Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01084/11.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/03/2013
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Paula Soares Leite Martins Portela
Descritores:COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS FISCAIS;
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Sumário:Pertence à jurisdição fiscal a competência para dirimir questões de responsabilidade por danos decorrentes de toda a actividade administrativa materialmente tributária.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:S-GI,Sa.
Recorrido 1:Estado Português
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumaríssima (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:S – GI, (…), S.A. com os sinais nos autos, inconformado, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF do Porto, em 22-03-2013, que julgou procedente excepção de incompetência em razão da matéria, absolvendo o Réu, ESTADO PORTUGUÊS, da Acção Administrativa Comum por si interposta, em que peticionava a condenação deste, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de 912,38€, acrescida de juros de mora vincendos até integral pagamento, a título de responsabilidade civil extracontratual por “acto administrativo lesivo praticado pelo 2° Serviço de Finanças do Porto”.
Para tanto alega em conclusão:
i. Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 107 sgs., com data de prolação de 22.03.2012, que julgou pela incompetência absoluta do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, por ter considerado que não tem competência material para conhecer de uma acção de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado – intentada por acto lesivo praticado pela Administração Fiscal.
ii. Na presente acção, efectivamente, estamos na coutada da responsabilidade civil extracontratual do Estado, com vista a aferir da obrigação, que recai sobre uma entidade que desenvolve uma actividade de natureza pública (Administração Fiscal) de indemnizar os prejuízos que tiver causado aos particulares.
iii. Face ao quadro legal vigente, constata-se que o legislador pretendeu expressamente estender a competência dos tribunais administrativos e fiscais a áreas de jurisdição que antes não eram suas, na medida em que deixou de vigorar o art. 4º al. f), norma restritiva da competência dos tribunais administrativos inserta no anterior ETAF (Dec-Lei n.º 124/84 de 27/4.), segundo a qual estavam excluídos da jurisdição administrativa e fiscal os recursos e acções que tinham por objecto questões de direito privado, ainda que qualquer das partes fosse pessoa de direito público.
iv. Com a reforma do contencioso administrativo, pretendeu atribuir-se competência aos tribunais administrativos e fiscais a todas as questões de responsabilidade civil envolvendo pessoas colectivas de direito público (Cfr. alíneas g) e h) do referido art. 4° n° 1)., independentemente de se saber se as mesmas eram regidas por normas de direito público ou por normas de direito privado.
v. A este propósito, como resulta do acórdão do STJ de 10-4-2008, dado no proc. n.º 08B845, tal distinção “não releva para determinação da competência jurisdicional, certo que a lei seguiu critério objectivo da natureza da entidade demandada, ou seja, sempre que o litígio envolva uma entidade pública, em quadro de imputação à mesma de facto gerador de um dano, o conhecimento do litígio compete aos tribunais da ordem administrativa, independentemente do direito substantivo aplicável”.
vi. Como refere a nossa Doutrina (Carlos Alberto Cadilha In Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, pág. 49.) «(...) tal como de resto sucede em relação a órgãos e serviços que integram a Administração Pública, o regime da responsabilidade administrativa é apenas aplicado no que se refere às acções ou omissões em que essas entidades tenham intervindo investidas de poderes de autoridade ou segundo um regime de direito administrativo, ficando excluídos os actos de gestão privada e, assim, todas as situações em que tenham agido no âmbito do seu estrito estatuto de pessoas colectivas privadas.».
vii. A designação legal de “Tribunais Administrativos e Fiscais” congrega os anteriormente denominados “Tribunais Administrativos de Circulo” e os “Tribunais Tributários”, sendo que, relativamente a estes últimos, encontra-se concretamente definida, no artigo 49.º do ETAF, a respectiva competência material - onde não se inclui a “responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público” prevista no artigo 4.º n.º 1 i) do ETAF.
viii. A relação jurídica em causa é, sem qualquer dúvida, uma relação administrativa, uma vez que um dos sujeitos envolvidos actua no exercício de um poder de autoridade tendo em vista a realização de um interesse público legalmente definido (M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira, CPTA Anotado, vol. I, pg. 25 e segs).
ix. Assim, sempre que um dos sujeitos dessa relação é uma entidade pública ou um sujeito dotado de poderes de autoridade que pratica o facto gerador do alegado dano ao abrigo de normas de direito público, se está perante uma relação jurídica administrativa e, consequentemente, que o conhecimento e resolução do litígio daí emergente compete à jurisdição administrativa (Ac. do Tribunal de Conflitos, de 04-11-2009, dado no proc. n.º 06/09).
Ao Assim não ter entendido, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de direito, a impor a anulação da sentença recorrida.
*
O RECORRIDO, Estado Português, apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
1 - A A. S-GI, (...), SA propôs ação administrativa comum, sob a forma sumaríssima contra o Estado Português, na qual, por despacho judicial, foi fixado o valor da causa em 912,38 €.
Assim,
2 — Inconformada com a sentença a quo que considerou procedente a exceção dilatória de incompetência material deste Tribunal Administrativo, a A. interpôs recurso diretamente para o STA.
Ora,
3 - Os TCA são tribunais de segunda instância, para o qual são interpostos os recursos das decisões dos tribunais administrativos de círculo — art. 37º nº2 do ETAF — enquanto ao STA fica reservada a tarefa de apreciar os recursos para uniformização de jurisprudência, fundados em oposição de acórdãos, e, excecionalmente, os recursos de revista, com exclusivo fundamento em questões de direito, que poderão ser interpostos per saltum ou em segundo grau de recurso (art. 24º., nº.2 do ETAF e 150º. a 152.º do CPTA).
In casu,
4 - Não é caso dos nossos autos, uma vez que a situação não se enquadra no recurso per saltum previsto no disposto do art. 151.º do CPTA.
Logo,
5 - O presente recurso não deve ser apreciado e decidido pelo STA, mas antes pelo TCA Norte.
Sem prejuízo e conforme se referiu,
6 - A A. S – GI(…) SA propôs ação administrativa comum, na forma sumaríssima contra o Estado Português na qual termina pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de 912,38 € acrescida de juros de mora vincendos até integral pagamento, a título de responsabilidade civil extracontratual por ato administrativo lesivo praticado pelo 2º Serviço de Finanças do Porto.
Alega,
7 - Em sustento da sua pretensão que, em 14.05.2004, apresentou uma reclamação graciosa contra a liquidação de IMI relativa ao ano de 2003, no valor de 7.512,98 €, e que, em 27.10.2005, apresentou uma garantia bancária no valor de 12.200,00 €, para assegurar o efeito suspensivo da referida reclamação e, assim, impedir o prosseguimento do processo de execução fiscal n.º 3182200501031074, entretanto instaurado.
Assim,
8 - Em 28.07.2008, foi a A. notificada de que a reclamação graciosa apresentada havia sido deferida, portanto, tendo a A. sido constituída em 23.06.1998, estava isenta de IMI pelo período de 18 anos a contar da sua constituição, ao abrigo do disposto no DL n.2 29 1/85, de 24 de julho....”
Alega ainda que
9 - A liquidação de IMI em causa foi emitida por erro imputável aos Serviços da Administração Fiscal, a qual atuou em violação de lei, o que determina a sua responsabilidade civil extra-contratual.
Ora,
10 - A competência em razão da matéria afere-se em função dos termos em que a ação é proposta, definida pelo pedido e pela causa de pedir, devendo partir-se do teor da pretensão deduzida pelo Autor e dos fundamentos em que assenta, sendo para o efeito irrelevante o juízo de prognose que se possa fazer sobre a viabilidade da ação (por se tratar de questão atinente ao mérito da pretensão), e sendo igualmente certo que o tribunal não está vinculado às qualificações jurídicas efetuadas pelo Autor.
Além disso,
11 - O juízo a formular, quanto à competência, é independente da idoneidade do meio processual utilizado, bem como da verificação dos demais pressupostos de que a lei faz depender a apreciação do mérito da causa e da verificação das condições de provimento desta.
12 - Na jurisdição administrativa e fiscal, que é aquela que no presente caso importa considerar, a competência dos tribunais administrativos e dos tribunais tributários para o conhecimento das pretensões perante os mesmos deduzidas está repartida em função dos litígios serem emergentes, respetivamente, de relações jurídicas administrativas ou de relações jurídicas fiscais
Ora,
13 — O art. 44.°, n.º 1 do citado ETAF, sob a epígrafe, Competência dos tribunais administrativos de círculo, prescreve assim:
“Compete aos tribunais administrativos de círculo conhecer, em 1ª instância, de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa, com exceção daqueles cuja competência, em primeiro grau de jurisdição, esteja reservada aos tribunais superiores e da apreciação dos pedidos que nestes processos sejam cumulados”.
Por outro lado,
14 — O art. 49º, sob a epígrafe, Competência dos tribunais tributários prescreve assim que compete aos tribunais tributários conhecer, além do mais, “das ações destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal» [nº 1, al. c)]
Deste modo,
15 - A competência para apreciar relações jurídicas controvertidas emergentes de questão fiscal ou em matéria tributária pertence aos tribunais tributários, entendendo-se por questão fiscal “toda aquela que, de qualquer forma imediata ou mediata, faça apelo à interpretação e aplicação de norma fiscal, ou seja, de norma que se relacione com impostos ou figuras jurídicas análogas”.
Que o mesmo é dizer
16 - Referente à imposição do pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação dos encargos públicos do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que com elas estejam objetivamente conexas ou teleologicamente subordinadas.
Assim,
17 — A relação material controvertida tal como vem configurada na P1 diz inequivocamente respeito a questão fiscal, pois que está em causa é precisamente a apreciação do seu direito à atribuição de uma indemnização pela prestação de uma garantia bancária, a fim de assegurar o efeito suspensivo da reclamação graciosa que apresentou) nos termos do disposto no art. 69º, al. f) do CPPT em face de uma liquidação de IMI, devendo a questão controvertida ser dirimida por apoio interpretação e aplicação de normas fiscais.

18 — E muito menos ocorreu erro de julgamento em que “...o juiz disse o que queria dizer, mas decidiu mal, pois decidiu contra lei expressa ou contra os factos apurados.”(J. Alberto Reis, Código Processo Civil anotado, 5º Vol., p.130)
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O Ministério Público, que já se encontra nos autos a representar o Estado Português, não emitiu pronúncia ao abrigo do artigo 146º, nº1, do CPTA.
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FACTOS COM INTERESSE PARA A CAUSA:
1_A A. S – GI(…) SA. - vem propor contra o Estado Português . . . pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de 912,38 € acrescida de juros de mora vincendos até integral pagamento, a título de responsabilidade civil extracontratual por ato administrativo lesivo praticado pelo Serviço de Finanças do Porto..
2_Em sustento da sua pretensão alega que, em 14.05.2004, apresentou uma reclamação graciosa contra a liquidação de IMI relativa ao ano de 2003, no valor de 7,5 12,98 €, e que, em 27.10.2005, apresentou uma garantia bancária no valor de 12.200,00 €, para assegurar o efeito suspensivo da referida reclamação e, assim, impedir o prosseguimento do processo de execução fiscal n.° 3182200501031074, entretanto instaurado.”.
3_Em 28.07.2008, foi a A. notificada de que a reclamação graciosa apresentada havia sido deferida, portanto, tendo a A. sido constituída em 23.06.1998, estava isenta de IMI pelo período de 18 anos a contar da sua constituição, ao abrigo do disposto no DL n.° 29 1/85, de 24 de julho.
4_ É fundamento da pretensão da recorrente que a liquidação de IMI em causa foi emitida por erro imputável aos Serviços da Administração Fiscal, a qual atuou em violação de lei, o que determina a sua responsabilidade civil extracontratual.
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QUESTÕES QUE IMPORTA CONHECER
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, tendo presente que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º, n.º 3 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 140º do CPTA.
Mas, sem esquecer o disposto no artº 149º do CPTA nos termos do qual ainda que o tribunal de recurso declare nula a sentença decide do objecto da causa de facto e de direito.
A questão que aqui importa conhecer é tão só a de saber se são competentes para a questão que aqui importa conhecer os tribunais administrativos ou os tribunais fiscais.
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O DIREITO
Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 107 sgs., que julgou O TAF do Porto, incompetente em razão da matéria para conhecer de uma acção de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado por acto lesivo praticado pela Administração Fiscal.
É o seguinte o teor do despacho recorrido:
“(…) Vejamos.
Resulta do artigo 1° do ETAF, em decorrência do estabelecido no artigo 212° n°3 da Constituição da República Portuguesa, que “os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicos administrativas e fiscais.” Este princípio, vem densificado no artigo 4° n.1 do ETAF, o qual elenca um leque de litígios susceptíveis de serem apreciados pelos tribunais administrativos e fiscais.
E, no que concerne à competência dos tribunais tributários, preceitua o art. 49º
do ETAF (na actual redacção) que “1 - Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, compete aos tribunais tributários conhecer:

a) Das acções de impugnação:
1) Dos actos de liquidação de receitas fiscais estaduais, regionais ou locais, e para fiscais, incluindo o indeferimento total ou parcial de reclamações desses actos;
ii) Dos actos de fixação dos valores patrimoniais e dos actos de determinação de matéria tributável susceptíveis de impugnação judicial autónoma;
iii) Dos actos praticados pela entidade competente nos processos de execução fiscal;
iv) Dos actos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais;
b) Da impugnação de decisões de aplicação de coimas e sanções acessórias em matéria fiscal;
c) Das acções destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal;
d) Dos incidentes, embargos de terceiro, reclamação da verificação e graduação de créditos, anulação da venda, oposições e impugnação de actos lesivos, bem como de todas as questões relativas à legitimidade dos responsáveis subsidiários, levantadas nos processos de execução fiscal;
e) Dos seguintes pedidos:
í) De declaração da ilegalidade de normas administrativas de âmbito regional ou local, emitidas em matéria fiscal;
ii) De produção antecipada de prova, formulados em processo neles pendente ou a instaurar em qualquer tribunal tributário;
iii) De providências cautelares para garantia de créditos fiscais;
iv) De providências cautelares relativas aos actos administrativos impugnados ou impugnáveis e às normas referidas na subalínea i) desta alínea;
v) De execução das suas decisões;
vi) De intimação de qualquer autoridade fiscal para facultar a consulta de documentos ou processos, passar certidões e prestar informações;
f) Das demais matérias que lhes sejam deferidas por lei.
Ora, da análise das hipóteses consideradas nos normativos enunciados, julga este Tribunal que a relação material controvertida, tal como configurada pela A., de facto, não se consubstancia numa relação jurídica de natureza administrativa, mas antes de natureza fiscal.
Com efeito, em face do ETAF, a competência dos tribunais administrativos e dos tribunais tributários para o conhecimento das pretensões perante os mesmos deduzidas está repartida em função dos litígios ai suscitados serem emergentes, respectivamente de relações jurídicas administrativas ou de relações jurídicas fiscais.
Na verdade, deverá considerar-se que a “questão fiscal” abrange todas aquelas que façam apelo à interpretação e aplicação de normas de direito fiscal atinentes ao exercício da função tributária da Administração ou à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos
Assim, como bem refere Jorge Lopes de Sousa, é questão fiscal “(…) a que exija
a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal Substantivo ou adjectivo para a resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública,” - vd. Código de Procedimento e Processo Tributário — Anotado e Comentado, Vol. 1, 2006, pág. 221.

Realmente, no caso em apreço, o que pretende a A. é precisamente a apreciação do seu direito à atribuição de uma indemnização pela prestação de uma garantia bancária, a fim de assegurar o efeito suspensivo da reclamação graciosa que apresentou, nos termos cio disposto no artigo 69° alínea f) do CPPT, em face de uma liquidação de IMl.
Perante tal enquadramento fáctico, entende este Tribunal que o aqui está em causa é, claramente, a aplicação de normas de direito fiscal em matéria de evidente pendor tributário Na verdade resulta pois do exposto que a apreciação causa de pedir nos autos- da matéria subjacente à pretensão da A.- implica a aplicação e interpretação de preceitos que se incluem no âmbito dos normativos de natureza tributária como seja, o recurso ao estipulado no artigo 53° da LGT e o 171° do CPPT. Ou seja, a dissolução do litígio referente à obrigação de pagamento de juros de mora, que a A. pretende cobrar do R., encontra-se umbilicalmente dependente da questão da avaliação do procedimento de liquidação e cobrança do IMI.
O que quer significar que, indubitavelmente, a questão objecto do presente litígio assume natureza tributária, competindo a sua resolução ao Tribunal Tributário e não a este Tribunal Administrativo
Aliás, refira-se que o Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, no Acórdão proferido em 25/11/2011, no processo 02750/10.4BEPRT, debruçou-se precisamente, sobre idêntica questão, produzindo a Jurisprudência que se transcreve de seguida:
VI. À face do ETAF na Jurisdição administrativa e fiscal a competência dos tribunais administrativos e dos tribunais tributários para o conhecimento das pretensões perante os mesmos deduzirias está repartida em função dos litígios serem emergentes respectivamente de relações jurídicas administrativas ou de relações jurídicas fiscais.
VII. Temos para nós que por “questão fiscal” deverá entender-se, de harmonia com a jurisprudência firmada pelo STA, a que, de qualquer forma, imediata OU mediata faça apelo à interpretação e aplicação de norma de direito fiscal com atinência ao exercício da função tributária da Administração ou à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos. É “questão fiscal’ POIS, aquela que emerge de resolução autoritária que imponha o pagamento de prestações pecuniárias com vista à satisfação de encargos públicos dos respectivos entes impositivos (cfr. Casalta Nabais in:
“Direito Fiscal"’ 2.ª edição, pág. 366).

VIII. Por outras palavras, estamos perante questão daquela natureza quando a mesma diga respeito à interpretação e aplicação de normas legais de natureza tributária, ou seja, se refira a uma resolução autoritária que negue direito a não pagamento ou que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação dos encargos públicos do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que com elas estejam objectivamente conexas ou teleologicamente subordinadas. (...)”.
Desta feita, e considerando a Jurisprudência espraiada, inexiste qualquer dúvida sobre a natureza fiscal da questão a dirimir nos presentes autos.
Postas estas asserções, não pode deixar-se de concluir que este Tribunal Administrativo não tem competência em razão da matéria para apreciar e julgar o vertente litígio, pertencendo tal competência ao Tribunal Tributário do Porto, este sim, o competente para diluir os conflitos que envolvam a apreciação de questões de natureza fiscal, consonantemente com o disposto nos art.°s 212°, n.° 3 da Constituição da República Portuguesa e art.°s 1° e 49°, n.° 1, aI. a), i) do ETAF.
Destarte, considerando todo o conjunto argumentativo esgrimido, é nosso entendimento que este Tribunal Administrativo é incompetente em razão da matéria para apreciar e decidir da questão sub juditio. Sendo a incompetência material uma incompetência absoluta do Tribunal (cfr. art.° 101° do CPC), traduz uma excepção dilatória (art.° 494°, ai. a) do CPC) conducente à absolvição da R. da instância (art.° 288°, n.° 1, ai. a) e art.° 493°, n.° 2 do CPC).”

E decidiu-se bem.

Neste sentido, e sem necessidade de quaisquer outras considerações ver voto de vencido da Conselheira Dulce Neto, subscrito por mais três conselheiros no Ac. do STA Pleno de 5/09/012 proc. 862/11:

“…Estamos perante uma acção administrativa comum, sob a forma ordinária, instaurada contra o Estado Português e o Ministério das Finanças, para efectivar responsabilidade civil extracontratual emergente de facto ilícito praticado em processo judicial de execução fiscal, referente a danos sofridos pelo Autor em consequência da venda de um veículo automóvel realizada nesse processo executivo.

É inequívoco que a responsabilidade civil extracontratual de entidades públicas e insere no âmbito da “jurisdição administrativa e fiscal”, conforme decorre do disposto no n.º 3 do artigo 212.º da CRP, onde se estabelece que compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. No mesmo sentido, o artigo 1.º do ETAF, onde se afirma que os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

E é nesse contexto que o artigo 4.º do ETAF, ao definir o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, estabelece que compete aos respectivos tribunais (administrativos e/ou fiscais) a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto «Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante da função jurisdicional e da função legislativa» [alínea g)], «Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos» [alínea h)] e «Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime especifico da responsabilidade do estado e demais pessoas colectivas de direito público» [alínea i)].

Todavia, e como pertinentemente referem JOSÉ CASALTA NABAIS (No artigo intitulado “Responsabilidade Civil da Administração Fiscal”, publicado no Boletim da Faculdade de Direito, STVDIA IVRIDICA, 101, AD HONOREM - 5.) e JORGE LOPES DE SOUSA (No artigo publicado nos Cadernos de Justiça Administrativa, nº 71, sob o título “Os ínvios e tortuosos caminhos da reforma do contencioso tributário”, pág. 25, e na obra “Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por actos ilegais” pág. 130.), a “jurisdição administrativa e fiscal” não integra uma única e singular jurisdição, mas duas jurisdições autónomas ou duas subjurisdições: a “jurisdição administrativa” e a “jurisdição fiscal”.

Por conseguinte, embora não haja, quanto aos litígios que tenham por objecto a responsabilidade civil extracontratual mencionada nas citadas alíneas do artigo 4.º do ETAF, uma indicação normativa de quais se englobam na jurisdição administrativa e de quais se englobam na jurisdição fiscal, há que considerar, face ao disposto no n.º 3 do artigo 212.º da CRP e no artigo 1.º do ETAF, que deve ser cometida à jurisdição administrativa o julgamento das acções que tenham por objecto a responsabilidade por danos emergentes de relações jurídicas administrativas, isto é, do exercício da função administrativa, e que deve ser cometida à jurisdição fiscal o julgamento das acções que tenham por objecto a responsabilidade por danos emergentes de relações jurídicas fiscais, isto é, do exercício da função tributária.

O facto de o contencioso tributário não prever as acções comuns para apreciar pedidos emergentes de relações jurídicas fiscais, não obsta à sua existência e aplicação neste contencioso, pois como muito bem explica JORGE LOPES DE SOUSA no citado artigo publicado nos CJA, a pág. 24, «a jurisprudência dos tribunais tributários, no cumprimento do seu dever de assegurar da melhor forma possível o funcionamento do serviço público de justiça, foi fazendo o seu caminho, aplicando meios do contencioso administrativo no contencioso tributário sem esperar pela adaptação legislativa: por exemplo, no caso do reenvio prejudicial para o STA, previsto no art. 93.º do CPTA para as acções administrativas esperais, aquele Tribunal não só aceitou a sua aplicação no contencioso tributário, mas também estendeu consideravelmente o seu campo de aplicação, fazendo uso deste expediente processual em processos que nada têm a ver com impugnação de actos, convertendo-o, na prática jurisprudencial, num expediente processual geral». Assim como este Supremo Tribunal tem aceitado aplicar, de forma actualmente pacífica, o recurso excepcional de revista, previsto exclusivamente no artigo 150.º do CPTA.

Razão por que se torna essencial, para decidir o presente conflito de competência, saber se estamos perante responsabilidade civil por danos que emergem de uma relação jurídica fiscal ou perante responsabilidade civil por danos que emergem de uma relação jurídica administrativa.

A relação jurídica tributária é unanimemente considerada como extremamente complexa (Cfr. JOSÉ CASALTA NABAIS, in “Direito Fiscal”, 6ª Edição, pág. 235.), quer ao nível dos titulares dos diferentes poderes tributários, quer ao nível dos sujeitos passivos, quer ao nível do seu conteúdo. Aceitando, todavia, a noção ampla que a Lei Geral Tributária contém para efeitos da sua aplicação (artigo 1.º n.º 1), devem considerar-se relações jurídicas tributárias as estabelecidas entre a Administração Tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equipadas a estas, esclarecendo o n.º 3 que para o efeito integram a Administração Tributária, a Direcção-Geral dos Impostos, (...), as demais entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança dos tributos, o Ministro das Finanças ou outro membro do Governo competente, quando exerçam competências administrativas no domínio tributário, e os órgãos igualmente competentes dos Governos Regionais e autarquias locais (n.º 3).

Deste modo, pertencerá à jurisdição fiscal a competência para dirimir questões de responsabilidade por danos decorrentes de toda a actividade administrativa materialmente tributária, exercida, designadamente, pelas entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança dos tributos.

O que significa aceitar, no contencioso tributário, acções administrativas comuns para efectivação da responsabilidade civil emergente de factos ilícitos praticados em procedimentos tributários comuns, de liquidação e de cobrança de tributos, e em procedimentos tributários especiais, como os procedimentos de inspecção tributária, de levantamento do sigilo bancário, de informação vinculativa, de inclusão de contribuintes nas listas de devedores, de reversão da execução contra responsáveis subsidiários pelo pagamento da dívida.

(…)

Todavia, do disposto no artigo 49.º do ETAF decorre, inequivocamente, que se quis atribuir aos tribunais tributários competência para apreciar e julgar os actos que, embora não tenham sido praticados no seio de uma relação jurídica fiscal, constituam actos administrativos relativos a questões fiscais (de natureza substantiva ou adjectiva).

E, por nada mais haver a acrescentar, limitamo-nos a subscrever a decisão recorrida e a negar provimento ao recurso.

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Em face de todo o exposto acordam os juízes deste TCAN em negar provimento ao recurso e manter o despacho recorrido.
Custas pela recorrente.
R e N.
Porto, 3/5/013
Ass.: Ana Paula Portela
Ass.: Maria do Céu Neves
Ass.: João Beato