Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00016/23.9BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/05/2023
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ACTO; FACTO CONSUMADO;
APARÊNCIA DO BOM DIREITO;
N.º 1 DO ARTIGO 120.º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
Sumário:1. Perder uma época de exames não é um facto reversível. Perdida essa época de exames não mais é possível reconstituir a situação de facto que existiria se não fosse este acto. O que constitui uma situação de facto consumado para efeitos do disposto na primeira parte do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

2. Tendo em conta a ampla discricionariedade de que goza a Administração na escolha e medida da sanção disciplinar, não se pode considerar que seja manifestamente errada, desajustada ou desproporcional a pena de suspensão por 90 dias que foi aplicada a um aluno apanhado a copiar pelos colegas, sendo reincidente nessa situação, pelo que sendo este o único vício imputado ao acto suspendendo, não se verifica o requisito fumus boni iuris, mencionado na segunda parte do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 01.02.2023, pela qual foi indeferido o pedido cautelar deduzido contra a Universidade ... para a suspensão da eficácia do acto de indeferimento da reclamação apresentada no âmbito de processo disciplinar instaurado contra o Requerente, datado de 06.12.2022, pelo qual lhe foi aplicada a sanção de 90 dias de suspensão

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida é nula por falta de fundamentos de facto, cuja prova documental e testemunhal foi indeferida, quanto ao requisito periculum in mora, e nula por contradição nos seus termos; para além de ter errado ao concluir que não se verifica este requisito e, com esse fundamento, ter indeferido a providência, ao invés de a deferir, como devia, dado verificarem-se, no seu entender, todos os requisitos enunciados na lei; conclui que a sentença violou o artigo 120°, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e os artigos 596°, n° 1, 607, n° 4 615°, n° 1, b) c), e 662º, n.º2, alínea d) , do Código de Processo Civil, ex vi dos artigos 1° e 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

A Recorrida contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido, também, da manutenção da decisão recorrida.


*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. O requisito do periculum in mora encontra-se preenchido sempre que existe um fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, a mesma já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.

2. Estando demonstrado que a não intimação da Requerida para provisoriamente se abster de tomar qualquer decisão Disciplinar e/ou praticar qualquer acto de proibição do Requerente de frequentar aulas ou prestar provas durante 90 dias, é susceptível de provocar prejuízos de difícil reparação para o Requerente, nomeadamente por inviabilizar a prestação académica em relação à conclusão do Mestrado, impõe-se dar como provada a existência de prejuízos de difícil reparação e considerar verificado o requisito de periculum in mora previsto no n° 1 do art° 120° do CPTA.

3. Ainda que se preencha a previsão do n° 1 do art° 120° do CPTA, as providências ainda podem ser recusadas, de acordo com o n° 2 do art° 120° do CPTA, “quando, devidamente ponderados os interesses, públicos e privados, em presença, os danos que resultaria da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências”.

4. A concessão da providência não depende, pois, exclusivamente da formulação de um juízo de valor absoluto sobre a situação do Requerente, como sucederia se apenas se atendesse aos critérios do periculum in mora e do fumus boni iuris (ou fumus non malus iuris), mas também depende da verificação de um requisito negativo: a atribuição da providência não pode causar danos desproporcionados, com o que se dá expressão, neste contexto, ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou da proibição do excesso.

5. No caso presente, contraposto aos interesses do Recorrente, invocou a Requerida que a admissão da providência cautelar é apta a gerar danos que se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, nomeadamente lesando o interesse público (comunidade académica) e individual (Requerente).

6. Ora, estando em causa perspectivas e interesses diferentes - do Requerente interesses académicos concretos e da Requerida interesses conceptuais genéricos - não se vê, salvo melhor opinião, que os interesses da Requerida devam prevalecer sobre os interesses do Requerente, tanto mais que, com o decretamento da providência requerida se mantém o status quo existente há vários anos (desde que aquele entrou na FDU...), pelo menos até à emissão duma pronúncia definitiva na Acção principal.

7. Normas jurídicas violadas: art° 120° do CPTA n° 1, n° 2; art° 596°, n° 1 CPC; art° 607, n° 4 do CPC; art° 615°, n° 1, b) c) do CPC ex vi do art° 1° do CPTA; art° 662°, n° 2, d) do CPC ex vi do art° 140° do CPTA.

Nestes termos e nos mais de Direito cujo douto suprimento se invoca, deve ser concedido provimento ao Recurso Jurisdicional interposto pelo Requerente / Recorrente, declarando a nulidade da Sentença recorrida, e, em consequência, intimar a Requerida para se abster de tomar qualquer decisão ou praticar qualquer acto ou de, por qualquer via, impedir o Requerente de frequentar as aulas ou de concluir o Mestrado.

*
II –Matéria de facto.

Defende o Recorrente que o referido nos artigos 25° a 29° e 34º, destinavam a comprovar a existência do periculum in mora e ficaram provados através da prova documental produzida, nomeadamente o processo instrutor e sobretudo do documento n°... do requerimento inicial; subsidiariamente entende que devia ter sido produzida prova testemunhal sobre esta matéria, prova esta dispensada pelo Tribunal a quo:

Vejamos o que é invocado nestes artigos:

“(…)
25º.
O despacho em crise, se não for objeto de suspensão, causará ao ora Requerente prejuízos não apenas de difícil reparação, mas mesmo de natureza irreparável - cf. 1.ª parte do n.º 1 do art. º120.ºCPTA.

26º.
No caso em concreto a eventual suspensão das actividades escolares criará uma situação insustentável do ponto de vista pedagógico de difícil reparação. É facto notório que uma sanção destas poderá causar, facilmente, a impossibilidade de concluir o Mestrado, ou, pelo menos, uma situação de insuficiência curricular que resulte numa inutilidade da Sentença a proferir em sede da Acção principal.

27º.
De facto, não se trata de um perigo conjuntural de verificação eventual. A Requerida poderá de imediato iniciar o procedimento administrativo com vista à aplicação da sanção disciplinar e impedir o Requerente de frequentar o Mestrado, durante 90 dias (ou seja, não poderá ir às aulas, apresentar trabalhos, defender teses, etc).

28º.
Impõe-se, assim, um juízo POSITIVO e EFECTIVO sobre o risco da ocorrência de prejuízos de difícil reparação, fundado na apreciação das circunstâncias específicas do caso presente nos autos concreto e segundo a factualidade já trazida pelo Requerente no presente procedimento cautelar.

29º.
Conclui-se, desta forma, que só a suspensão imediata do Despacho sub judice pode evitar a verificação de danos acrescidos.

(…)

34º.
Conforme se referiu, o acto foi notificado em 21/12/2022 (ou seja, durante as férias de Natal). Daqui resulta que o Requerente está impedido de fazer o Mestrado durante 90 dias, a partir de 1 de Janeiro de 2023 (data de reabertura das aulas) – doc. nº .... Assim sendo o risco é iminente/actual!

(…)”

Ora de toda esta matéria não é possível retirar qualquer facto concreto par além do próprio teor do acto a suspender, a suspensão temporária de actividades escolares do Requerente, mais concretamente da primeira época de exames após a notificação do acto.

O resto são conclusões a retirar do conteúdo do próprio acto suspendendo. Nada susceptível de prova testemunhal ou sequer documental para além do teor do acto.

Improcede, pois, a arguição de preterição de produção de prova com reflexo no julgamento da matéria de facto indiciária relevante.

Deveremos assim dar como indiciariamente provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. Pelo despacho n.º ...22, de 08.04.2022, do Director da Faculdade de Direito da Universidade de ..., determinou-se a abertura de procedimento disciplinar contra o requerente, na sequência da anulação da sua prova de exame remoto em Direito Comercial I, nomeando-se instrutora e registando-se que o mesmo estudante, em consequência de anterior processo disciplinar, já sofrera uma vez a sanção de advertência, que não lhe poderia voltar a ser aplicada em caso de reincidência – cf. fls. 20 do processo administrativo junto aos autos (“PA”), cujo teor se dá por reproduzido.

2. No âmbito da instrução do processo referido no ponto precedente, a Senhora Instrutora ouviu o aluno visado, ora requerente, que nessa circunstância declarou o seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. fls. 10-11 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.

3. Em 04.07.2022, foi proferido despacho de acusação contra o requerente com o seguinte teor:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. fls. 7-9 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.

4. Em 06.07.2022 foi elaborado relatório final, no âmbito do processo disciplinar referido nos pontos precedentes, do qual consta o seguinte:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cf. fls. 3-5 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.

5. Por despacho do Senhor Director da Faculdade de Direito da Universidade de ... de 27.07.2022, determinou-se a remessa do processo disciplinar ao Senhor Reitor da Universidade ..., “para seu prosseguimento em sede própria” – cf. fls. 1-2 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.

6. Em 1309.2022 reuniu a Comissão Especializada do Senado da Universidade de ..., em vista da análise e emissão de parecer sobre o processo disciplinar referido nos pontos anteriores, concluindo com a proposta de aplicação de pena disciplinar de suspensão temporária das actividades escolares, pelo período de 90 dias seguidos, devendo abranger uma época de exames – cf. fls. 55 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.

7. Em 23.09.2022, o Senhor Reitor da Universidade ... proferiu o despacho n.º ...22, com o seguinte teor:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. fls. 53 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.

8. Por ofício datado de 23.09.2022, recebido pelo requerente em 10.10.2022, este foi informado da decisão indicada no ponto anterior – cf. fls. 58 e aviso de recepção constante de fls. 60 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.

9. Por missiva de 28.10.2022, o requerente apresentou “Reclamação”, dirigida ao Reitor da Universidade ..., peticionando a declaração de nulidade da decisão indicada em “7”, ou subsidiariamente, a redução da sanção para 10 dias de suspensão e a respectiva suspensão na execução – cf. fls. 72-73 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.

10. Em 30.10.2022 foi elaborada informação pelo Gabinete de Apoio Jurídico da Universidade de ..., na qual se concluiu mediante as seguintes propostas:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

fls. 75-80 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.

11. Em 06.12.2022, sobre a informação referida no ponto antecedente, foi exarado despacho do Senhor Reitor, com o seguinte teor:
“Indefiro a reclamação, mantendo o acto reclamado, conforme proposta no ponto 1 das conclusões (...)” – cf. fls. 80 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.


*

III - Enquadramento jurídico.

Este é o teor da decisão recorrida, na parte relevante:

“(…)

Vejamos, então, descendo concretamente à apreciação da hipótese trazida a juízo.

Perscrutada a alegação da requerente, transparece que o por si invocado “periculum in mora”, referido conclusivamente em 25.º a 29.º do requerimento inicial, não se afigura minimamente concretizado ou densificado, enunciando-se de forma genérica esta situação de perigo, mas omitindo-se, de todo em todo, a descrição ou especificação da realidade de facto em que tal perigo se traduza.

Na realidade, refere-se, em termos vagos e não circunstanciados, à “impossibilidade de concluir o Mestrado” e ao impedimento de “frequentar o mestrado, durante 90 dias (ou seja, não poderá ir às aulas, apresentar trabalhos, defender teses, etc)”. [cf. 26.º e 27.º do RI].

Falha, todavia, em estabelecer uma relação de causa-efeito entre a produção de efeitos do acto suspendendo – que determina a suspensão das actividades escolares – e as consequências genericamente enunciadas.

Com efeito, o requerente refere-se – e em exclusivo, no domínio dos prejuízos causados pelo acto suspendendo – à impossibilidade de concluir o mestrado. Mas, na verdade, o que estará em causa será a conclusão do Mestrado no actual período/semestre, sem qualquer dilação, nada permitindo concluir que a suspensão das actividades escolares o impedirá de concluir o Mestrado logo que seja decorrido tal período de tempo e cumprida a sanção aplicada.

Por outro lado, e na esteira da jurisprudência citada, que vem sendo sucessivamente reiterada pelos nossos tribunais superiores (de que é exemplo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 20.09.2018, proferido no âmbito do processo n.º 866/17.5BELSB, igualmente disponível em www.dgsi.pt), afigura-se que é ao requerente da providência que se impõe a demonstração do prejuízo associado à execução do acto suspendendo, de acordo com as regras gerais do ónus da prova. O que vale por dizer que é ao requerente da providência que cumpre, primeiro, invocar e, depois, provar factos concretos que indiciem a probabilidade da geração de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação.

O que se constata, pois, é que não basta ao autor do processo cautelar a alegação genérica e conclusiva duma situação de prejuízo, exigindo-se a enunciação circunstanciada e a prova de factos que a possam traduzir.

No caso dos autos, não se apura sequer uma mera referência à produção de prejuízos ou danos associados ao cumprimento da sanção disciplinar, omitindo o requerente, em absoluto, a indicação dos concretos prejuízos que para si resultem da conclusão tardia ou posterior do Mestrado. Na realidade, nada vem alegado quanto aos eventuais efeitos perniciosos da conclusão posterior do Mestrado, seja ela na forma de uma entrada mais tardia no mercado de trabalho, da impossibilidade de submeter uma determinada candidatura, de qualquer dano para a futura vida académica ou profissional do requerente.

Ora, a genérica alegação de um prejuízo irreparável, para o requerente, sem que se mostre acompanhado de qualquer tipo de concretização, é manifestamente insuficiente para que o tribunal se convença da situação de perigo requisitada pela norma, para decretamento da providência.

Por todo o exposto, conclui-se, forçosamente, ser insusceptível de verificação a alegada situação de perigo que possa resultar para a requerente da demora associada à tramitação do processo principal.

Soçobra, por conseguinte, desde logo, um dos requisitos, cumulativos, de que depende a concessão de tutela cautelar, ficando pois prejudicada a apreciação dos demais requisitos legais e devendo ser recusado o decretamento da providência requerida.

*
IV. Decisão

Pelos motivos expostos, por não se verificarem os pressupostos de que a lei faz depender a concessão de providências cautelares, indefere-se o pedido de suspensão de eficácia de acto formulado pelo requerente.

(…)”.

A. A nulidade da sentença.
A.A. A nulidade por falta de fundamentação de facto e por falta de exame crítico das provas.

Apenas padece de nulidade a sentença que careça, em absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afecta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (artigos 613º, n.º3, e 615º, n.º1, al. b), do Código de Processo Civil de 2013; Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.9.2007, recurso 059/07).

No caso a sentença alinhou todos os factos indiciariamente provados nos autos que têm relevo e são suficientes para a decisão da providência cautelar.

Em particular o teor e conteúdo do próprio acto cuja suspensão é requerida.

Por outro lado, a falta de “análise crítica sobre as provas nem qualquer especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador” não consta do elenco das causas, taxativas, de nulidade da decisão, referidas no artigo 615º do Código de Processo Civil.

Não se verifica, pois, esta nulidade.

A.B. A nulidade da sentença por contradição.

A contradição a que alude a alínea c) do n.º 1, do artigo 615º do Código de Processo é uma incongruência lógica ou jurídica.

Esta incongruência lógica ou jurídica pode traduzir-se numa oposição entre os fundamentos e a decisão ou nos fundamentos entre si (os necessários para a decisão) ou no próprio conteúdo decisório em si mesmo. A razão de ser da nulidade é, em qualquer dos casos, a mesma: não se pode aproveitar, de todo, uma sentença cujo sentido lógico ou jurídico não se pode alcançar.

Ver neste sentido o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10.11.2005, no processo n.º 01051/05.

A nulidade aqui prevista pressupõe um vício lógico de raciocínio; “a construção é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto” - Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, ... 1984, reimpressão, p. 141: “nos casos abrangidos pelo artigo 668.º, n.º 1, c), há um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente” - Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, p. 690; “se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença” - Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, p.670).

Como diz Alberto dos Reis, obra citada, nas páginas 130 e 141, “convirá notar que a contradição entre os fundamentos e a decisão nada tem a ver, seja com o erro material – contradição aparente, resultante de uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real: escreveu-se uma coisa, quando se queria escrever outra –, seja com o erro de julgamento – decisão errada, mas voluntária, quanto ao enquadramento legal ou quanto à interpretação da lei; o erro material e o erro de julgamento não geram a nulidade da sentença, como sucede com a oposição entre os fundamentos e a decisão, mas, tão-só, e apenas, a sua rectificação ou a eventual revogação em via de recurso”

Não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável…” - Antunes Varela, obra citada, página 686.

No caso a decisão recorrida apresenta-se perfeitamente coerente. Não se mostra acertada no seu fundamento essencial, como veremos, mas é coerente.

Afirma que o Requerente não alegou factos concretos que permitissem concluir pela verificação de prejuízos de difícil reparação e, em coerência, indeferiu o pedido de suspensão da eficácia do acto em apreço, logo por falta do requisito “periculum in mora” e tendo em consideração que os requisitos mencionados no artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, para a concessão de providências cautelares, são de verificação cumulativa.

Também esta nulidade não se verifica.

B. O mérito do pedido cautelar.

1. O requisito do periculum in mora (facto consumado ou prejuízo de difícil reparação).

Determina a primeira parte do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

“Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal…” .

Quanto ao requisito do periculum in mora, refere Mário Aroso de Almeida O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, 4ª edição revista e actualizada, pág. 260 “se não falharem os demais pressupostos, a providência deve ser concedida se dos factos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade”.

Continua este autor a referir que a providência deve também ser concedida, “sempre pressupondo que não falhem os demais pressupostos (...) quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que se a providência for recusada, essa reintegração no plano os factos será difícil (…), ou seja, nesta segunda hipótese, trata-se de aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação”.

Por seu lado quanto a esta questão, refere Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa” 4º ed. p. 298, que:

“O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica”.

Como se refere na própria decisão recorrida “… na verdade, o que estará em causa será a conclusão do Mestrado no actual período/semestre, sem qualquer dilação, nada permitindo concluir que a suspensão das actividades escolares o impedirá de concluir o Mestrado logo que seja decorrido tal período de tempo e cumprida a sanção aplicada”.

Conclui-se que da não suspensão do acto em apreço resulta uma situação de facto consumado, a impossibilidade de concluir o Mestrado sem qualquer dilação.

Na verdade, e como decorre do facto indiciariamente provado sob o n.º 10, o Requerente fica impedido de se apresentar na próxima época de exames.

E não vale o argumento adiantado pela Entidade Recorrida, de que se a actividade escolar não ficasse prejudicada com o cumprimento da sanção, nenhum efeito útil teria o processo disciplinar.

A questão que se coloca não é a de o acto produzir ou não efeitos negativos na esfera jurídica do requerente. Isso apenas interessa para a definição do acto como acto administrativo, o que ninguém põe em causa.

Para a análise deste requisito interessa saber se com a imediata execução do acto se verifica – ou não – uma situação de facto consumado ou produtora de prejuízos de difícil reparação para o Requente.

Ora perder uma época de exames não é um facto reversível. Perdida essa época de exames não mais é possível reconstituir a situação de facto que existiria se não fosse este acto.

Tal basta para se ter este requisito como verificado uma vez que aqui não se contempla apenas a produção de prejuízos de difícil reparação, mas também uma situação de facto consumado, como aqui sucede.

Por este fundamento não poderia ter sido indeferida a providência.

2. O requisito do fumus boni iuris (a aparência do bom direito).
A segunda parte do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, dispõe:
“ … e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.”
Face ao teor deste preceito - que não distingue entre providências conservatórias, como o pedido de suspensão da eficácia de um acto, e providências antecipatórias - é necessário, além do mais, que seja “provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente para que uma providência antecipatória possa ser concedida. Como, neste domínio, o requerente pretende, ainda que a título provisório, que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova sumária do bem fundado da sua pretensão deduzida no processo principal” – Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, página 609.

No caso concreto este requisito não se verifica; nem à verificação deste requisito se refere, de resto, o Recorrente nas suas alegações.

No seu articulado inicial o Requerente apenas se refere à violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça.

Princípios estes que não se podem ter por verificados no caso concreto.

Tendo em conta a ampla discricionariedade de que goza a Administração na escolha e medida da sanção disciplinar, não se pode considerar que no caso seja manifestamente errada, desajustada ou desproporcional a pena de suspensão por 90 dias que foi aplicada.

Pelo contrário, mostra-se adequada, proporcional e justa tendo em conta os factos indiciariamente provados.

Basicamente está indiciado que o Requerente no Exame de Direito Comercial I, realizado em 17.02.2022, “copiou” por outros alunos.

Sendo reincidente nesta conduta.

Não se verificando este requisito sempre se imporia indeferir o pedido de suspensão, com prejuízo da ponderação dos interesses em presença.
*

O que impõe manter a decisão recorrida, embora por diferente fundamento.

*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo decisão recorrida, embora por diverso fundamento.

Custas pelo Recorrente.

*

Porto, 05.05.2023


Rogério Martins
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre