Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02465/15.7BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/20/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:NÃO VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS;
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA;
Sumário:
Nos casos em que a regulação de uma situação jurídica foi efectuada por acto administrativo inimpugnável, não é viável que, através de acção comum, sejam obtidos os efeitos que poderiam advir da sua anulação, com consequente reconstituição da situação que existiria se eles não tivessem sido praticados.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte -Subsecção Social-:

RELATÓRIO
[SCom01...], LIMITADA instaurou Acção Administrativa Comum, contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., ambos melhor identificados nos autos, peticionando que a acção seja declarada procedente, devendo, em consequência: i) Ser “reconhecido o direito à devolução dos montantes correspondentes às quantias entregues à Ré referentes à taxa legal aplicada sobre as remunerações da beneficiária «AA»”; ii) Ser “o Réu condenado a devolver-lhe esse montante, que se encontra em falta e que calcula no valor €37.822,17, acrescido de juros à taxa legal, desde a data em que tal devolução foi pedido pela Autora à Ré”.
Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção e absolvida a Entidade Demandada dos pedidos.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
1-Vem o presente recurso interposto do douto Saneador Sentença que julgou a ação interposta improcedente, por violação do princípio da subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa, e que o acto administrativo que deferiu parcialmente a pretensão da A., consolidou-se na ordem jurídica, por força de caso decidido. Porém,
2- A douta sentença assenta a sua fundamentação num pressuposto errado, que põe em causa todo o demais raciocínio logico jurídico, e como tal, inquina irremediavelmente, a final, a decisão proferida. Na verdade,
3- O meritíssimo juiz a quo, na fundamentação de direito, a dado momento, invoca que o acto administrativo produzido pelo réu, e dado como provado em “ O” , não foi impugnado contenciosamente, mais referindo, expressamente, que… “… ( o contrário, mormente que impugnou tal acto, não vem alegado)…” ( pág 23 ) . Ora, tal conclusão é errónea, sob dois pontos de análise;
4- Em primeiro lugar a falta de alegação da ocorrência da impugnação do acto, não permitiria que o Tribunal pudesse julgar assente que tal acto de impugnação não ocorreu.
5- Aliás, nessa hipótese, pela relevância que tal facto assume na decisão proferida, impunha-se o convite dirigido à A., no sentido desta, vir dizer aos autos, se havia, ou não, procedido a tal impugnação.
6- A conclusão, no sentido de não ter existido impugnação do acto administrativo, determina que a sentença fique irremediavelmente ferida pelo vício de nulidade, porquanto dá como provado um facto que não teria sido alegado pelas partes.
7- Ainda na hipótese de a A. não ter alegado que impugnou o acto administrativo em causa, jamais dessa circunstância poderia o Tribunal concluir ter ficado demonstrado que a mesma não impugnou esse acto. PORÉM,
8- A A. invocou na P.I. ter reclamado do acto administrativo, dado como provado sob o item “ O”, conforme melhor se retira dos itens 41º e 42º da P.I., pelo que,
9- e em segundo lugar, há erro notório na apreciação desse facto, porquanto, efetivamente, a A. invocou ter reclamado do acto administrativo; e neste sentido, incorreu a sentença no vicio da omissão de pronúncia sobre um facto invocado pela A., essencial para a boa decisão da causa;
10- Em qualquer dos casos há erro de julgamento, por na sentença se ter concluído, erroneamente que, tal acto administrativo consolidou-se na ordem jurídica sem conhecer se o mesmo foi, ou não, objecto de impugnação, e por se bastar com a putativa falta de alegação dessa impugnação.
11- Está, pois, a mesma sentença ferida pelos vícios apontados e como tal é nula, o que se invoca para os devidos e legais efeitos. SEM PRESCINDIR,
12- A douta sentença invoca a subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa, evidenciando que a recorrente, teria ao seu dispor a instauração de uma acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo e de condenação à prática de acto devido.
13. Porém, resulta do respetivo teor que a mesma, em simultâneo, entende que o acto administrativo está consolidado na ordem jurídica, pelo que, conduz a mesma à conclusão que tal ação especial já não será meio adequado a fazer valer a pretensão da A.;
14- Neste sentido, o instituto do enriquecimento sem causa, já assume o seu carácter subsidiário porquanto, estando a A. impedida de lançar mão de tal processo especial, será o recurso ao instituto do enriquecimento sem causa o único meio que a A/recorrente dispõe para ver reconhecido o direito de lhe ser restituída a quantia que pagou ao R., e que este ( aliás) reconheceu, (ainda que parcialmente, ser-lhe devido). 15- Consequentemente, os fundamentos invocados na sentença conduzem, a final, a uma contraditoriedade que a afeta intrinsecamente.
16- Por outro lado, entende-se não merecer acolhimento o douto entendimento constante da sentença, que julga haver obstáculo ao nascimento da obrigação de indemnização ao abrigo do enriquecimento sem causa, pelo facto de o devedor o ter feito “extinguir “ com a invocação da prescrição. (alegadamente não impugnada).
17- Acresce em defesa da pretensão da A., e atento o sentido da sentença proferida, podia o tribunal recorrido, convidar a A. a substituir a petição para efeito de deduzir o pedido de condenação do acto devido, nos termos do disposto nos art.s 51º nº 4 do CPTA, pelo que ao não o fazer, a sentença proferida viola tal disposição legal. Por fim, 18- Está em causa nos autos a pretensão da A. em obter o reembolso de quantias que o R., ente administrativo de direito publico, reconhece serem devidas à A., embora a final, invoque a prescrição para deferir apenas parcialmente, tal pedido de reembolso que lhe foi dirigido.
19- A invocação da prescrição não tem suporte jurídico, é ilegal, e, além do mais tal invocação da prescrição é atentatória dos princípios basilares que regem a Constituição da República Portuguesa, mormente o princípio da confiança.
20- Há uma vantagem patrimonial alcançada pelo recorrido à custa do sacrifício económico suportado pela recorrente, porquanto está o recorrido a reter no seu património, um valor para o qual não tem qualquer justificação válida e legal.
21- O cumprimento da obrigação na convicção errada de que se está obrigado a cumprir, quando, na realidade se não está, deve ser equiparada à inexistência da obrigação para efeitos do n° 1 do art. 476° do C. Civil.
22 - A "repetição do indevido" é simplesmente o corolário de um dever de justiça. A decisão do recorrido é violadora do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição da República, pelo que, jamais a mesma poderá ser admitida como assente na ordem jurídica, nem a A., ficar impedida obter através dos meios judiciais, a reposição do direito que lhe assiste.
23- A Sentença proferida, encontra-se ferida pelos vícios; da nulidade, omissão de pronúncia e erro de julgamento, o que determina que a mesma não possa manter-se na ordem jurídica, devendo ser revogada,
Assim se fazendo justiça.
O Réu não juntou contra-alegações.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta, notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A. A Autora é uma sociedade que se dedica ao comércio, fabricação e representações de vestuário e têxteis; importação e exportação – cfr. doc. n.º ... da p.i.; facto não controvertido.
B. No âmbito da sua actividade, quando foi constituída, em 1994, e no período temporal subsequente, a Autora apresentou declarações de remunerações respeitantes a «AA», enquadrada como membro de órgão social, sujeitas às respectivas taxas contributivas aplicáveis aos membros de órgãos sociais – facto não controvertido.
C. «AA», à data da constituição da aqui Autora, era sócia da sociedade referida em A), juntamente com o seu marido – facto não controvertido.
D. Nessa qualidade, tanto «AA», como a Autora, enquanto entidade patronal, iniciaram o processo de entregas sucessivas e mensais à Ré das quantias pecuniárias devidas a título de contribuições e quotizações, com a correspectiva aplicação da taxa legal atinentes a membros de órgãos sociais – facto não controvertido.
E. Por requerimento datada de 06.11.2011, a aqui Autora requereu junto da Entidade Demandada o seguinte que ora se transcreve na parte que releva: - cfr. fls. 7 do PA.
F. «AA» não foi gerente de facto nem de direito da sociedade aqui Autora, tendo sido indevidamente enquadrada como membro de órgão social da aqui Autora – facto não controvertido.
G. Em 23.07.2012, os serviços de fiscalização da Entidade elaboraram relatório de averiguações com o seguinte teor que ora se transcreve na parte que releva: - cfr. fls. 17 a 22 do PA.
H. Por ofício datado de 29.10.2012, a Autora foi notificada da decisão do Centro Distrital ..., proferida a 19.10.2012 e que determinou a anulação do período contributivo compreendido entre 21.10.1994 e 03.01.2012 respeitante a «AA», por se ter apurado que a mesma não prestou trabalho ou qualquer actividade quer como trabalhadora por conta de outrem, quer como membro de órgão social na sociedade aqui Autora, com os seguintes fundamentos que ora se transcrevem: “(…) A sociedade foi constituída pelos sócios «BB», ... ...55, com uma quota de 15.000.000,00€ e «CC», NISS..., com uma quota de 5.000.000,00€. - Foi designado gerente o sócio «BB». - Forma de obrigar a sociedade: pela assinatura do sócio «BB». - Sócia «CC» nunca foi gerente de facto nem de direito. - Em 28/10/2011 foi registada a transmissão de quotas do sujeito passivo «AA», para o sujeito activo «BB». - A sócia atrás referenciada nunca praticou qualquer acto de gerência. - Por lapso do gabinete de contabilidade, foi incluída indevidamente nas declarações de remunerações com a taxa dos membros dos órgãos estatutários. - Inquiridas algumas trabalhadoras da empresa, e que de deslocava de vez em quando à empresa, mas nunca exercer qualquer tipo de trabalho. - Inquirida a beneficiária «AA», informou que trabalhava na empresa e o seu trabalho consistia em recolher e levar amostras às confecções, serviços de bancos e correios, e que para o exercício destas funções recebia €1500,00. Face ao averiguado e de todas as diligências instrutórias, retira-se sem margem para dúvidas que apenas formalmente se vislumbra a relação de trabalho, mediante recibos de vencimento, modelo 10 de IRS, entre outros. Lidas as declarações das trabalhadoras ouvidas, resulta claro que a beneficiária «AA» nunca trabalhou na empresa nem nunca restou qualquer serviço na empresa. Não é de somenos importância o facto da beneficiária auferir o vencimento mensal ilíquido de €1500,00 para, segundo a própria “recolher ou levar amostras às confecções, serviço de bancos” quando a generalidade dos vencimentos dos trabalhadores da entidade são pouco superiores salário mínimo nacional. Assim, considera-se que as remunerações declaradas para a segurança social não correspondem à prestação efectiva de qualquer actividade de gerente, nem de trabalhador subordinado da entidade” - cfr. Documento n.º ... da p.i. que se dá por integralmente reproduzido.
I. A Autora recorreu hierarquicamente da decisão referida no ponto anterior – cfr. documento n.º ... da contestação que se dá por integralmente reproduzido; cfr. fls. 36 a 40 do PA.
J. «AA» também recorreu hierarquicamente da decisão que indeferiu a reclamação por si apresentada e manteve a decisão de anulação do período contributivo compreendido entre 21/10/1994 e 03/01/2012, proferida em 19.10.2012 – cfr. doc. nº ... da contestarão.
K. O recurso hierárquico interposto pela Autora foi indeferido, com os seguintes fundamentos que ora se transcrevem na parte que relevam: – cfr. documento n.º ... da contestação que se dá por integralmente reproduzido.
L. «AA» requereu junto da Entidade Demandada as prestações de subsídio de desemprego, o que não foi deferido, atenta a anulação de todo o período contributivo entre 21.10.1994 e 03.01.2012 – facto não controvertido.
M. Em 06.03.2014, invocando a “anulação por iniciativa da segurança social do período contributivo respeitante a trabalhadora «AA»”, a Autora apresentou requerimento dirigido ao Réu no qual solicitou a restituição de contribuições e quotizações indevidamente pagas referentes ao período compreendido entre 21.10.1994 e 03.01.2012 – Documento n.º ... da p.i. que se dá por integralmente reproduzido.
N. Por despacho datado de 20.06.2014, do Director de Unidade de Prestações e Contribuições do Centro Distrital ..., o requerimento referenciado no ponto anterior foi parcialmente indeferido, tendo apenas sido determinada a restituição no montante de 10.415,63€, respeitante ao período de 03/2009 a 12/2009, 01/2010 a 12/2010, 01/2011 a 10/2011 e 11/2011 e 01/2012 – cfr. documento n.º ... da p.i. que se dá por integralmente reproduzido.
O. Por ofício datado de 20.06.2014, remetido pela Entidade Demandada à aqui Autora, foi comunicado o seguinte que ora se transcreve na parte que releva: “Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 2014/06/20, do Diretor de Unidade de Prestações e Contribuições deste Centro Distrital, fica V. Exa.ª notificada de que o requerimento acima identificado, foi parcialmente indeferido. A restituição efectuada, no montante de 10.415,63€, respeita ao período de 2009/03 a 2009/12, 2010/01 a 2010/12 a 2011/12 a 2012/01. Relativamente às contribuições do período de 2011/01 a 2011/10, serão restituídas pela Secção Processo Executivo (SPE), por aí terem sido liquidadas. Para o efeito, remeteu-se à SPE, o requerimento que apresentou nestes serviços, em 2014/03/06. Os fundamentos para o indeferimento parcial, são os a seguir indicados - O direito à restituição das cotizações até 2009/02, encontra-se prescrito, nos termos do n.º 1 do art.º 272.º do CRC. - O direito à restituição das cotizações do período de 2011/01 a 2011/10, uma vez que a sua restituição é da competência da SPE do IGFSS, I.P.” - Cfr. documento n.º ... da contestação que se dá por integralmente reproduzido.
P. No período entre 21.10.1994 e 03.01.2012, a Autora procedeu à entrega e pagamento das contribuições e quotizações calculadas sobre as remunerações da trabalhadora «AA» declaradas pela Autora, por aplicação da taxa em vigor à data – facto não controvertido.
Q. Em 02.04.2019, a Autora tinha a sua situação contributiva regularizada perante a Segurança Social – cfr. fls. 249 do SITAF.

Em sede de factualidade não provada o Tribunal exarou: Com relevo para a decisão, não subsistem factos que o tribunal tenha considerado como não provados.
E, em sede de motivação da factualidade assente, consignou que a convicção do Tribunal resulta da análise crítica e conjugada dos documentos e informações oficiais juntos aos autos, que não foram impugnados, referidos em cada um dos números do probatório.
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, e decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
Da nulidade da sentença-
A ora Recorrente assaca a nulidade da sentença recorrida, invocando, para tanto, o seu desacordo quanto a um concreto facto que foi julgado provado, bem como por entender que a sentença padece de omissão de pronúncia. Embora a Recorrente não subsuma a nenhuma das situações tipificadas no artigo 615.º do CPC que fulminam a sentença com vício gerador de nulidade, o certo é que o eventual erro quanto à matéria de facto julgada provada ou não provada apenas é reconduzível a erro de julgamento, não inquinando a sentença coma nulidade arguida.
Segundo o artigo 615º do NCPC (artigo 668º CPC 1961), ex vi artigo 1º do CPTA, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”,
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 -…. .
3 -….. .
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Nos termos das alíneas b) e c) só ocorre nulidade quando falte a fundamentação (de facto/de direito devidamente especificada) ou quando a fundamentação da decisão aponta num sentido e a decisão em si siga caminho oposto, ou seja, as situações em que os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença ou agora, também quando a decisão seja ininteligível por alguma ambiguidade.

Dos incontáveis arestos dos tribunais superiores que reiteram a mesma doutrina jurisprudencial nesta matéria, retemos o Acórdão do Pleno da Secção do CA do Supremo Tribunal Administrativo, de 15/11/2012, proc. 0450/09, que sumariou: “(…) II - A estrutura da sentença está concebida no artº 659º do CPC, devendo a mesma começar por identificar as partes, o objecto do litígio (fixando as questões que que ao tribunal cumpre solucionar), os fundamentos (de facto e de direito) e concluindo com a decisão. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de a inquinar de nulidade (artº 668º nº 1 do CPC).

III - Um dos elementos estruturantes da sentença é a fundamentação. Esta tem duas funções: uma função endoprocessual e uma função extraprocessual. A função endoprocessual é aquela que desenvolve a motivação da sentença, entendido como requisito técnico da pronúncia jurisdicional, no interior do processo; a função extraprocessual da motivação está ligada com a natureza garantista da absoluta generalidade e na consequente impossibilidade de a entender como derrogável ad libitum pelo legislador ordinário (e muito menos como derrogável ad libitum pelo juiz ou pelas partes.

IV - A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre quando haja ausência absoluta de motivação, ou seja, total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que a decisão assenta. (…)”.

Já a nulidade da alínea c) pressupõe um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância de a fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente, ou ainda não ser perceptível face à fundamentação invocada. Isto é, a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário).
Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar.
Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica.
Só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro.
Ao não existir qualquer contradição lógica, não se verifica esta nulidade, porquanto ela reporta-se ao plano interno da sentença, a um vício lógico na construção da decisão, que só existirá se entre esta e os seus motivos houver falta de congruência, em termos tais, que os fundamentos invocados pelo tribunal devessem, naturalmente, conduzir a resultado oposto ao que chegou.
Já a omissão de pronúncia está relacionada com o dever que o nº 1 do artº 95º do CPTA impõe ao juiz de decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Nestes termos, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia verificar-se-á quando exista (apenas quando exista) uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Este vício relaciona-se com o comando ínsito na 1ª parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras - cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, Coimbra 1984 (reimpressão) e os Acórdãos do STA de 03/07/2007, proc. 043/07, de 11/9/2007, proc. 059/07, de 10/09/2008, proc. 0812/07, de 28/10/2009, proc. 098/09 e de 17/03/2010, proc. 0964/09, entre tantos outros.

Questões, para este efeito, são, pois, as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes - v. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, pág. 112 e Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220/221.

Por seu turno, a nulidade por excesso de pronúncia verifica-se quando na decisão se conhece de questão que não foi suscitada por qualquer uma das partes, nem pelo Ministério Público, e não é do conhecimento oficioso.
É a violação do dever de não conhecer questões não suscitadas pelas partes, em razão do princípio do dispositivo alicerçado na liberdade e autonomia das partes, que torna nula a sentença, por excesso de pronúncia.

Na jurisprudência, sobre esta temática, vide, entre outros, os Acórdãos deste TCAN, de 30/03/2006, proc. 00676/00 - Porto, de 23/04/2009, proc. 01892/06.5BEPRT-A e de 13/01/2011, proc. 01885/10.8BEPRT, dos quais retiramos as seguintes coordenadas:

Ocorre excesso de pronúncia quando o Tribunal conhece de questões de que não pode tomar conhecimento por utilizar um fundamento que excede a causa de pedir vazada na petição, ou por extravasar o elenco legal do conhecimento ex officio ou, ainda, por conhecer de pedido quantitativa ou qualitativamente distinto do formulado pela parte, isto é, conhece em quantidade superior ou objecto diverso do pedido.

A delimitação do âmbito sancionatório da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC exige que se distinga entre questões e fundamentos, dado que, se a lei sanciona com a nulidade o conhecimento de nova questão (porque não suscitada nem de conhecimento oficioso), ou a omissão de conhecimento de questão suscitada (ou de conhecimento oficioso), já não proíbe que o julgador decida o mérito da causa, ou questões parcelares nela suscitadas, baseando-se em fundamentos jurídicos novos;

Questões, para esse efeito sancionatório, repete-se, serão todas as pretensões formuladas pelas partes no processo, que requeiram a decisão do tribunal, bem como os pressupostos processuais de ordem geral, e os específicos de qualquer acto especial, quando debatidos entre elas.

Efectivamente, como corolário do princípio da disponibilidade objectiva (arts. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte), a decisão é nula quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte), ou seja, quando a decisão esteja viciada por excesso de pronúncia. Verifica-se este excesso sempre que o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado, bem como quando conhece de matéria alegada ou pedido formulado em condições em que está impedido de o fazer.

Assim, somente haverá nulidade da decisão, por excesso de pronúncia, quando o juiz tiver conhecido de questões que as partes não submeteram à sua apreciação, de que não pudesse conhecer, exceto se forem de conhecimento oficioso.

In casu, a causa de nulidade tipificada na alínea b), do n.º 1, do art. 615.º do Código de Processo Civil (CPC), ocorre quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda a decisão.
Não pode, porém, confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente ou errada, sendo que só a falta absoluta de motivação constitui a causa de nulidade consignada no citado dispositivo normativo - cf. Acórdão do STJ, de 02-06-2016 (proferido no âmbito do processo n.º 781/11.6TBMTJ.L1.S1).
Ora, a sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada quer no que tange à descrição fáctica considerada pertinente (fundamentação de facto - factualidade essencial e instrumental julgada provada e respectiva motivação) quer no que tange à correspondente subsunção jurídica (fundamentação de direito). No que se reporta à apontada omissão de pronúncia, não vem invocada nem se alcança qual a concreta questão que o Tribunal deixou de apreciar, e que a tal estivesse adstrito, em face do concreto objecto do litígio, não se afigurando procedente o vício ora suscitado.
Termos em que se desatende(m) a(s) apontada(s) nulidade(s).
E o que dizer do erro de julgamento?
Apenas que não se verifica.
De facto, como sentenciado, a autora pede neste caso a condenação ao pagamento das quantias (e reconhecimento do “direito” à restituição) que foram indeferidas por aquele despacho, sendo que este se cristalizou na ordem jurídica por falta de impugnação. Ora, este era precisamente o principal efeito que resultaria da impugnação do acto que foi destinatária, que se consubstanciou na decisão de não restituição da contribuições/quotizações referentes ao período compreendido entre 1994 e Fevereiro de 2009, por se ter entendido que tais valores se encontram prescritos. Na verdade, conforme é jurisprudência pacífica, «Nos casos em que a regulação de uma situação jurídica foi efectuada por acto administrativo inimpugnável, não é viável que, através de acção comum, sejam obtidos os efeitos que poderiam advir da sua anulação, com consequente reconstituição da situação que existiria se eles não tivessem sido praticados, nos termos do art. 173.º do CPTA.» (Ac. do STA, de 22-11-2011, proc. nº 0547/11). Desfrutando, pois, de um meio jurídico idóneo para reaver o crédito de que ficara privada, tendo deixado consolidado na ordem jurídica o acto que definiu o indeferimento de tal meio, não assiste à Autora, depois, o direito de invocar, para aquele efeito, o enriquecimento sem causa, sob pena de se violar um dos seus pressupostos legais. Sem prejuízo do exposto e em seu complemento atente-se que, por acto consolidado na ordem jurídica, foi decidido o indeferimento parcial da restituição, declarando-se prescritas as contribuições entre 1994 até Fevereiro de 2009, nos termos do disposto no artigo 272.º do Código Contributivo, e a Autora não logra colocar em causa tal entendimento, sendo que as quantias mais recentes (Fevereiro de 2009) prescreveram em Fevereiro de 2014 (cinco ano a contar do seu pagamento). Ora, o devedor/enriquecido invocou a prescrição, tanto em sede de acto definitivo (e não impugnado), quer em sede judicial, nos presentes autos. Verificando-se a prescrição da quantia a restituir conforme emerge do acto consolidado que não constituiu objecto dos presentes autos, verifica-se um obstáculo ao nascimento da obrigação de indemnização ao abrigo do enriquecimento sem causa.
Recuperando o que se diz no artigo 474.º do CC: “Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei faculta ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”. Com efeito, a doutrina tem entendido que veda o recurso ao enriquecimento sem causa as situações em que o prazo para exercer determinado direito se encontra esgotado/prescrito. Nas palavras de Ana Prata, in código civil anotado (coord. Ana Prata), pg. 615, Almedina, 2017, “[(…) não pode o empobrecido lançar mão do enriquecimento sem causa, pois tem outros meios de ser restituído ou ressarcido. Por outro lado, também o não pode fazer se a lei considerar que o enriquecimento de um sujeito à custa de outro é de aceitar, como sucede, p. ex., nas hipóteses de extinção de um direito por prescrição (arts. 300.º e ss). Também já se entendeu que, “a acção de enriquecimento não pode subverter a ordem jurídica, o que o faria se, por ex., pudesse ser intentada pelo credor contra o devedor exonerado pela prescrição…”, VAZ SERRA, RLJ, ano 102, pág. 379. Também Luís Menezes de Leitão esclarece, neste particular, que “o nosso legislador decidiu consagrar expressamente no art. 474.º a denominada subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa, determinando que “Não há lugar à reconstituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”. Esta norma pretende estabelecer que a ação de enriquecimento seja o último recurso a utilizar pelo empobrecido. Estar-lhe-á, por isso, vedada a sua utilização no caso de possuir outro fundamento para uma acção de restituição (como em caso de invalidade ou resolução do contrato), no caso de a lei pretender que a aquisição à custa de outrem seja definitiva (como nas hipóteses de usucapião e prescrição). (…) Essa exclusão ocorrerá mesmo, que a acção concorrente não possa já ser exercida por ter decorrido o prazo respectivo, sob de pena de perder sentido o estabelecimento desse prazo” (Menezes Leitão, Direito das obrigações, vol I, Introdução - constituição das obrigações, 2016, 13.º edição, Almedina, pg.370). Antunes Varela defende igualmente que “nos termos do artigo 474.º, a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa, tem natureza subsidiária. “Não há lugar à restituição por enriquecimento, diz esse artigo, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição, ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”. A aplicação da doutrina aos dois últimos tipos de casos incluídos na previsão legal não suscita dificuldades especiais. A lei nega, de facto o direito à restituição nos casos de prescrição, usucapião, prestação de alimentos provisórios (art. 2007.º,) e no caso dos frutos naturais e civis percebidos pelo possuidor de boa fé, etc” Antunes Varela, Das obrigações em geral, Vol. I, 6.º edição, Almedina, p.g 469. Como se disse no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 24505/16.2T8LSB.L1-4, datado de 31.05.2017, “e, portanto, conduzindo esta acção ao reconhecimento de obrigações emergentes dum contrato, não podia o respectivo crédito, que está extinto por prescrição, ressuscitar à luz do instituto do enriquecimento sem causa”. Assim, concluindo-se pela inverificação dos pressupostos do instituto do enriquecimento sem causa, designadamente no que se refere à sua natureza subsidiária, consagrada no disposto no artigo 474.º do CC e da lei permitir ao devedor eximir-se ao pagamento das quantias por força do regime da prescrição, forçoso se tem de concluir pela improcedência dos fundamentos da presente acção, que conduz à absolvição da Entidade Demandada. Por último, a Autora refere, uma vez que ocorreu a anulação da relação jurídica entre empregador e trabalhador e empregador e segurança social, a Autora exigiu a devolução dos montantes pagos, o que foi objecto de decisão de indeferimento parcial. Por isso, assevera que tal decisão é “violadora do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrática consagrado no artigo 2.º da Constituição da República, facto que determinou a dedução de reclamação contra a mesma”. Importa ressalvar que nos presentes autos não vem deduzido o pedido de impugnação da decisão de indeferimento parcial do pedido de reconstituição das quantias pagas pela Autora a título de contribuições para a segurança social, sendo que tal vício, no limite, podia afectar tal decisão, o que revela que o mesmo não assume relevância numa acção fundada no instituto do enriquecimento civil. Com efeito, a Autora não suscita a título principal (não formula um pedido expresso de impugnação de tal acto, eventualmente conjugado com o pedido à condenação à prática do acto devido) nem a título incidental (por efeito, de dedução de acção de responsabilidade civil extracontratual em que a título incidental invoca a ilegalidade do acto) a invalidade do acto referenciado no ponto O) dos factos assentes. Em todo o caso não se pode falar do princípio da confiança legítima, à míngua de alegação, até porque a Entidade Demandada nunca se manifestou no sentido de que ia proceder ao pagamento das quantias peticionadas, independentemente dos requisitos legais previstos (prazo de prescrição), antes se pronunciou quanto ao requerimento apresentado, fundamentandoo nos termos legais, sem que a Autora tenha reagido contra o mesmo, invocando qualquer invalidade. Por outro lado, não se pode alhear da natureza da prescrição, cuja razão de ser reside na penalização da inércia do titular do direito, a par da salvaguarda da certeza e da segurança do direito, e daí que exige ao credor diligência na recuperação dos valores por si requeridos, para exercer a sua pretensão. Qualquer erro que esteja na causa do preenchimento das declarações e na constatação tardia do mesmo (ainda que eventualmente seja imputável ao escritório de contabilidade, o que pode em abstracto fundar acção de responsabilidade civil extracontratual daquele) é em última análise (nas relações externas Segurança Social e Contribuinte) da responsabilidade da Autora, que tem a obrigação perante as entidades públicas de preencher as declarações de retribuições e de no período temporalmente previsto na lei, sob pena de caducidade e prescrição, reagir, corrigindo nos períodos legais, eventuais erros e formular tempestivamente pedidos de restituição de quantias tributárias indevidamente pagas. De todo o modo, qualquer violação de princípios gerais da actuação administrativa não é apta a colmatar a falta de pressupostos legais do instituto jurídico ao abrigo do qual vem radica a presente acção (enriquecimento sem causa).
E o que dizer da violação dos princípios)?
Os princípios da boa fé e da confiança respeitam à necessidade de se ponderarem os valores fundamentais de direito, pertinentes no caso concreto, em função designadamente da confiança suscitada na contraparte por determinada actuação e do objectivo a alcançar - cfr. Diogo Freitas do Amaral - Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2009, págs. 133 a 138; Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos - Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3.ª ed., Dom Quixote, 2008, págs. 220 a 225.
Conforme é jurisprudência dos tribunais superiores, para que exista violação dos princípios da boa fé e da confiança é necessário que tenham sido criadas expectativas no particular minimamente sólidas, censurando-se os comportamentos que sejam desleais e incorrectos, bem como as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas - cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 160/00, de 22/03/2000, n.º 109/02, de 05/03/2002, n.º 128/02, de 14/03/2002 e do STA de 11/09/2008, Proc. 0112/07 e de 13/11/2008, Proc. 073/08.
Ainda na definição que nos é dada por Freitas do Amaral, a justiça é “o conjunto de valores que impõem ao Estado e a todos os cidadãos a obrigação de dar a cada um o que lhe é devido em função da dignidade da pessoa humana” (ob. cit. págs. 130 e 131).
Acresce que “o princípio fundamental consagrado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP é o princípio da justiça, sendo que os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da boa fé são subprincípios que se integram no princípio da justiça” (autor e obra cit., pág. 134).
Assim, o artigo 6.º-A, do CPA, veio acolher expressamente o princípio da boa fé, no direito administrativo, dispondo que «No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regas da boa fé» (v. n.º 1).
Por outro lado, o respeito pela boa fé realiza-se através da ponderação dos “(...) valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial: a) da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa; b) do objectivo a alcançar com a actuação empreendida” (v. o seu n.º 2).
Ora, uma das mais importantes concretizações da boa fé, a que alude a alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º-A, é o princípio da protecção da confiança, que se traduz numa regra ético-jurídica fundamental, já que impõe que sejam asseguradas as “legítimas expectativas” criadas aos cidadãos, baseadas na conduta de outrem.
Destarte se protegem os particulares, relativamente aos comportamentos administrativos que objectivamente inculquem uma crença na sua efectivação.
Todavia, a tutela da boa fé não é absoluta, porquanto só poderá ocorrer mediante a verificação de certos pressupostos, a saber: a) existência de uma situação de confiança, traduzida na boa fé subjectiva da pessoa lesada; b) existência de elementos objectivos capazes de provocarem uma crença plausível; c) desenvolvimento efectivo de actividades jurídicas assentes nessa crença, d) existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado (vide autor e obra citadas, págs. 149 e 150).
Com efeito, “(...) a confiança criada, a boa fé, não é factor isolado de valorização duma conduta jurídico-administrativamente relevante” (cfr. Mário Esteves Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, em Código do Procedimento Administrativo, comentado, 2.ª edição, pág. 116).
Mais referem “(...) é ousada essa cláusula geral, porque refere o dever de boa fé a todas as “formas e fases” da actividade administrativa, quando, por exemplo, nalgumas dessas formas (...) não sobra praticamente campo de valorização jurídica do princípio da boa fé para além da garantida pela intervenção dos princípios da (legalidade e da igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e justiça. (...).“ (Autores e ob. cit., pág. 112).
De resto, ainda nas palavras dos citados Autores, “(...) Subjectivamente, a boa fé é essencialmente um estado de espírito, uma convicção pessoal sobre a licitude da respectiva conduta, sobre estar a actuar-se em conformidade com o direito” (ob. cit., pág. 108).
O que pressupõe e implica, no seguimento do entendimento perfilhado pelos mesmos Professores, que o princípio da boa fé perde forçosamente a sua força normativa, se e quando a Administração Publica se vê confrontada com a obrigação vinculada e estrita de obedecer à Lei e ao Direito.
Ora, voltando ao caso em concreto há que concluir, repete-se, que
a Autora refere que ocorreu a anulação da relação jurídica entre empregador e trabalhador e empregador e segurança social, a Autora exigiu a devolução dos montantes pagos, o que foi objecto de decisão de indeferimento parcial. Por isso, assevera que tal decisão é “violadora do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrática consagrado no artigo 2.º da Constituição da República, facto que determinou a dedução de reclamação contra a mesma”.
Importa ressalvar que nos presentes autos não vem deduzido o pedido de impugnação da decisão de indeferimento parcial do pedido de reconstituição das quantias pagas pela Autora a título de contribuições para a segurança social, sendo que tal vício, no limite, podia afectar tal decisão, o que revela que o mesmo não assume relevância numa acção fundada no instituto do enriquecimento civil. Com efeito, a Autora não suscita a título principal (não formula um pedido expresso de impugnação de tal acto, eventualmente conjugado com o pedido à condenação à prática do acto devido) nem a título incidental (por efeito, de dedução de acção de responsabilidade civil extracontratual em que a título incidental invoca a ilegalidade do acto) a invalidade do acto referenciado no ponto O) dos factos assentes. Em todo o caso não se pode falar do princípio da confiança legítima, à míngua de alegação, até porque a Entidade Demandada nunca se manifestou no sentido de que ia proceder ao pagamento das quantias peticionadas, independentemente dos requisitos legais previstos (prazo de prescrição), antes se pronunciou quanto ao requerimento apresentado, fundamentando-o nos termos legais, sem que a Autora tenha reagido contra o mesmo, invocando qualquer invalidade. Por outro lado, não se pode alhear da natureza da prescrição, cuja razão de ser reside na penalização da inércia do titular do direito, a par da salvaguarda da certeza e da segurança do direito, e daí que exige ao credor diligência na recuperação dos valores por si requeridos, para exercer a sua pretensão. Qualquer erro que esteja na causa do preenchimento das declarações e na constatação tardia do mesmo (ainda que eventualmente seja imputável ao escritório de contabilidade, o que pode em abstracto fundar acção de responsabilidade civil extracontratual daquele) é em última análise (nas relações externas Segurança Social e Contribuinte) da responsabilidade da Autora, que tem a obrigação perante as entidades públicas de preencher as declarações de retribuições e de no período temporalmente previsto na lei, sob pena de caducidade e prescrição, reagir, corrigindo nos períodos legais, eventuais erros e formular tempestivamente pedidos de restituição de quantias tributárias indevidamente pagas. De todo o modo, qualquer violação de princípios gerais da actuação administrativa não é apta a colmatar a falta de pressupostos legais do instituto jurídico ao abrigo do qual vem radica a presente acção (enriquecimento sem causa).
É que, como bem analisado, também se não descortina a assacada violação do preceituado no artigo 473.º do Código Civil.
Efectivamente, conforme se doutrinou no sumário do Acórdão do STA, de 25/03/2004, no âmbito do Proc. 08/04, IV-“O enriquecimento sem causa, na consideração da doutrina, da jurisprudência e dos artºs 473º e 474º do CC, depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) existência de um enriquecimento; b) que esse enriquecimento não tenha causa que o justifique; c) que ele seja obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição, e d) que não haja um outro acto jurídico entre o acto gerador do prejuízo deste e a vantagem obtida pelo enriquecido.
V-A alegação e prova dos requisitos do enriquecimento sem causa, designadamente, "a falta de causa do enriquecimento", cabe, nos termos gerais, ao autor. (...)”.
Sucede que a Recorrente não logrou tal desiderato, isto é, não logrou preencher os pressupostos legais do instituto jurídico ao abrigo do qual vem radicada a presente acção (enriquecimento sem causa).
Improcedem, assim, as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 20/10/2023

Fernanda Brandão
Nuno Coutinho
Isabel Jovita