no agregado familiar da sua mãe com o argumento da inadequação da tipologia do fogo;
4. Em vida da primitiva arrendatária, o Município (...) era sabedor que na habitação concessionada vivia o A., filho da arrendatária, e nunca se opôs sua à permanência com o argumento que o mesmo não estava inscrito no agregado familiar.
5. Em vida da primitiva arrendatária, o Município (...), nada depois fez ou promoveu, para que a permanência do A. se deixasse de verificar ou viesse a cessar e, nessa medida, pelo seu comportamento, aceitou ou conformou-se com a sua permanência, que decorreu por período superior a 1 ano.
6. O Município (...) não tem direito a opor-se à transmissão com o argumento da falta prévia inscrição e autorização no agregado familiar, porquanto a sua oposição anterior o foi, tão só, pela inadequação da tipologia do fogo.
7. Tendo o Município (...), conhecimento de uma certa realidade e conformando-se com ela, não reagindo por período superior de mais de um ano, não lhe será legítimo, agora, por mera questão formal antes não invocada, impedir o exercício do direito do A., aqui Recorrente.
8. Ao opor-se da forma como o faz, o Município (...), excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art.º 334º do C.Civil), agindo em abuso de direito.
9. A sentença recorrida viola o disposto no art.º 334º e na alínea c) do n.º 1 do art.º 1106.º Código Civil, subsidiariamente aplicável, art.º 50º do Regulamento que define as regras e estabelece as condições aplicáveis à gestão do parque habitacional do Município (...), o art.º 65º da Constituição da República Portuguesa.
10. A sentença proferida deve ser revogada e substituída por outra que conceda ao A., aqui Recorrente, o direito de transmissão ao arrendamento.

O que se requer e pede, por ser de JUSTIÇA.

A Entidade Demandada juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim:

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE E, CONSEQUENTEMENTE, SER MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA.

O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. Em 30.11.2018, os serviços da Entidade Demandada elaboraram proposta com o seguinte teor:
PROPOSTA
A habitação na Rua (...), propriedade do Município (...) e sob gestão da D., EM, foi atribuída à arrendatária A. (entretanto falecida), única pessoa inscrita e autorizada a residir na habitação.
No âmbito do processo administrativo, segundo o que se apurou na fase de instrução e averiguação petos serviços da Direção da Gestão do Parque Habitacional (PRC_DINS-2018-0014), verifica-se que a habitação se encontra ocupada abusivamente por J..
De acordo com os documentos constantes do processo habitacional, confirmamos que a arrendatária, única pessoa inscrita e autorizada a residir na habitação, faleceu a 28 de dezembro de 2017, conforme assento de óbito n.º 896/2017, da 1ª Conservatória do Registo Civil do Porto.
Assim, com o falecimento da arrendatária, caduca o respetivo arrendamento apoiado, por inexistência de sujeito, extinguindo-se, concomitantemente, o correspondente direito de ocupação do logo.
Do processo habitacional, verifica-se que a 25/07/2017, foi efetuado pedido de integração do filho, J., que foi indeferido. No entanto, encontrava-se desde julho de 2016 a residir nesta habitação de forma a prestar cuidados à mãe, sem estar legitimado para o efeito.
J. nunca foi elemento autorizado na habitação nem mencionado em qualquer atualização de dados. De acordo com documentos apensos ao processo habitacional verifica-se que o interessado não possui os requisitos necessários para a instrução de candidatura a habitação social.
Em exposição escrita remetida a 29/01/2018, J. solicitou a sua integração e consequente mudança de titularidade do fogo,
A 14/02/2018, a Junta de Freguesia de (...) remeteu relatório social relativo a J., reforçando a necessidade de permanecer a residir no fogo municipal, atendendo à sua situação social e económica.
Em 25/05/2018, a regularização da situação habitacional, de J., foi submetida a Conselho de Administração, tendo sido indeferida. Nesta medida, o interessado foi notificado para proceder à entrega voluntária das chaves da habitação municipal, no prazo de 90 dias. J. procedeu por escrito à contestação de tal decisão, afirmando que reside no fogo municipal há vários anos e que sempre prestou os cuidados necessários á inquilina, sua mãe. O Interessado alegou, ainda, não dispor de alternativa habitacional ou rendimentos suficientes para recorrer ao mercado privado de arrendamento.
