Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00010/2001.TFPRT.31
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/01/2011
Relator:José Luís Paulo Escudeiro
Descritores:RECLAMAÇÃO GRACIOSA E RECURSO HIERÁRQUICO
RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
RESPECTIVO ÂMBITO DE APLICAÇÃO
CONVOLAÇÃO DA FORMA DE PROCESSO
NULIDADES DA SENTENÇA
CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO
Sumário:I- Do indeferimento total ou parcial da reclamação graciosa cabe recurso hierárquico no prazo previsto no artº 66.º-2, com os efeitos previstos no artº 67.º-1 – Cfr. artº 76º-1 do CPPT;
II- A decisão sobre o recurso hierárquico é passível de recurso contencioso, salvo se de tal decisão já tiver sido deduzida impugnação judicial com o mesmo objecto – Cfr. artº 76º-2 do CPPT;
III- O recurso contencioso de anulação de actos administrativos em matéria tributária, não comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação e é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos – Cfr. artºs 118º do CPT e 97º do CPPT;
IV- A impugnação dos actos administrativos em matéria tributária comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação – Cfr. artºs 120º do CPT e 97º e 99º do CPPT;
V- Na vigência do CPT, em caso de indeferimento de reclamação graciosa, o prazo de impugnação era de oito dias após a notificação – Cfr. artº 123º-2 do CPT.
VI- No âmbito do processo judicial tributário, em caso de erro na forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada, nos termos da lei, sob pena de nulidade insanável – Cfr. artº 98º do CPPT;
VII- A condenação em objecto diverso do pedido constitui nulidade da sentença – Cfr. artºs 661º e 668º do CPC e 125º do CPPT.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Tributário do TCAN:
I- RELATÓRIO
O Sub-Director-Geral dos Impostos, inconformada com a sentença do TAF de Penafiel, datada de 22.DEZ.08, que julgou procedente o recurso contencioso de anulação, tendo, em consequência, anulado o seu despacho de 12.JUN.01, que negara provimento ao recurso hierárquico interposto contra o indeferimento da reclamação graciosa relativa a uma liquidação adicional do IRS de 1992, Santo Tirso, recorreu para o TCAN, formulando as seguintes conclusões:
1. A fundamentação que suporta a douta sentença recorrida é contraditória, tendo conduzido a uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos.
2. Começou a douta sentença por analisar o meio processual empregue pelo recorrente, submetendo-o a três itens, discriminando-os, deste modo:
" Nestes autos, importa apreciar se o Recorrente deduziu o meio processual adequado e em tempo para atacar a liquidação. Em caso de resposta negativa, impõe-se saber se ainda é possível a convolação processual e, a não ser assim, qual o vício que se pode conhecer e se o mesmo procede, ou não."
3. Quanto ao recurso contencioso, meio utilizado pelo Recorrente, refere a sentença, bem " O Recorrente lançou mão do recurso contencioso de anulação para atacar a liquidação adicional aludida no ponto 1, do probatório, mas devia antes era ter usado da impugnação judicial, já que, os seus argumentos quanto aos custos que disse ter efectivamente assumido com pessoal tarefeiro mais depressa se adequam, fundamentos vertidos na alínea a), do art° 120º do CPT, então em vigor, ou da alínea do art° 99º do actual CPPT.
Ademais, a questão da suposta errónea apreciação dos custos fiscais não se insere nos fundamentos dos recursos contenciosos, elencados no n° 3 do art° 118° do CPT, e alínea p), do n° 1, do art° 97° do CPPT."
4. Quanto à convolação deste recurso contencioso em impugnação judicial, refere também, a douta sentença bem, que "...tendo em conta o n° 4, do art. 98° do CPT aplicável ao presente processo "ex vi" art. 12º da Lei n° 15/2001, de 05/06, tal conversão esbarra no pressuposto temporal, já que, notificado o Recorrente do indeferimento da reclamação graciosa em Março de 2000 (cf. fl. 28 dos autos), tinha este apenas o prazo de oito dias para deduzir impugnação judicial, nos termos do art° 123°, n° 2, do CPT ainda em vigor nessa ocasião por força da Lei atrás citada.
Ora, intentado o presente recurso contencioso somente em 31 de Outubro de 2001, há muito que aquele prazo de oito dias havia decorrido, considerando-se a petição recurso, a ser convolada em impugnação judicial de liquidação adicional de tributo intempestiva."
5. Quanto ao terceiro item, afirma-se na douta sentença, "mas a presente causa deve ainda ser observada de outro prisma. Se o presente recurso contencioso de nada serve para a sua convolação em impugnação judicial, está em tempo, porém, para ser considerado como impugnação de decisão proferida em 12 de Junho de 2001 pelo Subdirector - Geral dos Impostos e que recaiu, precisamente, sobre o recurso hierárquico negando – lhe provimento."
6. Entendemos que neste caso, não pode o Mm° Juiz " a quo" convolar o meio processual empregue com o fim de atacar o acto de liquidação, como bem claro consta da conclusão da petição, em impugnação da decisão proferida em 12 de Junho pelo Subdirector Geral.
7. Desde logo porque, o que subjaz é a intenção de reabrir o prazo para atacar a liquidação através do recurso hierárquico facultativo. Só que:
8. O acto de liquidação é uno e, "para efeitos de discussão de questões que envolvam a apreciação do acto de liquidação, como foi delimitado na petição pelo Recorrente, torna-se se claro que o sistema instituído aponta para que o recurso hierárquico não tenha, nesse domínio de conhecimento, qualquer autonomia impugnatória".
9. Donde, não podia o Mm° Juiz "convolar" o Recurso Contencioso interposto pelo Recorrente com o fim de atacar o acto tributário da liquidação oficiosa n° 532305933 IRS de 1992 e juros compensatórios, no valor global de Esc. 14.857.658$00, em impugnação do acto proferido em 12 de Junho de 2001, em sede de recurso hierárquico facultativo, cindindo o acto tributário já consolidado anteriormente, tendo em vista apreciar a hipotética omissão de uma formalidade essencial que inquina o acto final de liquidação e é um dos fundamentos da impugnação judicial, de acordo com a al. j) do art° 94 CPPT.
10. Tal questão porque é unitária com o acto de liquidação é incindível da apreciação deste, donde, em nosso entender, não pode ser apreciada autonomamente daquele.
11. E, por isso, não há lugar à sua apreciação em sede de recurso contencioso destacado do acto tributário de liquidação.
12. Mas, ainda, sem conceder, quanto à questão da violação do direito de audiência aquando da interposição do recurso contencioso, o acto de liquidação estava consolidado por só poder ser atacado na impugnação judicial, de acordo com o que escreveu supra, do art° 97° do CPPT "... resulta claramente que, nos casos em que o acto a impugnar é um acto de liquidação ou um acto que comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação (acto de indeferimento de reclamação graciosa ou de recurso hierárquico interposto da decisão que a aprecie) o meio adequado é o processo de impugnação". (o realce é nosso).
13. Em todo o caso, sempre se dirá que a liquidação adicional de IRS n° 5323059336 e respectivos juros compensatórios, ora impugnados, relativa ao IRS de 1992, foi efectuada em 18/04/96.
14. Ora, segundo o art. 6° do DL 398/98, de 17/12, Diploma que aprovou a Lei Geral Tributária, a mesma entrou em vigor em 1 de Janeiro de 99.
Logo, à data da liquidação efectuada, não se encontrava em vigor nem o art. 60° da LGT, nem as alíneas a), d) e e) do n°1 desse mesmo artigo.
15. Como é referido no parecer que sustenta a reclamação graciosa, o contribuinte reclamou nos termos do art° 84° do C.P.T., da fixação do rendimento colectável.
16. A Comissão de Revisão indeferiu essa reclamação, por o reclamante não ter junto prova credível dos montantes pagos a título de remunerações e por, no que respeita a subcontratos, não ter contrariado de forma objectiva, os factos descritos pela fiscalização.
17. Donde, não se pode dizer que o contribuinte não participou no processo de decisão, uma vez que quando reclamou para aquela Comissão invocou o que quis e participou nos termos do n°2 do art° 86° do C.P.T.
18. Por outro lado, quanto ao despacho 12 de Junho de 2001, proferido pelo Subdirector - Geral, ou é um acto confirmativo, reafirmando a posição assumida na reclamação graciosa de não serem fiscalmente relevantes a enumeração da relação de cheques para comprovarem pagamentos a cada um dos supostos trabalhadores e, por isso, é insindicável; ou.
19. Se não é, é um acto renovado, proferido durante o procedimento e que supriu essa ilegalidade da audiência prévia, uma vez que se debruça expressamente sobre a referida exposição entregue em sede de audiência prévia.
E, assim sendo, inexiste essa ilegalidade, único fundamento que levou à anulação do despacho recorrido.
20. Pelo que, a douta sentença recorrida violou por erro de interpretação as invocadas normas imputadas ao despacho recorrido.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências.
O Recorrido apresentou contra-alegações, tendo formulado, por seu lado, as seguintes conclusões:
A. Do indeferimento, total ou parcial, da reclamação cabe, a par da impugnação judicial, recurso hierárquico facultativo, nos termos do n.° 1 do artigo 76.° do CPPT, a deduzir no prazo de trinta dias.
B. É ao contribuinte que, face ao indeferimento da reclamação graciosa, cabe a opção entre a impugnação judicial e o recurso hierárquico.
C. A decisão proferida em sede de recurso hierárquico, mesmo que meramente confirmativa, como sucede nos autos, é sempre recorrível, salvo se de tal decisão já tiver sido deduzida impugnação judicial.
D. Do recurso hierárquico interposto cabe impugnação judicial a ser deduzida no prazo de 90 dias, prazo contemplado quer na alínea e) do n.° 1 do artigo 123.° do CPT, quer na alínea e) do n.° 1 do artigo 102.° do CPPT, aplicável "ex vi" artigo 12.° da Lei n.° 15/2001, de 05/06.
E. O n.° 2 do artigo 123.° do CPT, que prevê um prazo de impugnação judicial de oito dias, não se aplica no caso vertente, dado que não houve impugnação judicial do indeferimento da reclamação graciosa.
F. Assim, se o contribuinte reclamou e deduziu depois recurso hierárquico do indeferimento da reclamação, o prazo para a impugnação não se conta, obviamente da notificação do indeferimento daquela, mas sim da notificação do indeferimento deste.
G. Ou seja, o prazo de 90 dias contava-se da notificação do indeferimento do recurso hierárquico, a 7 de Setembro de 2001, tendo o recurso contencioso sido intentado a 31 de Outubro de 2001, deve ter-se por admissível a convolação, por inteiramente respeitado o pressuposto temporal que subjaz à sua admissibilidade.
H. A recorribilidade da decisão sobre o recurso hierárquico está assegurada nos expressos termos do artigo 76.° do CPPT.
I. Também a própria decisão de indeferimento está em causa, pois dela cabe impugnação judicial nos termos expostos, podendo concluir-se, até, que esta constitui o seu objecto imediato e a liquidação o seu objecto mediato.
J. Na mesma impugnação, com esse mesmo objecto duplo, podem ser invocados não só os vícios do acto de liquidação como também vícios próprios da decisão da reclamação graciosa e próprios da decisão do recurso hierárquico.
K. O direito de audiência prévia coloca-se e exerce-se num momento posterior à reclamação graciosa, numa fase já muito próxima da decisão, não fazendo sentido dizer que aquele direito foi acautelado pelo facto de o contribuinte se ter pronunciado anteriormente.
L. Deve este tribunal admitir a convolação do recurso contencioso apresentado em impugnação judicial da liquidação n.° 5323059336, respeitante ao IRS de 1992, por estarem preenchidos os pressupostos da convolação, nomeadamente, o pressuposto temporal.
M. Nestes termos, deve este tribunal conhecer deste fundamento de recurso (na sequência da requerida ampliação) e, nessa medida, admitir a convolação do recurso contencioso apresentado em impugnação, também, daquela liquidação.
A sentença recorrida não merece, assim, a censura que lhes faz a Recorrente, pelo que, alterando-a apenas na forma descrita, na sequência da requerida ampliação, far-se-á JUSTIÇA.
O Mº Pº emitiu parecer nesta instância, no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, o processo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.
II – QUESTÕES A DECIDIR NO RECURSO
As questões objecto do presente recurso jurisdicional prendem-se com os alegados erros de julgamento de direito da sentença recorrida, sobre a apreciação desta constante sobre os seguintes aspectos:
a) A tempestividade versus intempestividade da impugnação judicial para que foi convolado o recurso contencioso interposto;
b) A possibilidade legal versus impossibilidade legal da convolação do recurso contencioso interposto de acto de indeferimento de recurso hierárquico interposto de reclamação de acto de liquidação, para a forma processual de impugnação judicial do acto de liquidação, objecto de reclamação, de recurso hierárquico e de recurso contencioso; e
c) A apreciação dos vícios ou ilegalidades imputadas.
III – FUNDAMENTAÇÃO
III-1. Matéria de facto
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:
“III - Tendo em conta as questões que supra elegemos para apreciação e a prova documental patente nos presentes autos e no processo administrativo (PA) considero relevante a seguinte matéria de facto:
1.º- Na sequência da liquidação adicional n.° 5323059336, de 1996.11.28, relativa ao IRS de 1992 e endereçada ao ora Recorrente, para pagamento da quantia global de "14.857.658$00", o Recorrente apresentou em 18 de Abril de 1997 uma reclamação ao Director Distrital de Finanças do Porto, indeferida pelo despacho do Director de Finanças de 2000.03.17, indeferimento este que foi notificado ao pelo ofício n.° 1532 do S. F. do Marco de Canavezes, de 2000.03.23 (cf. 24 a 34 dos autos e fls. 54 e 55 do PA);
2.° - Da decisão de indeferimento supra, o Recorrente interpôs recurso hierárquico para o Ministro das Finanças, que mereceu o despacho de negação de provimento de 12 de Junho de 2001, do Sub Director-Geral dos Impostos (cf. fls. 14 a 23 dos autos);
3.° - O Recorrente interpôs o presente recurso contencioso em 31 de Outubro de 2001 (cf. fls. 2 dos autos).
O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos acabados de enunciar com base nos documentos indicados em cada um dos pontos do probatório, que não foram impugnados.”.
Ao abrigo do disposto no artº 712º, nº 1, alínea a) do CPC aplicável ex vi artºs 749º do CPC e 281º do CPPT, decide-se aditar a seguinte factualidade:
4.º - A decisão de indeferimento do recurso hierárquico do Sub Director-Geral dos Impostos de 12 de Junho de 2001, foi notificada ao Contribuinte/Recorrente em 07 de Setembro de 2001 (cf. fls. 14 a 23 dos autos).
III-2. Matéria de direito
Como atrás se deixou dito, constitui objecto do presente recurso jurisdicional, a apreciação das seguintes questões, com referência às quais são imputados erros de julgamento de direito à sentença recorrida:
a) A tempestividade versus intempestividade da impugnação judicial para que foi convolado o recurso contencioso interposto;
b) A possibilidade legal versus impossibilidade legal da convolação do recurso contencioso interposto de acto de indeferimento de recurso hierárquico interposto de reclamação de acto de liquidação, para a forma processual de impugnação judicial do acto de liquidação, objecto de reclamação, de recurso hierárquico e de recurso contencioso; e
c) A apreciação dos vícios ou ilegalidades imputadas.
Nos presentes autos, a Recorrente, ora Recorrida, interpôs o presente recurso contencioso de anulação contra o despacho do Sub- Director-Geral dos Impostos que negou provimento ao recurso hierárquico interposto contra o indeferimento de reclamação graciosa relativa a acto de liquidação adicional do IR de 1992, imputando ao acto de liquidação quer a ilegalidade de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto, segundo disse, na sequência da fiscalização de que foi alvo, a Administração Fiscal não teve em conta custos que realmente suportou para a obtenção do rendimento e que se relacionam com a utilização de pessoal tarefeiro da construção civil a que teve de se socorrer para a execução das obras, quer a ilegalidade de insuficiente fundamentação; e ao despacho que apreciou a reclamação graciosa, a ilegalidade formal de falta de audiência prévia.
E interpondo recurso contencioso de anulação do despacho do Sub Director-Geral dos Impostos que negou provimento ao recurso hierárquico interposto do indeferimento da reclamação graciosa relativa a acto de liquidação adicional do IR de 1992, peticiona a anulação do acto de liquidação.
A sentença recorrida julgou procedente o recurso contencioso interposto daquele despacho do Sub Director-Geral dos Impostos em impugnação judicial do mesmo despacho, tendo decretado a sua anulação, com fundamento em falta de audiência do contribuinte interessado/reclamante, com referência à decisão final do procedimento da reclamação graciosa.
Vejamos então da bondade da sentença recorrida em confronto com as conclusões constantes quer das alegações de recurso quer das contra alegações de recurso, no âmbito da requerida ampliação do objecto de recurso.
III-2.1. Da tempestividade da impugnação judicial para que foi convolado o recurso contencioso interposto.
No caso dos autos, foi, em 31.OUT.01, interposto recurso contencioso do despacho do Sub Director-Geral dos Impostos, datado de 12.JUN.01, que indeferiu o recurso hierárquico interposto da decisão do Director de Finanças do Porto, de 17.MAR.00, que indeferira a reclamação graciosa interposta da liquidação adicional de IRS de 1992.
Em sede de formulação do pedido, porém, não foi peticionada a anulação desse despacho mas antes a anulação da liquidação adicional de IRS de 1992.
E, como se deixa dito, interposto recurso contencioso, em 31.OUT.01, do despacho do Sub Director-Geral dos Impostos, datado de 12.JUN.01, que indeferiu o recurso hierárquico interposto da decisão do Director de Finanças do Porto, de 17.MAR.00, que indeferira a reclamação graciosa interposta da liquidação adicional de IRS de 1992, a sentença recorrida considerou a possibilidade da convolação do recurso contencioso interposto daquele despacho do Sub Director-Geral dos Impostos não em impugnação judicial da liquidação adicional de IRS mas daquele mesmo despacho.
Acontece que, mau grado a ponderação dessa possibilidade de convolação, o certo é que acabou por não proceder a essa convolação, tendo, antes, julgado procedente o recurso contencioso interposto daquela decisão do Director de Finanças do Porto, datada de 17.MAR.00, e decretado a sua anulação, com fundamento em ilegalidade de carácter formal, por falta de audiência do contribuinte, com referência à decisão final do procedimento da reclamação graciosa.
Ora, em matéria de formas de processo, em processo judicial tributário, prazos de interposição e respectivos fundamentos, dispunham os artºs 118º, 120º e 123º do CPT e dispõem os artºs 76º, 97º, 99º e 102º do CPPT, do modo seguinte:
Artº 118.º
(Âmbito)
1 - O processo judicial tributário tem por função a tutela judicial dos direitos e interesses legalmente protegidos em matéria fiscal.
2 - O processo judicial tributário compreende, designadamente:
a) Impugnação dos actos tributários, incluindo o indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas, bem como a impugnação das receitas parafiscais;
b) Impugnação dos actos de fixação dos valores patrimoniais;
c) Recurso judicial das decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias;
d) Recursos dos actos praticados pelo chefe da repartição de finanças no processo de execução fiscal;
e) Providências cautelares para garantia dos créditos fiscais;
f) Acções destinadas a obter o reconhecimento de um direito ou interesse.
3 - O recurso contencioso dos actos administrativos relativos a questões fiscais da administração fiscal, bem como do Governo Central, dos governos regionais e dos seus membros, mesmo quando praticados por delegação, é regulado pelas leis de processo nos tribunais administrativos.
Artº 120.º
(Fundamentos da impugnação)
Constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, designadamente:
a) Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários;
b) Incompetência;
c) Ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida;
d) Preterição de outras formalidades legais.
Artº 123.º
(Impugnação judicial. Prazo de apresentação)
1 - A impugnação será apresentada, sem prejuízo do disposto no artigo 22.º, no prazo de 90 dias contados a partir dos factos seguintes:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário dos impostos e das receitas parafiscais;
b) Notificação dos actos tributários que não dêem origem a qualquer liquidação;
c) Citação dos responsáveis subsidiários, referidos no artigo 11.º, em processo de execução fiscal;
d) Indeferimento tácito a que se refere o artigo 125.º;
e) Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código.
2 - Em caso de indeferimento de reclamação graciosa, o prazo de impugnação será de oito dias após a notificação.
3 - O disposto neste artigo não prejudica outros prazos especiais fixados neste Código ou noutras leis tributárias.
Artº 76.º
(Recurso hierárquico. Relações com o recurso contencioso)
1 - Do indeferimento total ou parcial da reclamação graciosa cabe recurso hierárquico no prazo previsto no artigo 66.º, n.º 2, com os efeitos previstos no artigo 67.º, n.º 1.
2 - A decisão sobre o recurso hierárquico é passível de recurso contencioso, salvo se de tal decisão já tiver sido deduzida impugnação judicial com o mesmo objecto.
Artº 97.º
(Processo judicial tributário)
1 - O processo judicial tributário compreende:
a) A impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta;
b) A impugnação da fixação da matéria tributável, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo;
c) A impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos actos tributários;
d) A impugnação dos actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação;
e) A impugnação do agravamento à colecta aplicado, nos casos previstos na lei, em virtude da apresentação de reclamação ou recurso sem qualquer fundamento razoável;
f) A impugnação dos actos de fixação de valores patrimoniais;
g) A impugnação das providências cautelares adoptadas pela administração tributária;
h) As acções para o reconhecimento de um direito ou interesse em matéria tributária;
i) As providências cautelares de natureza judicial;
j) Os meios acessórios de intimação para consulta de processos ou documentos administrativos e passagem de certidões;
l) A produção antecipada de prova;
m) A intimação para um comportamento;
n) O recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal;
o) A oposição, os embargos de terceiros e outros incidentes e a verificação e graduação de créditos;
p) O recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como de outros actos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do acto de liquidação; q) Outros meios processuais previstos na lei.
2 - O recurso contencioso dos actos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação, da autoria da administração tributária, compreendendo o governo central, os governos regionais e os seus membros, mesmo quando praticados por delegação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos.
3 - São também regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos os conflitos de competências entre tribunais tributários e tribunais administrativos e entre órgãos da administração tributária do governo central, dos governos regionais e das autarquias locais.
Artº 98.º
(Nulidades insanáveis)
1 - São nulidades insanáveis em processo judicial tributário:
a) A ineptidão da petição inicial;
b) A falta de informações oficiais referentes a questões de conhecimento oficioso no processo;
c) A falta de notificação do despacho que admitir o recurso aos interessados, se estes não alegarem.
2 - As nulidades referidas no número anterior podem ser oficiosamente conhecidas ou deduzidas a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da decisão final.
3 - As nulidades dos actos têm por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, devendo sempre aproveitar-se as peças úteis ao apuramento dos factos.
4 - Em caso de erro na forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada, nos termos da lei.
5 - Sem prejuízo dos demais casos de regularização da petição, esta pode ser corrigida a convite do tribunal em caso de errada identificação do autor do acto impugnado, salvo se o erro for manifestamente indesculpável.
Artº 99.º
(Fundamentos da impugnação)
Constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, designadamente:
a) Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários;
b) Incompetência;
c) Ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida;
d) Preterição de outras formalidades legais.
Artº 102.º
(Impugnação judicial. Prazo de apresentação)
1 - A impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos factos seguintes:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;
b) Notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;
c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;
d) Formação da presunção de indeferimento tácito;
e) Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código;
f) Conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.
2 - Em caso de indeferimento de reclamação graciosa, o prazo de impugnação será de 15 dias após a notificação.
3 - Se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.
4 - O disposto neste artigo não prejudica outros prazos especiais fixados neste Código ou noutras leis tributárias.
Entretanto, a Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, diploma legal que veio reforçar as garantias do contribuinte e a simplificação processual, reformular a organização judiciária tributária e estabelecer um novo regime geral para as infracções tributárias, estabeleceu no seu artº 12º, que:
Artº 12.º
(Cessação da vigência do Código de Processo Tributário)
Os procedimentos e processos pendentes regulados pelo Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, passam a reger-se pelo Código de Procedimento e de Processo Tributário, sem prejuízo do aproveitamento dos actos já realizados.
Assim, ao caso dos autos, atento o disposto nos artºs 120º-a) e 123º-2 do CPT e 97º-1-a), p), a contrario sensu, e 2, a contrario sensu, 98º-4, 99º-a) e e) e 102º-1-e) do CPPT, ao pedido formulado corresponde a forma processual de impugnação da liquidação adicional.
Porém, atento o prazo de impugnação judicial estabelecido pelo nº 2 do artº 120º do CPT, aplicável por força do artº 12º da Lei 15/01, de 05.JUN, porquanto se está perante indeferimento de reclamação graciosa, praticado anteriormente à vigência do CPPT; a data da notificação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa; e a data da interposição do recurso contencioso, a convolação deste recurso contencioso para a impugnação da liquidação adicional não seria possível.
Acontece que se bem que a convolação do recurso contencioso interposto para impugnação judicial da liquidação adicional não seja possível, em face do prazo de impugnação judicial contemplado pelo artº 102º-1-e) do CPPT, e atentas as datas da notificação do despacho do Sub Director-Geral dos Impostos, datado de 12.JUN.01, que indeferiu o recurso hierárquico interposto da decisão do Director de Finanças do Porto, de 17.MAR.00, que indeferira a reclamação graciosa interposta da liquidação adicional de IRS de 1992, e a data da interposição do recurso contencioso, afigurava-se possível operar a convolação deste para a forma processual de impugnação judicial não já da liquidação adicional mas da decisão proferida pelo Sub Director-Geral dos Impostos, de 12.JUN.01, tal como foi do entendimento a sentença recorrida, isto porquanto aquela decisão foi já prolatada na vigência da Lei 15/01, de 05.JUN, caso a impugnação dessa decisão importasse a apreciação da legalidade do acto tributário.
Acontece que o fundamento do recurso contencioso de tal decisão radica apenas na invocação da ilegalidade formal de falta de audiência prévia.
Assim, a forma de processo correspondente à impugnação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão do Director de Finanças do Porto, de 17.MAR.00, que indeferira a reclamação graciosa interposta da liquidação adicional de IRS de 1992, é efectivamente a do recurso contencioso – Cfr. artº 97º-1-p) do CPPT.
E não tendo ocorrido qualquer convolação do recurso contencioso interposto em impugnação judicial seja da liquidação adicional seja da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, atentos os termos da decisão condenatório contida na sentença recorrida, como atrás se deixou dito, mostra-se prejudicada a apreciação da tempestividade da impugnação judicial para que, na tese do Recorrente, fora convolado o recurso contencioso interposto.
Improcem, deste modo as conclusões de recurso respeitantes a este fundamento de recurso.
III-2.2. Da impossibilidade legal da convolação do recurso contencioso interposto de acto de indeferimento de recurso hierárquico interposto de reclamação de acto de liquidação, para a forma processual de impugnação judicial.
Em matéria de convolação processual, dispõe o artº 98º do CPPT, do modo seguinte:
“Artº 98.º
(Nulidades insanáveis)
1 – (…).
2 – (…)
3 – (…).
4 - Em caso de erro na forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada, nos termos da lei.
5 – (…)”.
Nos termos que se deixaram atrás explicitados a propósito da apreciação da tempestividade da invocada convolação operada pela sentença recorrida, sendo a convolação obrigatória em conformidade com a norma que se deixa em parte reproduzida, somos do entendimento que, em face das datas de notificação quer da liquidação adicional, por um lado, quer do despacho de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento de reclamação graciosa da mesma liquidação, por outro lado, e das disposições aplicáveis às formas processuais e aos respectivos prazos e fundamentos, no caso, a forma processual adequada seria sempre a do recurso contencioso e não a da impugnação judicial, isto porque, por um lado, atentos os respectivos prazos de interposição, já não seria possível a convolação do recurso para a impugnação judicial da liquidação adicional e, por outro lado, em face dos fundamentos de impugnação imputados à decisão de indeferimento do recurso hierárquico, restritos à ilegalidade formal de falta de audiência prévia, não seria possível a convolação para a impugnação judicial de tal decisão
Com efeito, perante o estabelecido nos artºs 120º-a) e 123º-2 do CPT e 97º-1-a), p), a contrario sensu, e 2, a contrario sensu, 98º-4, 99º-a) e e) e 102º-1-e) do CPPT, a forma processual correspondente ao pedido formulado seria a impugnação da liquidação adicional.
Porém, em face do prazo de impugnação judicial estabelecido pelo nº 2 do artº 120º do CPT, aplicável por força do artº 12º da Lei 15/01, de 05.JUN, uma vez que se está perante acto de indeferimento de reclamação graciosa, praticado anteriormente à vigência do CPPT e considerada a data da notificação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e a data da interposição do recurso contencioso, a convolação do recurso contencioso para a impugnação da liquidação adicional não seria possível.
E não sendo possível essa convolação em face do prazo de impugnação judicial contemplado pelo artº 102º-1-e) do CPPT, e atentas as datas da notificação do despacho do Sub Director-Geral dos Impostos, datado de 12.JUN.01, que indeferiu o recurso hierárquico interposto da decisão do Director de Finanças do Porto, de 17.MAR.00, que indeferira a reclamação graciosa interposta da liquidação adicional de IRS de 1992, e a data da interposição do recurso contencioso, também não se afigura possível a convolação deste para a forma processual de impugnação judicial não da liquidação adicional mas da decisão proferida pelo Sub Director-Geral dos Impostos, de 12.JUN.01, atentos os fundamentos de impugnação.
Porém, tal como atrás ficou dito, a sentença não operou qualquer convolação, bastando para tanto que se atente no teor da decisão final dela constante, pelo que se mostra também prejudicada a apreciação da possibilidade versus impossibilidade legal da convolação do recurso contencioso interposto de acto de indeferimento de recurso hierárquico interposto de reclamação de acto de liquidação, para a forma processual de impugnação judicial.
Improcedem, deste modo também as conclusões de recurso respeitantes a este fundamento de recurso.
III-2.3. Da apreciação dos vícios ou ilegalidades imputadas.
A sentença recorrida julgou procedente o recurso contencioso interposto e decretou a anulação do despacho do Sub Director-Geral dos Impostos, datado de 12.JUN.01, que recaiu sobre o recurso hierárquico interposto da decisão que indeferira a reclamação deduzida contra a liquidação adicional de IRS do ano de 1992, com fundamento em falta de audiência prévia.
Contra a bondade da sentença impugnada insurge-se o Recorrente.
Para tanto, alega, ter a liquidação adicional de IRS, em referência, ter sido efectuada em 18.ABR.96, não se lhe aplicando o disposto no artº 60º da LGT, porquanto segundo o art. 6° do DL 398/98, de 17/12, diploma que aprovou a Lei Geral Tributária, esta só entrou em vigor em 01.JAN.99.
Por outro lado, como é referido no parecer que sustenta a reclamação graciosa, o contribuinte reclamou nos termos do art° 84° do CPT, da fixação do rendimento colectável, tendo a Comissão de Revisão indeferido essa reclamação, por o reclamante não ter junto prova credível dos montantes pagos a título de remunerações e por, no que respeita a subcontratos, não ter contrariado de forma objectiva, os factos descritos pela fiscalização, pelo que não se pode dizer que o contribuinte não participou no processo de decisão, uma vez que quando reclamou para aquela Comissão invocou o que quis e participou nos termos do n° 2 do art° 86° do CPT.
Finalmente, quanto ao despacho de 12.JUN.01, proferido pelo Subdirector - Geral, o mesmo ou é um acto confirmativo, reafirmando a posição assumida na reclamação graciosa de não serem fiscalmente relevantes a enumeração da relação de cheques para comprovarem pagamentos a cada um dos supostos trabalhadores e, por isso, é insindicável, ou, se não é um acto confirmativo, é um acto renovado, proferido durante o procedimento e que supriu essa ilegalidade da audiência prévia, uma vez que se debruça expressamente sobre a referida exposição entregue em sede de audiência prévia.
Assim, conclui, inexiste essa ilegalidade, único fundamento que levou à anulação do despacho recorrido.
Por seu lado, o Recorrido é do entendimento que a recorribilidade da decisão sobre o recurso hierárquico está assegurada nos expressos termos do artigo 76° do CPPT, sendo que também a própria decisão de indeferimento está em causa, pois dela cabe impugnação judicial nos termos expostos, podendo concluir-se, até, que esta constitui o seu objecto imediato e a liquidação o seu objecto mediato, podendo, na mesma impugnação, ser invocados não só os vícios do acto de liquidação como também vícios próprios da decisão da reclamação graciosa e próprios da decisão do recurso hierárquico.
O direito de audiência prévia coloca-se e exerce-se num momento posterior à reclamação graciosa, numa fase já muito próxima da decisão, não fazendo sentido dizer que aquele direito foi acautelado pelo facto de o contribuinte se ter pronunciado anteriormente.
Vejamos.
No caso dos autos, foi interposto recurso contencioso do despacho do Sub Director-Geral dos Impostos, datado de 12.JUN.01, que indeferiu o recurso hierárquico interposto da decisão do Director de Finanças do Porto, de 17.MAR.00, que indeferira a reclamação graciosa interposta da liquidação adicional de IRS de 1992.
Como fundamentos do recurso imputaram-se ilegalidades de violação de lei e de falta ou insuficiência de fundamentação ao acto de liquidação e de falta de audiência prévia ao despacho de indeferimento do recurso hierárquico.
Em sede de formulação do pedido, porém, não foi peticionada a anulação deste último despacho mas antes a anulação da liquidação adicional de IRS de 1992.
Como se deixou dito atrás, interposto do recurso contencioso não da liquidação adicional mas da decisão proferida pelo Sub Director-Geral dos Impostos, de 12.JUN.01, importa indagar da impugnabilidade desta decisão; e, em caso afirmativo se lhe são imputáveis as ilegalidades invocadas.
Ora, em matéria de recurso hierárquico e sua relação com o recurso ou impugnação contenciosa ou judicial, estabelecem os artºs 76º e 97º do CPPT e 101º da LGT, o seguinte:
Artº 76.º
(Recurso hierárquico. Relações com o recurso contencioso)
1 - Do indeferimento total ou parcial da reclamação graciosa cabe recurso hierárquico no prazo previsto no artigo 66.º, n.º 2, com os efeitos previstos no artigo 67.º, n.º 1.
2 - A decisão sobre o recurso hierárquico é passível de recurso contencioso, salvo se de tal decisão já tiver sido deduzida impugnação judicial com o mesmo objecto.
Artº 97.º
(Processo judicial tributário)
1 - O processo judicial tributário compreende:
(…)
d) A impugnação dos actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação;
(…)
p) O recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como de outros actos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do acto de liquidação; (…)
2 - O recurso contencioso dos actos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação, da autoria da administração tributária, compreendendo o governo central, os governos regionais e os seus membros, mesmo quando praticados por delegação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos.
(…).
Artº 101.º
(Meios processuais tributários)
São meios processuais tributários:
a) A impugnação judicial;
b) A acção para reconhecimento de direito ou interesse legítimo em matéria tributária;
c) O recurso, no próprio processo, de actos de aplicação de coimas e sanções acessórias;
d) O recurso, no próprio processo, de actos praticados na execução fiscal;
e) Os procedimentos cautelares de arrolamento e de arresto;
f) Os meios acessórios de intimação para consulta de processos ou documentos administrativos e passagem de certidões;
g) A produção antecipada de prova;
h) A intimação para um comportamento, em caso de omissões da administração tributária lesivas de quaisquer direitos ou interesses legítimos;
i) A impugnação das providências cautelares adoptadas pela administração tributária;
j) Os recursos contenciosos de actos denegadores de isenções ou benefícios fiscais ou de outros actos relativos a questões tributárias que não impliquem a apreciação do acto de liquidação.”.
Assim, perante o disposto em tais normativos legais, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa cabe quer recurso hierárquico quer impugnação judicial e do mesmo modo da decisão sobre o recurso hierárquico, cabe recurso contencioso que não comporte a apreciação da legalidade de actos de liquidação, e impugnação judicial com fundamento em apreciação da legalidade de actos de liquidação, a menos que daquela decisão de indeferimento da reclamação graciosa tiver sido deduzida impugnação judicial.
No caso sub judice, tendo como fundamento a falta de audiência prévia, do despacho de indeferimento do recurso hierárquico cabe recurso contencioso.
Assim sendo e tendo por objecto o recurso contencioso da decisão de indeferimento do recurso hierárquico proferida pelo Sub Director-Geral dos Impostos, em 12.JUN.01, indaguemos da bondade da sentença recorrida ao ter julgado procedente o recurso contencioso interposto dessa decisão, tendo-a anulado com fundamento em ilegalidade de falta de audiência prévia.
O Impugnante/Recorrido interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa com fundamento em ilegalidade de falta de audiência prévia, ao abrigo do disposto no artº 60º-1 da LGT – Cfr. doc. de fls. 19 e segs..
Diga-se, desde já que a LGT, atenta a data da sua entrada em vigor – 01.JAN.99 – é aplicável à decisão de indeferimento do recurso hierárquico proferida pelo Sub Director-Geral dos Impostos, em 12.JUN.01.
Em matéria de audiência dos interessados, sob essa epígrafe, dispõe o artº 100º do CPA que:
“1 - Concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, salvo o disposto no artigo 103.º
(...)”
Por seu lado, sob a epígrafe “Inexistência e dispensa de audiência dos interessados”, estabelece o artº 103.º do mesmo Código que:
“1 - Não há lugar a audiência dos interessados:
a) Quando a decisão seja urgente;
b) Quando seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão.
2 - O órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados nos seguintes casos:
a) Se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas;
b) Se os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados.”.
Finalmente, estabelece o artº 60º da LGT que:
Artº 60.º
(Princípio da participação)
1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2 - É dispensada a audição:
a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;
b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.
3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
(…)”
Com efeito, conforme estabelecem os comandos jurídicos acabados de transcrever, concluída a instrução e salvo o disposto no artº 103º do CPTA e 60º-2 e 3 da LGT, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
Efectivamente, na sequência do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhe digam respeito consagrado no 268º, nº 4 da CRP, o direito de ser informado sobre um determinado processo consubstancia um verdadeiro direito subjectivo público e tem como principal efeito o de permitir ao interessado participar na formação da decisão ou deliberação exprimindo o seu ponto de vista - Cfr. neste sentido o Dr. Sérvulo Correia, "Princípios Constitucionais da Administração Pública" in "Estudos sobre a Constituição", III vol., pp. 697.
Tal constitui manifestação do princípio do contraditório, assegurando-se deste modo, uma discussão plena do assunto através dum procedimento imparcial e público, implicando a necessidade de confrontar os critérios da Administração com os dos Administrados - Cfr. neste sentido J.M. Auby e R. Drago, in "Traité du Contentieux Administratif", tomo II, pp. 608 e segs..
Tal audição reverte a favor do interesse público na medida em que ao procedimento administrativo será carreada uma visão dos factos eventualmente contraposta á do interessado, formando, hipoteticamente, elementos pertinentes à formação de uma correcta e adequada vontade por parte do órgão competente para a prolação da decisão final - Cfr. neste sentido Silvio Lessona, in "La giustiça amnistrativa, pp. 61 e Gianini, in " La giustiça amnistrativa, pp. 52 e Acs. STA de 12.JUN.97, in Recurso n.º 41 616 e de 17.DEZ.97 in Recurso n.º 36 001.
Ora, no caso dos autos, tal como dá conta a sentença recorrida, “(…) compulsados os autos e o PA, deles não se vislumbra em parte alguma que a AF tenha concedido ao então reclamante a possibilidade de se pronunciar verbalmente ou por escrito sobre um "projecto de decisão", antes mesmo da decisão final de indeferimento da reclamação, o que, em rigor, significa a preterição de uma formalidade que se reputa de essencial, já que, se tratou de uma decisão manifestamente desfavorável ao impetrante, o que não justificava a dispensa da audiência prévia.
Assim sendo, mostra-se violado o art. 60.°, n.° 1, alínea b), da LGT, corolário do princípio da participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito (cf. art. 267.°, n.° 5, da CRP), sobretudo, as desfavoráveis, como acontece no caso vertente, não se vendo razão que fundamente a dispensa de tal formalidade, pois não se trata sequer de liquidação com base na declaração do administrado, atento o preceituado no n.° 2, do art. 60.° da LGT. Ao não ter assim entendido, o despacho ora posto em crise não teve em atenção a ilegalidade anteriormente cometida na fase da reclamação, comungando, deste modo, do vício de forma cometido a montante, gerador da sua anulação.
(…)”.
Assim, assistindo ao Impugnante/Recorrido o direito de audição antes do indeferimento total quer da reclamação graciosa quer do recurso hierárquico e não sendo caso de dispensa de audição, a que se refere o nº 2 do artº 60º da LGT, a sua preterição constitui ilegalidade por falta de audiência dos interessados previamente à prolação da decisão objecto de impugnação, sancionada com a anulabilidade, nos termos do disposto no artº 135º do CPA.
Improcedem, do mesmo modo, as conclusões de recurso respeitantes ao erro de julgamento de direito quanto à apreciação dos vícios ou ilegalidades imputadas ao acto objecto de recurso contencioso.
E improcedendo as conclusões de recurso, mostra-se prejudicada a apreciação da ampliação do objecto de recurso contida nas conclusões de recurso apresentadas pelo Recorrido, quanto à convolação do recurso contencioso em impugnação judicial da liquidação, e à apreciação das ilegalidades a esta imputadas, sendo certo, todavia, que, como atrás se deixou dito, esta se configura como extemporânea, pelo que nunca poderia operar a convolação requerida.
Como supra se deixou referido, no caso dos autos, foi interposto recurso contencioso do despacho do Sub Director-Geral dos Impostos, datado de 12.JUN.01, que indeferiu o recurso hierárquico interposto da decisão do Director de Finanças do Porto, de 17.MAR.00, que indeferira a reclamação graciosa interposta da liquidação adicional de IRS de 1992.
Como fundamentos do recurso imputaram-se ilegalidades de violação de lei e de falta de fundamentação ao acto de liquidação e de ilegalidade formal ao despacho de indeferimento do recurso hierárquico, por falta de audiência prévia aquando da apreciação da reclamação graciosa.
Em sede de formulação do pedido, porém, não foi peticionada a anulação deste último despacho mas antes a anulação da liquidação adicional de IRS de 1992.
Por seu lado, a sentença, com fundamento em ilegalidade de falta de audiência prévia, julgou procedente o recurso contencioso interposto da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, tendo anulado este acto.
Isto é, tendo sido peticionada a anulação do acto de liquidação, o tribunal a quo, decretou a anulação do acto de indeferimento do recurso hierárquico, ou seja condenou em objecto distinto do pedido.
Em matéria de limites da condenação e de causas de nulidade da sentença dispõem os artºs 661º e 668º do CPC, e 125º do CPPT, do modo seguinte:
“Artº 661.º
(Limites da condenação)
1. A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
2 – Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
3. Se tiver sido requerida a manutenção em lugar da restituição da posse, ou esta em vez daquela, o juiz conhecerá do pedido correspondente à situação realmente verificada.
Artº 668.º
(Causas de nulidade da sentença)
1. É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
2. A omissão prevista na alínea a) do número anterior pode ser suprida oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença.
Este declarará no processo a data em que apôs a assinatura.
3. As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do nº 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário; no caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades. A nulidade prevista na alínea a) do mesmo número pode ser sempre arguida no tribunal que proferiu a sentença.
4. Arguida qualquer das nulidades da sentença em recurso dela interposto, é lícito ao juiz supri-la, aplicando-se, com as necessárias adaptações e qualquer que seja o tipo de recurso, o disposto no artigo 744.º.
Artº 125.º
(Nulidades da sentença)
1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
2 - A falta da assinatura do juiz pode ser suprida oficiosamente ou a requerimento dos interessados, enquanto for possível obtê-la, devendo o juiz declarar a data em que assina.”.
Perante o disposto em tais comandos jurídicos, temos que a condenação em objecto diverso do pedido constitui nulidade da sentença.
Tal nulidade, porém, tem que ser arguida pelas partes.
No caso dos autos, se bem que essa nulidade da sentença não tenha sido arguida de uma forma expressa, a sua arguição depreende-se, contudo, dos termos em que se mostram articuladas as alegações de recurso bem como as respectivas conclusões – Cfr. designadamente as conclusões de recurso nºs 6 a 11.
Ora, como atrás se deixou dito, tendo sido peticionada a anulação do acto de liquidação, o tribunal a quo, não podia ter decretado a anulação do acto de indeferimento do recurso hierárquico.
Ao fazê-lo, a sentença condenou em objecto distinto do pedido.
Assim sendo, tendo a sentença condenado em objecto diverso do pedido, a mesma enferma de nulidade.
Como supra se deixou também mencionado, uma vez que a impugnação da liquidação adicional se mostrava extemporânea, não poderia operar-se a convolação para essa forma de processo e nessa medida não podia também conhecer-se da impugnação da liquidação e do pedido formulado, ou seja da anulação do acto de liquidação.
Assim sendo, por tudo quanto fica exposto, impõe-se decretar a anulação da sentença, e julgar improcedentes quer o recurso contencioso quer a apreciação das ilegalidades imputadas ao acto de liquidação formulada em sede de ampliação do objecto do recurso.
IV- CONCLUSÃO
Termos em que acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TACN em decidir o seguinte:
a) Conceder provimento ao recurso jurisdicional;
b) Anular a sentença recorrida;
c) Julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pelo Recorrido.
Porto, 01 de Abril de 2011
José Luís Paulo Escudeiro
Francisco António Pedrosa de Areal Rothes
Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro