Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00154/10.8BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/13/2018
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:OPOSIÇÃO, CUMULAÇÃO ILEGAL DE OPOSIÇÕES, EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA, PLURALIDADE DE EXECUÇÕES FISCAIS NÃO APENSAS
Sumário:A dedução de uma única oposição a diversas execuções fiscais que não estão apensas constitui excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito daquela e dá lugar à absolvição da instância se verificada em fase de sentença. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MOSR
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
MOSR, melhor identificado nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, em 08/02/2018, que julgou procedente a excepção dilatória inominada de cumulação ilegal de oposições e, em consequência, decidiu absolver a Fazenda Pública da Oposição deduzida contra os processos de execução fiscal n.º 0094200401024388, 0094200501005456, 0094200501043056, 0094200501053272, 0094200601029290, 0094200601039105, 0094200601041207, 0094200601052969 e 0094200601069438, movidos primitivamente contra a sociedade “EAECC, Unipessoal, Lda.”.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1 - O recorrente foi notificado da douta sentença no processo supra mencionado na qual julgou procedente a exceção dilatória inominada de cumulação ilegal de oposições e, em consequência, decidiu absolver a Fazenda Publica da instância.
2 - Ora, nos presentes autos, o recorrente foi notificado para uma eventual cumulação ilegal de execuções a qual se traduz em exceção dilatória.
3 - Neste seguimento, o recorrente apresentou oposição à execução em sede oposição judicial, cumulando para o efeito as várias execuções, tendo em conta o facto de que se não o fizesse, obrigaria desde logo a pagar várias taxas de justiça devido ao facto de ter que apresentar várias oposições.
4 - Assim sendo, o recorrente apresentou a respetiva oposição à execução, tendo em conta que foi o único meio que dispôs para sindicar sobre os vários processos de execução fiscais dos quais estava a ser alvo.
5 - Ora, no caso em apreço, não existem quaisquer circunstâncias ou fundamentos que impeçam a apensação dos processos, ao contrário do que alegou o tribunal a quo.
6 - Permitir-se que o órgão de execução fiscal omita por completo a pronúncia sobre a questão da apensação de execuções fiscais, depois de suscitada pelo interessado direto na mesma, constituiria uma violação grosseira dos princípios da legalidade e da igualdade que enformam todo o direito fiscal, quer substantivo, quer processual, uma vez que a sua intervenção está sempre condicionada por tais princípios, o que afasta, desde logo, qualquer tipo de discricionariedade de atuação, que poderia, em última instância, ser o fundamento para a omissão de tal pronúncia. Tratando-se, como se trata, o processo de execução fiscal de um processo judicial, cfr. artigos 103° da LGT, 151° e 276° do CPPT, as questões aí colocadas, direta ou indiretamente, devem ser decididas pelo juiz ou pelo órgão de execução fiscal, com possibilidade de o juiz sindicar tal apreciação, não se formando, em qualquer circunstância, um deferimento ou indeferimento tácito a exemplo do que se passa no procedimento administrativo/tributário; ou seja, no âmbito do processo judicial o silêncio do titular do processo, por si ou por intermédio do coadjuvante, não tem valor de ato, não tem valor jurídico, antes constituindo uma falta ou omissão que deve ser suprida logo que seja detetada.
7 - Todavia, o tribunal a quo nem sequer se pronunciou sobre a ausência de pronúncia por parte da fazenda pública relativamente à não apensação dos processos de execução fiscal n° 0094200401024388 e 0094200501005456.
8 - O tribunal a quo sabe (ou devia saber) que o argumento da cumulação ilegal de execuções colide com o direito do cidadão ao acesso à justiça plasmado no artigo 20° da CRP.
9 - Nos presentes autos o recorrente apresentou a 10-01-2014 oposição à execução (conteúdo o qual se reitera novamente), na qual que não teve conhecimento da citação edital por se encontrar no estrangeiro, facto o qual foi impeditivo para o exercício da sua defesa em sede administrativa.
10 - Não obstante o facto de não ter exercido a sua defesa em sede administrativa, o recorrente foi citado para um processo de execução fiscal relativamente a dívidas dos anos de 2005, 2006, ou seja, só decorridos quatro anos depois do facto tributário.
11 - Todavia, e até à presente data, já decorreram 8 anos sobre o inicio de todo este processo, sendo que na via jurisdicional já decorreram mais de 7 anos sem que tenha havido qualquer decisão.
12 - Ora, decorrido este tempo todo, e salvo douto entendimento diferente, o direito de exigir a quantia exequenda prescreveu, isto é, caducou.
13 - Todavia, e não obstante a referência aos tributos que deram origem aos processos de execução fiscal supra mencionados, o tribunal a quo nem sequer se pronunciou sobre a questão da caducidade, a qual é, inclusive, de conhecimento oficioso,
14 - Prejudicando assim, uma vez mais, os direitos e legítimos interesses do recorrente.
15 - No caso sub judice, o tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão da caducidade, questão a qual devia conhecer e apreciar.
16 - Aliás, a caducidade do direito de liquidação colocaria, desde logo, todos os processos de execução fiscal em causa, determinando assim a sua extinção.
17 - Não obstante, o tribunal a quo decidiu não pronunciar-se sobre a questão suscitada pelo recorrente, incorrendo assim em omissão de pronúncia
18 - Embora a questão principal discutida nos autos fosse a cumulação ilegal de execuções, a questão da caducidade estava inteiramente ligada, até porque colocava em causa o próprio conhecimento do mérito da causa.
19 - Não o tendo feito, a sentença assim incorre numa nulidade nos termos do artigo 615° n°1 alínea d) do CPC, a qual desde já se argui para os devidos efeitos legais.
20 - In casu, estamos perante uma falta absoluta de motivação de facto e de direito.
21 - Para além da omissão de pronúncia de questões a que o tribunal a quo estava vinculado a conhecer, a sentença padece de uma falta de motivação de facto e de direito inequívoca.
22 - Ora, e salvo o devido respeito pelo douto tribunal a quo, a douta sentença limita-se a citar um acórdão para fundamentar a sua posição.
23 - Olvidou-se, todavia, de explicar o porquê de estamos perante uma cumulação ilegal de execuções.
24 - Aliás, a douta decisão padece de insuficiência de matéria de facto que constam dos autos para julgar proceder a exceção dilatória.
25 - Não obstante, o tribunal a quo decidiu conhecer da questão e absolver a fazenda pública, sem qualquer fundamentação de facto e de direito que permita sindicar o porquê de estarmos perante uma cumulação ilegal de execuções.
26 - Pelo contrário, o tribunal a quo limita-se a argumentar que, se estamos perante vários processos de execução fiscal, o recorrente estava obrigado a apresentar mais do que uma contestação,
27 - Violando assim de forma grosseira e inequívoca o direito do cidadão à justiça plasmado no artigo 20° da CRP.
28 - Assim, a sentença padece de nulidade nos termos do artigo 615° n°1 alínea b) do CPC, a qual desde já se argui para os devidos efeitos legais.
29 - Deverá o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente revogação da douta sentença por nulidade, declarando improcedente a exceção dilatória de cumulação ilegal de execuções e a caducidade do direito de liquidação, dando assim por extintos todos os processos de execução fiscal ali elencados contra o recorrente.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO DEVERÃO V. EXCIAS DECLARAR O PRESENTE RECURSO POR PROCEDENTE, POR PROVADO, E EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE 1ª INSTÂNCIA POR EXISTÊNCIA DE NULIDADES, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE JULGUE PROCEDENTE A CUMULAÇÃO DE EXECUÇÕES E A EXISTÊNCIA DA CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA, DETERMINANDO ASSIM A EXTINÇÃO DOS PROCESSOS DE EXECUÇÃO FISCAL.
SÓ ASSIM SE FARÁ INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!”
*
Não houve contra-alegações.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade, por omissão de pronúncia e por falta absoluta de fundamentação de facto e de direito, e se incorreu em erro de julgamento ao decidir absolver a Recorrida da instância com fundamento em cumulação ilegal de oposições.
*
III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Do acervo fáctico carreado para os autos, com relevância para a boa decisão da excepção invocada, consideram-se provados os seguintes factos:
1) Contra a sociedade “EAECC, LDA.”, foram instauradas as seguintes execuções fiscais:
PEF N.º
NATUREZA DA DÍVIDA
PERÍODO A QUE RESPEITA
MONTANTE
0094200401024388IRC e juros de mora2002
€ 14.138,67
0094200501005456IRC e juros de mora2003
€ 2.302,50
0094200501043056IRC e juros de mora2004
€ 1.449,14
0094200501053272IVA2004/4.º Trimestre
€ 6.000,22
0094200601029290IRC e juros compensatórios2002
€ 3.788,74
0094200601039105IVA2006/1.º Trimestre
€ 146,19
0094200601041207IVA2003/2.º Trimestre
€ 1.054,01
Juros compensatórios de IVA2003/2.º Trimestre
€ 106,27
IVA2003/3.º Trimestre
€ 402,44
Juros compensatórios de IVA2003/3.º Trimestre
€ 36,56
0094200601052969IVA2006/2.º Trimestre
€ 1.253,92
0094200601069438IRC e juros de mora2005
€ 937,51

Cfr. fls. 20, 40, 52 a 61 dos autos;
2) Os processos executivos n.º 0094200501043056, 0094200501053272, 0094200601029290, 0094200601039105, 0094200601041207, 0094200601052969 e 0094200601069438 encontram-se apensos entre si, tendo sido eleito como principal a execução fiscal n.º 0094200501043056 – cfr. fls. 221 dos autos;
3) Os PEF n.º 0094200401024388 e 0094200501005456 não se encontram apensos – cfr. fls. 221 dos autos;
4) O ora oponente apresentou no SF da Feira-1 a presente oposição dirigindo-a contra as execuções fiscais n.º 0094200401024388, 0094200501005456, 0094200501043056, 0094200501053272, 0094200601029290, 0094200601039105, 0094200601041207, 0094200601052969 e 0094200601069438 – cfr. resulta de fls. 5 dos autos.”
*
2. O Direito
Se bem entendemos as alegações formuladas no presente recurso, o Recorrente não coloca em causa o que vem sendo afirmado, de forma reiterada e uniforme, pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores sobre cumulação ilegal de oposições, ou seja, acerca da dedução de uma única oposição contra várias execuções fiscais não apensas entre si, de que é exemplo o Acórdão do STA, de 09/09/2009, proferido no âmbito do processo n.º 0521/09, citado na sentença recorrida.
Na verdade, compulsadas as conclusões das alegações de recurso, o Recorrente refere que a sentença recorrida é nula, uma vez que não se pronunciou sobre a questão da caducidade do direito à liquidação, e também que padece de falta absoluta de motivação de facto e de direito, limitando-se a citar um acórdão para fundamentar o seu julgamento.
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia ou a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no penúltimo segmento da norma.
A nulidade por omissão/excesso de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 660.º, n.º 2 do CPC, actual artigo 608.º, n.º 2, que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14).
Efectivamente, os fundamentos da oposição devem ser expostos na respectiva peça processual, sendo que, in casu, da petição de oposição resulta invocado que o oponente não foi citado do despacho de reversão, que não foi possível pronunciar-se acerca do mesmo, que não teve oportunidade de impugnar as liquidações em causa e que a dívida exequenda é inexigível por falta de notificação da liquidação, nos termos do artigo 204.º, n.º 1, alínea e) do CPPT. Ora, foi com estes fundamentos que solicitou a extinção da execução.