A Junta de Freguesia de (...), em 17/09/2018, reforçou a necessidade da reanálise da situação, e em agosto de 2018, o Senhor Provedor remeteu aos serviços da D. parecer no qual solicita, igualmente, a reavaliação da situação habitacional de J., alegando que residiu os últimos 4 anos com a mãe, a quem prestou todos os cuidados; o interessado é doente e com incapacidade e não possui alternativa habitacional ou retaguarda familiar.
Monitorizada a situação habitacional, findo o prazo concedido, verificou-se que o Interessado não procedeu à entrega voluntária do fogo.
Ponderados todos os elementos apresentados, verifica-se o ocupante não tem autorização para residir na habitação, nem possui qualquer documento que legitime esta ocupação, pelo que, esta é considerada sem título e abusiva.
Assim sendo, nos termos do n.° 2 do artigo 35.º da Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro, o ocupante está obrigado a desocupar a habitação e entrega-la livre de pessoas e bens á D., EM, sendo que caso esta determinação não seja voluntariamente cumprida, há lugar à execução do despejo nos termos do disposto no artigo 28.º daquele diploma legal.
Nestes termos, atenta a situação supra descrita, propõe-se,
i) Que o ocupante sem título seja notificado para proceder e desocupação e entrega voluntária da habitação na Rua (...):
ii) Que se fixe em 30 dias o prazo para entrega voluntária da casa;
iii) Que se aprove a minuta, anexa à presente, e que, incorpora a fundamentação supra aduzida;
iv) Que, caso se acolha tal recomendação e, uma vez notificado os interessados, estes não procedam à desocupação e entrega voluntária em 30 dias a contar da receção da notificação de decisão, se ordene a execução do despejo administrativo, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 289 da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro;
À Consideração Superior,
- cf. fls. 153 e 154 do processo administrativo;

2. Em 22.12.2018, sobre a proposta referida no ponto anterior, o Vereador do pelouro da Habitação, Coesão Social e Educação, proferiu o seguinte despacho: “Concordo. Proceda-se conforme proposto.” – cf. fls. 155 do processo administrativo;
3. Em 23.01.2019, os serviços da Entidade Demandada expediram, via postal, ofício de notificação relativo ao despacho referido no ponto anterior, dirigido ao Autor, tendo sido rececionado por este no dia 25.01.2019 – cf. fls. 160 a 163 do processo administrativo;

Mais se provou que:
4. Pelo Alvará n.º 34 896, em 9.07.2010, foi concedida pela Entidade Demandada a A. licença para habitar o Bairro das (...), Bloco 3, Entrada 52, Casa 20 – cf. alvará, a fls. 40 do processo administrativo;
5. Em 17.02.2014, A. declarou aos serviços da Entidade Demandada que o agregado familiar era constituído apenas pela própria – cf. declaração, a fls. 57 do processo administrativo;
6. Em 9.11.2016, A. declarou aos serviços da Entidade Demandada que o agregado familiar era constituído apenas pela própria – cf. declaração, a fls. 65, do processo administrativo;
7. Por requerimento datado de 25.07.2017, A. solicitou junto dos serviços da Entidade Demandada a integração do seu filho, aqui Autor, no agregado familiar, tendo, para tal, alegado que este se encontrava divorciado e sem alternativa habitacional, assim como, que a própria se encontrava com problemas de saúde, necessitada de apoio. Mais alegou que o Autor vive consigo desde julho de 2016 e que anteriormente residiu em Chaves, de onde saiu porque se divorciou – cf. requerimento, a fls. 67 e 68 do processo administrativo;
8. Na sequência do requerimento referido no ponto anterior, os serviços da Entidade Demandada elaboraram, em 25.08.2017, informação com o seguinte teor:

Na sequência do pedido efetuado, em 25 de julho de 2017, para integração do filho J. no processo habitacional da mãe A., somos a informar:
1. O agregado inscrito e autorizado a residir no fogo municipal, de tipo 1, é o infra caracterizado:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

2. Conforme declaração entregue, assinada pelos interessados, é solicitada a integração do filho, devido a falta de alternativa habitacional do mesmo e questões de saúde da inquilina;
3. Da análise do processo habitacional, e de acordo com os registas constantes nesta empresa, verificamos que:
a. J. nunca foi elemento autorizado, nem legalmente inscrito neste agregado familiar;
b. Apresenta documentos das Finanças com residência em conformidade com o fogo municipal, contudo a declaração da segurança social apresenta morada na Rua (…);
c. Do pedido de integração entregue refere que se encontra a residir na habitação, desde julho de 2016, tendo antes residido em Chaves;
d. Referem ainda que a inquilina se encontra já com uma idade avançada e com alguns problemas de saúde, pelo que necessita de apoio no seu dia a dia;
e. De Forma a comprovar o ponto anterior, anexam declaração médica, datada de 02 de junho de 2017, referindo diversos problemas de saúde nomeadamente "deficit cognitivo — não pode praticar, com autonomia, os atos indispensáveis à satisfação de necessidades básicas da vida quotidiana": úlcera recorrentemente infetada; retinopatia hipertensiva; osteoporose geriátrica, deficit de mobilidade, entre outros;
4. Discrimina-se na tabela infra a situação socioeconómica do elemento para quem é requerida a integração:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Consultada a conta corrente. verifica-se que vem a ser cobrada uma renda no valor de 36.16€, sem débitos constatando-se que, caso seja deferida a pretensão do arrendatário, a renda deverá alterar-se para 57.13€;
5. No caso em apreço o agregado não se pode candidatar a habitação social, uma vez que não cumpre critério nomeadamente cinco anos de residência no Município (...),
6. Em caso de deferimento da pretensão apresentada, a tipologia da habitação ficará desadequada ao novo número de elementos sendo o tipo 2 o mais indicado.
Face ao exposto, somos a colocar à consideração superior a integração no agregado familiar em apreço do filho J., nos termos constantes da Regulamento de Gestão do Parque Habitacional.

- cf. informação, a fls. 79 e 80 do processo administrativo;

9. Sobre a informação referida no ponto anterior, o Vereador do pelouro da Habitação, Coesão Social e Educação, em 30.09.2017, proferiu o seguinte despacho: “Indeferido face à informação e a que a tipologia não é adequada” – cf. fls. 81 do processo administrativo;
10. Em 12.10.2017, os serviços da Entidade Demandada expediram ofício de notificação do despacho referido no ponto anterior, dirigido a A., rececionado no dia 13.10.2017 – cf. fls. 82 a 84 do processo administrativo;
11. A. faleceu no dia 28.12.2017;
12. Em 29.01.2018, o Autor requereu junto dos serviços da Entidade Demandada a integração na habitação aqui em questão, tendo, para tal, alegado que nele residiu para tomar conta de sua mãe, tendo deixado de viver em chaves, acrescentando que em face da sua doença oncológica necessita de submeter-se regularmente a tratamentos e consultas externas no IPO do Porto e no Hospital de Santo António – cf. requerimento, a fls. 109 do processo administrativo;
13. Sobre o requerimento referido no ponto anterior, o Vereador do pelouro da Habitação, Coesão Social e Educação, em 25.05.2018, proferiu despacho, do qual consta, entre o mais: “Indeferido atendendo a que é elemento não inscrito, não cumpre as regras estabelecidas no Regulamento do Parque Habitacional (…)” – cf. despacho, a fls. 113 do processo administrativo;
14. Em 30.05.2018, os serviços da Entidade Demandada expediram ofício de notificação do despacho referido no ponto anterior, dirigido ao Autor, rececionado no dia 1.06.2018, no qual fixam o prazo de 90 dias para a desocupação da habitação – cf. fls. 114 a 116 do processo administrativo;
15. Por requerimento datado de 8.06.2018, o Autor solicitou à Entidade Demandada que revisse a situação e o pedido para ocupar a habitação, a que se refere o ponto 13) – cf. fls. 124 e 125 do processo administrativo;
16. Por ofício de 7.07.2018, dirigido ao Autor, rececionado em 13.07.2018, a Entidade Demandada reiterou a resposta anterior, de que não foi autorizada a sua permanência na habitação – cf. 126 a 132 do processo administrativo;
17. Por requerimento de 21.08.2018, o Autor solicitou à Entidade Demandada a prorrogação do prazo de entrega da habitação, a fim de permitir que o seu pedido de manutenção e permanência no locado fosse apreciado – cf. fls. 135 e 136 do processo administrativo;
Mais se provou que:
18. O Autor é portador de uma incapacidade física permanente, anterior a 1993, de 80% - cf. documento n.º 1, junto com a petição inicial;
19. No ano de 2016, na declaração modelo 3 de IRS, o Autor declarou, como único rendimento, rendimento de pensões, no valor anual de € 4.262,16 – cf. fls. 99 do processo administrativo;
20. No ano de 2017, a pensão anual auferida pelo Autor ascendeu a € 4.334,34 – cf. fls. 105 do processo administrativo;
21. O Autor passou a residir na Rua (...), desde julho de 2016 – cf. fls. 67, 68 e 110 do processo administrativo;
22. A habitação sita na Rua (...), corresponde à tipologia T1.
X
DE DIREITO
Está posta em causa a decisão que, julgando improcedente a acção, absolveu o Réu do pedido.
Na óptica do Recorrente esta viola o disposto no art.º 334º e na alínea c) do n.º 1 do art.º 1106º do Código Civil, subsidiariamente aplicável, art.º 50º do Regulamento que define as regras e estabelece as condições aplicáveis à gestão do parque habitacional do Município (...), e o art.º 65º da Constituição da República Portuguesa.
Cremos que carece de razão.
Antes, atente-se no discurso fundamentador da sentença, na parte que ora releva:
Na presente ação administrativa, com os fundamentos acima expostos, o Autor vem, em síntese, solicitar que o Tribunal reconheça o direito à transmissão do arrendamento da habitação na Rua (...) por óbito da sua mãe, com a consequente anulação o ato administrativo consubstanciado no despacho proferido pelo Vereador da Câmara Municipal (...) com os Pelouros da Habitação, Coesão Social e Educação de 22.12.2018, exarado na Informação/Proposta de decisão n.º DI-GPH-27958-2018, que determinou a notificação do Autor para proceder à sua desocupação e entrega voluntária, no prazo de 30 (trinta) dias, com a cominação expressa da execução de despejo administrativo.
Da inimpugnabilidade do ato:
(…)
Assim sendo, resta concluir pela não verificação da alegada aceitação do ato.
Da transmissão do direito ao arrendamento:
O Autor vem invocar o seu direito à ocupação da habitação, por via da transmissão do arrendamento por morte de sua mãe, ao abrigo do referido art.º 19º do Regulamento de Gestão do Parque Habitacional de (...).
É que, de acordo com o art.º 19º do Regulamento de Gestão do Parque Habitacional de (...) (em vigor em dezembro de 2017), a morte do concessionário determina a caducidade de licença de ocupação no prazo de 90 dias após a verificação da ocorrência, salvo se, naquele prazo, for requerida e autorizada a transmissão da mesma, para o cônjuge e, na falta deste, na linha reta, ficando a transmissão dependente do resultado da avaliação da carência económica, à luz dos requisitos constitutivos do direito à transmissão.
Para o que aqui interessa, a previsão da transmissão da concessão do arrendamento para parente na linha reta, na falta de cônjuge, do referido art.º 19º do Regulamento de Gestão do Parque Habitacional de (...), não pode deixar de estar condicionado quer pela verificação das condições de insuficiência económica do transmissário, quer pela verificação da coabitação em economia comum há mais de um ano, prevista no art.º 1106, n.º 1, al. c), do Código Civil.
Neste âmbito, nos termos do art.º 16º do referido regulamento, apenas o concessionário e o agregado familiar inscrito podem residir na habitação concessionada e qualquer modificação na composição do agregado familiar inscrito terá que ser previamente autorizada pelo Município, razão pela qual, a mãe do Autor requereu junto da Entidade Demandada a inscrição do Autor no seu agregado familiar.
Acontece que a inscrição do Autor no agregado familiar de sua mãe, para efeitos do art.º 16º do Regulamento do Parque Habitacional de (...), foi recusada pela Entidade Demandada, com fundamento na inadequação da habitação, por se tratar de uma habitação de tipologia T1.
Em face daquela recusa de integração no agregado familiar, materialmente fundamentada, ao Autor passou a estar vedada a possibilidade de habitar na referida habitação conjuntamente com a sua mãe.
Ao assim ser, não é admissível que a situação de facto consubstanciada na coabitação não autorizada do Autor com sua mãe, porque contrária às normas em vigor, constitua na esfera jurídica do Autor o direito à transmissão do contrato de arrendamento.
Pelo que não será de concluir pela violação do art.º 19º do Regulamento de Gestão do Parque Habitacional do Município (...) (em vigor em dezembro de 2017).
Constata-se desta forma que o Autor vinha ocupando a habitação em questão sem qualquer título que a legitime, na medida em que, segundo o art.º 35º da Lei n.º 80/2014, de 19.12, que estabelece o regime de renda condicionada dos contratos de arrendamento para fim habitacional, são considerados sem título as situações de ocupação de habitações sociais por quem não detém contrato ou documento de atribuição ou de autorização que a fundamente (n.º 1), pelo que, o ocupante sem título está obrigado a desocupar a habitação e a entregá-la até ao termo do prazo para o efeito fixado (n.º 2), sendo que, caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega de habitação, há lugar a despejo, nos termos do art.º 28º (n.º 3).
Por tudo o que vai dito, conclui-se que se verificou a caducidade do contrato de arrendamento com o falecimento da respetiva arrendatária – mãe do aqui autor -, uma que não se encontram reunidos os pressupostos exigidos para a transmissão do direito de arrendamento da habitação social para a esfera jurídica do Autor, não padecendo o ato que determinou a desocupação da mesma do vício imputado.
Ao ser assim, o conhecimento do pedido de condenação da Entidade Demandada na emissão dos recibos de renda em nome do Autor encontra-se prejudicado, nos termos do art.º 608º, n.º 2, do CPC.
Em face de todo o exposto, será de improceder a pretensão do Autor.
X
Apesar dos esforços argumentativos que o Apelante faz nas suas alegações de recurso, é manifesto que não há lugar à transmissão do direito de arrendamento no caso em apreço.
Vejamos:
Refere o Recorrente que, pelo menos, desde 2016, passou a residir com a sua mãe, tendo a mesma dirigido ao Réu vários pedidos de integração do mesmo no seu agregado familiar, o que, de facto, não se verifica.
Em 2014 a mãe do Recorrente e o Apelante solicitaram autorização ao Réu para coabitação do seu filho.
Não pediram para que o filho passasse a fazer parte do agregado familiar, mas para que passasse a fazer parte do agregado familiar autorizado, que é coisa diferente, o que o Réu indeferiu com o fundamento de o fogo em causa ser de tipologia T1.
Assim sendo, na esfera jurídica da mãe do Apelante não existe qualquer direito a que a coabitação do filho com ela fosse autorizada nem assiste a este esse mesmo direito, precisamente porque a tipologia do fogo em causa não o admitiria. Dito de outro modo, não era possível deferir esta pretensão porque a tipologia do fogo era insuficiente para duas pessoas.
Esta decisão comunicada à mãe do Apelante pelo Réu, e de que este tomou conhecimento, não foi objeto de pedido de condenação à prática de ato devido, nem de impugnação, pelo que se trata de caso decidido. Portanto, e por que o que vigorava entre a mãe do Apelante e o Réu não é um contrato de arrendamento, mas um contrato de arrendamento apoiado não basta ao Apelante alegar e mesmo demonstrar que residia com a mãe há mais de um ano em comunhão de vida e que padece de uma incapacidade superior a 60% para que o arrendamento lhe seja transmitido, como bem decidiu o Tribunal a quo.
Neste tipo de arrendamento, precisamente porque, sendo bens escassos, os mesmos não estão numa lógica de mercado e servem para suprir as deficiências de habitação segundo as regras que a empresa que gere esta atribuição camarária define, não permite a transferência nestes termos a não ser quando o invocado coabitante é um não clandestino na habitação, ou seja, quando a ocupação é legal porque autorizada.
Não é esse o caso do aqui Apelante e é por essa razão que tem de entregar a fração em causa a quem é o proprietário da mesma porque o contrato de arrendamento apoiado que a sua mãe celebrou com o Réu caducou.
O ato emanado de que o Apelante se queixa é válido porque, efetivamente, o Apelante não tem, como ele próprio refere, título de ocupação válido e, consequentemente, o contrato não se lhe transfere.
Aliás, o artigo 19º invocado pelo Apelante não pode ser lido autonomamente como ele o pretende fazer.
Com efeito, dispõe o artigo 18º do mesmo regulamento sob a epígrafe Subarrendamento e hospedagem que:
1. Os concessionários estão proibidos de hospedar, subarrendar e ceder, total ou parcialmente, seja a que título for, os fogos de habitação social.
2. É, ainda, expressamente proibido aos concessionários permitir a permanência na habitação social de pessoa que não pertença ao agregado familiar inscrito e não tenha sido autorizada a coabitar pelo Município (...).
3. O Município (...) pode, mediante requerimento fundamentado apresentado pelo concessionário, autorizar a permanência na habitação, por período alargado, mas a título transitório e sem qualquer direito de inscrição, de pessoa estranha ao agregado familiar.
4. A autorização referida no número anterior caduca no termo do prazo para que tiver sido concedida, podendo ser revogada caso se verifique incumprimento, pelo autorizado, das obrigações impostas aos inquilinos municipais pelo presente regulamento.
Da leitura deste preceito resulta evidente que o familiar em linha reta a que pode transmitir-se o arrendamento é aquele que estiver autorizado nos termos do artigo 18º do Regulamento invocado pelo Apelante.
Pois, se assim não fosse, então a morte dos concessionários seria uma forma de legitimar uma situação antes ilegal e que seria a violação daquela regra.
Assim, o Apelante pelo simples facto de ter necessidade de uma habitação a preço mais acessível ou fora do mercado, não pode ver-lhe transferido o contrato de arrendamento.
E não pode porque há pessoas igualmente desfavorecidas que aguardam em procedimento administrativo que as casas vaguem para o efeito e poderem receber uma. Bem sabendo que, se fosse inscrever-se, não teria direito a receber autorização, pois não tem morada no Porto há mais de 5 anos, condição essencial para se colocar em situação de atribuição de uma habitação social.
Assim, o ato administrativo visado não padece de qualquer vício.
É certo que o Apelante vem referir que o Município (...), com o ato administrativo que praticou, ofendeu o seu direito constitucional à habitação, pelo que o mesmo é nulo e, como tal, sindicável a todo o tempo.
Ora, resulta como evidente que os vícios assacados ao ato administrativo, caso se viessem a dar como verificados, o que não aconteceu, apenas gerariam anulabilidade.
De facto, o Apelante fundamenta a tese de que o ato administrativo padece de diversos vícios nomeadamente, a violação do direito constitucional à habitação (artigo 65º da CRP), visto que o artigo 161º do CPA menciona que são nulos os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.
Ora, como ensinam Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, “A formulação legal é excessivamente ampla: por direitos fundamentais, para estes efeitos, devem entender-se apenas os direitos, liberdades e garantias (quer os direitos do Título II da Parte I CRP, quer os direitos análogos a estes, nos termos do artº17º CRP) e não os direitos económicos, sociais e culturais na sua dimensão de direitos de prestações (…)
Acrescentam ainda os mesmos autores que “a utilização da expressão conteúdo essencial está deslocada, na medida em que é utilizada pelo artº 18º, 3 da CRP para delimitar um âmbito dos direitos fundamentais intocável pela atividade legislativa, não se afigurando como operativa para a proteção dos direitos fundamentais perante a administração” (em Direito Administrativo Geral, Atividade Administrativa, Tomo III, 1ª edição).
Assim, constituindo o direito constitucional à habitação, não um direito, liberdade e garantia, mas um direito com dimensão social, os vícios assacados nunca gerariam nulidade, mas apenas mera anulabilidade.
Neste sentido v. o Acórdão deste TCAN de 6/3/2015, no processo 01064/13.2BEPRT: “Como se salienta, entre outros, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 374/2002, o direito à habitação, enquanto direito a ter uma morada decente ou condigna (65.º da CRP), assume essencialmente uma dimensão social de “um direito a prestações, de conteúdo não determinável ao nível das opções constitucionais, a pressupor, antes, uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, cuja efetividade está dependente da reserva do possível, em termos políticos, económicos e sociais”. Ou seja, o direito à habitação, enquanto direito fundamental de natureza social, “pressupõe a mediação do legislador ordinário destinada a concretizar o respetivo conteúdo” (Acórdão do TC n.º 829/96), dele não se retirando um “direito imediato a uma prestação efetiva” (Acórdão do TC n.º 280/93)”.
Na verdade, a nulidade é uma exceção cada vez mais apertada como consequência de um ato administrativo inválido e os argumentos concretos imputados pelo Apelante ao ato consubstanciam todos eles, pelo menos teoricamente, uma anulabilidade do ato administrativo e não a sanção mais pesada que é a nulidade.
De qualquer modo, mesmo a anulação do ato administrativo de resolução do contrato de arrendamento apoiado é descabida, na medida em que o fundamento em que se baseou é perfeitamente válido.
Assim, bem andou o Tribunal a quo, ao julgar improcedente a ação e, consequentemente, absolver o Réu do pedido.
Em suma:
-O que está em causa não é o direito à habitação [enquanto direito fundamental que esteja a ser violado], mas o direito à habitação, na base de pressupostos determinados, concretos, que o Autor assaca ao Réu, como por si violados, e que foram determinantes, nesse conspecto legal e factual, da cessação do direito de utilização do fogo municipal;
-A sentença foi assertiva ao julgar que a decisão administrativa em causa não é merecedora de censura jurídica, pois que o seu autor prosseguiu na sua actuação no estrito âmbito dos seus poderes e da determinação legal;
-Para o que aqui interessa, a previsão da transmissão da concessão do arrendamento para parente na linha reta, na falta de cônjuge, do referido art.º 19º do Regulamento de Gestão do Parque Habitacional de (...), não pode deixar de estar condicionada quer pela verificação das condições de insuficiência económica do transmissário, quer pela verificação da coabitação em economia comum há mais de um ano, prevista no art.º 1106, n.º 1, al. c), do Código Civil;
-Neste âmbito, nos termos do art.º 16º do referido regulamento, apenas o concessionário e o agregado familiar inscrito podem residir na habitação concessionada e qualquer modificação na composição do agregado familiar inscrito terá que ser previamente autorizada pelo Município, razão pela qual, a mãe do Autor requereu junto da Entidade Demandada a inscrição do Autor no seu agregado familiar;
-Sucede que a inscrição do Autor no agregado familiar de sua mãe, para efeitos do art.º 16º do Regulamento do Parque Habitacional de (...), foi recusada pela Entidade Demandada, com fundamento na inadequação da habitação, por se tratar de uma habitação de tipologia T1;
-Em face daquela recusa de integração no agregado familiar, materialmente fundamentada, ao Autor passou a estar vedada a possibilidade de habitar na referida habitação conjuntamente com a sua mãe;
-Ao assim ser, resulta que o Autor vinha ocupando a habitação em questão sem qualquer título que a legitime, na medida em que, segundo o art.º 35º da Lei n.º 80/2014, de 19.12, que estabelece o regime de renda condicionada dos contratos de arrendamento para fim habitacional, são considerados sem título as situações de ocupação de habitações sociais por quem não detém contrato ou documento de atribuição ou de autorização que a fundamente (n.º 1), pelo que, o ocupante sem título está obrigado a desocupar a habitação e a entregá-la até ao termo do prazo para o efeito fixado (n.º 2), sendo que, caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega de habitação, há lugar a despejo, nos termos do art.º 28º (n.º 3);
-Operou a caducidade do contrato de arrendamento com o falecimento da respetiva arrendatária - mãe do aqui Apelante -, uma vez que não se encontram reunidos os pressupostos exigidos para a transmissão do direito de arrendamento da habitação social para a esfera jurídica do Autor;
-Não padece o ato que determinou a desocupação da mesma habitação do vício assacado;
-Não basta apelar ao erro sobre os pressupostos da decisão ou arguir a inconstitucionalidade da resolução do contrato de arrendamento;
-O direito à habitação não é absoluto e cede quando fica comprovada a ausência de título que o legitime;
-Quanto ao princípio da boa fé, há que não perder de vista que ele respeita à necessidade de se ponderarem os valores fundamentais de direito, pertinentes no caso concreto, em função, designadamente, da confiança suscitada na contraparte por determinada actuação e do objectivo a alcançar -cfr. Diogo Freitas do Amaral - Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2009, págs. 133 a 138 - e Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos - ob. cit.;
-E, conforme jurisprudência dos Tribunais Superiores, para que exista violação do princípio da boa fé é necessário que tenham sido criadas expectativas no particular minimamente sólidas, censurando-se os comportamentos que sejam desleais e incorretos, bem como as afetações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas - Acórdãos do Tribunal Constitucional 287/90, 160/00, 109/02, 128/02, e do STA 0112/07 e 073/08, de 30/10/1990, 22/03/2000, 05/03/2002, 14/03/2002, 11/09/2008 e 13/11/2008, respetivamente;
-Neste desiderato dúvidas não restam que a Administração não se afastou do princípio da justiça; pelo contrário; nos termos da atividade vinculada da Administração esta só pode fazer aquilo que a lei permite, em estrito cumprimento do princípio da legalidade ínsito no artigo 3º do CPA;
-De acordo com o Acórdão do STA de 23/06/1994, proc. nº 031585: “Embora os princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade configurem parâmetros da actuação vinculada da Administração Pública, a tal ponto que o seu não acatamento gera o vício de violação de lei, é na actividade discricionária daquela que encontram a sua raiz, consubstanciando limites intrínsecos daquele poder discricionário, ou seja, critérios que devem nortear o exercício desse poder e que quando desrespeitados, geram a ilegalidade do acto administrativo correspondente. (…) Nos termos da actividade vinculada da Administração Pública, não se afigura curial estar-se a invocar a violação de tais princípios, já que esta tem significado coincidente com a violação do princípio da legalidade”);
-O apelo às normas constitucionais - muito importantes - inerentes à defesa dos direitos, liberdades e garantias, não pode olvidar que sendo constituídas por princípios, têm de assentar nas outras normas, que deverão ser apreciadas à sombra daquelas, mas que existem e não foram declaradas inconstitucionais;
-Aliás, a invocação mais ou menos genérica e difusa, mas sem a necessária densificação de desrespeito de preceitos constitucionais fá-la, desde logo, soçobrar;
-De todo o modo dir-se-á que foi na prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, que precisamente agiu o Ente Administrativo;
-Não foram, pois, violados por parte do Réu/Recorrido quaisquer comandos constitucionais, nomeadamente o artigo 65º;
-Como ensina Paulo Otero, em “Direito do Procedimento Administrativo” Vol. I, ed. 2016, Almedina, pág. 138, “A sujeição administrativa à lei goza da presunção de que estamos diante de um critério ordenador orientado para o bem comum e, sendo proveniente de um órgão político democrático e ao abrigo de uma Constituição instituidora de um Estado de Direito Democrático, a lei pode gozar da presunção de ser conforme à Justiça e à Constituição: Por isso mesmo, e ainda no sentido de evitar a anarquia administrativa, só a título excecional se pode admitir que os órgãos administrativos desapliquem, por inconstitucionalidade, a normatividade que lhe serve de fundamento de agir; (…) a desconformidade da lei face à Constituição não habilita a Administração Pública, por via de regra, a desaplicar as normas inconstitucionais”, antes da sua declaração, “antes lhe impõe o seu acatamento, daí resultando a prática de atos feridos de inconstitucionalidade consequente ou derivada”;
-Acresce o que decorre do artigo 8º/2 do Código Civil quanto à Interpretação e Aplicação da Lei, inserido no Capítulo II, sob a epígrafe Vigência, Interpretação e Aplicação das leis;
-“O dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo”; como ensinam os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação a este preceito, “Código Civil Anotado”, Vol. I, Ano 1982, Coimbra Editora: “Mas, além da denegação da justiça, a lei proíbe aos Tribunais a apreciação da justiça ou moralidade da regra legislativa. O conteúdo do direito e da moral a que se deve obediência é sempre, por conseguinte, o fixado pelo legislador e não pelo julgador”; aliás o dever de obediência à lei é também uma emanação constitucional - cfr. o nº 2 do artº 266º da Lei Fundamental.
Afastadas que estão as falhas imputadas à sentença, ela será mantida na ordem jurídica.
A contrario sensu improcedem as conclusões da alegação, designadamente o apelo à figura do abuso de direito.
Existirá abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado - Ac. RL de 24/04/2008, no proc. 2889/2008-6.
E nas palavras de António Menezes Cordeiro o abuso do direito implica, sempre, uma ponderação global da situação em jogo, sob pena de se descambar no formalismo de que se pretende fugir.
E como se refere no Ac. do STJ de 12/11/2013, proc. 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1, II- São pressupostos desta modalidade de abuso do direito - venire contra factum proprium - os seguintes: a existência dum comportamento anterior do agente susceptível de basear uma situação objectiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e actual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma actividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objectiva de confiança e o “investimento” que nela assentou.
III-O princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma do artº 334.º do CC, que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a protecção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
*
Notifique e DN.
*
Porto, 22/01/2021


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas