Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00233/06.6BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/02/2012
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:IVA
JUROS COMPENSATÓRIOS
PRESSUPOSTOS DA LIQUIDAÇÃO DOS JUROS COMPENSATÓRIOS
CULPA
GARANTIA EM CASO DE PRESTAÇÃO INDEVIDA
PRESSUPOSTOS DA INDEMNIZAÇÃO
PREJUÍZOS
Sumário:I. A obrigação do pagamento de juros em direito tributário depende essencialmente dos mesmos pressupostos fundamentais de que depende a formação da obrigação de indemnizar com base na responsabilidade por factos ilícitos e que a doutrina já há muito sistematizou [a) facto voluntário; b) ilícito; c) culposo; d) danoso; e) nexo de causalidade entre o facto e o dano], pressupostos estão também presentes na obrigação de juros compensatórios, como decorre do artigo 35.º da L.G.T.;
II. Pressuposto da obrigação do pagamento dos juros compensatórios é, por isso, e desde logo, que o facto seja subjectivamente imputável ao sujeito passivo, isto é, que sobre ele possa recair um juízo de censura ou reprovação da conduta do agente, porque podia e devia, nas circunstâncias do caso, ter agido diversamente;
III. A culpa a considerar deve ser uma culpa em abstracto, o que significa que deve ser apreciada, em face das circunstâncias de cada caso pela diligência de um bom pai de família ou homem médio, devendo ter por verificado este requisito quando, em face das circunstâncias do caso e das regras da experiência, for de concluir que qualquer pessoa do círculo de relações do sujeito passivo poderia ter apreendido que o seu comportamento violava normas jurídico-tributárias e podia e devia ter conformado o seu comportamento à observância dessas normas (cfr. artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil);
IV. Tendo-se constatado que as implicações – na taxa a aplicar em sede de I.V.A. – da transformação dos serviços municipalizados de água numa empresa municipal, não foram imediatamente apreendidas, designadamente pela própria empresa municipal e pela Administração Tributária, e não estando demonstrado que, antes da apresentação das declarações de substituição e da regularização da situação tributária respectiva, a ora Recorrente já estivesse esclarecida sobre a posição firmada junto daquelas entidades, não é possível imputar-lhe subjectivamente o atraso da liquidação do I.V.A. à taxa normal.
V. Nos termos do disposto nos artigos 171.º n.º 1 do C.P.PT. e 53.º da L.G.T., o devedor que tenha obtido a suspensão da execução fiscal contra si instaurada através da prestação de garantia bancária tem direito a ser indemnizado, total ou parcialmente, pelos prejuízos resultantes dessa prestação quando se venha a verificar em sede de impugnação judicial que houve erro na liquidação imputável à Administração Tributária.
VI. Tendo o Executado apresentado impugnação judicial e formulado pedido de indemnização pela prestação de garantia bancária que comprovou ter prestado, a falta de quantificação dos prejuízos respectivos não contende com aquele reconhecimento, impondo apenas que o seu apuramento seja relegado para execução de sentença.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:E..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
1.1. E…, S.A., n.i.f. … … …, com sede em S…, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou improcedente a presente impugnação judicial das liquidações de juros compensatórios de I.V.A. nºs 05129921, 05135356, 05129922, 05129923, 05135362, 05125365, 05135368, 05135490, 05135492, 05138493, 05135495, 05135498, 05135509, 05135512, 05135515, 05135610, 05135517, 05135518, 05135613, 05135520, 05135614, 05135521, 05135522, 05135557, 05135560, 05135561, 05135563, 05135568, relativas respectivamente aos períodos 0104, 0105, 0106, 0107, 0109,0110, 0111, 0112, 0201, 0204, 0207, 0210, 0212, 0301, 0302, 0303, 0304, 0306, 0307, 0309, 0310, 0311, 0312, 0402, 0403, 0404, 0405, 0406, no valor total de € 32.835,70.
Recurso este que foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
1.2. Notificado da sua admissão, a Recorrente apresentou as respectivas alegações e formulou as seguintes conclusões:
A. A ora recorrente deduziu impugnação judicial contra diversos actos tributários de liquidação adicional de juros compensatórios, imputando aos mesmos os vícios (i) de violação dos artigos 35,° da LGT e 89,° do CIVA, (ii) de violação do direito de audiência prévia, consagrado no artigo 60°, n,° 1, alínea a), da LGT, do artigo 261°, n.° 5, da CRP, e nos artigos 8.º e 100,° a 103.° do CPA;
B. A impugnação judicial foi considerada improcedente pela sentença recorrida, a qual não reconheceu a existência de qualquer um dos vícios imputados aos actos impugnados;
C. A ora recorrente não se conforma com o conteúdo e sentido da decisão recorrida, considerando que a mesma encerra uma errada interpretação e aplicação da lei ao caso concreto;
D. Desde logo, a sentença emitida padece de uma errónea apreciação e julgamento dos factos, dado que deu como provada matéria de facto que não deveria ter dado, e não deu como provada matéria que como tal deveria ser considerada;
E. Assim, no ponto IV da sentença que “acresce que, invocando a seu favor que só em 2002 a Administração produziu orientação administrativa nessa matéria, nem por isso, a partir dessa data, a impugnante seguiu essa orientação, pois manteve a mesma actuação de liquidação à taxa reduzida nas liquidações efectuadas posteriormente à A… nos anos de 2002, 2003 e 2004”;
F. Daqui se extrai que, em 2002, foi emitida uma determinada orientação administrativa e que a mesma, desde essa data, foi conhecida pela recorrente;
G. Tendo este facto ainda que não vertido no ponto III-A) da sentença, considerado no julgamento da causa, não pode o mesmo ser dado como provado, uma vez que através dos elementos que constam dos autos (designadamente do conteúdo do próprio documento no qual está foi aposto despacho a ordenar a notificação à Câmara Municipal do Porto), não se pode dizer - ou, pelo menos, retirar a ilação - que a recorrente tenha tido conhecimento dessa informação na mesma data da sua emissão;
H. Ao invés, a ser algo dado como provado quanto a este ponto é (o alegado pela recorrente) de que a A… posteriormente, em Julho de 2004, e que, desde então, solicitou à recorrente a liquidação do IVA à taxa normal;
I. Por outro lado, não consta da matéria de facto dada como provada o facto de a A… ser uma empresa municipal, sujeito passivo de IVA;
J. Facto esse que, está provado documentalmente pelo documento n.° 33 junto à PI - cuja existência e conteúdo devia também ser dado por reproduzido na matéria de facto provada.
K. Este facto (e os documentos referidos) deve, atendendo à sua relevância para a decisão da causa, sobretudo no que respeita à apreciação dos requisitos de aplicação dos juros compensa4nios ser aditado à matéria de facto dada como provada;
L. Quanto ao erro na apreciação e aplicação do direito, considerou-se na sentença recorrida que se encontravam preenchidos todos os requisitos legais dos juros compensatórios, previstos e regulados no artigo 35º da LGT e 89º do CIVA;
M. Discorda deste entendimento a recorrente, porquanto considera que apenas um dos requisitos se pode dar como preenchido: o requisito (objectivo) do retardamento da liquidação;
N. Os restantes dois requisitos, diferentemente do que resulta da sentença, não se podem dar como verificados;
O. Quanto ao requisito do prejuízo do credor tributário, deve o mesmo dar-se como preenchido porque a entidade (A…) com que a recorrente celebrou um contrato de empreitada e na âmbito do qual liquidou IVA era (já na altura) um sujeito passivo desse imposto, isto é, urna entidade que, nos termos da lei, tem o direito à dedução do imposto suportado nas aquisições, assistindo-lhe, portanto, o direito de deduzir no IVA por ela liquidado nas transmissões de bens e serviços o IVA que suportou nas aquisições de bens e serviços;
P. Direito esse que, estando associado ao chamado método subtractivo indirecto, é um dos elementos essenciais do IVA, sem o qual não seria possível assegurar a neutralidade do imposto, evitando efeitos cumulativos ou em cascata sobre o imposto;
Q. Por conseguinte, atenta a dedutibilidade do imposto suportado a montante, é totalmente indiferente para efeitos de receita tributária que à A… tenha sido liquidada pela contribuinte ora recorrente o IVA à taxa de 5% ou à taxa de 19%;
R. Atendendo às características do IVA, que é um imposto aplicável a todos os estádios do circuito produtivo, descendo portanto até ao comércio retalhista, ele acaba por ser economicamente equivalente a um imposto monofásico sobre o comércio a retalho com a mesma taxa, uma vez que é a taxa final ou última taxa, e não as taxas intermédias, a taxa que dá o montante efectivo do IVA;
S. Como salienta a doutrina, nas taxas intermédias está-se perante “taxas imateriais”, justamente porque se trata de taxas que definem os impostos dedutíveis para os sujeitos passivos, mas não nos dizem nada sobre o imposto a suportar pelos consumidores finais dos bens ou utentes dos serviços e, por conseguinte, sobre o imposto a cobrar pelo Estado, Sobre este diz-nos, e diz-nos tudo, a taxa final ou última;
T. Daqui decorre que, para efeitos da receita efectiva proporcionada pelo IVA à Fazenda Pública, o IVA que importa é tão-somente o IVA liquidado e cobrado no último estádio do circuito produtivo dos bens e serviços, o IVA liquidado e cobrado portanto aos consumidores finais ou utentes, isto é, às pessoas ou entidades que legalmente não disponham do direito à dedução;
U. Transpondo esta ideia para o caso concreto, o IVA que importa é, portanto, o IVA processado pela impugnante àqueles que se considera serem os consumidores finais. Ou, no caso da A…, o IVA processado por esta empresa municipal seja nas facturas de água passadas aos respectivos consumidores, seja nas tarifas de saneamento;
V. Quer isto dizer que a liquidação de IVA pela recorrente nas empreitadas em que a A… é dono de obra à taxa de 5% em vez da liquidação à taxa de 19% não causou qualquer prejuízo à receita tributária. E não tendo causado qualquer prejuízo ao credor tributado, não se verifica um dos requisitos dos juros compensatórios, razão pela qual deveria a impugnação ter sido declarada procedente e, (pelo menos) com esse fundamento, anulados os actos impugnados;
W. Quanto ao requisito do retardamento da liquidação (IVA) ser imputável aos sujeitos passivos, também não se pode dar o mesmo corro verificado, pois aquele retardamento não se deve a tacto que a seja imputável, em virtude de, neste processo, ter actuado de acordo com o que dela seria de esperar segundo as regras de experiência;
X. Contrariamente ao que resulta da sentença objecto de recurso, o retardamento deveu-se à especifica configuração da situação, para a qual contribuíram os comportamentos adoptados, de um lado, pelo município de Vila Nova de Gala e pela A… e, do outro lado, pela própria Administração Fiscal;
Y. Sendo que, para efeitos deste requisitos, todos os comportamentos se revelam essenciais, não podendo, por isso, ser desconsideradas os contributos “prestados’ pelo município, pela AGEM e, ainda pela Administração Fiscal, incorrendo, por isso, numa errada aplicação da lei ao caso concreta;
Z. Quanto à especifica configuração da situação, é preciso ter em conta que a transformação dos SMAS na AGEM constituiu uma mera transformação formal traduzida na reorganização do serviço público de abastecimento de água e de saneamento básico, pois onde antes tínhamos os SMAS de VNG, um serviço da administração directa ou imediata municipal, passámos a ter a A…, uma empresa municipal integrante da administração indirecta ou mediata municipal;
A. AA. Sendo este o sentido subjacente à modificação, não admira que se não tenha dado conta do exacto alcance e sentido dessa modificação. O que se verificou quer em relação à A… e o Município de VNG, quer em relação à Administração fiscal;
BB. Para além disso, diferentemente do que sucedeu na sentença recorrida, são de ter em devida consideração o comportamento da recorrente, que, atento o recorte da situação, terão actuado de boa-fé, a relação de confiança com os demais intervenientes envolvidos, que não se pode esquecer são entidades públicas;
CC. Do exposto, resulta, pois, com clareza que o atraso da liquidação não é imputável à recorrente, pelo que, nessa sequência, se tem de considerar como não verificados os pressupostos de aplicação de juros compensatórios consagrados no artigo 35.° da LGT, para o qual remete o artigo 89.° do CIVA, razão pela qual, com este fundamento, a sentença recorrida deve ser revogada, por violação dos preceitos constantes dos artigos 35.° LGT e 89.° do CIVA, julgando-se procedente a impugnação e anulados os actos tributários impugnados, com fundamento na não verificação dos requisitos dos juros compensatórios, previstos nos referidos artigos;
DD. Finalmente, considerou a sentença recorrida que não também não se verificava a violação do direito de audição prévia, por se estar perante uma situação abrangida pelo n.° 2 do artigo 60º da LGT;
EE. Discorda a recorrente deste entendimento, pela razão simples de que não entregou qualquer declaração com base na qual fossem liquidados os juros compensatórios, mas, mesmo que, por mera hipótese académica, assim não se entenda (o que não se concede), a declaração apresentada pela recorrente não se referia aos juros compensatórios, muito menos pressuponha qualquer aceitação da sua liquidação (dos referidos juros);
FF. Na verdade, a declaração apresentada pela recorrente resumia-se apenas à liquidação do IVA, não reconhecendo o recorrente, através dela, a verificação da totalidade dos pressupostos de aplicação dos juros compensatórios, quanto muito, dela apenas resulta a aceitação e reconhecimento pela recorrente de um facto objectivo que se consubstancia no retardamento da liquidação do imposto (1º requisito dos juros compensatórios);
GG. Também com este fundamento, deve a sentença ser revogada por violar o disposto no artigo 60.° da LGT, com as devidas consequências legais.
1.3. A Recorrida não contra-alegou.
1.4. Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer que, pelo seu interesse, se transcreve integralmente:
«Não se mostra questionado pela Recorrente que o IVA era devido e que houve atraso na respectiva liquidação.
O retardamento da correcta liquidação do IVA devido determinou que o respectivo montante não fosse pontualmente entregue, daí decorrendo óbvios prejuízos para o Estado.
Acompanhamos integralmente a fundamentação expressa na douta sentença recorrida, a qual deverá ser integralmente mantida na ordem jurídica».
1.5. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
1.6. São as seguintes as questões a decidir, devidamente individualizadas nas doutas alegações de recurso e cristalizadas nas respectivas conclusões:
1.ª Saber se houve erro de julgamento da matéria de facto (por excesso) ao consignar-se no ponto IV da douta sentença que «invocando a seu favor que só em 2002 a Administração Tributária produziu, orientação administrativa nessa matéria, nem por isso, a partir dessa data, a impugnante seguiu essa orientação, pois manteve a mesma actuação de liquidação à taxa reduzida nas liquidações efectuadas posteriormente à AGEM nos anos de 2002, 2003 e 2004»;
2.ª Saber se, pelo facto de não se ter dado como provado que a “A…” é uma empresa municipal, sujeito passivo de I.V.A., houve erro de julgamento da matéria de facto (por defeito);
3.ª Saber se houve erro de julgamento na aplicação de direito ao concluir-se que estavam, no caso, verificados os pressupostos da aplicação de juros compensatórios pelo retardamento das liquidações;
4.ª Saber se houve erro de julgamento na aplicação do direito ao concluir-se que não houve, no caso, violação do direito de audição antes das liquidações.
2. Fundamentação de Facto
2.1. É o seguinte o acervo dos factos que em primeira instância foram dados como provados (e que aqui optamos por ordenar por alíneas):
a) A impugnante, é uma sociedade comercial que se dedica ao exercício da actividade de empreitadas de obras públicas.
b) No exercício da sua actividade comercial, a impugnante celebrou com Águas de G…, Empresa Municipal, um contrato de empreitadas de obras públicas - cfr. doc. que integra o processo de reclamação graciosa apenso aos autos.
c) A taxa de IVA aplicada a essas empreitadas foi de 5%.
d) Posteriormente, a impugnante foi notificada pela administração tributária para, no prazo máximo de 8 dias, regularizar o IVA de todas as facturas emitidas nas mesmas condições à AGEM, mediante apresentação de declarações periódicas de substituição.
e) A impugnante, nos dias 29 e 30 de Março de 2005, apresentou as declarações periódicas de substituição - cfr. doc. que integra o processo de reclamação graciosa apenso aos autos.
f) Realizou o pagamento do IVA devido em 01.04.2005.
g) Posteriormente, a impugnante foi notificada dos actos tributários de liquidação adicional de juros compensatórios, com os números: 05129921, 05135356, 05129922, 05129923, 05135362, 05125365, 05135368, 05135490, 05135492, 05138493, 05135495, 05135498, 05135509, 05135512, 05135515, 05135610, 05135517, 05135518, 05135613, 05135520, 05135614, 05135521, 05135522, 05135557, 05135560, 05135561, 05135563, 05135568, relativos respectivamente aos períodos 0104, 0105, 0106, 0107, 0109,0110, 0111, 0112, 0201, 0204, 0207, 0210, 0212, 0301, 0302, 0303, 0304, 0306, 0307, 0309, 0310, 0311, 0312, 0402, 0403, 0404, 0405, 0406, emitidos pela DGCI, no valor total de 32.835,70 euros - cfr. doc. de fls.23 a 50 dos autos.
h) A impugnante, em 14.07.2005, apresentou no Serviço de Finanças de Marco de Canaveses, reclamação graciosa tendo por objecto os actos tributários de liquidação adicional de juros compensatórios - cfr. doc. de fls. 51 dos autos.
i) Na sequência da interposição da reclamação graciosa, a impugnante foi citada no âmbito do processo de execução fiscal n.°1813200501033271, instaurado pelo serviço de finanças de Marco de Canaveses, destinado a obter a cobrança coerciva do montante inscrito nos actos tributários reclamados, acrescido de outros encargos legais - cfr. doc. de fls. 52 dos autos.
j) De modo a obter a suspensão do referido processo executivo, a impugnante em 31.08.2005, prestou garantia bancária - cfr. doc. de fls. 53 dos autos.
k) Na sequência do indeferimento tácito sobre a reclamação graciosa apresentada, deduziu a ora impugnante a presente impugnação judicial.
2.2. Ao abrigo do disposto no artigo 712.º do C.P.C. e dada a sua relevância para a boa decisão da causa, adita-se a seguinte matéria de facto, que também resulta provada documentalmente, cfr. fls. do processo para que se remete:
l) A “AGEM” (“Águas de G… Empresa Municipal”) foi criada em 12 de Abril de 1999 (este facto, alegado no artigo 51.º. da douta p.i., encontra-se confirmado na informação de fls. 60 do processo administrativo em apenso).
m) Em 2002.08.01, foi emitida pelo Gabinete do Subdirector-Geral do Imposto Sobre o Valor Acrescentado a informação n.º 80, cfr. fls. 55 a fls. 58 dos do processo administrativo em apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos e de onde, além do mais, consta o seguinte:
«(…) 13. Deste modo, e na ausência de verba expressa nas Listas I e II anexas ao Código do IVA, nas empreitadas de bens imóveis em que são donos da obra as empresas municipais e empresas intermunicipais, a taxa do IVA a aplicar é a taxa normal (…)».
(Facto alegado no artigo 53.º da douta p.i. e confirmado pelo documento para que se remete)
n) Sobre a Informação a que alude o n.º anterior incidiu o seguinte despacho do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: «Concordo. Transmita-se à C.M.P… (assinatura) 02.08.07» (despacho inserido no canto superior direito do doc. a que alude o n.º anterior).
o) Em resposta a um pedido de reactivação de um crédito referente ao período de Abril de 1999, formulado pela “AGEM”, a Direcção de Serviços do Imposto Sobre o Valor Acrescentado emitiu em 2004.07.07 a informação com o teor de fls 60 a fls. 63 do apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos e de onde, além do mais, consta o seguinte: «os Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e a empresa Águas de G… EM. São um único e mesmo sujeito passivo, ainda que com números de identificação diferentes para além da designação social pelo que em vez de ter procedido à entrega duma declaração de cessação de actividade, e simultaneamente, ter entregue a outra declaração de início de actividade, deveria ter procedido à entrega de uma declaração de alterações de acordo com o artº 31º do CIVA.».
(Facto alegado no artigo 58.º da douta p.i. e confirmado pelo documento para que se remete)
2.3. Nos artigos 7.º a 14.º das doutas alegações de recurso, a Recorrente invoca erro de julgamento da matéria de facto (por excesso) alegando que o Tribunal “a quo” não podia ter dado como provado que a Informação n.º 80, de 7 de Agosto de 2002, subscrita pela Subdirectora-Geral do IVA, sobre a qual foi aposto despacho de «concordo» do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais – da mesma data – foi – desde essa mesma data – do conhecimento da Recorrente.
Está em causa o seguinte segmento da decisão recorrida:
«Acresce que, invocando a seu favor que só em 2002 a Administração Tributária produziu, orientação administrativa nessa matéria, nem por isso, a partir dessa data, a impugnante seguiu essa orientação, pois manteve a mesma actuação de liquidação à taxa reduzida nas liquidações efectuadas posteriormente à AGEM nos anos de 2002, 2003 e 2004.»
Ora, em primeiro lugar, esta parte da decisão não consta dos factos dados como provados. Pelo que nunca se podia conceder numa resposta excessiva à matéria de facto, nesta parte.
O que se poderia dizer era que a M.mª Juiz não poderia extrair dos factos efectivamente dados como provados a ilação que a Recorrente lhe aponta, isto é, que a Informação supra identificada era do conhecimento da Recorrente desde 2002.08.07.
Só que – como também se extrai da informação transcrita – a M.mª Juiz “a quo” nunca afirmou que a referida informação administrativa foi desde essa data do conhecimento da Recorrente. Limitou-se a constatar que, apesar de a informação datar de 2002, a Recorrente não seguiu essa orientação nem nesse ano nem nos dois anos seguintes. E esse não é sequer um facto controvertido, por ter sido alegado pela própria Recorrente (nomeadamente nos artigos 53.º e 62.º da douta p.i.).
Pelo que o recurso não pode proceder nesta parte.
2.4. Nos artigos 15.º a 21.º das doutas alegações de recurso, a Recorrente invoca erro de julgamento da matéria de facto (por defeito) alegando que não consta da matéria de facto dada como provada um facto relevante para a decisão da causa e que, para além de estar provado documentalmente (pelo doc. n.º 33 junto à p.i.), consubstancia um facto notório. A saber: o facto «de a AGEM ser uma empresa municipal, sujeito passivo de IVA».
Conclui dizendo que tal facto deve ser aditado à matéria de facto dada como provada (conclusões I, J e K).
No entanto, os factos notórios [que são os factos de conhecimento geral – artigo 514.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, doravante sob a sigla “C.P.C.” – isto é, os factos de que a generalidade dos cidadãos não pode deixar de percepcionar («notoriedade geral directa») ou que a generalidade dos cidadãos regularmente informados e de cultura média não poderia deixar de apreender («notoriedade geral indirecta»)] só têm que ser especificados na sentença se tiverem sido alegados, directamente ou por remissão.
Sendo que o alegado no artigo 58.º da douta p.i., directamente e por remissão para o documento n.º 33 junto com aquele douto articulado, não é que a “AGEM” é uma empresa municipal, sujeito passivo de I.V.A., mas que a Administração Tributária concluiu, em 8 de Julho de 2004, que a “AGEM” e os Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de V… são um único e mesmo sujeito passivo.
E o que a Administração Tributária concluiu ou deixou de concluir a esse respeito já não é um facto notório, por não ser do conhecimento geral.
Por outro lado, a natureza jurídica da “AGEM” e a alegada identidade com os referidos Serviços Municipalizados ou a sua qualidade de sujeito passivo de I.V.A. nem sequer são factos, mas verdadeiras conclusões de direito. Porque para apreender o estatuto jurídico da “AGEM” haveria que consultar legislação específica como a Lei das Empresas Municipais (ao tempo, a Lei n.º 58/98, de 18.08), e para apreender se a “AGEM” é sujeito passivo de I.V.A. haveria também que consultar o código respectivo, nomeadamente o seu artigo 2.º.
Do exposto decorre que o pretendido facto nem tinha que ser inserido na matéria de facto dada como provada nem deveria fazê-lo.
Pelo que o recurso improcede também neste segmento (o das conclusões I, J e K).
3. Fundamentação de Direito
3.1. A questão central do presente recurso é a de saber se estão preenchidos todos os pressupostos legais de liquidação dos juros compensatórios.
É sabido que todas as modalidades de juros previstas na lei tributária (os juros compensatórios, os juros indemnizatórios e os juros moratórios) partilham algumas características essenciais: têm todos a mesma fonte (a lei) – sendo, por isso, juros legais (por contraposição aos juros voluntários) – e têm todos a mesma finalidade (indemnizatória), no sentido de que visam compensar a falta de entrega ou restituição de determinado montante (obrigação de capital) em momento próprio – sendo, por isso, em sentido amplo, todos eles juros indemnizatórios (por contraposição aos juros remuneratórios).
Atendendo à sua origem (legal) e à sua finalidade (indemnizatória), podemos assim assentar que a obrigação de juros tributários tem apoio sistemático no instituto da responsabilidade extracontratual, regulada nos artigos 483.º e seguintes do Código Civil. Onde devem ser também colhidos os necessários subsídios interpretativos, atento o disposto no artigo 11.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (doravante sob a sigla “L.G.T.”).
E como, no direito civil, a responsabilidade objectiva tem carácter excepcional (artigo 483.º, n.º 2, do referido Código), deve entender-se que, na falta de disposição em contrário, a obrigação de juros tributários assenta na responsabilidade subjectiva ou responsabilidade por factos ilícitos (em sentido convergente, pode ver-se o estudo do Sr. Cons. Dr. Jorge Lopes de Sousa, denominado «Juros nas Relações Tributárias», in «Problemas Fundamentais do Direito Tributário», Vislis 1999, pág. 147).
O que significa que a obrigação do pagamento de juros em direito tributário depende essencialmente dos mesmos pressupostos fundamentais de que depende a formação da obrigação de indemnizar com base na responsabilidade por factos ilícitos e que a doutrina já há muito sistematizou [a) facto voluntário; b) ilícito; c) culposo; d) danoso; e) nexo de causalidade entre o facto e o dano].
Estes pressupostos estão também presentes na obrigação de juros compensatórios, como decorre do artigo 35.º da L.G.T..
Assim, dispõe o n.º 1 deste dispositivo legal que «São devidos juros compensatórios quando, por facto…». O que significa que o primeiro pressuposto do direito a juros compensatórios é a identificação de uma actuação do sujeito passivo, que se poderá traduzir numa acção (como, por exemplo, a entrega de uma declaração com erros ou omissões) ou numa omissão (como, por exemplo, a falta de entrega da declaração).
O n.º 1 do referido artigo 35.º também dispõe que esse facto deve ser «imputável ao sujeito passivo». Esta expressão têm um âmbito mínimo, que é o da sua imputação objectiva, sendo que o facto é objectivamente imputável ao sujeito passivo quando lhe possa ser apontado um comportamento antijurídico, contrário ao direito, ilícito. Por conseguinte, a obrigação de juros compensatórios tem como segundo pressuposto necessário que o comportamento do sujeito passivo viole objectivamente normas jurídico-tributárias. Em geral, as que prescrevem o cumprimento dos deveres tributários e a que aludem os artigos 31.º e 32.º da L.G.T.
A mesma expressão tem, porém, um outro âmbito que não pode ser escamoteado: na falta de especificação em contrário (apelando, mais uma vez, ao artigo 483.º, n.º 2, do Código Civil), deve entender-se que o legislador pretendeu também que o facto fosse subjectivamente imputável ao sujeito passivo, isto é, que sobre ele pudesse recair um juízo de censura, a título de dolo ou negligência. Subjacente à obrigação dos juros compensatórios está, por isso, uma ideia de censura ou reprovação da conduta do agente, porque podia e devia, nas circunstâncias do caso, ter agido diversamente.
A culpa a considerar deve ser uma culpa em abstracto, na falta de norma que disponha diversamente (cfr. artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil), o que significa que deve ser apreciada, em face das circunstâncias de cada caso pela diligência de um bom pai de família ou homem médio. «Esclareça-se que, por homem médio, não se entende o puro cidadão comum, mas o modelo de homem que resulta do meio social, cultural e profissional daquele indivíduo em concreto. Dito de forma mais explícita: o homem médio que interfere como critério de culpa é determinado a partir do círculo de relações em que está inserido o agente» (cit. da obra «Direito das Obrigações», do Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, 5.ª edição, pág. 471). Pelo que se deve ter por verificado este requisito quando, em face das circunstâncias do caso e das regras da experiência, for de concluir que qualquer pessoa do círculo de relações do sujeito passivo poderia ter apreendido que o seu comportamento violava normas jurídico-tributárias e podia e devia ter conformado o seu comportamento à observância dessas normas.
Pressuposto necessário e indiscutível do direito a juros compensatórios é que tenha sido (1) «retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido», (2) «retardada (…) a entrega de imposto a entregar antecipadamente» ou (3) «retardada (…) a entrega de imposto (…) retido ou a reter no âmbito da substituição tributária», ou ainda tenha sido (4) recebido pelo sujeito passivo, «por facto a si imputável», «…reembolso superior ao devido».
Em bom rigor, o dano não reside no retardamento da liquidação ou da entrega, mas no prejuízo que isso causa ao Estado. Só que, nas obrigações pecuniárias, o prejuízo presume-se no valor dos juros, isto é, a lei fixa indirectamente o valor dos danos indemnizáveis em valor correspondente ao dos juros (o que se designa por avaliação abstracta do dano), dispensando o credor, até esse montante, da prova do prejuízo respectivo – artigo 806.º do Código Civil.
Por último, a actuação do sujeito passivo deve ser a condição necessária e adequada do retardamento da liquidação ou da entrega, isto é, deve existir um nexo de causalidade adequada entre esse retardamento e os prejuízos do Estado. Condição necessária, porque sem esse comportamento não se verificaria tal resultado. Condição adequada, porque para esse resultado não teriam que concorrer outras «circunstâncias excepcionais e anómalas» (Vd. estudo do Sr. Cons. Dr. Jorge Lopes de Sousa supra citado, pág. 146). O suporte legal deste requisito também reside do artigo 35.º, na parte em que se refere: «…por facto a si imputável».
Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.
A Recorrente não põe em causa que tivesse liquidado I.V.A., em facturas emitidas à empresa “Águas de G…, Empresa Municipal” ou “AGEM”, à taxa de 5%. E não põe em causa o entendimento veiculado na Informação n.º 80, de 2002.08.01, sancionada por despacho do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (despacho n.º 891/2002, de 2002.08.07, segundo o qual «na ausência de verba expressa nas Listas I e II anexas ao Código do IVA, nas empreitadas de bens imóveis em que são donos da obra as empresas municipais e empresas intermunicipais, a taxa de IVA a aplicar é a taxa normal». Nem sequer põe em causa que o facto de ter liquidado o I.V.A. à taxa reduzida, em vez da taxa normal, redundou num retardamento da liquidação (o que expressamente concede do artigo 30.º das doutas alegações de recurso).
Podemos, assim, concluir desde já que a Recorrente não põe em causa a verificação dos dois primeiros requisitos do direito a juros compensatórios: um facto (uma acção que lhe é materialmente imputável) ilícito (que redunda objectivamente num comportamento contrário à lei fiscal e ao artigo 18.º do C.I.V.A. em particular). Esta matéria, por isso, não faz parte do âmbito do recurso.
Por outro lado, e embora o conteúdo dos artigos 76.º e 77.º das doutas alegações de recurso pareça indicar que a Recorrente afasta o nexo causal entre a sua actuação e o retardamento da liquidação, não é essa a melhor interpretação das suas alegações. Porque a Recorrente não invoca ali a partilha de causas que, no seu conjunto, seriam adequadas à produção desse resultado (no que, de resto, não se concederia, porque a liquidação não dependia da intervenção das outras entidades) mas uma certa partilha de culpas entre essas entidades.
Pelo que a Recorrente só põe em causa, verdadeiramente, a verificação dos restantes dois requisitos.
Põe em causa, desde logo, a verificação do dano, porque – no seu entendimento – o credor tributário não sofreu qualquer prejuízo com o retardamento da liquidação. Porque e taxa a liquidar pela Recorrente à “AGEM” era uma «taxa intermédia» e esta seria «de todo irrelevante para determinar ou fixar a receita do IVA a ingressar nos cofres do Estado» (artigos 34.º a 61.º das doutas alegações de recurso, em especial o seu artigo 53.º).
E põe em causa a culpa, porque – em seu entender – as implicações da modificação operada nos “SMAS” de V… através da criação da “AGEM” e as suas implicações no I.V.A. a liquidar não eram claras nem fáceis de ver.
E isto porque, a transformação operada foi uma transformação formal, traduzida na mutação de uma estrutura da administração semi-directa do município numa estrutura da administração indirecta do mesmo município. De um órgão municipal desconcentrado num serviço desconcentrado. De uma empresa pública sem personalidade jurídica, numa empresa pública personalizada. E ao abrigo de um diploma recente, que veio a prever a constituição das empresas públicas municipais.
E também porque, sendo a “AGEM” e o Município de V… entes públicos, ao continuarem a aceitar a liquidação do I.V.A. à taxa reduzida geraram na Recorrente o convencimento de que estavam a respeitar a lei.
Este Tribunal não acompanha a argumentação da Recorrente na parte em que impugna a verificação do dano. Toda ela – diga-se de passagem – sustentada num discurso abstracto que, levado ao extremo, afastaria a aplicação dos juros compensatórios na generalidade das situações em que o sujeito passivo não estivesse colocado no último estádio de produção.
Pondera-se, desde logo, que o efeito de recuperação do imposto, através do qual o I.V.A. recolhido num estádio de produção é devolvido no estádio seguinte pressupõe que neste estádio se coloca outro sujeito passivo com direito à dedução, o que nem sempre sucede, nomeadamente nas situações de isenção simples ou noutras em que esse sujeito se comporta como destinatário final do produto. Assim, se a “AGEM” estiver no fim da linha de transacções do produto, a facturação à taxa de 5% em vez da taxa normal, significa mesmo atraso na entrada do I.V.A. normal nos cofres do Estado, porque nunca teria oportunidade de o deduzir.
Anota-se, por outro lado, que o efeito de recuperação (positivo) não abrange o I.V.A. que incide sobre o valor acrescentado em cada estádio de produção (isto é, sobre o preço que o adquirente acrescentou na respectiva venda do produto), visto que o imposto pago sobre esta parcela funciona como antecipação do pagamento. Pelo que o atraso na liquidação terá também um efeito de retardamento na entrada do imposto correspondente nos cofres do Estado.
E repete-se, finalmente, que nas obrigações pecuniárias, o prejuízo presume-se até ao valor dos juros, que significa que teria que ser o devedor a demonstrar (em concreto) que esse prejuízo não se verificou. O que, no caso não foi feito. A Recorrente limitou-se a alegar, nesta parte, que, no caso da “AGEM”, o I.V.A. processado por esta empresa municipal seja nas facturas de água passadas aos respectivos consumidores, seja nas tarifas de saneamento, é de 5% (artigos 32.º e 33.º da douta p.i.). Só que esse não é o produto transaccionado pela ora Recorrente, que não fornece água à “AGEM” nem é dono ou concessionário das condutas de saneamento.
O raciocínio da ora Recorrente teria, a nosso ver, cabimento em situação diversa, descrita no ponto 14 da informação n.º 80 supra citada. Isto é, «nos casos em que as referidas empreitadas, adjudicadas por aquelas empresas, são posteriormente debitadas às Autarquias», porque «as empresas municipais ou intermunicipais actuarão como sujeitos passivos do IVA, adquirindo as empreitadas de bens imóveis à taça de 19%» (hoje 23%) «o qual é dedutível nos termos dos artigos 19º a 25º do CIVA, e liquidando IVA à taxa de 5%, por aplicação da verba 2.17 da Lista I anexa ao CIVA, nos débitos dessas mesmas empreitadas às Autarquias».
Já na questão da culpa, entende este Tribunal que a Recorrente está com a razão. Porque existem nos autos indicadores objectivos e consistentes de que as implicações na taxa do I.V.A. aplicável da transformação dos serviços municipais em empresas públicas não eram, à data a que se reportam os factos, facilmente apreensíveis pelas empresas que contratavam com essas entidades e que, no caso, a ora Recorrente agiu sempre de boa fé e no convencimento de que actuava de acordo com a lei e o direito.
Sobre essa matéria já se pronunciou o douto acórdão do S.T.A. de 2010.12.16 (proc.º 0587/10, disponível in www.dgsi.pt), em situação idêntica e em termos que merecem a nossa inteira adesão e que a seguir reproduzimos, na parte a relevar:
«Para uma cabal compreensão e decisão desta questão, convém reter que, conforme resulta da materialidade fáctica vertida no ponto 3.º do probatório e do teor da informação que a suporta (…), a liquidação destes juros teve origem na comunicação que a Administração Fiscal efectuou à Impugnante (…), dando-lhe conta de que havia procedido indevidamente à liquidação de IVA à taxa reduzida de 5% nas facturas que emitira para a dona da obra (AGEM) e de que deveria proceder à regularização do imposto em falta mediante a apresentação de declarações periódicas de substituição, alterando a taxa de 5% para 19%. O que foi imediatamente cumprido pela Impugnante, que logo apresentou as declarações periódicas de substituição e efectuou o pagamento do imposto em falta, após o que a Administração efectuou a liquidação de juros compensatórios com fundamento no retardamento da liquidação de parte do imposto devido.
Por outro lado, para compreender a razão pela qual a Impugnante vinha liquidando à dona de obra IVA à taxa de 5%, há que recordar que a AGEM resultou da transformação dos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento (SMAS) da Câmara Municipal de V… numa empresa pública municipal ao abrigo da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, e que nas empreitadas em que havia figurado o SMAS como dona da obra a taxa de IVA aplicável era de 5% face ao disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do CIVA, conjugado com a verba 2.17 da sua Lista I, que abrangia «As empreitadas de bens imóveis em que são donos da obra autarquias locais, associações de municípios ou associações e corporações de bombeiros, desde que, em qualquer caso, as referidas empreitadas sejam directamente contratadas com o empreiteiro».
Ou seja, quanto aos contratos de empreitada outorgados com os Serviços Municipalizados, os empreiteiros liquidavam o IVA à taxa reduzida de 5%, ao abrigo do artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do CIVA, dado que esses Serviços constituíam um órgão da autarquia, sendo, assim, a autarquia a verdadeira e directa dona da obra. E após a transformação dos Serviços em empresa municipal a Impugnante continuou a liquidar-lhe IVA à mesma taxa, com o natural consentimento desta.
O que significa que nem a sociedade construtora/empreiteira nem a dona da obra terão atentado na natureza jurídica das empresas municipais constituídas ao abrigo da Lei nº 58/98 e na essência dessa nova realidade jurídica, isto é, que tais empresas, sendo embora sociedades de capitais exclusivamente públicos, gozam de personalidade jurídica e são dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial (art. 2.º), estando sujeitas a tributação directa e indirecta nos termos gerais (art. 36.º). Ou seja, que tais empresas não constituem um órgão da autarquia (como eram os serviços municipalizados) nem se confundem juridicamente com a autarquia local, já que constituem uma entidade de direito privado, ainda que possua, por atribuição legal, o exercício de poderes públicos.
Todavia, nada indicia que a falta de consideração e ponderação deste aspecto jurídico de relevo para a liquidação do IVA tenha sido propositado ou intencional por parte das empresas envolvidas (empreiteiro e dona da obra) ou, sequer, que tenha havido negligência ou má-fé da sua parte ao abraçarem o pressuposto de que a dona da obra continuava a ser a autarquia local. Pelo contrário, a específica configuração de toda esta situação, que envolve a apreensão de questões estritamente jurídicas, como seja a natureza legal de uma empresa municipal e a compreensão do alcance jurídico e fiscal da transformação de um órgão municipal numa empresa municipal, indica que todas as entidades envolvidas terão agido convencidas da legalidade da sua actuação.
Com efeito, não pode esquecer-se a específica configuração desta situação, para a qual contribui o facto de a transformação dos SMAS na AGEM constituir, à primeira vista, uma mera transformação formal, traduzida na reorganização do serviço público de abastecimento de água e de saneamento básico. Ou seja, a modificação verificada na organização do serviço municipal de águas e saneamento de V… não foi particularmente visível, pois que se traduziu na transformação de um serviço até então organizado como um órgão municipal, isto é, como uma empresa pública municipal sem personalidade jurídica, num serviço organizado como entidade dotada de personalidade jurídica, numa empresa pública personalizada. E, neste contexto, não admira que essas entidades não tenham detectado logo o exacto alcance e sentido dessa modificação e que, por essa razão, tenham (ainda que erradamente) continuado a aplicar a taxa reduzida nas empreitadas contratadas após a transformação dos SMAS na AGEM.
Aliás, repare-se que nem a própria Administração Fiscal terá detectado logo o alcance fiscal da transformação verificada, pois como decorre do teor da “Informação nº 80”, dimanada do gabinete do Subdirector-Geral dos Serviços do IVA em 1/08/2002 e que mereceu despacho de concordância do SEAF em 7/08/2002, só nessa altura a Administração equacionou e resolveu a questão de saber se nas empreitadas em que os donos da obra eram empresas municipais se devia ou não continuar a liquidar o IVA à taxa de 5%. Não obstante, dois anos mais tarde os Serviços do IVA prestaram a informação documentada a fls. 61 a 64, a propósito de um pedido de “reactivação de crédito do IVA” que a AGEM apresentara em 17/03/03 em nome dos Serviços Municipalizados da Câmara de Vila Nova de Gaia, informação que foi sancionada por despacho do Director de Serviços do IVA em 8/07/04 e onde se concluía que «Os Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de V… e a empresa Águas de G…, EM, são um único e mesmo sujeito passivo, ainda que, com números de identificação diferentes para além da designação social pelo que em vez de ter procedido à entrega duma declaração de cessação de actividade, e simultaneamente, ter entregue a outra declaração de início de actividade, deveria ter procedido à entrega de uma declaração de alterações de acordo com o art.º 31º do CIVA. (...) Tratando-se do mesmo sujeito passivo, não existe qualquer objecção à utilização da Comunicação de Crédito cuja reactivação é solicitada, pelo que, para os devidos efeitos, se deverá dar conhecimento à Direcção de Serviços de Cobrança do IVA».
O que manifestamente denota que em meados de 2004 continuava a não haver, por parte da Administração Fiscal, uma percepção clara e definitiva do exacto alcance e sentido da referida transformação, pois nessa altura ainda afirma que os Serviços Municipalizados e a AGEM são um único e mesmo sujeito passivo, tendo-lhe reconhecido, por essa razão, o direito comunicação de créditos.
Por fim, há ainda a salientar que a Impugnante pagou o IVA logo que é alertada pela Administração Fiscal para o erro que vinha cometendo na liquidação do IVA à taxa reduzida, o que não pode deixar de constituir um elemento evidenciador da boa-fé e da confiança na actuação de um ente público como é a AGEM, na medida em que esta empresa pública continuou a aceitar a liquidação do IVA à taxa de 5% e a pagar apenas esse imposto que lhe é liquidado pelo empreiteiro.».
De todo o exposto decorre que a Administração Tributária incorreu em erro ao considerar que estavam preenchidos os pressupostos legais de liquidação dos juros compensatórios e que o acto impugnado deve ser anulado logo por aqui, ficando prejudicado o conhecimento do outro vício alegado.
3.2. Na parte final da douta p.i., a ora Recorrente também alegava que tinha prestado garantia bancária e requeria que fosse declarado pelo Tribunal a existência de erro imputável aos serviços na liquidação dos tributos em questão e, em consequência, fosse fixada indemnização pela prestação de garantia bancária indevida.
Na parte final da douta sentença recorrida consignou-se que «O direito à indemnização previsto no artigo 53.º da LGT não se verifica no caso concreto, uma vez que a administração fiscal não cometeu qualquer erro nos pressupostos de facto ou de direito quando procedeu à liquidação de juros compensatórios».
Deve entender-se que o recurso também abrange este segmento da decisão, visto que, na parte final das doutas conclusões do recurso também se renova o mesmo pedido que anteriormente tinha formulado.
Dispõe, com interesse para o caso, o artigo 53.º da L.G.T. que o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação em proporção do vencimento em impugnação judicial que tenha como objecto a dívida garantida. Esta indemnização terá como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na L.G.T.
Deste dispositivo legal resulta, para o que aqui releva, que o direito à indemnização pela garantia indevidamente prestada, a atribuir sem dependência do prazo a que alude o n.º 1 artigo supra citado, depende da verificação, além do mais (e simplificadamente), dos seguintes pressupostos de facto: a) a prestação da garantia (com vista à suspensão da execução fiscal que tenha por objecto a cobrança de dívida emergente da liquidação impugnada); b) a existência de prejuízos emergentes da prestação dessa garantia; c) o vencimento na impugnação judicial, onde seja verificado o erro imputável aos serviços.
O tribunal de 1.ª Instância deu como assente que a Impugnante (ora Recorrente) prestou garantia bancária em 2005.08.31, fundando-se no teor do documento de fls. 53 dos autos. E este tribunal de recurso deu como assente que a Administração Tributária incorreu em erro ao considerar que estavam preenchidos os pressupostos legais de liquidação dos juros compensatórios, dando, assim, provimento integral ao recurso respectivo.
Têm-se, assim, por verificados os pressupostos supra aludidos sob as alíneas a) e c).
O que os autos não documentam é o valor dos prejuízos emergentes da prestação dessa garantia. A Impugnante (ora Recorrente) nem especificou os encargos resultantes do contrato de garantia nem a forma como os mesmos deveriam ser calculados. Terá sido por essa razão que a M.mª Juiz “a quo” nada deu como provado a este respeito. Sendo que da decisão sobre a matéria de facto respectiva também não houve recurso.
No entanto, e como vem sendo decidido por este Tribunal (cfr. o acórdão de 2011.11.17, proferido no processo n.º 00467/07.6BEBRG), essa falta de concretização não contende, em definitivo, nesta primeira apreciação, com aquele reconhecimento e imporá somente que o apuramento dos mesmos prejuízos seja realizado em momento posterior.
No caso, e não estando demonstrado o valor do prejuízo nem sendo possível recorrer a outros elementos que possam servir de base à formulação, pelo Tribunal, de um juízo sobre o valor da indemnização, ao abrigo do nº 2 do artigo 661.º do C.P.C., relega-se para execução de sentença a liquidação do dano consubstanciado no custo decorrente da necessidade de prestação de garantia bancária.
4. Conclusões
4.1. A obrigação do pagamento de juros em direito tributário depende essencialmente dos mesmos pressupostos fundamentais de que depende a formação da obrigação de indemnizar com base na responsabilidade por factos ilícitos e que a doutrina já há muito sistematizou [a) facto voluntário; b) ilícito; c) culposo; d) danoso; e) nexo de causalidade entre o facto e o dano], pressupostos estão também presentes na obrigação de juros compensatórios, como decorre do artigo 35.º da L.G.T.;
4.2. Pressuposto da obrigação do pagamento dos juros compensatórios é, por isso, e desde logo, que o facto seja subjectivamente imputável ao sujeito passivo, isto é, que sobre ele possa recair um juízo de censura ou reprovação da conduta do agente, porque podia e devia, nas circunstâncias do caso, ter agido diversamente;
4.3. A culpa a considerar deve ser uma culpa em abstracto, o que significa que deve ser apreciada, em face das circunstâncias de cada caso pela diligência de um bom pai de família ou homem médio, devendo ter por verificado este requisito quando, em face das circunstâncias do caso e das regras da experiência, for de concluir que qualquer pessoa do círculo de relações do sujeito passivo poderia ter apreendido que o seu comportamento violava normas jurídico-tributárias e podia e devia ter conformado o seu comportamento à observância dessas normas (cfr. artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil);
4.4. Tendo-se constatado que as implicações – na taxa a aplicar em sede de I.V.A. – da transformação dos serviços municipalizados de água numa empresa municipal, não foram imediatamente apreendidas, designadamente pela própria empresa municipal e pela Administração Tributária, e não estando demonstrado que, antes da apresentação das declarações de substituição e da regularização da situação tributária respectiva, a ora Recorrente já estivesse esclarecida sobre a posição firmada junto daquelas entidades, não é possível imputar-lhe subjectivamente o atraso da liquidação do I.V.A. à taxa normal.
4.5. Nos termos do disposto nos artigos 171.º n.º 1 do C.P.PT. e 53.º da L.G.T., o devedor que tenha obtido a suspensão da execução fiscal contra si instaurada através da prestação de garantia bancária tem direito a ser indemnizado, total ou parcialmente, pelos prejuízos resultantes dessa prestação quando se venha a verificar em sede de impugnação judicial que houve erro na liquidação imputável à Administração Tributária.
4.6. Tendo o Executado apresentado impugnação judicial e formulado pedido de indemnização pela prestação de garantia bancária que comprovou ter prestado, a falta de quantificação dos prejuízos respectivos não contende com aquele reconhecimento, impondo apenas que o seu apuramento seja relegado para execução de sentença.
5. Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao presente recurso e, em consequência,
a) Revogar a sentença recorrida na parte em que, julgando improcedente a impugnação judicial, manteve as liquidações impugnadas;
b) Em substituição, julgar procedente a impugnação judicial anulando as liquidações impugnadas;
c) Revogar a sentença recorrida também na parte relativa ao pedido de indemnização pela prestação de garantia bancária indevida;
d) Em substituição, julgar procedente também este pedido e condenar a Fazenda Pública a pagar a quantia indemnizatória do dano consubstanciado no custo decorrente da necessidade de prestação de garantia bancária e que vier a ser liquidada em execução de sentença.
Custas pela Recorrida, mas só em primeira instância (artigo 2.º, n.º 1, alínea g) do C.C.J.).
Porto, 02 de Fevereiro de 2012
Ass. Nuno Bastos
Ass. Irene Neves
Ass. Aragão Seia