Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00057/13.4BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/20/2016
Tribunal:TAF de Braga
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:CONTRATO TRABALHO; DESPEDIMENTO
Sumário:Existindo duas versões antagónicas em litígio sobre a natureza do contrato de trabalho que realmente vinculava as partes (a termo resolutivo certo ou por tempo indeterminado) deve ser dada equitativa oportunidade a ambas de demonstrar as suas teses, não se justificando privilegiar liminarmente no despacho saneador a versão dos factos que beneficia da prova pré-constituída da autoria dos serviços do Município, constante do processo administrativo.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:TFO
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE VIANA DO CASTELO
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
TFO veio interpor recurso do despacho saneador sentença mediante o qual o TAF de Braga, na presente acção administrativa especial intentada contra o MUNICÍPIO DE VIANA DO CASTELO, pretendendo impugnar um (alegado) acto de despedimento do contrato de trabalho em funções públicas proferido pela Vereadora da área de Recursos Humanos do Réu, Dra. AMFS, datada de 12/12/2011 e com efeitos reportados a 11/1/2012, decidiu considerar procedentes as aventadas excepções de inimpugnabilidade do acto e caducidade do direito de agir, previstas, respectivamente, nas alíneas c) e h) do nº 1 do art.º 89º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e, consequentemente, absolver o Réu da instância.
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Em alegações o Recorrente formulou as seguintes CONCLUSÕES

i. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga e é o mesmo apresentado na firme convicção de que a sentença se encontra enfermada de nulidade ou, caso assim não se entenda, pelo menos violou, flagrantemente, o disposto no artigo 510.° do C.P.C.

ii. Desde logo, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre todas as questões fundamentais que se levantam com a leitura dos articulados das partes, nomeadamente da P.I.

iii. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a caracterização da relação laboral entre o Apelante e o Apelado antes da assinatura do “contrato de trabalho a termo”, cingindo a sua análise ao período entre 12.01.2009 a 11.01.2012.

iv. O Tribunal a quo não formulou qualquer juízo quanto aos indícios evidenciados na P.I. da existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre Apelante e Apelado, considerando, sem mais, encontrarmo-nos perante um contrato a termo.

v. E, mesmo nesta última situação, o Tribunal a quo não se pronuncia quanto à validade/invalidade do termo aposto no contrato, que foi também colocado em causa pelo Apelante na sua P.I.

vi. A sentença encontra-se, por isso, enfermada de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d) do n.° 1 do artigo 668.° do C.P.C., devendo a sentença em crise ser cominada com aquele efeito jurídico.

vii. Caso assim não se entenda, sempre se dirá que o Tribunal a quo igualmente decidiu das excepções dilatórias alegadas pelo Apelado sem se encontrarem reunidos nos autos todos os elementos necessários para a sua decisão.

viii. O Tribunal a quo fez “tábua rasa” de tudo quanto foi alegado pelo Apelante no que diz respeito à forma como se processava, na prática, a relação jus-laboral existente com o Apelado, não se compreendendo como conclui pela prova dos factos em evidência na sentença sem ouvir qualquer prova testemunhal.

ix. Não obstante a “aparência” dos documentos juntos aos autos, a verdade é que o Apelante alegou factos que colocaram em causa, inevitavelmente, a substância dos mesmos, nunca admitindo que celebrou com o Apelado qualquer contrato de prestação de serviços e, posteriormente, um contrato de trabalho a termo, não obstante a conclusão - errada - do Tribunal a quo em dar esses factos assentes por acordo das partes ou pelos documentos juntos.

x. De igual forma não foi tido em consideração o alegado pelo Apelante em sede de resposta, onde este justificou a razão pela qual assinou o documento onde requeria o pagamento da compensação pela “caducidade do contrato de trabalho a termo resolutivo certo”, não resultando, por isso, qualquer conformação com o acto administrativo.

xi. Certo é que todas estas circunstâncias necessitam, porque contraditórias entre as partes, de produção de prova em sede de audiência de discussão e julgamento,

xii. Desde logo para determinar - e este é o verdadeiro cerne da questão - a relação jurídico-laboral que tutelou Apelante e Apelado ao longo dos anos em que aquele trabalhou na Câmara Municipal de Viana do Castelo.

xiii. E apenas com a resolução daquela questão poderá o Tribunal saber que verdadeiro acto administrativo o Apelado tomou com a carta datada de 12.12.2011: se um verdadeiro acto administrativo de despedimento (ilícito), como o Apelante defende; ou se uma mera comunicação de caducidade, conforme defendido pelo Apelado.

xiv. E apenas com a resolução destas duas questões prévias - apenas possível com prova testemunhal a produzir em sede de audiência de discussão e julgamento - poderá, então o Tribunal decidir das excepções deduzidas - porque, presentemente, dos autos não resultam factos suficientes que permitam ao julgador concluir num ou noutro determinado sentido.

xv. O Tribunal a quo, com esta decisão, violou o disposto no artigo 510.° do C.P.C., na medida em que conheceu da matéria de excepção alegada pelo Apelado quando, dos elementos já constantes dos autos, ainda não o podia fazer.

xvi. Pelo que deverão V. Exas. revogar a sentença do Tribunal a quo, quer por força da sua nulidade, quer por força da violação do disposto no artigo 510.° do C.P.C., ordenando, consequentemente, que seja proferido o competente despacho saneador e selecionada a matéria de facto assente e controvertida que será sujeita a prova, na audiência de discussão e julgamento que vier a ser marcada, tudo nos termos do disposto no artigo 149.° do C.P.T.A.

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Contra alegando o Recorrido apresentou as seguintes CONCLUSÕES:

I. Salvo o devido respeito, não assiste razão ao A. no recurso que interpôs porquanto a apreciação dos aspectos da causa que o recorrente considera essenciais, tais como a caracterização da relação laboral existente entre A. e R. antes de 2009, o carácter das funções desempenhadas pelo recorrente ao longo do tempo e a validade ou invalidade do termo aposto ao contrato ficou manifestamente prejudicada pela apreciação e decisão das excepções dilatórias invocadas pelo R. na sua contestação.

II. A lei fixa a obrigatoriedade de o juiz conhecer de todas as questões que obstem ao conhecimento do objecto do pedido, pelo que tem o Tribunal que conhecer primeiro da matéria de excepção para poder conhecer depois do mérito da causa, sendo que, caso seja julgada procedente alguma excepção dilatória, como aconteceu nos autos, o Tribunal fica impedido de conhecer do mérito da causa e absolve, consequentemente, o R. da instância.

III. Do art. 89.º/1/c) do CPTA resulta expressamente que obsta ao prosseguimento do processo a inimpugnabilidade do acto impugnado, sendo que esta excepção dilatória decorre do não preenchimento de pressupostos processuais especificados nos arts. 51.º a 54.º do CPTA, pelo que não há lugar a convite ao aperfeiçoamento ou correcção.

IV. O Tribunal a quo não omitiu, pois, a pronúncia sobre quaisquer questões com importância para a boa decisão da causa, sendo que, tendo-se deparado com uma excepção insuprível, ao Tribunal não restava outra hipótese que não fosse a da absolvição do R. da instância e a do não conhecimento do mérito da causa e do pedido formulado na p.i.;

V. Para além do mais, a decisão sobre a procedência ou improcedência da excepção dependeu de o estado da causa não evidenciar controvérsia probatória quanto à matéria de facto que sustenta a invocada excepção, a qual resulta de resto e de forma muito clara do processo administrativo junto aos autos.

VI. O estado do processo permitia ao M. mo Juiz a quo tomar conhecimento das excepções dilatórias, tal como o fez, porquanto da simples leitura e análise do p.a junto aos autos constata-se que não estamos perante um qualquer acto administrativo de despedimento e como tal, impugnável contenciosamente mas, apenas e tão só, perante uma mera comunicação da caducidade de um contrato de trabalho em funções públicas pelo facto de ter atingido o limite legal de duração, acto esse que não constitui acto administrativo nem pode ser impugnado junto dos Tribunais Administrativos.

VII. O R. ao comunicar/informar o A. que o seu contrato caducaria automaticamente a 11.01.2012 (por força da lei), não pratica qualquer acto administrativo porquanto a comunicação não tem qualquer conteúdo decisório, não define qualquer situação jurídica nem produz qualquer efeito jurídico.

VIII. Da simples leitura do p.a junto aos autos resulta que o acto em crise - se de acto administrativo se tratasse - é também inimpugnável pelo facto de o recorrente ter aceite os efeitos da caducidade do seu contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo.

IX. O recorrente aceitou e conformou-se com a caducidade do contrato a termo que tinha celebrado com o Município, porquanto na sequência da comunicação da mesma e no imediato peticionou o processamento e pagamento da inerente compensação e aceitou a mesma quando esta lhe foi processada na sequência do despacho da Sra. Vereadora dos Recursos Humanos de 30.01.2012, o que gera a impossibilidade de impugnação do acto.

X. Ora, o A., por iniciativa própria, de forma voluntária, livre e espontaneamente e na sequência da cessação do contrato por força da caducidade legal, veio pedir o pagamento da compensação prevista no RCTFP e fê-lo sem colocar qualquer reserva, pelo que o comportamento adoptado pelo recorrente na sequência do acto impugnado revela inequivocamente que o mesmo se conformou com o respectivo teor, que o acatou e que não teve vontade de o questionar, perdendo, assim, o recorrente o direito de o impugnar, nos termos do art. 56.º do CPTA.

XI. Por outro lado, tal como considera - e bem - a douta sentença recorrida, atento o momento em que o A. tomou conhecimento do acto impugnado e o momento em que instaurou a acção decorram mais de três meses, pelo que se verifica também a caducidade do direito de acção do A., pelo que se consolidou o acto na ordem jurídica como acto definitivo e inatacável, conclusão essa a que se chega pela análise do processo administrativo e dos presentes autos.

XII. Nesta conformidade, o estado do processo e, particularmente todos os elementos de prova que constavam do mesmo, nomeadamente do p.a, permitiam perfeitamente ao M.mo Juiz a quo conhecer das excepções dilatórias invocadas pelo R. na sua contestação, tal como aconteceu, pelo que não merece provimento o presente recurso jurisdicional.

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O Ministério Público emitiu o douto parecer de fls 389 e seguintes no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.
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O Recorrente respondeu ao parecer do MP a fls 395 e seguintes.
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QUESTÕES A DECIDIR

Nulidade da sentença por omissão de pronúncia e, caso se entenda não existir nulidade, violação do artigo 510º do CPC, uma vez que o estado dos autos não permite para já conhecer das excepções dilatórias, devendo ser ordenada a prolação de despacho saneador e seleção da matéria de facto.

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FACTOS

Estão assentes na decisão recorrida os seguintes factos:

1. O A. e o R. celebraram, entre Junho de 2004 e Novembro de 2008, “contrato de prestação de serviços para implementação do sistema de informação geográfica no âmbito dos espaços verdes e jardins do concelho de Viana do Castelo”;
2. Esse contrato era renovado semestralmente até Novembro de 2005 e desde então, até Novembro de 2008, passou a sê-lo anualmente;
3. Em Janeiro de 2009, A. e R. celebraram “contrato de trabalho a termo resolutivo certo”, pelo prazo de 1 (um) ano, nos termos referidos no art.º 52º da p.i., com remissão para o doc. nº 94 junto com a mesma, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
4. Ao A. foi remetida “comunicação”, datada de 12.12.2011, onde lhe foi transmitido que "Para cumprimento do estipulado no art. 252.° da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, que aprova o Contrato de Trabalho em Funções Públicas, informo V. Exª. que o contrato de trabalho a termo resolutivo certo celebrado com esta Câmara Municipal em 12.01.2009, com a categoria de Técnico Superior, cessa no dia 11 de Janeiro do ano de 2012, pelo facto de ter atingido o prazo máximo estipulado na Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro".
5. Na sequência da mesma, o A. apresentou em 18.01.2012 um requerimento na CM de Viana do Castelo, nos termos seguintes:
“TFO (…) no seguimento da cessação por caducidade do Contrato de Trabalho a Termo Resolutivo Certo, vem por este meio solicitar a V. Ex.ª que se digne autorizar, conforme previsto no Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º59/2008, de 11 de Setembro, o processamento e pagamento da inerente compensação pelos serviços da autarquia competentes para tal".
6. Acerca do requerimento do A., foi elaborada em 27.01.2012 informação interna dos Serviços no sentido do pagamento da compensação requerida, nos termos constantes do P.A., a fls…, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
7. Entretanto, em 30.01.2012 foi emitido um parecer interno dos Serviços favorável ao pagamento da compensação requerida pelo A, nos termos constantes do P.A., a fls…, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
8. Sobre essa informação e parecer interno a Vereadora dos Recursos Humanos da CM de Viana do Castelo, proferiu o seguinte despacho: "Pague-se" – cfr doc.º a fls… do P.A. apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9. Foi então processado o pagamento da compensação pela caducidade do contrato do A. no valor de € 2.430,36, para além das demais quantias que lhe eram devidas, que o A recebeu.
10. A p.i. que deu origem à presente acção administrativa especial deu entrada neste T.A.F. de Braga em 9/1/2013;

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DIREITO

Nulidade da sentença

O Recorrente invoca a nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre o carácter das funções que eram por si desempenhadas antes da assinatura entre as partes, em 12-01-2009, do “contrato de trabalho a termo”.

Essa era uma questão que o Tribunal deveria resolver se tivesse enveredado pela apreciação do mérito da causa.

Mas o TAF entendeu que se verificavam no caso excepções dilatórias que obstavam ao conhecimento do mérito da causa e consequentemente absolveu o Réu da instância.

Há omissão de pronúncia quando o Tribunal não se pronuncie sobre questão que devesse apreciar – artigo 615º/1/d) CPC.

O tribunal não tem que resolver as questões submetidas à sua apreciação cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – artigo 608º/2 CPC.

Deste modo, atenta a solução dada ao caso, independentemente de saber se foi boa ou má, o TAF não tinha que resolver a referida questão invocada pelo Recorrente.

Consequentemente não se verifica omissão de pronúncia e a arguição de nulidade improcede.

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Mérito do julgamento

Quanto à excepção de inimpugnabilidade do acto

O TAF fundou a verificação desta excepção em dois pilares distintos, “grosso modo” a natureza jurídica do “acto” e a sua aceitação pelo destinatário. Nestes termos:

«Aqui cumpre espartilhar a análise da inimpugnabilidade que se prefigura em duas vertentes. Por um lado, o facto de o A. pretender reagir de um alegado acto de despedimento, quando em bom rigor se trata de uma comunicação dando-lhe conta de que o contrato (a termo resolutivo certo) celebrado chegaria ao seu termo no dia 11.01.2012. Por outro lado, porque o A., no seguimento da caducidade ocorrida, aceitou os seus efeitos, requerendo mesmo o pagamento da devida compensação pela caducidade.»

No que respeita à natureza da actuação administrativa impugnada, o TAF ponderou fundamentalmente o seguinte (transcreve-se):

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No caso sub judice, a Ré ao “informar” a representada do Autor que o seu contrato caduca a 11.1.2012, não emite qualquer acto administrativo ou decisão materialmente administrativa, na medida em que não define qualquer situação jurídica ou produz qualquer efeito jurídico, pois a caducidade opera-se por efeito automático da lei (artigos 104º, n.º 2, 251º e 252º, n.º 1 do RCTFP).

Como supra já se explicitou, apenas os actos que tenham um conteúdo decisório podem ser qualificados como actos administrativos.

Dele ficam, portanto, excluídas as declarações de ciência, juízos de valor ou opiniões, como as informações, pareceres (não vinculativos), actos opinativos, confirmativos e actos instrumentais, que não têm qualquer conteúdo decisório.

Ora, o acto impugnado consubstancia um mero acto opinativo (cfr. art.º 186º do Código do Procedimento Administrativo), não traduz qualquer decisão e, portanto, à luz das considerações que antecedem não pode ser considerado como um acto administrativo.

Como bem refere Mário Aroso de Almeida, in Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, pág. 102, “que se trata é de reconhecer a existência de situações objectivas que resultem ope legis, automaticamente, da verificação dos pressupostos de que legalmente dependem, em termos de se poder afirmar que na própria lei encontram o respectivo momento constitutivo”.

Em suma, o (suposto) acto em crise não é impugnável e, portanto, não é possível conhecer do pedido, impondo-se a absolvição do R. da instância por verificação de excepção dilatória prevista na alínea c) do art.º 89º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

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Mas, como se vê no primeiro excerto da sentença transcrito, para assim concluir o TAF teve necessidade de afastar previamente a tese do Autor, segundo a qual a referida comunicação, para lá da sua aparência formal imediata, “consubstanciou um acto administrativo de despedimento” – cfr. 69 da petição inicial.

E afastou-a liminarmente, dando por bom o valor facial dos documentos juntos aos autos, sem conjecturar sobre a substancialidade da causa de pedir concretamente alegada, no sentido de há muito se ter constituído entre Autor e Réu, e perdurar, um “contrato de trabalho por tempo indeterminado”.

Esse invocado contrato de trabalho, na versão do Recorrente, nunca foi devidamente formalizado por escrito nem reflectido no contrato de trabalho a termo resolutivo certo em causa. No fundo, o que o Recorrente alega é que o Município efabulou artificiosamente formas contratuais inadequadas à relação jurídica em causa - numa primeira fase contratos de prestação de serviços e depois, a partir de 2009, contratos de trabalho a termo resolutivo - para mistificar, por assim dizer, a existência do aludido e nunca formalizado contrato de trabalho.

A ser verdadeira a versão do Autor, afigura-se óbvio que a caducidade inerente à natureza jurídica do contrato a termo resolutivo certo, não seria replicável no “demonstrandum” contrato de trabalho invocado pelo Autor, vocacionado para vigorar por tempo indeterminado.

Neste contexto logo se vê que do ponto de vista do Autor, caracterizado na p.i., a impugnada resolução do contrato pela Administração não decorreu da comunicação da caducidade do contrato a termo resolutivo certo, que não passaria de uma ficção, mas sim da cessação dos efeitos práticos do pretenso contrato por tempo indeterminado que acompanha tal comunicação.

Como o próprio TAF refere “…actos impugnáveis correspondem às decisões materialmente administrativas de autoridade, com eficácia externa, que visam a produção de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, independentemente da forma sob que são emitidas…” e, a serem demonstrados os factos essenciais que consubstanciam a causa de pedir, existe um possibilidade não negligenciável de se concluir que, afinal, por uma forma ínvia, se concretizou realmente o despedimento que o Autor pretende impugnar.

De dizer finalmente que, existindo duas versões antagónicas em litígio sobre a natureza do contrato que realmente vinculava as partes, deve ser dada equitativa oportunidade a ambas de demonstrar as suas teses, não existindo justificação válida para privilegiar aquela que beneficia da prova pré-constituída constante dos autos e do processo administrativo.

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Passando ao tema da aceitação do acto, nos termos do artigo 56º do CPTA, surgem igualmente obstáculos difíceis de transpor, a começar pelo problema técnico inerente à noção de “acto administrativo”.

Na verdade é difícil equacionar a recusa do TAF em reconhecer ao “quid” visado o estatuto de acto administrativo para efeitos impugnatórios, para logo de seguida lho conceder enquanto objecto de aceitação pelo destinatário, pois segundo o artigo 56º/1 CPTA “Não pode impugnar um acto administrativo quem o tenha aceitado, expressa ou tacitamente, depois de praticado”.

É claro que se compreende a posição do TAF, pois em abstracto não é aceitável querer beneficiar simultaneamente da compensação pela cessação da relação laboral e pugnar pela anulação dessa cessação, mas no contexto concreto existe uma explicação plausível. Ou seja, que o Autor pretende acautelar a compensação devida pela cessação do contrato a termo, na hipótese de a presente acção naufragar, sendo certo que na hipótese contrária, de anulação do “despedimento”, decorreria para si a reintegração no posto de trabalho ou uma compensação presumivelmente mais vantajosa. Afigurando-se claro, diga-se incidentalmente, que será de qualificar como indevida a compensação já recebida pelo Recorrente, se lograr êxito na presente acção.

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Caducidade do direito de agir

Já se referiu que contrariamente ao expendido em 1ª instância existe a possibilidade de se estar perante um caso de despedimento, ou seja, de resolução por iniciativa do empregador, o que só se poderá comprovar mediante a prossecução da acção nos termos do artigo 596º do CPC.

E, portanto, há que respeitar o prazo previsto para o efeito no Artigo 274.º da Lei n.º 59/2008 de 11 de Setembro, que aprova o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, onde consta de pertinente:

«Impugnação do despedimento

1 - O acto de despedimento pode ser objecto de apreciação jurisdicional nos termos

do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

2 - A acção tem de ser intentada no prazo de um ano a contar da data do despedimento.»

Assim, a acção está em tempo, pois de acordo com as contas do TAF a presente acção administrativa deu entrada em juízo decorridos menos de 12 meses a contar da data em que o Autor teve conhecimento do facto a que atribui relevância como despedimento.

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Em suma, assiste razão ao Recorrente quanto à insubsistência das referidas excepções e portanto não pode manter-se a decisão recorrida.
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DECISÃO

Pelo exposto acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a remessa dos autos à 1ª instância para prossecução da acção, nada mais obstando, nos termos do artigo 596º e seguintes do CPC.

Custas pelo Recorrido.

Porto, 20 de Maio de 2016
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Hélder Vieira
Ass.: Alexandra Alendouro