Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01338/14.5BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/12/2019
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:ILEGITIMIDADE PASSIVA; APERFEIÇOAMENTO; EMPRESA MUNICIPAL;
Sumário:
1 – Tendo o Município sido já considerado preteritamente como parte ilegítima na presente Ação, e tendo sido dada a oportunidade aos Autores de corrigirem tal facto, com a apresentação de “Petição Inicial corrigida”, tendo estes insistido na PI corrigida em intentar a Ação exclusivamente contra o Município, outra alternativa não tinha o tribunal que não a de absolver o Réu da instância, em decorrência da procedência da exceção de ilegitimidade Passiva.
2 - Não tendo o Município, enquanto tal, beneficiado dos serviços contratualizados com Empresa Municipal, é patente que nenhuma responsabilidade lhe poderá ser assacada por eventual incumprimento contratual por parte da empresa, mormente a título de enriquecimento sem causa. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:CGP
Recorrido 1:Município de PF
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
CGP, SA e DAE, Lda., devidamente identificadas nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, intentada contra o Município de PF, vieram deduzir, entre outras, as seguintes pretensões:
“O Réu Município deve ressarcir as Autoras pagando-lhes as quantias tituladas pelas faturas acima referidas, bem como os respetivos juros de mora, vencidos e vincendos até integral pagamento, à taxa de juros comerciais, ou seja: - à 1ª Autora, da quantia de 269.030,52€ (20.996,10€+110.397,42€+137.637€), dos juros de mora vencidos, à taxa legal de juros comercias, desde as respectivas datas de vencimento das faturas, que à data da instauração desta ação montam a €21.162,87, e dos juros de mora que se vencerem, à mesma taxa, até integral e efetivo pagamento; - à 2ª Autora da quantia de 26.445,00 € dos juros de mora vencidos, à taxa legal de juros comerciais, desde as respectivas datas de vencimento das faturas, que à data da instauração desta ação montam a €1.730,73, e dos juros de mora que se vencerem, à mesma taxa, até integral e efetivo pagamento”.
Inconformadas com a decisão proferida em 12/07/2017 no TAF do Porto, que julgou procedente a exceção de ilegitimidade passiva, absolvendo o Município de PF da instância, vieram interpor recurso jurisdicional da mesma, em 6 de outubro de 2017.
No seguimento do referido Recurso, veio este TCAN, por Acórdão de 16 de março de 2018 a conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, mais se determinando a baixa dos autos à 1ª instância, para prosseguimento da sua tramitação, com o convite ao aperfeiçoamento da PI, designadamente no que concerne à identificação da Entidade Demandada, uma vez que havia sido considerado que o Município de PF não teria legitimidade passiva.
Correspondentemente, vieram as Autoras em 22 de junho de 2018 a apresentar Petição corrigida, ainda que, novamente, intentada contra o Município de PF, na qual peticionaram:
“Relativamente ao pedido principal:
Deve a ação ser julgada procedente e o Réu Município deve ser condenado a pagar:
a) à 1ª Autora a quantia de 269.030,52€ (20996,10€+110397,42€+137.637€), acrescida dos juros de mora vencidos que montam a 21.162,87€ e dos juros de mora que se vencerem, à taxa legal de juros comerciais, desde a data da instauração desta ação e até integral e efetivo pagamento;
b) à 2ª Autora da quantia de 26.445€ acrescida dos juros de mora vencidos que montam a 1.730,73€ e dos juros de mora que se vencerem, à taxa legal de juros comerciais, desde a data da instauração desta ação e até integral e efetivo pagamento;
c) à 1ª Autora as quantias que se vierem a vencer no âmbito dos contratos de prestação de serviços referidos nos artigos 35º a 38º desta petição e respetivos juros de mora, à taxa legal de juros comerciais, até efetivo e integral pagamento, desde que a PFR Invest se encontre em mora há mais de 30 dias sobre as datas do vencimento das faturas a que as quantias disserem respeito;
d) à 2ª Autora as quantias que se vierem a vencer no âmbito do contrato de prestação de serviços referido no artigo 45º desta petição e respetivos juros de mora, à taxa legal de juros comerciais, até efetivo e integral pagamento, desde que a PFR Invest se encontre em mora há mais de 30 dias sobre as datas do vencimento das faturas a que as quantias disserem respeito.
Caso assim não se entenda, para o caso de não proceder o pedido anterior:
Com relação ao 1º pedido subsidiário:
Deve a ação ser julgada procedente e o Réu Município deve ser condenado a pagar:
a) à 1ª Autora a quantia de 269.030,52€ (20996,10€+110397,42€+137.637€, acrescida dos juros de mora vencidos que montam a 21.162,87€ e dos juros de mora que se vencerem, à taxa legal de juros comerciais, desde a data da instauração desta ação e até integral e efetivo pagamento;
b) à 2ª Autora da quantia de 26.445€ acrescida dos juros de mora vencidos que montam a 1.730,73€ e dos juros de mora que se vencerem, à taxa legal de juros comerciais, desde a data da instauração desta ação e até integral e efetivo pagamento.
c) à 1ª Autora as quantias que se vierem a vencer no âmbito dos contratos de prestação de serviços referidos nos artigos 35º a 38º desta petição e respetivos juros de mora, à taxa legal de juros comerciais, até efetivo e integral pagamento;
d) à 2ª Autora as quantias que se vierem a vencer no âmbito do contrato de prestação de serviços referido no artigo 45º desta petição e respetivos juros de mora, à taxa legal de juros comerciais, até efetivo e integral pagamento.
Caso assim não se entenda,
Com relação ao 2º Pedido Subsidiário:
Deve a ação ser julgada procedente e o Réu deve ser condenado a ressarcir e pagar, a título de enriquecimento sem causa:
a) à 1ª Autora a quantia de 269.030,52€ (20.996,10€+110.397,42€+137.637€, ,acrescida dos juros de mora vencidos que montam a 21.162,87€ e dos juros de mora que se vencerem, à taxa legal de juros comerciais, desde a data da instauração desta ação e até integral e efetivo pagamento;
b) à 2ª Autora da quantia de 26.445€ acrescida dos juros de mora vencidos que montam a 1.730,73€ e dos juros de mora que se vencerem, à taxa legal de juros comerciais, desde a data da instauração desta ação e até integral e efetivo pagamento.
c) à 1ª Autora as quantias que se vierem a vencer no âmbito dos contratos de prestação de serviços referidos nos artigos 35ª a 38º desta petição e respetivos juros de mora, à taxa legal de juros comerciais, até efetivo e integral pagamento;
d) à 2ª Autora as quantias que se vierem a vencer no âmbito do contrato de prestação de serviços referido no artigo 45º desta petição e respetivos juros de mora, à taxa legal de juros comerciais, até efetivo e integral pagamento.”
O TAF de Braga veio a proferir nova Sentença em 13 de fevereiro de 2019, voltando a julgar procedente a exceção de ilegitimidade passiva relativamente ao Município de PF.
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As Autoras CGP SA e DAE, Lda. não se conformando com a decisão proferida, vieram a interpor Recurso da referida decisão em 18 de março de 2019, no qual concluíram:
1) O R. Município de PF, ao criar a sociedade PFR – SGU, EM Sa, sendo o único acionista desta sociedade, representando cem por cento do seu capital social, face à aplicação das normas do Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente as dos artigos 491º e seguintes e 501º a 504º deste Código, ficou responsável pessoal pelo pagamento das dívidas da sociedade PFR Invest - SGU, SA;
2) A sociedade PFR – Invest – SGU, SA é uma sociedade municipal que surgiu como a forma mais adequada que o R. Município entendeu para proceder à sua gestão urbana, que é uma das obrigações legais e administrativas que são pertença do R. Município;
3) A sociedade PFR – Invest – SGU, SA nada mais é do que uma sociedade instrumental do R. Município de PF e que este constituiu para, através dela, cumprir obrigações municipais que a lei lhe atribuiu e exige;
4) Na sessão de 14 de Setembro de 2007, a Assembleia Municipal de PF, sob proposta da Câmara Municipal, deliberou criar, nos termos da Lei nº. 53-F/2006, de 29 de Dezembro, a empresa municipal denominada PFR – INVEST, SGU, E. M.
5) O artigo 2º dos Estatutos da Empresa Municipal PFR Invest, SGU, E.M., estabelece que “A PFR Invest, SGU, E.M. rege-se pelos presentes estatutos, pelo Regime Jurídico do Sector Empresarial Local e pelo Código das Sociedades Comerciais;
6) A Lei nº. 53-F/2006, no seu artigo 5.º, no que respeita ao objeto social das empresas municipais, estabelece que estas se inserem nas atribuições da autarquia.
7) O artigo 6.º da Lei nº. 53-F/2006 estabelece que, uma vez constituídas, “As empresas regem-se pela presente lei, pelos respetivos estatutos e, subsidiariamente, pelo regime do sector empresarial do Estado e pelas normas aplicáveis às sociedades comerciais.
8) O Código das Sociedades Comerciais que regula as sociedades comerciais, por extensão do normativo jurídico constante na Lei nº. 53-F/2006, é aplicado, sem qualquer exclusão aos Municípios e às empresas municipais criadas pelos Municípios.
9) A criação da empresa municipal PFR – Invest, SGU, E.M. pelo Município de PF, nada mais foi do que um processo interno de organização do Município para o desempenho das suas funções autárquicas na área constante do objeto social da empresa criada.
10) A sociedade PFR – Invest, SGU, E.M. pelo Município de PF, foi só um instrumento de gestão do Município para este, de forma organizada e estruturada prosseguir os seus fins próprios.
11) O capital social da sociedade PFR Invest, desde o início da sua constituição é detido integralmente pelo Recorrido Município, ou seja, o Município é titular de 100% do capital social da sociedade PFR – Invest, conforme consta no artigo 6º, nº 1, dos Estatutos da empresa.
12) A Lei 50/2012, de 31/08, introduziu alterações quanto à natureza jurídica das empresas locais preceituando no seu artigo 19º que passaram a ser “empresas locais as sociedades constituídas ou participadas nos termos da lei comercial e pessoas coletivas de direito privado, com natureza municipal”.
13) De acordo com o artigo 21º da Lei 50/2012, de 31 de Agosto, “ As empresas locais regem-se pela presente lei, pela lei comercial, pelos estatutos e, subsidiariamente, pelo regime empresarial do Estado, sem prejuízo das normas imperativas neste previstas.” e com o artigo 24º da mesma Lei nº 50/2012, “Os direitos societários nas empresas locais são exercidos nos termos da lei comercial, em conformidade com as orientações estratégicas previstas no artigo 37º”.
14) Ou seja, o Município de PF, para além de ser responsável pelo pagamento das dívidas da sociedade PFR Invest, SGU, E.M. S.A. na sua qualidade de único titular da sociedade instrumental que criou para a execução de funções, atribuições e missões próprias do Município,
15) é igualmente responsável perante os credores da sociedade PFR Invest, SGU, EM, SA, nos termos decorrentes do Código das Sociedades Comerciais porque criou, em simultâneo e automaticamente, com a sociedade PFR Invest, SGU, EM, S.A. um grupo de domínio total, nos termos e para os efeitos dos artigos 488º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.
16) Ora, o artigo 491º do Código das Sociedades Comerciais estabelece que “Aos grupos constituídos por domínio total aplicam-se as disposições dos artigos 501º a 504º e as que por força destes forem aplicáveis.”
17) E o artigo 501º do Código das Sociedade Comerciais, sob a denominação “Responsabilidade para com os credores da sociedade subordinada”, diz, no seu número 1, que “1 – A sociedade diretora é responsável pelas obrigações da sociedade subordinada, constituídas antes ou depois da celebração do contrato de subordinação, até ao termo deste.”
18) O R. Município é também parte legítima no processo porque a PFR Invest é empresa local municipal, cujo capital social é detido na sua totalidade pelo Recorrido Município.
19) As empresas locais municipais surgem com a intenção manifesta de agilizar e facilitar o funcionamento de determinadas áreas específicas dos municípios, facilitando a contratação de bens e serviços e recursos humanos, como resulta do Regime Jurídico da Atividade Empresarial Local e das Participações Locais, aprovado pela Lei nº 50/2012, de 31/08.
20) As empresas locais municipais são empresas que sofrem a influência de entidades públicas, sendo os seus requisitos, essencialmente, a detenção da totalidade ou da maioria do capital, dos direitos de voto, dos direitos de designação e de destituição dos membros da gestão, da administração ou fiscalização.
21) E o objeto social destas empresas locais deve exclusivamente respeitar à exploração de atividades de interesse geral (artigos 45º a 47º da Lei nº 50/2012, de 31/08) ou à promoção do desenvolvimento local e regional (artigos 48º a 50º da Lei nº 50/2012, de 31/08), enumerando a Lei as diversas atividades que podem fazer parte do objeto destas empresas.
22) O artigo 6º, nº 1, do Regime Jurídico da Atividade Empresarial local e das participações locais, diz que a condição genérica para a constituição destas empresas é a “prossecução do interesse público” e a “conveniência de uma gestão subtraída à gestão direta face à especificidade técnica e material da atividade a desenvolver.”
23) A PFR Invest é uma empresa instrumental do Recorrido Município, com vista a este, mais facilmente, dinamizar e pôr em ação os objetivos do Município que coincidem com o objeto da PFR Invest.
24) A Lei nº. 53-F/2006, os estatutos da PFR Invest, o Recorrido Município como único acionista da sociedade e a aplicação do regime do Código das Sociedades Comerciais, só permitiriam como permitiram a constituição da PFR Invest tendo como único acionista o Recorrido Município, porque a constituição da PFR Invest foi constituída ao abrigo do artigo 488º do CSC – Domínio inicial total.
25) Nunca o Recorrido Município poderia nem pode ser absolvido da instância pois é parte legítima no processo instaurado e a sentença a ser proferida produz efeitos em relação ao R. Município.
26) Em igual sentido de responsabilidade do Recorrido Município no pagamento das dívidas das empresas por este criadas, está a lei nº. 53/2014 com a redação atualizada pela lei 69/2015, que diz no seu artigo 23º nº. 7 que: “- Sempre que o município detenha empresas locais que estejam nas circunstâncias previstas no n.º 1 do artigo 62.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, as medidas incluídas no PAM têm em conta os impactos orçamentais e a assunção das dívidas que decorram dos respetivos processos de dissolução e da internalização das atividades pelo município.”
27) Na linha da existência desta obrigação está, também, o artigo 37º desta lei e os artigos 54º e 52º da Lei nº. 73/2013 de 3-09.
28) O senhor Doutor Juiz a quo, na sentença que proferiu, violou as disposições contratuais e legais contidas nos Estatutos da Empresa Municipal PFR Invest, na Lei nº. 53-F/2006, nos artigos 491º, 501º e 502º do Código das Sociedades Comerciais, na Lei 50/2012, de 31/08, e no DL nº 133/2013, de 03/10.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exªs sabiamente saberão suprir, deve ser revogada a decisão proferida, considerando-se o Recorrido Município como parte legítima no processo, com as consequências legais JUSTIÇA”
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O Município de PF veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 30 de abril de 2019, sem conclusões, as quais terminam referindo que “deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida”.
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O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 22 de maio de 2019.
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O Ministério Público junto deste Tribunal notificado em 30 de maio de 2019, nada veio dizer, requerer ou Promover.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - Questões a apreciar
Importa predominantemente verificar se se mostrarão preenchidos os pressupostos tendentes à declarada exceção de ilegitimidade passiva do Município, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“A decisão relativa à ilegitimidade passiva do R., Município de PF foi objeto de recurso jurisdicional, tendo o TCAN decidido que - (…) se acompanha o entendimento adotado em 1ª instância no que concerne á ilegitimidade passiva do Município de PF na presente Ação, ainda que discordemos da solução final, ao não ter sido dada a oportunidade aos Autores de sanarem a detetada irregularidade, indicando como entidade demandada a PER — Invest, SGU, EM, SA.‖.
Mais se pode ler no referido Acórdão que ¯está pois aqui em causa o facto do Município de PF ter sido absolvido da instância em decorrência da sua declarada falta de personalidade judiciária, sem que tenha sido proferido despacho de aperfeiçoamento, tendente a corrigir a referida situação, de modo a que pudesse passar a constar como demandada a PFR - Invest, SGU, EM, SA, entidade com quem efetivamente as Autoras contratualizaram as prestações de serviço de onde provêm as dividas reclamadas‖ e que‖ No caso presente, é patente que a presente Ação deveria ter sido intentada contra a Sociedade Municipal PFR Invest EM, detentora de personalidade judiciária, entidade que alegadamente está em divida perante as sociedades aqui Autoras. Assim, a instauração de uma ação administrativa comum que tenha por objeto dividas resultantes de uma relação contratual com uma Sociedade Municipal, tendo sido intentada, não contra esta, mas contra o município, poderia, como foi, determinar a absolvição da instância da entidade demandada, não fosse o caso de se entender ser tal pressuposto sanável.‖
Acontece que, em face do convite que lhe foi dirigido na sequência do Acórdão do TCAN, as AA. apresentaram novo articulado inicial, no qual continuam a demandar o Município de PF, formulando a sua pretensão ressarcitória exclusivamente contra o referido Município.
Nesta medida, não havendo dúvidas quanto à ilegitimidade passiva do Município Demandado, decidida pelo Tribunal em 1ª instância e confirmada pelo TCAN, não tendo as AA., em face do convite que lhe foi dirigido face ao teor do decidido pelo Tribunal de recurso, retirado as devidas ilações do julgado, outra solução não pode ser dada que não seja aquela que foi já adotada no despacho saneador sentença e com os mesmos fundamentos aí aduzidos e que a seguir se reproduzem:
- As Autoras intentaram a presente ação pretendendo a condenação do Réu, Município de PF, no pagamento das quantias devidas pela PFR Invest bem como pelos respetivos juros de mora, vencidos e vincendos até integral pagamento, à taxa de juros comerciais, ou seja: o pagamento à 1ª Autora, da quantia de 269 030,52 € (20 996,10 € + 110 397,42 € + 137.637,00), dos juros de mora vencidos, à taxa legal de juros comerciais, desde as respectivas datas de vencimento das faturas, que à data da instauração desta ação montam a €21.162,87, e dos juros de mora que se vencerem, à mesma taxa até integral e efetivo pagamento; o pagamento à 2ª Autora da quantia de 26.445,00 € dos juros de mora vencidos à taxa legal de juros comerciais, desde as respectivas datas de vencimento das faturas, que à data da instauração desta ação montam a €1.730,73, e dos juros de mora que se vencerem, à mesma taxa, até integral e efetivo pagamento. Na determinação do âmbito da legitimidade como pressuposto processual importa, fundamentalmente, apreciar a questão na ótica de um outro conceito que lhe está diretamente ligado: a relação material controvertida. E partindo da tese de que o objeto do processo é uma relação jurídica, a legitimidade afere-se, em regra, comparando os sujeitos da relação jurídica subjacente, tal como a configura o autor, com os sujeitos da relação processual. São partes legítimas os sujeitos da relação material controvertida, - tal como é configurada pelo autor‖ – art.º 30º, nº 3 do CPC. A resolução da questão relativa à legitimidade passa, portanto, por atender à posição relativa das partes face à relação jurídica controvertida tal como a configura o autor, menosprezando a relação jurídica (substancial) em si. O interesse em demandar – artigo 30º, n.º 2, do CPC – afere-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo resultante dessa procedência, sendo considerados titulares do interesse os sujeitos da relação material controvertida, tal como configurada pelo autor – n.º 3. Estes normativos assinalam à legitimidade a natureza de atributos das partes processuais, mediatizando a utilidade para o autor e prejuízo para o réu, derivados do desfecho da ação. Não se trata, por conseguinte, de um atributo aferido em abstrato, como a personalidade judiciária ou a capacidade judiciária, mas antes por referência ao objeto concreto do processo, o qual não depende, portanto, da decisão final. E para se aferir da titularidade daquele interesse, a regra é a de que a legitimidade aferir-se-á pela titularidade da relação material controvertida, como configurada pelo autor com abstração da procedência ou não do pedido (que só em momento posterior será apreciado). O CPTA veio consagrar no n.º 2 do artigo 10.º, a propósito da legitimidade passiva, que cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor. Por via destes preceitos, veio, portanto, estabelecer-se um princípio geral de legitimidade conforme, na sua essência, com a regulação da legitimidade processual constante da lei processual civil. Deste modo, ao definir-se que é parte legítima o autor que alegue ser parte na relação material controvertida, claramente se evidencia quer o conceito de relação jurídica, quer a prevalência da configuração que pelo autor é feita da mesma – a legitimação processual é aferida pela relação jurídica controvertida tal como apresentada pelo autor. Por outro lado, serão partes legítimas passivas os sujeitos que correspondam à parte contrária naquela relação material controvertida e, de modo geral, os que tenham um qualquer interesse contraposto ao do autor.
Acresce a isto que no presente caso nos movemos no âmbito da ação administrativa comum, cuja conformação é, por via principal, moldada da lei processual civil (v. art.º. 35.º, n.º 1, do CPTA) e, por conseguinte, a legitimidade afere-se pelo critério fixado no art.º 30º do CPC., sendo essencialmente um problema que concerne à posição das partes em relação à lide. Efetivamente, daquela norma decorre que a legitimidade passiva se afere pelo interesse em contradizer (exprimindo-se este pelo prejuízo advindo ao demandado da procedência da ação), relevando em tal plano, na falta da indicação da lei em contrário, os termos em que o autor configura o seu direito e a correlativa obrigação do Réu, devendo o julgador afastar-se na respetiva apreciação, de fazer um julgamento antecipado da questão substancial que lhe é submetida. Em síntese, a legitimidade passiva cabe a quem tem o dever de observar o comportamento pretendido, no caso, o de cumprir os contratos celebrados, pagando o que alegadamente não foi pontualmente cumprido. Ora, atentando na construção da causa de pedir efetuada pelas Autoras e vertida na p.i., verificamos que apesar de se referirem expressamente aos contratos celebrados com a PFR Invest – v. art.º 30º a 47º da p.i. -, consideram que foi o Município Réu que negociou e contratou com as AA. as diversas prestações de serviços e que é este R., Município o responsável último pelo pagamento das quantias devidas pela PFR Invest. Para as AA., o Município de PF, ao criar uma sociedade anónima de que é detentor de 100% do capital social da sociedade, criou, em simultâneo e automaticamente, com a sociedade PFR Invest, SGU, EM, S.A. um grupo de domínio total, nos termos e para os efeitos dos artigos 488º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais – v. artº 22º da p.i. – e que isto significa que o Município de PF, como único titular de 100% do capital social da sociedade PFR Invest, SGU, E.M., S.A. é responsável pela totalidade da dívida da PFR - Investe para com as Autoras – artº 26º da p.i. Será assim? Julgamos que não. Na verdade, tal como a ação foi proposta, constata-se que a responsabilidade do Réu, Município de PF, vem fundada em contratos celebrados entre as AA e a PFR Invest, SGU, E.M., S.A., não se apontando nenhum facto concreto sobre alguma participação ou colaboração do Município autonomamente considerado na celebração desses contratos que não se resuma à sua iniciativa na criação da PFR Invest e no facto de ser detentor de 100% do seu capital. Só que, a mera afirmação de tal circunstância, desprovida da imputação ao Município Réu da prática de atos geradores da invocada responsabilidade contratual, não é de forma a demonstrar o seu interesse em contradizer, tanto mais que a referida sociedade PFR- Invest, com quem as AA. celebraram os contratos em crise é, efetivamente, uma empresa integrada no sector empresarial local (cfr. artigos 2º, 3º e 4º da Lei n.º 53-F/2006.) mas não se confunde com o Município que a constituiu, pese embora possa este último exercer, de forma direta ou indireta, uma influência dominante.
Como empresa municipal, ela é regida pela Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro, pelos seus estatutos e, subsidiariamente, pelo regime do sector empresarial do Estado e pelas normas aplicáveis às sociedades comerciais. É o que resulta do disposto no artigo 6.º da Lei n.º 53-F/2006. Significa isto que as relações que as empresas municipais estabelecem com entidades terceiras – p. ex. fornecedores/prestadores de serviços - se disciplinam pelas normas próprias e que apesar de participadas e sob influência dominante dos municípios, as empresas municipais não se confundem com eles, constituindo-se como entidades juridicamente distintas. É o próprio regime jurídico que remete para o instituto do contrato, a regulamentação entre as duas entidades. Através de um contrato de gestão para as EM incumbidas da gestão de serviços de interesse geral e de um contrato-programa as que promovem o desenvolvimento local e regional (exigências determinadas pelos artigos 20.º e 23º). Ora, estando provado que, em 30/10/2007, foi constituída a empresa municipal PFR – Invest (cfr. Doc. 3 junto com a p.i.) que tem por objeto - implementar e administrar as Zonas de Acolhimento Empresarial do concelho de PF, desenvolver políticas de captação de investimento privado, construção, gestão, manutenção, exploração e concessão de equipamentos sociais, propor, acompanhar e executar as políticas urbanísticas definidas no Plano Diretor Municipal, promover a regeneração urbana e rural, desenvolver uma política de solos eficiente, justa e equitativa, desenvolver programas de gestão urbana avançada e de regulação do mercado imobiliário e executar processos perequativos de benefícios e encargos do Município de PF, promovendo o crescimento económico local e regional e o reforço da coesão económica e social local e regional‖ e com quem as AA. celebraram os contratos que aqui estão em causa e sendo esta uma pessoa jurídica distinta do Município, não há dúvidas que à data da instauração dos presentes autos era a ela que cabia observar o comportamento pretendido. Mais, atendendo exatamente aos termos da relação material controvertida, tal como configurada pelas AA., conclui-se que apesar de demonstrado que os contratos foram celebrados com a PFR – Invest, a efetiva responsabilidade contratual pelo pagamento do preço vem afinal imputada ao R. Município que não foi parte nessa relação contratual e, por conseguinte, não tem interesse direto em contradizer, o que determina que se imponha considerar o Município R. como parte ilegítima, com a consequente absolvição do Réu da instância (cf. art.º 278º., nº1, al. d), do CPC).”
Como se afirmou no primeiro acórdão deste tribunal relativamente à presente Ação, acompanha-se o entendimento adotado em 1ª instância no que concerne à ilegitimidade passiva do Município de PF na presente Ação, sendo que a única divergência assentou singelamente no facto de não ter sido dada oportunidade aos Autores de corrigirem a sua PI no que respeita à indicação da Entidade Demandada.
De facto, mal se compreende como tendo o Município de PF sido já, quer em 1ª instância, quer em 2ª Instância considerado como parte ilegítima na presente Ação, e tendo sido dada a oportunidade das Autores de corrigirem tal facto, tenham vindo apresentar “Petição Inicial corrigida” na qual insistiram em ter o Município como demandado, não obstante ter já sido considerado como parte ilegítima, pois que os contratos controvertidos haviam sido firmados entre a Autoras e uma Sociedade, que embora Municipal, detinha personalidade jurídica e capacidade judiciária própria.
Com efeito, o tribunal de 1.ª Instância, considerou que “a legitimidade afere-se, em regra, comparando os sujeitos da relação jurídica subjacente, tal como a configura o autor, com os sujeitos da relação processual” e que, por conseguinte, não se trata “de um atributo aferido em abstrato, como a personalidade jurídica ou a capacidade judiciária, mas antes por referência ao objeto concreto do processo, o qual não depende, portanto, da decisão final”.
Referiu ainda o Tribunal a quo que “a legitimidade passiva cabe a quem tem o dever de observar o comportamento pretendido, no caso, o de cumprir os contratos celebrados, pagando o que alegadamente não foi pontualmente cumprido”, concluindo que os contratos geradores das alegadas obrigações em causa nos presentes autos foram celebrados entre as Recorrentes e a PFR Invest, SGU, E. M., S. A., “não se apontando nenhum facto concreto sobre alguma participação ou colaboração do Município autonomamente considerado na celebração desses contratos que não se resuma à sua iniciativa na criação da PFR Invest e no facto de ser detentor de 100% do seu capital social”.
Foi pois sem surpresa que o tribunal de 1ª instância declarou e reiterou a ilegitimidade passiva do Município de PF na presente Ação, o que foi, nesse aspeto, acompanhado por esta instância no seguimento do originário Recurso Jurisdicional.
Na realidade, no Acórdão proferido nesta instância no primeiro recurso se afirmara já que “se acompanha o entendimento adotado em 1.ª instância no que concerne à ilegitimidade passiva do Município de PF na presente Ação”, ainda que então se tenha entendido que deveria ser dada oportunidade das Autoras de corrigirem a indicação da entidade Demandada, prerrogativa que surpreendentemente não foi aproveitada.
Com efeito, as Autoras insistiram em indicar exclusivamente o Município de PF como entidade Demandada, o que, sem surpresa, determinou que o tribunal de 1ª Instância tenha afirmado que “outra solução não pode ser dada que não seja aquela que já foi adotada no despacho saneador sentença e com os mesmos fundamentos aí aduzidos”, o que se consubstanciou na procedência da exceção de ilegitimidade passiva do Município de PF.
Alegaram agora as Recorrentes, em síntese, que “toda a ação e pedidos formulados (...) se fundamentam e assentam na relação direta de domínio total da sociedade PFR Invest SGU, E. M., S. A., pelo Município de PF, bem como na mora e, até, face à sua insolvência pela impossibilidade de pagamento da dívida por parte desta PFR – Invest”, concluindo que “a imputação da responsabilidade pelo pagamento imputada ao Réu Município pelas dívidas da PFR Invest, nada mais é do que a aplicação das normas jurídicas que constam do Código das Sociedades Comerciais”, peticionando, a final, a revogação da decisão proferida e, em consequência, que o Recorrido seja considerado parte legítima no processo.
O que aqui é incontornável é que o Município enquanto tal, não celebrou com as Autoras, aqui Recorrentes qualquer dos contratos controvertidos, os quais foram celebrados com a PFR Invest – SGU, E.M., SA, sendo esta uma sociedade comercial constituída ao abrigo de um regime legal próprio.
Com efeito, com a publicação da Lei nº 58/98 de 18 de Agosto, foi prevista a criação das Empresas Municipais, cujo regime veio a ser revogado e aperfeiçoado pela Lei nº 53-F/2006 de 29/12, regime que foi sofrendo várias alterações, a mais recente das quais em resultado da publicação da Lei nº 50/2012 de 31 de Agosto, sempre tendo havido a intenção de lhes assegurar personalidade jurídica e capacidade judiciária.
Aqui chegados, é patente que a pretensão as Autoras em responsabilizar o município por eventuais dividas ou incumprimentos por parte de Empresa Municipal, desvirtuaria e subverteria o respetivo regime jurídico.
Não tendo o Município, enquanto tal, beneficiado dos serviços contratualizados com a referida Empresa Municipal, é patente que nenhuma responsabilidade lhe poderá ser assacada por eventual incumprimento contratual por parte da empresa, mormente a título de enriquecimento sem causa.
Alude-se ainda e finalmente a acórdão do Tribunal da Relação do Porto (Procº nº 411/14.4TBPFR.P1 de 9 de julho de 2014), trazido pelas próprias recorrentes na sua PI, no qual sintomaticamente se afirma, transcrevendo o Artº 21º da Lei nº 50/2012 que “As empresas locais regem-se pela presente lei, pela lei comercial, pelos estatutos e, subsidiariamente, pelo regime do setor empresarial do Estado, sem prejuízo das normas imperativas neste previstas”.
Mais se afirma no identificado Acórdão do TRP que “(…) como resulta das normas supra expostas e dos respetivos diplomas legais que se sucederam no tempo e regulam a criação das empresas locais e estabelecem o regime jurídico da atividade das mesmas, o legislador alterou a sua opção e enveredou pela aplicação às mesmas do regime jurídico comercial comum, o que bem se entende uma vez que as mesmas são pessoas coletivas de direito privado”.
Com reflexo na situação aqui em apreciação, mais se afirma no referido acórdão do TRP que “a recorrente, com vista a adaptar a sua realidade jurídica ao novo regime legal, procedeu à alteração dos seus estatutos e passou a sociedade anónima, tendo a sua denominação social sido alterada para «PFR Invest, SGU, EM, SA», dando um claro cariz de natureza comercial à sua atividade, em consonância com a lei”
Em face de tudo quanto supra se expendeu, é manifesto que não pode o Município ser responsabilizado por quaisquer incumprimentos contratuais da identificada Sociedade, o que determina que a decisão recorrida não mereça censura
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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, confirmando-se a Sentença recorrida.
Custas pelas Recorrentes
Porto, 12 de julho de 2019
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Nuno Coutinho
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa