Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02509/20.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/18/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:LICENÇA DE CONSTRUÇÃO E DE OBRAS DE URBANIZAÇÃO; CADUCIDADE DA LICENÇA; PEDIDO DE RENOVAÇÃO DA LICENÇA;
ARTIGO 72.º DO RJUE; INUTILIDADE DA LIDE; PRÁTICA DO ACTO DEVIDO.
Sumário:1 – Se uma requerente deixou caducar a licença emitida no âmbito de um procedimento de licenciamento de uma operação urbanística aprovada, na qual estava prevista a construção de um hotel, pelo decurso do prazo para requerer a emissão do respectivo alvará, continua a mesma, por vontade do legislador, a dispor de um direito sobre esse procedimento, na medida em que pode requerer nova licença. É o que dispõe o artigo 72.º, n.º 1 do RJUE. E se a interessada não detivesse de facto esse direito, não faria sentido que o legislador lhe conferisse este poder de petição, pois que, na realidade, enquanto proprietária/interessada, sempre poderia fazer aquilo por que se autodeterminasse e no tempo que entendesse, já que do que dispunha era do seu património, e do direito de implantar no solo, a construção que lhe viesse a ser licenciada, quando quisesse iniciar um procedimento licenciatório.

2 – Se uma interessada está enquadrada no âmbito normativo daquele artigo 72.º do RJUE, e se decide por fazer o pedido de nova licença antes de ter decorrido o prazo de 18 meses sobre a data da declaração de caducidade, não tem o dever de juntar ao processo quaisquer outros elementos documentais, e se o Requerido Município a notificar a Requerente para o fazer, mais não está do que a obstaculizar a sua pretensão licenciatória.

3 – Se o Requerido, em momento antecedente ao tempo em que veio a declarar a caducidade da licença aprovada, tinha informado a Requerente de que o alvará das licenças estava em condições de ser imediatamente emitido, já desde a data de 24 de maio de 2019, tempo em que já então estava em vigor o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 136/2014 e a Portaria n.º 113/2015, de 22 de abril, face a um pedido de renovação da licença que foi declarada caducada formulado pela Requerente, estava a cargo do Requerido, por constituir um seu ónus, informá-la sobre que concretos documentos é que esses diplomas legais passaram a prever que já não previsse anteriormente o ordenamento jurídico no domínio do urbanismo, da edificação e do ordenamento do território, assim como, também constituía um seu ónus indicar à Requerente, quais dos documentos que constavam do anterior procedimento administrativo que não pudessem ser aproveitados, desde logo por lhes estar inerente uma data de validade, e designadamente, que importava que a Requerente fizesse prova documental de que ainda é proprietária do terreno onde se vai efectivar a operação urbanística.

4 - O pedido de intimação dirigido à interpelação da entidade competente para o cumprimento do dever de decisão, a que se reporta o artigo 112.º, n.º 1 do RJUE, é um meio processual célere e eficaz, no qual se aprecia o pedido de concessão de tutela jurisdicional efectiva a quem é colocado num limbo de incerteza, mormente, nas situações em que o Requerido se coloque numa posição de remeter à interessada posições/pronúncias que não têm cabimento legal, e nem sobre elas se pronuncia concretamente.

5 – Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 112.º, n.º 5 do RJUE, não é qualquer decisão tomada pelo Requerido, que não aprecie concretamente o pedido efectuado pela Requerente, que tem a valia de poder ser tida e considerada como cumprindo o dever de decisão que sobre si impende.

6 - A extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, a que se refere o artigo 277.º n.º 1 alínea e) do CPC, pressupõe sempre a ocorrência, posterior à propositura da acção, de circunstâncias pelas quais seja retirado às partes, de forma muito clara e objectiva, o interesse em agir ou a possibilidade de obter uma qualquer vantagem juridicamente relevante com o prosseguimento da lide.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:C., LDA
Recorrido 1:Município (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I - RELATÓRIO

C., Ld.ª [devidamente identificada nos autos, onde a final do Requerimento inicial atinente à intimação judicial para a prática de acto legalmente devido, formulou pedido no sentido, em suma, (i) da intimação do Requerido Município (...) a cumprir o dever de decisão que sob si impende, fixando-se um prazo não inferior a 30 dias, (ii) da fixação do conteúdo do acto legalmente devido a praticar pelo Requerido, no sentido do deferimento do requerimento, e (iii) da fixação de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento do dever legal de emanar o acto legalmente devido], inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 02 de março de 2021, que julgou pela impossibilidade da lide, e extinta a instância nos termos do artigo 277.º, alínea e) do CPC.
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No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“EM CONCLUSÃO:
Da nulidade por decisão-surpresa sem contraditório:
I – Ao decidir a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide sem a observância do prévio contraditório, questão nova que não foi suscitada nos autos até à prolação da douta sentença, o Tribunal a quo incorreu numa decisão-surpresa e que não permitiu a ponderação da posição da Recorrente a esse respeito, tendo colocado a discussão jurídica num plano diferente daquele em que as partes o haviam feito.
II - O que acarretou a violação do direito ao contraditório previsto no art. 3º n.º 3 do CPC, consubstanciando a nulidade a que se refere o art. 615º n.º 1 al. d) do mesmo diploma.
Da inexistência de causa de inutilidade superveniente da lide:
III – A extinção da instância por inutilidade superveniente da lide pressupõe a verificação, na pendência da ação, de um facto ou circunstância que objetivamente retire ao autor o interesse em agir, deixando este de obter da lide qualquer utilidade, por a sua eventual procedência não provocar qualquer modificação da situação concreta submetida à apreciação do tribunal.
IV – À luz do pedido I e, acessoriamente, III formulado na p.i, não existiu qualquer facto provado do qual resultasse a supressão do interesse em agir, quer porque o Recorrido não proferiu a decisão final visada naqueles pedidos, quer porque não resultou provado qualquer facto impeditivo do cumprimento desse dever, mormente a
prática tempestiva e efetiva de ato procedimental legalmente legítimo por aquele e que devesse anteceder a fase da decisão final.
V – Embora se conceda, segundo a doutrina invocada pelo Tribunal, que a decisão visada pelo art. 112º do RJUE não tem de constituir forçosamente a decisão final do procedimento, o mesmo não aplica corretamente o sentido e alcance desse entendimento.
VI – Pois essa valoração tem de ser efetuada à luz dos pedidos formulados na ação, sendo que as referências doutrinárias invocadas na douta sentença apenas significam que aquele que lança mão do meio processual previsto no art. 112º do RJUE pode visar um ato procedimental interlocutório ou instrumental em falta, por inércia da administração.
VII – E não que àquele que peticiona o ato final do procedimento seja contraposto um ato interlocutório, instrumental ou intermédio extemporâneo, que não satisfaz o interesse visado pelo pedido e pelo meio processual em causa que é, fundamentalmente, a decisão final.
VIII - Com efeito, não é bastante um mero despacho interlocutório ou de mero expediente para dar por realizado o interesse de ver sanada a omissão do dever de decisão findos os prazos legais. Pois, a ser assim, os interessados teriam de lançar mão do presente procedimento para cada ato do iter procedimental em causa, caso a entidade requerida incorresse numa inércia reiterada e sistemática em casa um desses passos.
IX – também não se verifica a específica hipótese de inutilidade superveniente da lide prevista no n.º 5 do art. 112º do RJUE, já que nem se provou a prática do ato devido dentro do prazo da contestação, nem a prática efetiva do ato procedimental de pedido de consulta às entidades externas ao Município que, na ótica deste, seria o passo procedimental subsequente.
Dos pressupostos do direito peticionado em I e III:
X – A definição e cômputo dos prazos procedimentais é matéria de direito que deve ser aferida em função dos elementos constantes do processo administrativo apenso aos autos.
XI - Mesmo que se entenda existir uma componente residual de facto nessa definição dos prazos [v.g. saber em que momento as consultas foram efetivamente expedidas para as entidades externas e em que momento foram rececionadas por estas], dúvidas não existem que, mesmo com essa indefinição factual, as consultas teriam de ser promovidas – no limite – dentro do prazo legal para a prolação da decisão final do procedimento caso não tivesse existido a iniciativa dessas consultas.
XII – O direito peticionado dependia da apreciação de questão prévia que condiciona, direta e necessariamente, a apreciação dos pedidos I e III formulados, posto que a necessidade ou desnecessidade da nova consulta às entidades externas ao Município condiciona o cômputo do prazo e o seu decurso, enquanto condição de procedência daqueles pedidos.
XIII – A reapreciação de pedidos de licenciamento, nos termos do art. 72º do RJUE, não importa a renovação da consulta às entidades externas ao Município sempre que não existiram quaisquer alterações de facto ou de direito, designadamente a alteração de instrumentos de gestão territorial ou outras normas legais ou regulamentares, conforme a Recorrente alegou no art. 36º, 37º e 41º da p.i. não impugnados pelo Recorrido, direta ou indiretamente, na sua contestação.
XIV – O que resulta dos princípios da boa administração (que ingera os princípios da eficiência, da economicidade e da celeridade) consagrado no art. 5º do CPA e do próprio princípio da proporcionalidade consagrado no art. 7º do mesmo diploma.
XV – Assim, a Recorrente alegou e provou, como era de seu ónus, o preenchimento dos requisitos legais de que depende o efeito jurídico que pretende obter por via dos pedidos I e III formulados na petição inicial.
XVI – Além de que a Recorrente goza da presunção de regular e completa instrução da pretensão – não infirmada pelo Recorrido – constante do art. 11º n.º 5 do RJUE, já que não foi assinalado qualquer documento ou elemento em falta ou desconforme através de despacho de apreciação liminar, nos termos do art. 11º n.º 2 do RJUE.
XVII – Subsidiariamente, mesmo que se entenda estar a apreciação dos pedidos vinculada ao entendimento do Recorrido quanto à iniciativa da consulta às entidades externas – o que não se concede – já caberia a este o ónus de alegação e prova dos factos impeditivos do direito peticionado pela Recorrente, in casu, que tinha efetivamente expedido o pedido de pronúncia às entidades externas pelo menos dentro do prazo de que dispunha para a decisão final não fosse essa opção.
XVIII – Era, em síntese, ao Recorrido quem competia o ónus de alegar e provar (i) que estava legalmente impedido de praticar o ato final, (ii) que praticou todos os atos interlocutórios nos prazos devidos ou (iii) que existiu uma omissão imputável à Recorrente que o impedir de praticar algum desses atos.
XIX – Ónus esse que não logrou realizar, não resultando – de todo em todo – do P.A. apenso, não podendo recair sobre a Recorrente o ónus de alegação e prova de um facto positivo ou negativo (a efetiva e tempestiva promoção das consultas) que jamais foi levado ao seu conhecimento, conforme pretende a douta sentença recorrida.
XX – Pelo que, segundo o que resulta dos factos provados e do P.A. é manifesto que o Recorrido Município excedeu todos os prazos a que estava vinculado, quer num cenário de iniciativa de consulta a entidades externas, quer num cenário de inexistência dessa iniciativa, estando demonstrados os factos constitutivos do direito peticionado pela Recorrente nos seus pedidos I e III da p.i.
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TERMOS EM QUE
deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida e condenando-se o Recorrido nos termos do pedido I e III formulado na petição inicial.
Com o que se fará JUSTIÇA.”
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O Requerido Município (...) não apresentou Contra alegações.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos, e modo de subida, tendo ainda sustentado a não ocorrência da invocada nulidade imputada à Sentença recorrida.
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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.
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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão aos Meritíssimos Juízes Desembargadores Adjuntos], cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões suscitadas pela Recorrente e patenteadas nas conclusões apresentadas resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se a Sentença recorrida padece da nulidade a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, por preterição do dever de garantir a audiência contraditória, assim como, de dois erros de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito [em torno da existência da inutilidade superveniente da lide; e em torno dos termos e pressupostos subjacentes à aplicação do disposto no artigo 72.º do RJUE].
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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito:
1. Através do ofício n.º 3774/19, de 30.07.2019 a Requerente foi notificada da declaração de caducidade do licenciamento da construção de edifício destinado a estabelecimento hoteleiro e respetivas obras de urbanização.
2. Em 28.10.2020 a Requerente dirigiu ao Requerido, por via postal registada, um requerimento com o seguinte teor parcial:
C., LDA, Requerente no processo supra mencionado e melhor identificada no mesmo vem, nos termos e para os efeitos previstos no art. 72º n.º 1 e 2 do RJUE, requerer nova licença de construção e de obras de urbanização, com aproveitamento de todos os elementos que instruíram o processo anterior, a qual deverá ser emitida no mesmo sentido e condições, por se manterem inalterados os fundamentos de facto e de direito.
No pressuposto da citada aprovação, renova, desde já, o pedido de emissão do alvará de licença de construção e de licença de obras de urbanização, nos exatos termos do ponto II do seu requerimento com registo de entrada de 19/08/2020 que dá por integralmente reproduzido nessa parte, incluindo os elementos instrutórios que o acompanharam.
Consigna-se, expressamente, que a Requerente não renuncia aos eventuais meios processuais, graciosos e contenciosos relativamente aos atos administrativos já praticados no processo – mormente a declaração de caducidade que lhe foi notificada através do Vosso ofício n.º 3774/19, de 30/07/2019 – nem ao correspectivo exercício de direitos, por qualquer meio legalmente admissível. Meios esses nos quais mantém interesse na medida em que deles se possa prevalecer, a reavaliar em função da decisão que venha a recair sobre o ora requerido e que pode ditar a inutilidade superveniente daqueles. (…)
3. O Requerido dirigiu à Requerente uma notificação correspondente ao ofício n.º 5481/2020, de 11.11.2020, com o seguinte teor parcial:
No uso de competências delegadas, fica V. Exª. notificada que o requerimento mencionado em epígrafe, conforme despacho de 06/11/2020, mereceu a seguinte decisão:
1. Verifica-se que V. Exª. se propôs, nos termos legais, mais concretamente em face do previsto no art. 72º do RJUE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 136/14, de 9/9, proceder à renovação da operação urbanística, conexa com a pretensão de edificação de uma unidade hoteleira, entretanto, por falta de impulso na obtenção da correspondente licença, objeto de declaração de caducidade expressa.
2. O pedido tem enquadramento legal e implica, nos termos do enunciado no referido artigo, o aproveitamento dos elementos que instruíram o pedido anterior, dado que não decorreram ainda 18 meses a contar da data da caducidade (30/07/2019, ofício n.º 3774/19), mas não dispensa a promoção da consulta às entidades externas que, obrigatoriamente, em razão da localização, têm de prestar parecer, sob pena da nulidade a que alude o artigo 68º, alínea c) do citado regime jurídico.
3. Mais se informa V. Exª. de que os elementos necessários para instruir o pedido de renovação do presente processo, encontram-se elencados na Portaria 113/2015, de 22 de abril, nos pontos I e III, anexos I e II, dos quais se destacam os seguintes: (…)
4. No que se refere à taxa de apreciação/reapreciação do pedido de renovação, o valor correspondente é de 79,10 €.
4. Discordando da necessidade de nova consulta às entidades exteriores ao Réu Município, em 27.11.2020, a Requerente dirigiu ao Requerido um requerimento com o seguinte teor parcial:
(…)
C., LDA, Requerente no processo supra mencionados e melhor identificada no mesmo, notificada nos termos que antecedem (v/ ofício 5481/2020, de 11-11- 2020),
vem DIZER e REQUERER o seguinte:
1 – Não existiram quaisquer alterações de facto ou de direito relativamente às pretensões formuladas,
2 – permanecendo inalteradas as regras legais e regulamentares que presidiram à aprovação das pretensões,
3 – mormente ao nível dos instrumentos de gestão territorial aplicáveis.
4 – Em face disso, o disposto no art. 72º do RJUE não determina a promoção de novos pareceres, autorizações ou aprovações de entidades estranhas ao Município, visto que os pressupostos de facto e de direito, que mereceram as anteriores pronúncias, são coincidentes.
5 – Conforme a propósito deste normativo escreveu Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves e Dulce Lopes (in “Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – Comentado”, Almedina, Coimbra, 2016, 4ª Edição, pág. 553, “naturalmente que a entrega destes novos elementos apenas se justificará se tiverem sido alterados os requisitos que conformam substancialmente o objeto 14/22 do pedido, como sucede com a modificação dos instrumentos de gestão territorial. Já se em causa estiverem exigências formais (o exemplo que dávamos na edição anterior deste comentário era o resultante da Lei n.º 31/2009, de 3 de julho, de existência de um coordenador de projeto), não se deve exigir a apresentação de um processo atualizado, uma vez que este substancialmente se mantém inalterado. Este entendimento baseia-se no princípio da boa administração (que integra os princípios da eficiência, da economicidade e da celeridade) consagrado no artigo 5º do CPA. Chegaríamos, aliás, à mesma solução por via da aplicação do princípio da proporcionalidade, do artigo 7º do CPA”).
6 – Pelo que a ora Requerente consigna que irá considerar a premissa de que tais pareceres, autorizações ou aprovações de entidades estranhas ao Município não são devidos, para o exercício dos seus direitos e do regime legal aplicável.
Quanto aos demais aspetos da notificação:
7 – A ora Requerente já entregou toda a documentação a que se refere o ponto 3 da notificação em referência, que consta dos autos.
8 – Caso o Município entenda que algum específico documento carece de revalidação – o que não se concede - deverá notificar a Requerente em conformidade.
9 – A taxa indicada (79,10 €) foi paga na data de entrega do presente requerimento.
TERMOS EM QUE
requer o deferimento do seu requerimento n.º 5089/2020, de 28/10/2020, considerando-se não necessárias as consultas, pareceres ou autorização das entidades externas já anteriormente consultadas.
5. Em 30.12.2020, o Requerido emitiu o ofício n.º 6378/2020, com o seguinte teor parcial:
(…)
[ver imagem no original da Sentença]
(…)” (cfr. ofício a fls. 691 e ss do p.a.).
6. Em 22.01.2021, a Requerente dirigiu ao Requerido um requerimento com o seguinte teor parcial:
(…)
1 – O ofício n.º 5481/2020, de 11/11/2020 não contém a relação dos documentos em concreto exigíveis no caso vertente, mas uma mera remissão para a relação genérica de elementos instrutórios constantes da Portaria 113/2015, de 22/04, pontos I e III e anexos I e II (cfr. ponto 4 do ofício).
2 – A Interessada já tomou posição sobre a questão da consulta às entidades externas, através do seu requerimento de 27/11/2020, o qual se dá por integralmente reproduzido.
3 – Assinala-se, quanto ao n.º 1 do ponto 2.4 do ofício 6378/2020, que a Interessada identificou com clareza e precisão a sua pretensão “nos termos do procedimento administrativo”, o que referiu expressamente no introito do requerimento de 28/10/2020 [“(…) vem, nos termos e para os efeitos previstos no art. 72º n.º 1 e 2 do RJUE, requerer nova licença de construção e de obras de urbanização”], que se refere inequivocamente ao pedido de renovação das licenças em causa e respetivo enquadramento legal,
4 - o que o Município bem interpretou, de acordo com as informações subsequentes.
5 – Pese embora se entenda que o processo já se apresentava corretamente instruído - e sem prescindir - procede-se à junção dos documentos relativamente aos quais se poderia equacionar a questão da caducidade da respetiva validade, a saber:
(i) certidão do registo predial atualizada do prédio em causa;
(ii) certidão comercial permanente da sociedade ora Interessada;
(iii) plantas de localização atualizadas;
(iv) declarações comprovativas da manutenção das inscrições válidas nas respetivas associações públicas de natureza profissional, relativamente aos subscritores dos termos de responsabilidade (os quais são, de per se, insuscetíveis de desatualização).
TERMOS EM QUE
requer o deferimento do seu requerimento n.º 5089/2020, de 28/10/2020, considerando-se o processo corretamente instruído face aos termos e regime legal da pretensão deduzida.” (cfr. doc. a fls. 1186 e ss e doc. a fls. 1238 dos autos).
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Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir e inexistem factos não provados com tal relevo.
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Motivação da matéria de facto:
A factualidade constante dos pontos 1 a 4 do probatório resultou admitida por acordo das partes, na medida em que foi expressamente aceite pelo Requerido no art. 1.º da contestação.
A factualidade constante dos pontos 5 e 6 do elenco de factos provados resultou documentalmente provada, tendo a decisão da matéria de facto sido efetuada com base nos documentos indicados em tal elenco, à frente de cada facto, em conjugação com a posição assumida pelas partes nos respetivos articulados.”
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Tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, levamos ao probatório a factualidade que segue, que a damos por inserida segundo a temporalidade aí enunciada:

1A – Para aqui se extrai o referido ofício n.º 3774/19 – Cfr. doc. n.º 3 junto com o Requerimento inicial, do qual consta que a caducidade da licença de que a Requerente era titular caducou no dia 30 de julho de 2019 -, como segue:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

1B – O referido ofício n.º 3774/19, foi antecedido de um outro, datado de 27 de maio de 2019, n.º 2623/189, emitido em sede de audiência previa da Requerida – Cfr. doc. n.º 1 junto com o Requerimento inicial -, que para aqui se extrai como segue:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

1C – O licenciamento relativo à operação urbanística requerida pela Requerente, atinente à construção de uma unidade hoteleira [cuja caducidade veio a ser declarada em 30 de julho de 2019], foi aprovado pelo Requerido em 09 de junho de 2014 – facto admitido por acordo; Cfr. ofício 3774/19;

6A - A Requerente pagou a taxa de €79,10 [do que informou o Requerido pelo seu requerimento datado de 27 de novembro de 2020], para o que assim havia sido notificada pelo Requerido pelo seu ofício n.º 5481/2020, de 11 de novembro de 2020 – Cfr. doc. n.º 11 junto com o Requerimento inicial;

7 - O Regulamento Municipal da Urbanização e da Edificação do Município (...) foi publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 211, de 29 de outubro de 2020, pelo Aviso n.º 17533/2020;

8 - O Requerimento inicial que motivou os presentes autos foi remetido ao TAF do Porto em 30 de dezembro de 2020 – Cfr. fls. dos autos;

9 - A Contestação apresentada nos presentes autos foi remetida ao TAF do Porto pelo Requerido ora Recorrido, em 19 de janeiro de 2021 – Cfr. fls. dos autos.
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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 02 de março de 2021, que com referência aos pedidos formulados a final do Requerimento inicial [atinentes, em suma (i) à intimação do Requerido Município (...) a cumprir o dever de decisão que sob si impende, fixando-se um prazo não inferior a 30 dias, (ii) à fixação do conteúdo do acto legalmente devido a praticar pelo Requerido, no sentido do deferimento do requerimento, e (iii) à fixação de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento do dever legal de emanar o acto legalmente devido], veio a julgar pela impossibilidade da lide, e extinta a instância nos termos do artigo 277.º, alínea e) do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Como deflui das conclusões das Alegações apresentadas pela Recorrente, sustenta a mesma que a Sentença recorrida padece da nulidade a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, por preterição do dever de garantir a audiência contraditória, assim como, de dois erros de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, em torno da existência da inutilidade superveniente da lide, e em torno dos termos e pressupostos subjacentes à aplicação do disposto no artigo 72.º do RJUE.

Assim, das conclusões das Alegações apresentadas pela Recorrente, desde logo se extrai que não vem posto em crise o julgamento prosseguido pelo Tribunal a quo em torno da matéria de facto por si convocada, para efeitos de, segundo as soluções de direito plausíveis vir a proferir a Sentença recorrida.

Como enunciado supra, o objecto do recurso jurisdicional deduzido pela Recorrente, centra-se na ocorrência de nulidade da Sentença, assim como em erro de julgamento na solução jurídica que o Tribunal a quo concedeu à relação jurídica controvertida, atenta a materialidade de facto e de direito em que assentava a pretensão da Requerente, ora Recorrente.

Assim, e para já, cumpre apreciar e decidir em torno da nulidade que vem assacada à Sentença recorrida, a que se reporta o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

Para tanto e em suma, referiu a Recorrente que ao ter o Tribunal recorrido decidido pela extinção da instância por ter julgado verificada a inutilidade superveniente da lide sem ter prosseguido ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3 do CPC a audiência contraditória a esse respeito, que dessa forma cometeu a invocada nulidade por ter conhecido de questão nova que não foi suscitada nos autos até à prolação da Sentença. Mais referiu que o Tribunal a quo colocou a discussão jurídica num plano diferente daquele em que as partes o haviam feito, prosseguindo numa decisão-surpresa, já que não permitiu a ponderação da sua posição a esse respeito. Referiu ainda que no despacho datado de 26 de janeiro de 2021 que apenas lhe foi concedido o direito de pronúncia face à matéria exceptiva invocada na Contestação e que nesse articulado nada tinha sido suscitado pelo Requerido ora Recorrido a propósito da decidida inutilidade superveniente da lide, não ocorrendo nenhuma circunstância que tornasse desnecessária a observância do contraditório, e que ao ter decidido sem essa observância, que se verifica assim a nulidade por omissão de pronúncia.

Apreciando a nulidade imputada à Sentença recorrida, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, para tanto para aqui extraímos este normativo, como segue:

Artigo 615.º
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; [sublinhado da nossa autoria]
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”

Ora, as causas de nulidade das sentenças a que se reporta taxativamente o artigo 615.º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, distinguindo-se dos erros de julgamento (error in judicando) de facto e/ou de direito imputadas às sentenças recorridas, resultantes de desacerto quanto à realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

A nulidade assacada pela Recorrente à Sentença recorrida nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, tem subjacente a alegação de que o julgador deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, nulidade essa que está intrinsecamente ligada ao imperativo inserto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC que consagra o dever do tribunal resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Cumpre para aqui extractar a essência da fundamentação aportada pelo Tribunal a quo por via da qual conheceu da ocorrência da inutilidade da lide, e como é manifesto por assim decorrer da tramitação dos autos, sem que a ora Recorrente tenha sido notificada para exercer o contraditório:

Início da transcrição

“[...]
Prevê ainda o art. 112.º, n.º 5, do mesmo diploma que “O processo pode terminar por inutilidade superveniente da lide se for provada a prática do ato pretendido dentro do prazo da contestação.
Descendo ao caso dos autos, constata-se que a Requerente formulou, na p.i., um pedido a intimação do Requerido para cumprir o seu dever de decisão face ao requerimento que havia apresentado em 27.11.2020, no sentido de se considerarem não necessárias as consultas, pareceres ou autorizações das entidades externas consultadas anteriormente, invocando o art. 72.º do RJUE (cfr. ponto 4 do probatório).
Sucede que, em 30.12.2020, o Requerido emitiu ofício em que tomou posição quanto ao requerimento da Requerente, indeferindo o pretendido e reiterando a obrigatoriedade de promoção de novas consultas (cfr. ponto 5 do probatório).
[…]
Mas ainda antes de tal questão, coloca-se a seguinte: a pretensão formulada pela Requerente na p.i. se reportava à inércia da Requerida na sequência do seu requerimento de 27.11.2020. Ora, tal inércia foi ultrapassada através da emissão do ofício n.º 6378/2020, o que implica necessariamente a inutilidade da lide nos termos do art. 112.º, n.º 5, do RJUE. Na verdade, não pode o presente meio processual, que se pretende célere e eficaz, servir para o particular interessado obter uma contínua monitorização do desenvolvimento de um determinado processo administrativo. Tal redundaria, aliás, na violação do princípio da separação de poderes previsto no art. 3.º, n.º 1, do CPTA.
Ocorre, pois, a inutilidade da lide quando ao pedido formulado sob as alíneas I) e II do r.i..
*
Vejamos então agora se tal inutilidade se verifica também quanto ao pedido formulado sob a alínea II) do r.i., no sentido da fixação judicial do conteúdo do ato legalmente devido, tendo ainda em conta o alegado pela Requerente em sede de resposta à contestação, no sentido de que o Requerido não identificou nem alegou qualquer fundamento específico que justificasse ou motivasse a necessidade de novas consultas.
Desde já se diga quanto a tal pretensão se verifica também a inutilidade superveniente da lide. Na verdade, tendo sido, entretanto, emitido o ato que se encontrava omitido e não estando em causa qualquer pedido de anulação do mesmo - o que de resto não seria processualmente admissível face ao meio processual em causa -, torna-se também totalmente inútil o pedido da fixação do conteúdo de tal ato.
Mas refira-se também, a este propósito, que o meio processual previsto no art. 112.º do RJUE constitui um meio urgente através do qual o tribunal apenas é chamado para condenar a Administração a agir em situação de inércia, não podendo ser usado para se sindicar a validade de uma determinada decisão.
Recorrendo novamente às palavras das autoras supra citadas, atualmente, com a alteração ao n.º 6 do art. 112.º introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, “(…) parece ser claro (…) que se permite apenas a intimação para a prática do ato em falta num determinado prazo, sem que o juiz se possa pronunciar sobre o sentido da decisão concreta a adotar pelo município. (in Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado. 4.ª Ed. Coimbra: Almedina, 2016, p. 720)”
Não compete, assim, na presente ação, aferir da legalidade do ato.
Em qualquer caso, ao ter sido emitido o ato objeto da intimação, tal pedido tornou-se supervenientemente inútil ou impossível.
*
Na medida em que a inutilidade da lide resulta de uma atuação do Requerido, considera-se que lhe é imputável, devendo este ser condenado em custas, nos termos do art. 536.º, n.ºs 3 e 4, do CPC.
[...]“
Fim da transcrição

Ora, como extraído supra, resulta evidente que o Tribunal a quo decidiu pela ocorrência da inutilidade superveniente da lide, com fundamento em que o Recorrido deu/tinha dado satisfação ao requerimento apresentado pela Requerente ora Recorrente ao Requerido, em 27 de novembro de 2020 – Cfr. ponto 4 do probatório -, por via do ofício n.º 6378/2020, de 30 de dezembro de 2020, e que o fundamento legal para a decidida inutilidade tinha subjacente o disposto no artigo 112.º, n.º 5 do RJUE. E mais decidiu o Tribunal a quo, que estando em causa uma situação de inércia por parte do Requerido, e que tendo entretanto, emitido o acto que se encontrava omitido, que “... tal pedido tornou-se supervenientemente inútil ou impossível.

Portanto, como decorre da fundamentação convocada pelo Tribunal a quo, o julgador teve para si que, havendo um pedido formulado ao Tribunal no âmbito de um meio processual próprio, no sentido de o Requerido decidir, sustentado na omissão desse dever de decidir, e tendo o Tribunal constatado existir nos autos pronúncia do Requerido, que a teve como bastante para dar como satisfeito o pedido da Requerente, e com amparo no disposto no artigo 112.º, n.º 5 do RJUE, nos termos do qual “O processo pode terminar por inutilidade superveniente da lide se for provada a prática do ato pretendido dentro do prazo da contestação.

Como resultou provado, o identificado ofício data de 30 de dezembro de 2020, sendo que a Contestação foi remetida ao TAF do Porto, em 19 de janeiro de 2021 – Cfr. ponto 9 do probatório.

Tendo o Tribunal a quo apreciado e decidido sobre os termos e pressupostos pelos quais julgou da ocorrência da inutilidade superveniente da lide sem a audição do Recorrente e que na óptica desta se mostrava necessária para que não fosse prolatada uma “decisão-surpresa“, e se a motivação/fundamentação recursiva da Recorrente estivesse certa, isto é, se fosse merecedora de este Tribunal Superior lhe dar acolhimento, então o que aconteceria, é que a Sentença recorrida não padece de nulidade por o julgador não ter apreciado questões que devia ter apreciado, mas antes de erro de julgamento, sancionável com a revogação da Sentença.

Como refere M. Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lisboa, 1997, págs. 220 e 221 o “[…] tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa. [...] Verifica-se, pelo contrário, uma omissão de pronúncia e a consequente nulidade [art. 668.º, n.º 1, al. d) 1.ª parte] se na sentença, contrariando o disposto no art. 659.º, n.º 2, o tribunal não discriminar os factos que considera provados [...] ou se abstiver de apreciar a procedência da acção com fundamento numa das causas de pedir invocadas pelo autor [...].“

É que, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando haja uma omissão de pronúncia absoluta, isto é, quando o julgador não conheceu determinada questão suscitada pelas partes, silenciando totalmente a razão pelo qual não o fazia, o que não é o caso.

Como assim patenteado no despacho de sustentação da não ocorrência da nulidade, apreciou e decidiu o Tribunal a quo que “... pese embora o Requerido não tenha enquadrado a exceção por si invocada como inutilidade superveniente da lide, mas antes como fundamento da improcedência da acção, a verdade é que invocou ter dado cumprimento à pretensão da Requerente em sede de procedimento administrativo.“ E mais decidiu o Tribunal a quo que “A questão fundamental foi assim suscitada pelo Requerido logo na contestação, tendo sido dada então a oportunidade de pronúncia à Requerente, sendo certo que o Tribunal não está sujeito à alegação das partes no que toca à interpretação das regras do direito, nos termos do art. 5.º, n.º 3, do CPC.

Como assim julgamos, e subjacente à decisão prolatada pelo Tribunal a quo, está o julgamento por si prosseguido no sentido de que, atento o pedido formulado pelo Requerente e que está na base da sua vinda a Tribunal em busca de tutela jurisdicional efectiva, e tendo o Requerido alegado [e estando documentado nos autos] que deu satisfação a esse pedido e que se verificava fundamento para a improcedência da acção, no âmbito do seu poder de decisão e nos termos em que assim fundamentou [essa sua decisão, do Tribunal a quo], resulta que o julgamento por si tirado derivava na inutilidade da lide, por ter sido praticado o acto que no entender do Requerido e do Tribunal se mostrava bastantes, e dessa forma, que a audiência contraditória se mostrava desnecessária.

De acordo com o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”

Nos termos em que o Tribunal a quo configurou a questão a decidir, não havia assim que prosseguir na audiência contraditória da Requerente pois que em face dos factos coligidos pelo Tribunal julgados relevantes para a decisão a proferir, e atentas as posições processuais já esgrimidas nos autos, pesou a existência de um ofício [n.º 6378/2020, de 30 de dezembro de 2020], emitido na sequência do requerimento da Requerente, datado de 27 de novembro de 2020, tendo sido nesses pressupostos e com essa carga valorativa, assente no disposto no artigo 112.º, n.º 5 do RJUE, que veio a ser decidida a inutilidade da lide.

Neste patamar, e em suma, realidade diversa é a do eventual erro de julgamento, por discordância com a posição jurídica assumida pelo Tribunal a quo, por ter apreciado e decidido a ocorrência da inutilidade da lide com fundamento no facto de o Requerido ter dado satisfação ao requerimento do Requerente ora Recorrente fazendo assentar esse julgamento, como assim julgamos, na manifesta desnecessidade em fazer essa audição do Requerente, mesmo no tempo em que o fez.

Termos em que a Sentença recorrida não padece da invocada nulidade a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

Prosseguindo.

Para efeitos de prosseguirmos na apreciação dos invocados erros de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, cumpre atentar no probatório.

Como assim resultou provado – Cfr. pontos 1) e 1B) do probatório -, a Requerente foi requerente num procedimento tendente ao licenciamento da construção de edifício destinado a estabelecimento hoteleiro e respectivas obras de urbanização, sita na Avenida (…), em (...), que como informado/notificado pelo Requerido à Requerente, à data de 24 de maio de 2019 estava no seguinte estado:

- a aprovação do licenciamento da operação urbanística [construção de um hotel] por parte da Câmara Municipal (...), foi notificada à Requerente, ora Recorrente, em 09 de junho de 2014, pelo ofício n.º 6371/2014;
- a Presidente da Câmara Municipal (...), notificou a Requerente pelo ofício n.º 2623/2019, de 27 de maio, entre o mais, no sentido de que:
(1) do ponto de vista legal, desde que fossem pagas as inerentes taxas e compensações e cumpridas as restantes condicionantes de licenciamento, o correspondente alvará de licenciamento poderia ter sido, de imediato, requerido e emitido, o que não chegou a acontecer porque a Requerente não o chegou a pedir, porque não o quis ou não o pode.
(2) devia a Requerente, em 10 dias, requerer a emissão de alvará de licença de construção e alvará de licença de obras de urbanização, inerente à operação urbanística aprovada e licenciada, e pagar os valores que lhe foram identificados, assim como apresentar os documentos que também lhe foram indicados, sob pena de ser declarada a caducidade da licença aprovada.

Como também resultou provado – Cfr. ponto 1A) do probatório -, por ofício datado de 30 de julho de 2019, o Requerido notificou a Requerente da declaração atinente à caducidade do licenciamento da construção de edifício destinado a estabelecimento hoteleiro e respetivas obras de urbanização.

E neste conspecto, desde já se diga que não é questão controvertida nestes autos [ou noutros, porque assim não os identificaram as partes] que a caducidade do licenciamento de construção e das obras de urbanização não tenha ocorrido naquele dia 30 de julho de 2019, sendo aliás evidente que, tendo o licenciamento da operação urbanística [construção de um hotel] sido aprovado pela Câmara Municipal (...) e notificada à requerente, ora Recorrente, em 09 de junho de 2014, que a declaração de caducidade prolatada mais de 5 [cinco] anos após, assim ocorreu e nesse tempo, porque só nessa data é que o Requerido entendeu [dever] fazê-lo.

Temos assim, portanto, que para efeitos de apreciação de ulteriores termos de processamento em torno da operação urbanística em causa, que o que releva é o facto de a mesma ter sido aprovada/comunicada à Requerente ora Recorrente em 09 de junho de 2014 e que a declaração de caducidade foi prolatada em 30 de julho de 2019 – Cfr. pontos 1A) e 1C) do probatório.

Importa salientar que a Presidente da Câmara Municipal (...), notificou a Requerente pelo ofício n.º 2623/2019, de 27 de maio – Cfr. ponto 1B) do probatório, dando-lhe a saber, entre o mais, que se no ulterior prazo de 10 dias úteis pagar/pagasse as inerentes taxas e compensações e fossem cumpridas as restantes condicionantes de licenciamento [que pelo que decorre do teor da notificação, eram relativas a imposição da ARH-Norte, relativa à não intervenção na vegetação rasteira e arbustiva a norte do edifício, e também a condicionantes técnico- administrativas da PT, EDP, Indáqua e DOE] e entregasse os documentos que lhe fossem determinados/identificados, e os requeresse, que os correspondente alvarás de licenciamento seriam, de imediato, emitidos.

Aqui chegados.

Como também resultou provado – Cfr. ponto 2 do probatório -, por requerimento datado de 28 de outubro de 2020, remetido nessa data ao Requerido por via postal registada, a Requerente invocou o disposto no artigo 72.º do RJUE e requereu nova licença de construção e de obras de urbanização, com aproveitamento de todos os elementos que instruíram o processo anterior, onde explicitou que a mesma devia ser emitida no mesmo sentido e condições, por se manterem inalterados os fundamentos de facto e de direito, tendo nesse requerimento referido um outro seu requerimento entregue no Requerido em 19 de agosto de 2020 que o deu por integralmente reproduzido nessa parte, incluindo os elementos instrutórios que o acompanharam.

Resultou ainda provado – Cfr. ponto 3 do probatório -, que a esse requerimento da Requerente, o Requerido deu satisfação por via do ofício n.º 5481/2020, de 11 de novembro de 2020, e do qual se destaca, em especial:
(3) que o Requerido teve presente que a pretensão do Requerente assentava no disposto no artigo 72.º do RJUE, e que pretendia a renovação da licença cuja caducidade tinha sido declarada;
(4) que o pedido formulado pela Requerente tinha enquadramento legal e implicava, nos termos do enunciado no referido artigo, o aproveitamento dos elementos que instruíram o pedido anterior, por não terem ainda decorrido 18 meses a contar da data da caducidade declarada, em 30 de julho de 2019;
(5) que o aproveitamento dos elementos documentais, não dispensava a promoção da consulta às entidades externas que, obrigatoriamente, em razão da localização, têm de prestar parecer, sob pena da nulidade a que alude o artigo 68.º, alínea c) do citado regime jurídico.
(6) mais foi informada a Requerente que os elementos necessários para instruir o pedido de renovação do presente processo, encontram-se elencados na Portaria 113/2015, de 22 de abril, nos pontos I e III, anexos I e II, tendo sido destacados alguns deles;
(7) que era devida a taxa de apreciação/reapreciação do pedido de renovação, no valor de 79,10 €.”

Resultou ainda provado que, em resposta a esse ofício n.º 5481, por seu requerimento datado de 27 de novembro de 2020 – Cfr. ponto 4) do probatório -, a Requerente, invocou, em suma:

(8) discordar da necessidade de nova consulta às entidades exteriores ao Requerido Município;
(9) referiu que não existem quaisquer alterações de facto ou de direito relativamente às pretensões formuladas, por permanecerem inalteradas as regras legais e regulamentares que presidiram à aprovação das pretensões, mormente ao nível dos instrumentos de gestão territorial aplicáveis, e que o disposto no artigo 72.º do RJUE não determina a promoção de novos pareceres, autorizações ou aprovações de entidades estranhas ao Município, visto que os pressupostos de facto e de direito, que mereceram as anteriores pronúncias, são coincidentes;
(10) que já entregou toda a documentação a que se refere o ponto 3 da notificação em referência, que consta dos autos, mas que caso o Requerido Município entendesse que algum específico documento carece de revalidação, que deveria notificá-la para o efeito [a Requerente];
(11) a final requereu que o seu requerimento de 28 de outubro de 2020 fosse deferido e consideradas não necessárias as consultas, pareceres ou autorização das entidades externas já anteriormente consultadas.

A esse requerimento deu o Requerido satisfação, em 30 de dezembro de 2020, por via do ofício n.º 6378/2020 – Cfr. ponto 5) do probatório -, do qual se extrai, em suma, que a Requerente devia instruir o pedido com elementos documentais que instruíram o processo anterior, cuja validade tenha caducado, e ainda com os documentos previstos no artigo 19.º, n.ºs 1 e 2 do RMUE, e que têm de efectuar-se novas consultas a entidades externas, tendo a Requerente, nessa sequência, vindo a apresentar requerimento datado de 22 de janeiro de 2021 – Cfr. ponto 6) do probatório -, com alegação, entre o mais, de que não são devidas as consultas a entidades externas, e de que, apesar de considerar que o processo está correctamente instruído, requereu a junção de documentos relativamente aos quais se poderia equacionar a questão da sua validade temporal, e a final, requereu ainda o deferimento do seu requerimento n.º 5089/2020, de 28 de outubro de 2020 – Cfr. ponto 2) do probatório -, por estar correctamente instruído.

Neste patamar.

Cumpre agora para aqui extractar a essência da fundamentação aportada na Sentença recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Sendo esta a factualidade relevante, vejamos agora o Direito.

Da conjugação do art. 111.º, al. a), com o disposto no art. 112.º, n.º 1, ambos do RJUE, decorre que, em caso de inércia da Administração quanto a ato a emitir no âmbito de procedimento de licenciamento, o interessado pode deduzir junto dos tribunais administrativos um pedido de intimação dirigido à entidade competente para o cumprimento do dever de decisão.

Prevê ainda o art. 112.º, n.º 5, do mesmo diploma que “O processo pode terminar por inutilidade superveniente da lide se for provada a prática do ato pretendido dentro do prazo da contestação.

Descendo ao caso dos autos, constata-se que a Requerente formulou, na p.i., um pedido a intimação do Requerido para cumprir o seu dever de decisão face ao requerimento que havia apresentado em 27.11.2020, no sentido de se considerarem não necessárias as consultas, pareceres ou autorizações das entidades externas consultadas anteriormente, invocando o art. 72.º do RJUE (cfr. ponto 4 do probatório).

Sucede que, em 30.12.2020, o Requerido emitiu ofício em que tomou posição quanto ao requerimento da Requerente, indeferindo o pretendido e reiterando a obrigatoriedade de promoção de novas consultas (cfr. ponto 5 do probatório).

Não obstante a prolação de um tal ato, sustenta a Requerente que não foi emitida ainda decisão final do procedimento, que é afinal o dever de decisão a que se reporta o meio processual previsto no art. 112.º do RJUE, tendo já decorrido os prazos fixados no RJUE para o efeito.

Desde já se diga que não lhe assiste qualquer razão em tal questão.
O art. 112.º do RJUE prevê a possibilidade de ser pedida a intimação judicial para a entidade competente decidir, sempre que devesse ser praticado um ato no âmbito de procedimentos de licenciamento, não exigindo que tal decisão constitua a decisão final do procedimento.
Neste sentido, vejam-se as seguintes palavras das autoras Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves e Dulce Lopes a este respeito:
Este meio processual pode ser aplicado não só quando esteja em causa a prática de um ato administrativo [muito embora sejam estas as situações a que se refere a alínea a) do artigo 111.º], mas, de igual forma, a prática de outros atos que devessem ter sido praticados no âmbito do procedimento de licenciamento, nomeadamente para a promoção de consultas, como resulta do artigo 13.º do diploma em comentário, ou mesmo para a aprovação do projeto de arquitetura” (in Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado. 4.ª Ed. Coimbra: Almedina, 2016, p. 709).

Ora, os prazos para a emissão da decisão final no âmbito de um processo de licenciamento contam-se a partir da receção de todos os elementos (cfr. art. 20.º do RJUE), existindo prazos intermédios específicos a ter em consideração (cfr., a título exemplificativo, art. 13.º do RJUE).

Contudo, a este respeito a Requerente limita-se a invocar que não decorre do p.a. se e quando as consultas foram promovidas, não concretizando qualquer data específica em que considere serem que consultas devidas, o que por si só determinaria a improcedência da pretensão formulada.

Mas ainda antes de tal questão, coloca-se a seguinte: a pretensão formulada pela Requerente na p.i. se reportava à inércia da Requerida na sequência do seu requerimento de 27.11.2020. Ora, tal inércia foi ultrapassada através da emissão do ofício n.º 6378/2020, o que implica necessariamente a inutilidade da lide nos termos do art. 112.º, n.º 5, do RJUE. Na verdade, não pode o presente meio processual, que se pretende célere e eficaz, servir para o particular interessado obter uma contínua monitorização do desenvolvimento de um determinado processo administrativo. Tal redundaria, aliás, na violação do princípio da separação de poderes previsto no art. 3.º, n.º 1, do CPTA.

Ocorre, pois, a inutilidade da lide quando ao pedido formulado sob as alíneas I) e II do r.i..
*
Vejamos então agora se tal inutilidade se verifica também quanto ao pedido formulado sob a alínea II) do r.i., no sentido da fixação judicial do conteúdo do ato legalmente devido, tendo ainda em conta o alegado pela Requerente em sede de resposta à contestação, no sentido de que o Requerido não identificou nem alegou qualquer fundamento específico que justificasse ou motivasse a necessidade de novas consultas.

Desde já se diga quanto a tal pretensão se verifica também a inutilidade superveniente da lide. Na verdade, tendo sido, entretanto, emitido o ato que se encontrava omitido e não estando em causa qualquer pedido de anulação do mesmo - o que de resto não seria processualmente admissível face ao meio processual em causa -, torna-se também totalmente inútil o pedido da fixação do conteúdo de tal ato.

Mas refira-se também, a este propósito, que o meio processual previsto no art. 112.º do RJUE constitui um meio urgente através do qual o tribunal apenas é chamado para condenar a Administração a agir em situação de inércia, não podendo ser usado para se sindicar a validade de uma determinada decisão.

Recorrendo novamente às palavras das autoras supra citadas, atualmente, com a alteração ao n.º 6 do art. 112.º introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, “(…) parece ser claro (…) que se permite apenas a intimação para a prática do ato em falta num determinado prazo, sem que o juiz se possa pronunciar sobre o sentido da decisão concreta a adotar pelo município. (in Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado. 4.ª Ed. Coimbra: Almedina, 2016, p. 720)”
Não compete, assim, na presente ação, aferir da legalidade do ato.
Em qualquer caso, ao ter sido emitido o ato objeto da intimação, tal pedido tornou-se supervenientemente inútil ou impossível.
[…]”
Fim da transcrição

Considerou o Tribunal a quo que a demanda do Requerido foi determinada por banda do Requerente, pelo facto de o mesmo não ter dado satisfação ao seu requerimento datado de 27 de novembro de 2020 – Cfr. ponto 4) do probatório.

Ora, depois de cotejado o Requerimento inicial, dela não se extrai esse desiderato assim relacionado pelo Tribunal a quo.

Com efeito, como assim decorre do vertido no ponto 39 do Requerimento inicial, o requerimento que fez desencadear a relação controvertida que se conhece nestes autos é o que está referido no ponto 24 do mesmo Requerimento, sendo datado de 28 de outubro de 2020, e que foi remetido ao Requerido por via postal nessa mesma data. Foi por esse requerimento que a Requerente requereu ao Requerido a emissão de nova licença ao abrigo do disposto no artigo 72.º do RJUE – Cfr. ponto 2 do probatório.

Depois desse requerimento, e tendo o Requerido notificado a Requerente, entre o mais, para pagar a taxa de reapreciação do pedido de renovação no valor de €79,10, o que a mesma fez – Cfr. pontos 3) e 6A) do probatório -, a Requerente veio então, de facto, apresentar o requerimento datado de 27 de novembro de 2020 – Cfr. ponto 4 do probatório -, pelo qual referiu ter entregue toda a documentação e pago a taxa de reapreciação, tendo reiterado o deferimento daquele seu requerimento datado de 28 de outubro de 2020.

No seu Requerimento inicial, a Requerente alega que o Requerido tinha um prazo para se pronunciar até 15 de dezembro de 2020, e que até 30 de dezembro de 2020 ainda não se tinha pronunciado, sendo por essa razão que avançou judicialmente tendo subjacente o disposto no artigo 111.º, alínea a) do RJUE.

Sob os pontos 48, 49 e 50 do Requerimento inicial, a Requerente sustentou que o Requerido deve cumprir o seu dever legal decidir e deferir as pretensões em causa por inexistirem quaisquer obstáculos legais e por se manterem os pressupostos de facto e de direito relativos ao licenciamento das obras de construção e de urbanização, estando o processo totalmente instruído com os elementos documentais devidos e que é indevida a promoção de novas consultas a entidades externas.

Ora, ao contrário do que apreciou e decidiu o Tribunal a quo, que incorreu em erro de julgamento na interpretação da matéria de facto, o Requerido não indeferiu a pretensão da Requerente, e como tal, atento este julgamento, não podemos ter-nos perante o disposto no artigo 12.º, n.º 5 do RJUE.

Com efeito, conforme consta do ponto 5 do probatório, por esse ofício n.º 6378/2020, de 30 de dezembro de 2020, o Requerido apenas toma a decisão/informação, como assim decorre do disposto no seu ponto 2.4, de que a Requerida devia instruir o seu pedido com documentos a que se reporta o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, a Portaria n.º 113/2015, de 22 de abril, e o Regulamento Municipal de Urbanismo e Edificação, e antes deixando referido que era obrigatória a promoção de novas consultas.

A tomada de posição a que se reporta o Tribunal a quo por aquele ofício 6378/2020, mais não é do que um protelar da tomada de uma decisão que se mostra legalmente devida em face de um requerimento formulado ao abrigo do disposto no artigo 72.º do RJUE.

Recebido o requerimento em causa, datado de 28 de outubro de 2020 – Cfr. ponto 2 do probatório -, e tendo subjacente o disposto no artigo 11.º, n.ºs 1, 2, 3 do RJUE, a Presidente da Câmara Municipal tinha ao seu dispôr uma de quatro vias: ou declara extinto o procedimento [n.º 2, alínea c)], ou rejeita liminarmente o requerimento [n.º 2 alínea b)], ou manda aperfeiçoar o requerimento [n.º 2, alínea a)], ou o dá como regularmente instruído para efeitos de seguir os ulteriores termos, para efeitos de vir a ser proferida decisão final.

Ora, o que resulta dos autos, por um lado, é que o Requerido sustenta que o requerimento não está instruído com os documentos devidos e bem assim, que são devidas consultas obrigatórias a entidades, e por outro lado, sustenta a Requerente que se encontram na posse do Requerido todos os documentos e que não é devida a consulta a entidades externas.

Vejamos.

Em torno da exigência de documentos, a posição do Requerido enferma de erro nos pressupostos de direito.

Desde logo, não é aplicável na situação em apreço nos autos o Regulamento Municipal de Urbanismo e Edificação, porquanto nos termos dos seus artigos 103.º e 106.º, o que nele se passou a dispôr só se aplica aos processos iniciados a partir da sua entrada em vigor, sendo que tal só aconteceu no dia 30 de outubro de 2020 que é o 1.º dia após a sua publicação no Diário da República, 2.º série, de 29 de outubro de 2020.

Com efeito, tendo o requerimento que motiva o dever de decidir por parte do Requerido sido remetido ao Requerido por correio registado em 28 de outubro de 2020 - Cfr. ponto 2 do probatório -, face ao disposto no artigo 104.º, n.º 1, alínea b) do CPA, a data de apresentação nos serviços do Requerido, designadamente para efeitos de aferição da sua tempestividade e do regime jurídico convocável, é a da data de envio desse requerimento por via postal.

Depois, quanto ao regime disposto pelo artigo 72.º do RJUE.

Por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extraem normativos do RJUE, como segue:

“Artigo 71.º
Caducidade
1 - A licença ou comunicação prévia para a realização de operação de loteamento caduca se:
a) Não for apresentada a comunicação prévia para a realização das respetivas obras de urbanização no prazo de um ano a contar da notificação do ato de licenciamento ou, na hipótese de comunicação prévia, não for apresentada comunicação prévia para a realização de obras de urbanização no prazo de um ano a contar da data daquela; ou se
b) Não for requerido o alvará a que se refere o n.º 3 do artigo 76.º no prazo de um ano a contar da comunicação prévia das respetivas obras de urbanização;
c) Não forem concluídas as obras de edificação previstas na operação de loteamento no prazo fixado para esse efeito, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 77.º.
2 - A licença ou comunicação prévia para a realização de operação de loteamento que não exija a realização de obras de urbanização, bem como a licença para a realização das operações urbanísticas previstas nas alíneas b) a e) do n.º 2 e no n.º 4 do artigo 4.º, caducam, no caso da licença, se no prazo de um ano a contar da notificação do ato de licenciamento não for requerida a emissão do respetivo alvará ou, no caso da comunicação prévia e sendo devida, não ocorra o pagamento das taxas no prazo previsto para o efeito, determinando, em qualquer dos casos, a imediata cessação da
operação urbanística.
3 - Para além das situações previstas no número anterior, a licença ou a comunicação prévia para a realização das operações urbanísticas referidas no número anterior, bem como a licença ou a comunicação prévia para a realização de operação de loteamento que exija a realização de obras de urbanização, caducam ainda:
a) Se as obras não forem iniciadas no prazo de 12 meses a contar da data de emissão do alvará ou do pagamento das taxas no caso de comunicação prévia, ou nos casos previstos no artigo 113.º;
b) Se as obras estiverem suspensas por período superior a seis meses, salvo se a suspensão decorrer de facto não imputável ao titular da licença ou da comunicação prévia;
c) Se as obras estiverem abandonadas por período superior a seis meses;
d) Se as obras não forem concluídas no prazo fixado na licença ou comunicação prévia, ou suas prorrogações, contado a partir da data de emissão do alvará ou do pagamento das taxas no caso da comunicação prévia.
e) [Revogada].
4 - Para os efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, presumem-se abandonadas as obras ou trabalhos sempre que:
a) Se encontrem suspensos sem motivo justificativo registado no respetivo livro de obra;
b) Decorram na ausência do diretor da obra;
c) Se desconheça o paradeiro do titular da respetiva licença ou comunicação prévia sem que este haja indicado à câmara municipal procurador bastante que o represente.
5 - As caducidades previstas no presente artigo devem ser declaradas pela câmara municipal, verificadas as situações previstas no presente artigo, após audiência prévia do interessado.
6 - Os prazos a que se referem os números anteriores contam-se de acordo com o disposto no artigo 279.º do Código Civil.
7 - Tratando-se de licença para a realização de operação de loteamento ou de obras de urbanização, a caducidade pelos motivos previstos na alínea c) do n.º 1 e nos n.os 3 e 4 observa os seguintes termos:
a) A caducidade não produz efeitos relativamente aos lotes para os quais já haja sido deferido pedido de licenciamento para obras de edificação ou já tenha sido apresentada comunicação prévia da realização dessas obras;
b) A caducidade não produz efeitos relativamente às parcelas cedidas para implantação de espaços verdes públicos e equipamentos de utilização coletiva e infraestruturas que sejam indispensáveis aos lotes referidos no número anterior e sejam identificadas pela Câmara Municipal na declaração prevista no n.º 5;
c) Nas situações previstas na alínea c) do n.º 1, a caducidade não produz efeitos, ainda, quanto à divisão ou reparcelamento fundiário resultante da operação de loteamento, mantendo-se os lotes constituídos por esta operação, a respetiva área e localização e extinguindo-se as demais especificações relativas aos lotes, previstas na alínea e) do n.º 1 do artigo 77.º

Artigo 72.º
Renovação
1 - O titular de licença ou comunicação prévia que haja caducado pode requerer nova licença ou apresentar nova comunicação prévia.
2 - No caso referido no número anterior, serão utilizados no novo processo os elementos que instruíram o processo anterior desde que o novo requerimento seja apresentado no prazo de 18 meses a contar da data da caducidade ou, se este prazo estiver esgotado, não existirem alterações de facto e de direito que justifiquem nova apresentação.
3 - (Revogado).”

Como assim decorre do processado nos autos, a Presidente da Câmara Municipal (...) declarou a caducidade da licença de construção e das respectivas obras de urbanização, tendo por base o disposto no artigo 71.º, n.º 5 do RJUE, e por terem decorridos os prazos legais [e outros concedidos à Requerente] para efeitos de, em suma, requerer a emissão do/s alvará/s – Cfr. pontos 1), 1A) e 1B) do probatório. E declarada a caducidade das licenças, deixou a Requerente de ser destinatária/titular de decisão válida que a habilite a poder prosseguir nos ulteriores termos determinantes da sua iniciativa urbanística.

Neste patamar.

Como assim resultou provado, a pretensão urbanística da Requerente de querer construir na Avenida (…), em (...), foi aprovada pelo Requerido, por decisão que lhe foi notificada pelo ofício n.º 6371/2014, de 09 de junho de 2014 – Cfr. ponto 1C) do probatório -, sendo que com referência à data de 24 de maio de 2019 – Cfr. ponto 1B) do probatório -, a Presidente da Câmara Municipal (...) notificou a Requerente [por via do ofício n.º 2623/2019, de 27 de maio], entre o mais, de que, do ponto de vista legal, desde que fossem pagas as inerentes taxas e compensações e cumpridas as restantes condicionantes de licenciamento, o correspondente alvará de licenciamento poderia ter sido, de imediato, requerido e emitido, o que não chegou a acontecer porque a Requerente não o chegou a pedir, porque não o quis ou não o pode, tendo então, nesse patamar, notificado a Requerente para em 10 dias requerer a emissão de alvará de licença de construção e alvará de licença de obras de urbanização, inerente à operação urbanística aprovada e licenciada, e pagar os valores que lhe foram identificados, assim como apresentar os documentos que também lhe foram indicados.

Ora, não foram trazidos aos autos pelo Requerido, seja por via do Processo Administrativo seja no âmbito da Contestação deduzida, que a situação de facto e de direito em torno do local onde a Requerente pretendia levar a cabo a operação urbanística se tenha alterado desde aquela data de 24 de maio de 2019.

Havendo uma interessada que teve um procedimento de licenciamento de uma operação urbanística aprovada, no âmbito da qual estava prevista a construção de um hotel, que deixou caducar a licença por decurso do prazo para requerer a emissão do respectivo alvará, o legislador veio todavia a dispor que, quanto a ela, continua a mesma a dispor de um direito sobre esse procedimento, na medida em que pode requerer nova licença. É o que dispõe o artigo 72.º, n.º 1 do RJUE. E se a interessada não detivesse de facto esse direito, não faria sentido que o legislador lhe conferisse este poder de petição, pois que, na realidade, enquanto proprietária/interessada, sempre poderia fazer aquilo por que se autodeterminasse, já que do que dispunha era do seu património, e do direito de implantar no solo, a construção que lhe viesse a ser licenciada, quando quisesse iniciar um procedimento licenciatório.

Sendo certo que, no caso dos autos, a Requerente já não é titular de uma licença, antes foi requerente no âmbito de um procedimento de licenciamento onde lhe foi conferida uma licença, mas que caducou, face ao disposto no artigo 72.º, n.º 2 do RJUE, tendo a caducidade sido declarada em 30 de julho de 2019 e o requerimento da Requerente para efeitos da renovação da emissão de nova licença sido apresentado no Requerido em 28 de outubro de 2020, nesta data ainda não estavam decorridos 15 meses de calendário, razão pela qual, nesse conspecto são utilizados na instrução desse novo processo os elementos que instruíram o processo anterior.

Ora, como assim julgamos, quem esteja enquadrado no âmbito normativo deste artigo 72.º do RJUE, e se decida por fazer o pedido de nova licença antes de ter decorrido o prazo de 18 meses sobre a data da declaração de caducidade, não tem o dever de juntar ao processo quaisquer outros elementos documentais, e ao notificar a Requerente para o fazer, mais não está do que a obstaculizar a sua pretensão licenciatória.

Quando muito, esse dever poderia ocorrer se existir a superveniência de determinação legal ou regulamentar que assim o disponha.

Mas o que é facto é que a Requerente sustenta, em cumprimento do seu ónus alegatório, que inexiste qualquer alteração de facto e/ou de direito que seja determinante da junção de novos documentos, sendo que, por seu lado e no âmbito da Contestação deduzida pelo Requerida, o mesmo não alegou quaisquer ocorrências impeditivas, nem nada disse face ao alegou a Requerente sob os pontos 48, 49 e 50 do Requerimento inicial.

Portanto, se na data de 24 de maio de 2019, o procedimento licenciatório estava em condições de, mediante pedido da Requerente nesse sentido, ser imediatamente emitido o alvará [como assim informou a Presidente da Câmara Municipal à Requerente pelos ofícios n.ºs 2623/19 e 3774/19 – Cfr. pontos 1A) e 1B) do probatório], e não tendo o Requerido alegado e provado que sobre si e agora, mormente, na data de 28 de outubro de 2020, que tal já não é procedimentalmente possível, e que a posição da Requerente, enquanto interessada no procedimento licenciatório passou a estar a estar mais onerada, sempre o devia ter alegado e provado por forma a que a Requerente possa sindicar da validade dessa decisão, o que a acontecer, já não seria no âmbito destes autos nem por via desta forma de processo.

Em suma, e quanto à consulta das entidades externas a que sempre aludiu o Requerido nas suas notificações, as mesmas só serão devidas, se já o fossem à data de 24 de maio de 2019, ou no limite, à data da declaração da caducidade da licença, em 30 de julho de 2019, e não tivessem no período temporal antecedente, sido efectuadas, ou se entretanto existir a superveniência de norma legal ou regulamentar de tanto determinante.

Mas não pode o Requerido quedar-se pela tomada de uma posição, e que é a de que têm de efectuar-se novas consultas.

Aqui chegados.

O ofício n.º 6378/2020, datado de 30 de dezembro de 2020, a que se reporta o Tribunal a quo para vir a sustentar e a decidir a ocorrência da inutilidade superveniente da lide, para além de não ter indeferido a pretensão da Requerente, seja aquela a que se reporta o requerimento da Requerente de 28 de outubro de 2019, seja aquela a que se reporta o requerimento de 27 de novembro de 2020 [que no fundo reitera o pedido feito naqueloutro requerimento], não pode ser tomado como tendo apreciado a pretensão da Requerente, deduzida ao abrigo do artigo 72.º do RJUE, pois que ao ter o Requerido extravasado o âmbito consentido pela norma, acaba por não apreciar o pedido que lhe foi formulado.

A referência feita a final desse ofício de que o “pedido deverá ser devidamente instruído”, enferma de um erro congénito, pois que se o alvará das licenças estava em condições de ser imediatamente emitido na data de 24 de maio de 2019, tempo em que já então estava em vigor o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 136/2014 e a Portaria n.º 113/2015, de 22 de abril, estava a cargo do Requerido, constituindo um seu ónus, informar a Requerente sobre que concretos documentos é que esses diplomas legais passaram a prever que já não previsse anteriormente o ordenamento jurídico no domínio do urbanismo e edificação, assim como, também constituía um seu ónus indicar à Requerente, quais dos documentos que constavam do anterior procedimento administrativo que não podem ser aproveitados, designadamente por terem data de validade, e designadamente, que importava que a Requerente fizesse prova documental de que ainda é proprietária do terreno onde se vai efectivar a operação urbanística.

Como assim julgou o Tribunal a quo, e com o que concordamos nessa parte, não dispondo o artigo 112.º do RJUE sobre a possibilidade de ser pedida a intimação judicial para a entidade competente decidir sempre que devesse ser praticado um acto no âmbito de procedimentos de licenciamento, por não exigir que tal decisão constitua a decisão final do procedimento, o que é facto é que na situação em apreço, podendo não ser a decisão final do procedimento, não podendo nós esquecer de que a Requerente já foi titular da licença, mas que caducou, o pedido que fez ao Requerido ao abrigo do artigo 72.º do RJUE, tem de encerrar em si o dever de uma tomada de decisão que vem a passar por apreciar sobre se os documentos constantes no procedimento, são hoje, igualmente aptos a que a Requerente possa vir a ver deferida a licença.

Portanto e em suma, o Requerido deve apreciar a pretensão que lhe foi apresentada pela Requerente, de emissão de nova licença, que lhe foi formulada na qualidade de titular de licença que caducou. com base nos estritos documentos constantes do procedimento anterior, com o dever de identificação e indicação à Requerente dos documentos que, concretamente, devam ser substituídos, mas que não podem vir a determinar por parte do Requerente, o indeferimento da sua pretensão se os termos e os pressupostos e facto e de direito são os mesmos que estavam justapostos, pelo menos, à da declaração da caducidade da licença, em 30 de julho de 2019.

Ou seja, à data de 24 de maio de 2019, pela qual a Presidente da Câmara Municipal notificou a Requerente de que em 10 dias devia requerer o alvará e que o mesmo seria imediatamente emitido, tal decisão tem justaposta, também, a norma a que se reporta o artigo 76.º, n.º 5 do RJUE, de que o pedido apenas podia ser indeferido com fundamento na caducidade, suspensão, revogação, anulação ou declaração de nulidade da licença, ou na falta de pagamento das taxas.

Não ocorre assim a inutilidade da lide [e muito menos a sua impossibilidade], porque, concretamente, nunca o Requerido apreciou o pedido da Requerente, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 72.º do RJUE, com os documentos contidos no anterior procedimento de licenciamento.

A extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, a que se refere o artigo 277.º n.º 1 alínea e) do CPC, pressupõe sempre a ocorrência, posterior à propositura da acção, de circunstâncias pelas quais seja retirado às partes, de forma muito clara e objectiva, o interesse em agir ou a possibilidade de obter uma qualquer vantagem juridicamente relevante com o prosseguimento da lide.

Não podemos assim acompanhar o Tribunal a quo quando refere que a inércia do Requerido foi ultrapassada através da emissão do ofício n.º 6378/2020, em 30 de dezembro de 2020, pois que não é qualquer decisão tomada, que não aprecie concretamente o pedido efectuado pela Requerente, que tem a valia de poder ser tida e considerada como cumprindo o dever de decisão.

O que está constante desse ofício enferma de erro nos pressupostos de facto e de direito, e como tal, não pode ter-se como juridicamente relevante.

O presente meio processual tem de ser célere e eficaz, porquanto a Requerente não pode ser colocada num limbo de incerteza, em que o Requerido se coloque numa posição de lhe remeter posições/pronúncias que não têm cabimento legal, e nem sobre elas se pronuncia concretamente.

Forçoso é, pois, concluir que a Sentença recorrida padece dos erros de julgamento que lhe são imputados pela Recorrente, procedendo nessa parte as conclusões das suas Alegações, e assim, a sua pretensão recursiva.
*

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Licença de construção e de obras de urbanização; Caducidade da licença; Pedido de renovação da licença; Artigo 72.º do RJUE; Inutilidade da lide; Prática do acto devido.

1 – Se uma requerente deixou caducar a licença emitida no âmbito de um procedimento de licenciamento de uma operação urbanística aprovada, na qual estava prevista a construção de um hotel, pelo decurso do prazo para requerer a emissão do respectivo alvará, continua a mesma, por vontade do legislador, a dispor de um direito sobre esse procedimento, na medida em que pode requerer nova licença. É o que dispõe o artigo 72.º, n.º 1 do RJUE. E se a interessada não detivesse de facto esse direito, não faria sentido que o legislador lhe conferisse este poder de petição, pois que, na realidade, enquanto proprietária/interessada, sempre poderia fazer aquilo por que se autodeterminasse e no tempo que entendesse, já que do que dispunha era do seu património, e do direito de implantar no solo, a construção que lhe viesse a ser licenciada, quando quisesse iniciar um procedimento licenciatório.

2 – Se uma interessada está enquadrada no âmbito normativo daquele artigo 72.º do RJUE, e se decide por fazer o pedido de nova licença antes de ter decorrido o prazo de 18 meses sobre a data da declaração de caducidade, não tem o dever de juntar ao processo quaisquer outros elementos documentais, e se o Requerido Município a notificar a Requerente para o fazer, mais não está do que a obstaculizar a sua pretensão licenciatória.

3 – Se o Requerido, em momento antecedente ao tempo em que veio a declarar a caducidade da licença aprovada, tinha informado a Requerente de que o alvará das licenças estava em condições de ser imediatamente emitido, já desde a data de 24 de maio de 2019, tempo em que já então estava em vigor o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 136/2014 e a Portaria n.º 113/2015, de 22 de abril, face a um pedido de renovação da licença que foi declarada caducada formulado pela Requerente, estava a cargo do Requerido, por constituir um seu ónus, informá-la sobre que concretos documentos é que esses diplomas legais passaram a prever que já não previsse anteriormente o ordenamento jurídico no domínio do urbanismo, da edificação e do ordenamento do território, assim como, também constituía um seu ónus indicar à Requerente, quais dos documentos que constavam do anterior procedimento administrativo que não pudessem ser aproveitados, desde logo por lhes estar inerente uma data de validade, e designadamente, que importava que a Requerente fizesse prova documental de que ainda é proprietária do terreno onde se vai efectivar a operação urbanística.

4 - O pedido de intimação dirigido à interpelação da entidade competente para o cumprimento do dever de decisão, a que se reporta o artigo 112.º, n.º 1 do RJUE, é um meio processual célere e eficaz, no qual se aprecia o pedido de concessão de tutela jurisdicional efectiva a quem é colocado num limbo de incerteza, mormente, nas situações em que o Requerido se coloque numa posição de remeter à interessada posições/pronúncias que não têm cabimento legal, e nem sobre elas se pronuncia concretamente.

5 – Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 112.º, n.º 5 do RJUE, não é qualquer decisão tomada pelo Requerido, que não aprecie concretamente o pedido efectuado pela Requerente, que tem a valia de poder ser tida e considerada como cumprindo o dever de decisão que sobre si impende.

6 - A extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, a que se refere o artigo 277.º n.º 1 alínea e) do CPC, pressupõe sempre a ocorrência, posterior à propositura da acção, de circunstâncias pelas quais seja retirado às partes, de forma muito clara e objectiva, o interesse em agir ou a possibilidade de obter uma qualquer vantagem juridicamente relevante com o prosseguimento da lide.
***

IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em conceder provimento ao recurso interposto pela sociedade comercial C., Ld.ª, e em revogar a Sentença recorrida, julgando assim parcialmente procedente o pedido formulado a final do Requerimento inicial, e consequentemente, em intimar a Presidente da Câmara Municipal (...), a cumprir o dever de decisão que sob si impende, fixando-se para o efeito o prazo de 30 dias seguidos, e em 10 % do salário mínimo nacional mais elevado em vigor no momento, a sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento do dever legal de emanar o acto legalmente devido.
*
Custas a cargo do Recorrido Município (...), salvo nesta instância, por não ter apresentado Contra alegações.
**
Notifique.
*
Mais notifique a Presidente da Câmara Municipal (...), M., na sua própria pessoa, do teor deste Acórdão.
*
Porto, 18 de junho de 2021.

Paulo Ferreira de Magalhães
Fernanda Brandão
Hélder Vieira