Já após a contestação, o Meritíssimo Juiz “a quo”, constatando que dois dos processos de execução fiscal em causa não tinham sido apensados, conforme resulta da decisão da matéria de facto, suscitou oficiosamente a excepção dilatória de cumulação ilegal de oposições, alertando que, na fase processual em que se encontrava o processo, conduziria à absolvição da Fazenda Pública da instância, tendo dado cumprimento ao princípio do contraditório.
É no âmbito desta pronúncia sobre a excepção dilatória que o aqui Recorrente introduz, como questão prévia, a questão da caducidade do direito de liquidação das dívidas respeitantes aos anos de 2004 e 2005, provenientes de IVA e IRC – cfr. peça processual de fls. 227 a 232 do processo físico.
Ao contrário do alegado pelo Recorrente, não decorre da lei, designadamente, do CPPT, que a questão da caducidade do direito de liquidação seja de conhecimento oficioso (cfr. conclusão 13), tendo sido invocado, como fundamento na petição de oposição, a falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade [artigo 204.º, n.º 1, alínea e)].
Contudo, não residem dúvidas que o conhecimento das questões relativas aos pressupostos processuais precede o conhecimento do mérito da causa, ou seja, o conhecimento de excepção dilatória antecede o julgamento dos fundamentos da oposição, tendo a sua verificação como consequência, conforme, aliás, expressamente consta da sentença recorrida, obstar ao conhecimento do mérito da acção e conduzindo à absolvição da Fazenda Pública da instância.
Reiteramos que a apontada nulidade por omissão de pronúncia só ocorre nos casos em que o Tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” - Vide Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363. Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os acórdãos do STA de 13/07/11 e de 20/09/11, proferidos nos recursos n.º 0574/11 e n.º 0268/11, respectivamente.
A este propósito, importa recordar Alberto dos Reis, segundo o qual “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção” - Vide Alberto dos Reis, CPC, anotado, Volume V, pág. 143.
Ora, manifestamente, não se verifica a invocada nulidade, dado que na sentença recorrida se invoca expressamente a razão para não avançar para a apreciação do mérito da oposição. Resulta já do que ficou dito que o julgador não errou, por outro lado, no seu julgamento ao mencionar que a verificação da excepção dilatória inominada obstava ao conhecimento do mérito da oposição, isto é, o conhecimento dos fundamentos de oposição ficava prejudicado pela solução dada à questão da excepção dilatória.
Assim sendo, há que concluir que a sentença não incorreu em omissão de pronúncia, não se verificando, pois, a nulidade a que se referem os artigos 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC e 125.º, n.º 1, do CPPT.
O Recorrente, como referimos, assaca, ainda, à sentença recorrida absoluta falta de motivação de facto e de direito.
Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A jurisprudência tem-se mostrado reiterada no sentido de a nulidade ínsita na alínea b) apenas se verificar quando haja absoluta falta de fundamentos e não quando a justificação seja apenas deficiente, medíocre ou errada, visto o tribunal não se encontrar adstrito à obrigação de apreciação de todos os argumentos das partes. Por outro lado, apenas abrange a falta de motivação da própria decisão e não a falta de justificação dos respectivos fundamentos – cfr. Acórdão do S.T.A., de 16-11-2011, Proc. n.º 0802/10; sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140, “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artigo 154.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Porém, como refere Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
No processo judicial tributário, o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário.
Compulsando o teor da decisão em crise, manifestamente, não é o caso.
Com efeito, perscrutando o discurso argumentativo da sentença em crise é referido decorrer da factualidade apurada que correm autonomamente os processos de execução fiscal devidamente identificados na decisão da matéria de facto, concluindo-se que se está perante uma oposição à execução fiscal movida contra três execuções fiscais não apensas entre si. Depois, citando o Acórdão do STA, de 09/09/2009, proferido no recurso n.º 0521/09, é referido que, sendo a oposição à execução fiscal uma contestação à execução fiscal, a oposição a dois processos de execução fiscal distintos não pode ser concretizada através de uma única oposição. Concluindo-se, então, pela verificação da suscitada cumulação ilegal de oposições por o Oponente ter deduzido uma só oposição a três distintas e autónomas execuções fiscais.
Em jeito de conclusão, tem sido uniformemente entendido no Supremo Tribunal Administrativo (STA), com apoio no texto da disposição invocada, só se verificar nulidade quando ocorra falta absoluta de fundamentação.
Ora, o próprio Recorrente reconhece, nas suas alegações de recurso, existir, afinal, uma deficiente fundamentação, pois refere-se a uma remissão para um aresto do STA (cfr. conclusão 22) e, por outro lado, também aponta para uma insuficiente fixação da matéria de facto (cfr. conclusão 24).
Contudo, não obstante não se verificar a arguida nulidade da sentença, caberá verificar da suficiência da decisão da matéria de facto para o conhecimento da questão colocada nos autos.
Efectivamente, a matéria de facto seleccionada para decisão da suscitada excepção dilatória apresenta-se suficiente, na medida em que, conforme resulta da prova documental e dos elementos ínsitos nos autos, os processos executivos n.º 0094200501043056, 0094200501053272, 0094200601029290, 0094200601039105, 0094200601041207, 0094200601052969 e 0094200601069438 se encontram apensos entre si, tendo sido eleito como principal a execução fiscal n.º 0094200501043056; Mas os PEF n.º 0094200401024388 e 0094200501005456 não se encontram apensos, tendo o ora Recorrente apresentado no SF da Feira-1 a única presente oposição, dirigindo-a contra as execuções fiscais n.º 0094200401024388, 0094200501005456, 0094200501043056, 0094200501053272, 0094200601029290, 0094200601039105, 0094200601041207, 0094200601052969 e 0094200601069438.
O Recorrente não impugna os factos apurados, somente pugna pela sua insuficiência. No entanto, não vislumbramos a motivação para tal conclusão, em face da jurisprudência reiterada sobre a questão oficiosamente suscitada.
Sobre esta matéria de inadmissibilidade de uma única oposição a várias execuções fiscais, no pressuposto de que estas não se encontram apensas, existe, efectivamente, já posição consolidada e reiterada da nossa jurisprudência, nomeadamente do Supremo Tribunal Administrativo, e que tal constitui uma excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito – cfr., neste sentido, entre outros, acórdãos proferidos em 05/12/2007, Processo n.º 0795/07; em 09/09/2009, Processo n.º 0521/09; em 14/09/2011, Processo n.º 0242/11; em 25/01/2012, Processo n.º 0802/11; em 21/3/2012, Processo n.º 0867/11, em 28/11/2012, Processo n.º 0840/12; em 16/1/2013, Processo n.º 0292/12 e em 12/02/2015, Processo n.º 01193/11.
Assim, para que não restem dúvidas acerca do acerto da decisão recorrida, limitamo-nos a transcrever o que, a este propósito, se escreveu no Acórdão de 25/01/2012, Processo n.º 0802/11: “Como tem vindo a afirmar a doutrina, «[c]onquanto a oposição apresente a fisionomia de uma acção, instaurada pela apresentação duma petição inicial, a verdade é que ela funciona como contestação. O seu fim é impugnar a própria execução fiscal; daí o nome de oposição» (ALFREDO JOSÉ DE SOUSA e JOSÉ DA SILVA PAIXÃO, Código de Processo Tributário Comentado e Anotado, Almedina, 4.ª edição, anotação 2 ao art. 285.º, pág. 603.) e «a oposição à execução fiscal, embora com tramitação processual autónoma relativamente à execução fiscal, funciona na dependência deste como uma contestação à pretensão do exequente» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 2 ao art. 203.º, pág. 428, com indicação de jurisprudência.).
Assim, afigura-se-nos insustentável a dedução de uma única oposição contra execuções fiscais que não estejam apensadas. Por certo, ninguém sustentará que possam contestar-se diversas acções que corram separadamente contra o mesmo réu mediante uma única contestação, ainda que instauradas pelo mesmo autor e com idêntica fundamentação.
A dedução de uma única oposição a diversas execuções fiscais que não estão apensadas constitui uma razão obstativa do conhecimento do mérito e, por isso, uma excepção dilatória (A excepção dilatória, segundo MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 129, consiste na «arguição de quaisquer irregularidades ou vícios de natureza processual que faz obstáculo - se não for sanada, quando a lei o consinta - à apreciação do mérito da causa (bem ou mal fundado na pretensão do autor; procedência ou improcedência da acção) no processo de que se trata ou pelo tribunal onde ela foi proposta».), nos termos do art. 493.º, n.ºs 1 e 2, do CPC; excepção dilatória inominada, porque não consta do elenco meramente exemplificativo do art. 494.º do mesmo Código. Essa excepção, porque evidente, se detectada na fase liminar, determina o indeferimento liminar da oposição, nos termos do art. 234.º-A, n.º 1, sem prejuízo do recurso à faculdade concedida pelo art. 476.º, ambos do CPC.
Se não detectada liminarmente, a excepção dilatória deve ser conhecida na sentença, dando origem à absolvição da instância, nos termos do disposto nos arts. 288.º, n.º 1, alínea e), 493.º, n.ºs 1 e 2, 495.º e 660.º, n.º 1, do CPC, sempre sem prejuízo da faculdade concedida pelo art. 289.º, n.º 2, do mesmo Código (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 12 ao art. 206.º, págs. 543 a 545, que considera juridicamente adequadas estas soluções.).
É certo que nem sempre a verificação de uma excepção dilatória deverá conduzir à decisão de absolvição da instância, atento o disposto no art. 288º, n.º 3, do CPC, preceito introduzido pela reforma de 1995/1996 (Decretos-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, e n.º 180/96, de 25 de Setembro.) e que dispõe: «As excepções dilatórias só subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 265.º; ainda que subsistam, não terá lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deve ser integralmente favorável a essa parte”.
Trata-se de «um regime francamente inovador», que surge por razões de «economia processual decorrentes da necessária prevalência das decisões de fundo sobre as de mera forma – ultrapassando os obstáculos a uma verdadeira composição do litígio, fundados numa visão puramente lógico-conceptualista do processo» (Cf. o Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro.). Significa isto que, por força do citado art. 288.º, n.º 3, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo judicial tributário (cf. art. 2.º, alínea e), do CPPT), a verificação de uma excepção dilatória não suprida não conduz inexoravelmente à absolvição da instância: se o pressuposto processual em causa se destinar à tutela do interesse de uma das partes, desde que se não verifique qualquer outra circunstância impeditiva do conhecimento do mérito e se a decisão a proferir dever ser inteiramente favorável à parte em cujo interesse o pressuposto foi estabelecido, o juiz poderá, no momento da apreciação da excepção, conhecer do mérito da causa. Visa-se, assim, assegurar a prevalência dos critérios de justiça material sobre os critérios de justiça formal, tendo sempre presentes também razões de economia processual. Impõe-se, pois, indagar dos interesses que a referida excepção dilatória inominada visa tutelar.
A generalidade dos pressupostos processuais visa acautelar os interesses das partes, ou seja, assegurar que a parte possa defender convenientemente os seus interesses em juízo (quando autor) e não seja indevidamente incomodada com a propositura de acções inúteis ou destituídas de objecto (quando réu). É para estas situações que o art. 288.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPC, estipula que, ainda que a excepção dilatória subsista, não deverá ser proferida a absolvição da instância quando, destinando-se o pressuposto em falta a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da sua apreciação, a que se conheça do mérito da causa e a decisão possa ser integralmente favorável a essa parte. Mas os pressupostos processuais podem ter como escopo acautelar, não o interesse das partes, mas o interesse público da boa administração da justiça, e, neste caso, já não pode funcionar o princípio da sanação contido no n.º 3 do art. 288.º do CPC.
No caso sub judice, a exigência de que seja deduzida uma oposição relativamente a cada execução fiscal que não esteja apensada, não visa tutelar o interesse das partes, designadamente o do oponente; visa, isso sim, assegurar o interesse público da boa administração da justiça, sabido que se pode tornar inviável para o tribunal apreciar uma contestação a diversas execuções que não estão apensadas e que até podem estar em fase processuais completamente distintas, eventualmente, até em serviços de finanças diferentes, bem como lhe será impossível, a final, dar cumprimento ao disposto no art. 213.º do CPPT, que prescreve que a oposição, quando terminada, deverá ser apensada ao processo de execução fiscal.».
A oposição consubstancia uma verdadeira contestação/reapreciação das decisões dos órgãos de execução fiscal. E impunha-se apresentação de tantas oposições quantas os processos executivos em que foi citado, dado tratarem de processos executivos distintos a correr os seus termos autonomamente.
Por isso, a oposição a três processos de execução fiscal distintos não pode ser concretizada através de uma única oposição, mesmo considerando a circunstância da fundamentação de facto e de direito poder ser idêntica relativamente a todas as oposições.
Nem se argumente que o tribunal a quo podia determinar oficiosamente a sua apensação, uma vez que só é legalmente permitida a apensação de processos de execução nos termos do artigo 179.º do CPPT (desde que corram contra o mesmo executado e se encontrem na mesma fase), sendo essa decisão de apensação da competência do órgão da execução fiscal (cfr. artigos 151.º e 179.º do CPPT), avaliando a conveniência e oportunidade da mesma e devendo fazê-lo se as execuções se encontrarem na mesma fase (nºs. 1 e 2 do artigo 179.° do CPPT).
Não cabe no âmbito da presente forma processual sindicar o motivo por que o órgão de execução fiscal não apensou todas as execuções fiscais em apreço; restando-nos a constatação de que não se encontram todas apensas entre si.
Conclui-se, pois, na linha da jurisprudência estabilizada do STA que a dedução de uma única oposição a diversas execuções fiscais que não estão apensas constitui excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito da oposição.
Resta acrescentar que, de todo o modo, o direito de defesa do oponente não ficará comprometido, pois sempre poderá valer-se da faculdade atribuída no n.º 2 do artigo 279.º do CPC, tal como mencionado na sentença recorrida (cfr. Jorge Lopes de Sousa, “Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado”, 6ª ed., Vol. III, anotação 12 ao artigo 206.º, pp. 543 a 545, considerando juridicamente adequadas estas soluções) e apesar de ter optado pela interposição do presente recurso, em vez de apresentar novas oposições, nem mesmo assim perdeu ainda a oportunidade de usar daquela faculdade, pois o prazo se conta a partir da notificação deste acórdão, considerando-se a oposição deduzida na data em que a primeira petição foi apresentada ao órgão de execução fiscal (neste sentido, vide o Acórdão do STA, de 24/05/2016, tirado no processo n.º 0810/15).
Deste modo, nenhuma censura merece a decisão recorrida ao absolver a Fazenda Pública da instância, em virtude da excepção dilatória inominada da ilegal dedução de uma única oposição contra várias execuções fiscais não apensas, improcedendo, consequentemente, todas as conclusões de recurso.

Conclusão/Sumário
A dedução de uma única oposição a diversas execuções fiscais que não estão apensas constitui excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito daquela e dá lugar à absolvição da instância se verificada em fase de sentença.
***
IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo do Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 13 de Setembro de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro