Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00248/18.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/09/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:COMPETÊNCIA; DIREITO DESPORTIVO; FEDERAÇÕES DESPORTIVAS
Sumário:
1 – A “escolha” da via recursiva competente não pode ser obtida por via das custas devidas em cada uma delas.
Se é certo que os valores a suportar pelas partes em sede Tribunal Arbitral, no caso do Desporto, são superiores aos que resultam do Regulamento das Custas Processuais, tal não obsta a que se possa obter a necessária tutela jurisdicional efetiva.
A invocada demora na concretização do Apoio Judiciário, que poria em causa o prazo concedido para impugnar a decisão que se contesta, mostra-se falacioso, pois que o Artº 33º nº 4 da Lei n.º 34/2004 prevê que “O patrono nomeado para a propositura da ação deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação (...)” sendo que “A ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.”
2 – As questões estritamente desportivas não são suscetíveis de tutela jurisdicional, com exceção dos casos de tais normas versarem sobre direitos indisponíveis, afetarem direitos fundamentais, ou violarem normas que protegem outro tipo de valores (v. g. corrupção, violência. doping).
Não são assim suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes da ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas, as quais podem ser definidas como aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas.
Consideram-se leis do jogo, o conjunto de regras que, relativamente a cada disciplina desportiva, têm por função definir os termos da confrontação desportiva e que se traduzem em regras técnico-desportivas que ordenam a conduta, as ações e omissões, dos desportistas nas atividades das suas modalidades e que, por isso, são de aplicação imediata no desenrolar das provas e competições desportivas. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:AASM
Recorrido 1:Federação Portuguesa de Voleibol
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
A AASM, devidamente identificados nos autos, no âmbito da ação ordinária, que intentou contra a Federação Portuguesa de Voleibol, tendente, em síntese, à anulação da deliberação da Direção da FPV de 25/10/2017, que aplicou à A. a sanção de perda de quatro jogos por falta de comparência e multa de 200€, por o atleta TPRCG não se encontrar devidamente inscrito na FPV, inconformados com a decisão proferida em 15 de fevereiro de 2018, no TAF do Porto, que declarou o tribunal administrativo e fiscal materialmente incompetente, veio interpor recurso jurisdicional da referida Sentença em 12 de março de 2018.
Formulou o aqui Recorrente nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
1- De acordo com a Lei de Bases do Desporto (Lei 5/2007) e o Regime Jurídico das Federações Desportivas (DL 248-B/2008), o Estado delega nas associações um poder público que devem exercer na perspetiva da satisfação dos interesses dos cidadãos que praticam desporto.
2- Resulta da Lei do TAD e do Regulamento de Processo e de Custas do TAD o seguinte: O valor da causa é determinado nos termos do CPTA (art. 77º da Lei do TAD); De acordo com os critérios previstos no CPTA, sendo impossível de apurar ainda e muito menos quantificar os prejuízos sofridos, o valor da causa a fixar será superior ao da alçada do TCA (€ 30.000,01); Para um valor da causa de € 30.000,01 é devida uma taxa de justiça de € 900,00 e os encargos do processo são de 3.000€ (encargos com árbitros) e de 90€ (encargos administrativos); Ainda que fixando-se à causa valor inferior a 30.000,01 (seja o valor da causa de 10€ seja de 30.000€), a taxa de justiça é sempre de 75€, os encargos com árbitros de 2.500€ e os encargos administrativos de 75€. É patente, pois, que a taxa de justiça e encargos no TAD são substancialmente superiores às cobradas nos tribunais administrativos, sendo os valores exigidos para que haja uma arbitragem incomensuravelmente maiores do que aqueles a que estão sujeitos os recursos para tribunais estaduais.
3- A tabela de custas e encargos do TAD constitui um obstáculo ao exercício de direitos já que um pequeno clube amador de uma modalidade amadora não tem meios para recorrer a tal modo de resolução de conflitos, não podendo dispor dos quase 5.000€: a tanto necessários.
4- A tanto não obsta a possibilidade de, em abstrato, poder recorrer ao apoio judiciário, porquanto: a exiguidade dos prazos para recorrer não lhe assegura a possibilidade de recorrer com a certeza de que beneficiará de tal apoio; sendo o requerente uma pessoa coletiva o apoio jurídico não compreende: o pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos; a nomeação e pagamento faseados da compensação do patrono; o pagamento faseado da compensação de defensor oficioso, ou seja, as pessoas coletivas só podem beneficiar da dispensa total de taxa de justiça e demais encargos do processo; importa, também, aferir como é calculada a insuficiência e, ter em conta, que os parâmetros e fórmulas de cálculo que o legislador estatuiu foram pensadas e programadas tendo em conta as taxas de justiça e encargos nos tribunais judiciais e não as taxas de justiça e encargos (bem superiores) a que os clubes estão sujeitos no recurso ao TAD.
5- As pessoas coletivas sem fins lucrativos, para terem direito ao apoio judiciário, têm de fazer prova da sua insuficiência económica (art. 7º, nº 1 e 4 da Lei o Acesso ao Direito e aos Tribunais), prova que é feita nos termos fixados em Portaria (art. 8º-B da LADT).
6- A Portaria 1085-A/2004 não fixa parâmetros específicos para as pessoas coletivas, sendo aplicável o definido (inclusive a fórmula de apuramento do rendimento relevante) quanto às pessoas singulares daqui resultando a inviabilidade prática de concessão de apoio judiciário.
7- Tanto mais quando, tendo estado prevista a possibilidade de apreciação em concreto da insuficiência económica, nos termos do art. 20º nº 2 da LATD, esse normativo foi revogado pela Lei 47/2007, deixando de existir a apreciação em concreto da insuficiência económica (que seria a única forma, ponderados os proventos e despesas/encargos da pessoa coletiva, ponderada a elevada tabela de custas e encargos do TAD, de os clubes amadores - que não se encontrem insolventes ou na eminência de o estar - poderem beneficiar do apoio judiciário).
8- Tudo isto acarreta que, na prática e na situação concreta, a insidicabilidade, pelos clubes amadores, das decisões das Federações
9- O conceito de "questão estritamente desportiva" estava previsto no art. 18º da Lei de Bases do Desporto (Lei 5/2007), que estatuía que: "São questões estritamente desportivas as que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, enquanto questões emergentes das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas competições", artigo esse que foi revogado pelo art. 4 º da Lei 74/2013 norma revogatória).
10- A exclusão prevista no nº 5 do Art. 4º da Lei do TAD não versa as questões estritamente desportivas, como facilmente se alcança dos critérios de interpretação da lei ínsitos no CC, quer atento o elemento literal quer atento o elemento histórico.
11- É a própria Lei da TAD que revoga a art. 18º da Lei de Bases da Desporto (onde estava concretamente especificada o conceito de questão estritamente desportiva).
12- Se a legislador pretendesse excluir da alçada da TAD as questões que não fossem estritamente desportivas, teria plasmada na nº 5 do art.º 4º da Lei do TAD que era excluída da jurisdição do TAD a resolução de questões que não fossem estritamente desportivas, enunciando até qual a definição da que eram questões estritamente desportivas (aproveitando a definição constante do art. 18º da Lei de Bases do Desporto).
13- Mas não foi isto o que o legislador pretendeu. O que quis e determinou foi-excluir da jurisdição do TAD a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.
14- A deliberação/sanção sindicada nos autos foi aplicada nos termos do estatuído no Regulamento das Provas da FPV e decorre, pois, de normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva. Camo tal, está excluída da jurisdição da TAD.
15- têm natureza pública os poderes das federações desportivas exercidas no âmbito da regulamentação e disciplina da respetiva modalidade que, para tanto, lhe sejam conferidos por lei (como sucede ln casu), donde resulta a competência dos tribunais administrativos para dirimir o litígio que lhe foi submetida, face ao disposto no art. 4º, nº 1, al, d) do ETAF.
16- A douta sentença sub judice violou a disposto na art. 20º da CRP e no art. 4º nº 5 da Lei 74/2013.
Termos em que revogado a douta sentença sub judice e reconhecendo a competência dos tribunais administrativos em razão da matéria, V.Exªs farão inteira e costumada, JUSTIÇA”
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O Recurso veio a ser admitido por Despacho de 20 de março de 2018.
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A Recorrida FPV veio a apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 8 de maio de 2018, tendo concluído:
“Assim, das duas uma;
a) ou estamos perante uma questões estritamente desportivas (ou na designação atual, «questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva) e não há sequer acesso ao TAD, pois essas questões são tratadas apenas pelas instâncias competentes na ordem desportiva (Direção; Conselho de disciplina; Conselho de justiçai Conselho de arbitragem - art.º 32.º nº 1, da Decreto -Lei n.º 248 -B/2008, de 31 de Dezembro - Regime Jurídico das Federações Desportivas):
b) ou estamos perante outro tipo de questões e há competência exclusiva do TAD para o efeito (sem prejuízo do eventual recurso jurisdicional das decisões deste Tribunal arbitral - art.º 8.° da Lei do TAD)
Assim, o acesso aos tribunais da ordem administrativa só surge em sede de recurso jurisdicional de decisões do TAD e nunca por via de recurso direto.
Daí que a decisão recorrida não viole o disposto no art.° 4.º da lei do TAD.
Nestes termos e nos mais de Direito, que V.as Ex.as suprirão, deve ser provido o presente recurso, e, em decorrência, ser o recurso considerado totalmente improcedente, confirmando-se a decisão recorrida, assim se fazendo inteira e sã Justiça!”
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O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 1 de Junho de 2018, nada veio dizer, requerer ou promover.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Vem suscitada relativamente à decisão recorrida a necessidade de verificar se ficou devidamente decidida a questão da competência material dos tribunais Administrativos para julgar a presente questão, à luz do Artº 4º do ETAF, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
Tendo sido declarada pelo tribunal a quo a sua incompetência em razão da matéria para conhecimento dos presentes autos, não foi, no entanto, fixada matéria de facto.
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IV – Do Direito
A competência de um tribunal afere-se pela forma como o autor configura a ação, definida pelo pedido e pela causa de pedir.
A questão está pois objetivamente em saber se a competência dos TAF para julgar a presente Ação se enquadra com o estatuído no ETAF.
Como ficou dito no Acórdão do Tribunal de Conflitos nº 012/09 de 08-10-2009 “A competência (ou jurisdição) de um tribunal afere-se pela forma como o autor configura a ação, definida pelo pedido e pela causa de pedir, isto é, pelos objetivos com ela prosseguidos.”
Discorreu-se em 1ª instância:
“Examinando a pretensão anulatória e condenatória apresentada pela A., e a constelação fáctica enumerada pela mesma em suporte do peticionado, é nosso entendimento que este Tribunal não é competente para decidir da presente providência.
No caso em apreço, como já se deixou antecedentemente exposto, é pedido a este Tribunal que anule a deliberação da Direção da R., a Federação Portuguesa de Voleibol, proferida em 25/10/2017 e publicada no site da dita Federação em 26/10/2017, através da qual foi aplicada à A. a sanção de perda de quatro jogos por falta de comparência e multa de 200,00 Euros por o atleta TPRCG não se encontrar, à data dos jogos 133, 142, 146 e 154 devidamente inscrito na Federação Portuguesa de Voleibol. Mais peticiona a A. a condenação da R. no pagamento de indemnização por danos morais e patrimoniais, a liquidar em sede de execução de sentença.
Ora, o modo como a A. estrutura a causa de pedir da ação conduz, inelutavelmente, à conclusão de que, no vertente processo judicial, se discute matéria atinente ao ordenamento jurídico desportivo, claramente relacionado com a prática do desporto, concretamente, o Voleibol. Quer isto significar que, após exame aturado da causa de pedir, do pedido e dos elementos fáctico-jurídicos em digladio, não pode este Tribunal deixar de concluir que o caso posto consubstancia um litígio que convoca normas específicas do ordenamento jurídico-desportivo.
Sendo assim, impera assumir que o vertente litígio não tem subjacente uma relação jurídica administrativa nos moldes do exigido no art.º 212.º, n.º 3 da CRP para a verificação positiva da competência material deste Tribunal.
Com efeito, atento o disposto nos art.ºs 209.º, n.ºs 2 e 3 e 212.º, n.º 3 da CRP, os art.ºs 1.º e 4.º do ETAF e, finalmente, o prescrito na Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (alterada pela Lei n.º 33/2014, de 16 de junho), impera concluir que o Tribunal Arbitral do Desporto, enquanto tribunal privativo do ordenamento jurídico desportivo e para resolução dos litígios daí advenientes, é que possui competência, em razão da matéria, para deslindar a questão agora em apreciação.
Realmente, basta atentar no estipulado nos art.ºs 1.º, n.ºs 1 e 2, 2.º, 3.º e 4.º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, alterada pela Lei n.º 33/2014, de 16 de junho) para assumir, inequivocamente, que esta é a Instância Judicial com competência para dilucidar a presente problemática.
É certo que a A. contrapõe que a situação em apreço inscreve-se na exclusão plasmada no art.º 4.º, n.º 5 da Lei n.º 74/2013. No entanto, e como é bom de ver, não lhe assiste qualquer razão, pois que, o caso versado não convoca o deslindamento de questão estritamente desportiva, ou seja, de questão técnica inerente à própria prática da competição desportiva, mas implica, sim, a sindicância judicial de decisão proveniente de uma federação desportiva, emitida, claramente, a coberto e no exercício dos respetivos poderes de organização e de disciplina.
Do que fica dito dimana, cristalinamente, que o litígio agora posto subsume-se, inequivocamente, no preceituado no n.º 1 do referenciado art.º 4.º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto.
A A. argumenta, também, que a competência para decidir o litígio agora em causa deve pertencer a esta Jurisdição Administrativa, sob pena de violação do direito à tutela jurisdicional efetiva em virtude da elevada tabela de custas praticada pelo Tribunal Arbitral do Desporto. Com efeito, sustenta a A. que a sobredita tabela impede os clubes amadores, normalmente a braços com dificuldades e constrangimentos de tesouraria, de impugnarem as decisões ilegais das federações desportivas, por não disporem de recursos financeiros para custear as taxas de justiça e demais encargos em vigência no Tribunal Arbitral do Desporto.
Sucede que, tal argumento, como a própria A. parece antever, não pode ter acolhimento. Realmente, e não se discordando da circunstância atinente à modéstia ou mesmo falta de recursos financeiros por banda de clubes amadores- e não só-, impera salientar que a A.- ou qualquer outra entidade similar- sempre pode recorrer aos mecanismos públicos de proteção jurídica, especificamente, à concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, em consonância com o descrito na Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, consubstanciada na Lei n.º 34/2004, de 29 de julho.
E não colhe em contrário do que vem de se expor a alegação da A. de que a delonga do procedimento de concessão de apoio judiciário não é compatível com os prazos curtos estabelecidos para os recursos e impugnações perante o Tribunal Arbitral do Desporto. Na verdade, tal alegação esbarra frontalmente com o estipulado no art.º 33.º, n.º 4 da referida Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, que estabelece que “a ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono”, bem como com o facto de que o pedido deve ser entendido como tacitamente deferido nos termos descritos no art.º 25.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma. De todo o modo, estando em causa processos de natureza urgente, ou com prazos curtos, não pode a legislação processual desportiva deixar de ser interpretada harmoniosamente com a manutenção das garantias constitucionais de acesso ao direito e à justiça, por forma a que o disposto no art.º 54.º, n.ºs 3, 4 e 5 da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto deva ser compatibilizado, nomeadamente, com o estabelecido no art.º 552.º, n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Civil, ponderando a aplicação subsidiária da legislação processual civil ao contencioso desportivo por força do prescrito no art.º 80.º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto.
Desta feita, considerando todo o conjunto argumentativo esgrimido, é nosso entendimento que este Tribunal Administrativo é incompetente em razão da matéria para apreciar e decidir da questão sub juditio, em concordância com o preceituado nos art.ºs 209.º, n.ºs 2 e 3 e 212.º, n.º 3 da CRP, art.ºs 1.º e 4.º do ETAF e art.ºs 1., n.ºs 1 e 2, 3.º e 4.º da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (alterada pela Lei n.º 33/2014, de 16 de junho).
Sendo a incompetência material uma incompetência absoluta do Tribunal (cfr. art.º 96.º do CPC), traduz uma exceção dilatória (art.º 577.º, al. a) do CPC) conducente à absolvição da R. da instância (art.º 278.º, n.º 1, al. a) e art.º 576.º, n.º 2 do CPC).”
Refira-se desde logo que se não vislumbram razões para divergir do entendimento adotado em 1ª instância.
Refira-se, em qualquer caso, que o presente recurso visa anular a decisão proferida em 1ª instância que considerou os TAF como materialmente incompetentes para conhecer e dirimir o litígio desportivo submetido à apreciação dos Tribunais desta ordem jurisdicional.
Surpreendentemente o Recurso tem como um dos seus pilares o facto da tabela de custas e encargos do Tribunal Arbitral do Desporto constituir um obstáculo económico ao exercício de direitos de um clube amador.
Por outro lado, entende ainda a Recorrente que o acesso à jurisdição administrativa seria possível por via da exclusão prevista no n.º 5 do artº 4 da Lei do TAD
Efetivamente, entende a Recorrente que o recurso obrigatório para o TAD não assegura a tutela jurisdicional efetiva porque o Regulamento de Processo e Custas do TAD determina taxa de justiça e encargos substancialmente superiores às cobradas nos tribunais administrativos.
Mal seria que as partes pudessem escolher a instância jurisdicional em função das custas que teriam de pagar em cada uma delas.
Se é certo que os valores a suportar pelas partes em sede Tribunal Arbitral são superiores aos que resultam do Regulamento das Custas Processuais, como se explicitou lapidarmente em 1ª instância, tal não obsta a que se possa obter a necessária tutela jurisdicional efetiva.
Na realidade, se for caso disso, sempre a parte poderá recorrer ao apoio judiciário.
Efetivamente, o Artº 8º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho - acesso ao direito e aos tribunais – assegura expressamente que: 1 - Encontra-se em situação de insuficiência económica aquele que, tendo em conta o rendimento, o património e a despesa permanente do seu agregado familiar, não tem condições objetivas para suportar pontualmente os custos de um processo.
2 - O disposto no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, às pessoas coletivas sem fins lucrativos.
Sempre teria pois a Recorrente que fazer prova de que «não tem condições objetivas para suportar pontualmente os custos de um processo».
No que respeita já ao curto prazo que teria para impugnar a decisão que contesta, tal como se intui do afirmado em 1ª instancia, tal argumento mostra-se falacioso, pois que o Artº 33º nº 4 da Lei n.º 34/2004 prevê que “O patrono nomeado para a propositura da ação deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação (...)” sendo que “A ação considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.”
Acresce que a Portaria nº 301/2015, de 22 de Setembro, relativa à taxa de arbitragem e os encargos no âmbito da arbitragem voluntária define no seu Artº 4º relativamente ao “Apoio judiciário” que “Nos processos de arbitragem necessária em que tenha sido concedido apoio judiciário, a algum ou alguns dos interessados, na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, ou na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo, as taxas de arbitragem e relativas a atos avulsos, bem como as despesas cujo pagamento seja da responsabilidade do interessado que beneficia do apoio judiciário são suportadas pela entidade da área da justiça responsável por arrecadar a receita e efetuar a despesa no âmbito deste apoio”.
Não haveria pois qualquer impedimento a que, se fosse caso disso, a Recorrente pudesse ter recorrido ao instituto do Apoio Judiciário.
Invoca, por outro lado a Recorrente que o Recurso aos TAF resultaria possível, nos termos do Artº 4º nº 6 da Lei n.º 74/2013, de 06 de Setembro – a qual define as competências do Tribunal Arbitral, o qual define que “É excluída da jurisdição do TAD, não sendo assim suscetível designadamente do recurso referido no n.º 3, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.”
Em qualquer caso, a transcrita norma terá de ser enquadrada em função de todo o bloco legal aplicável e atenta a evolução legislativa verificada.
Com efeito, referia o Artº 18º da Lei nº 5/2007, de 16 de Janeiro (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto) que “1 - Os litígios emergentes dos atos e omissões dos órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais, no âmbito do exercício dos poderes públicos, estão sujeitos às normas do contencioso administrativo, ficando sempre salvaguardados os efeitos desportivos entretanto validamente produzidos ao abrigo da última decisão da instância competente na ordem desportiva.
2 - Não são suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas.
3 - São questões estritamente desportivas as que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, enquanto questões emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas competições.
4 - Para efeitos do disposto no número anterior, as decisões e deliberações disciplinares relativas a infrações à ética desportiva, no âmbito da violência, da dopagem, da corrupção, do racismo e da xenofobia não são matérias estritamente desportivas.
5 - Os litígios relativos a questões estritamente desportivas podem ser resolvidos por recurso à arbitragem ou mediação, dependendo de prévia existência de compromisso arbitral escrito ou sujeição a disposição estatutária ou regulamentar das associações desportivas.
Acontece que o transcrito artigo deixou de vigorar em decorrência da revogação expressa estabelecida na Lei nº 5/2007, pelo Artº 4º alínea b), que aprovou o Tribunal Arbitral do Desporto – Lei n.º 74/2013.
Assim, com a entrada em vigor da Lei nº 74/2013 a controvertida matéria passou a ser regulada pelos seus Artº 1º e 4º, que referem (Artº 1º nº 2) que “o TAD tem competência especifica para administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto.”
Mais refere o aludido artº 4º relativamente à arbitragem necessária o seguinte:
1 • Compete ao TAD conhecer dos litígios emergentes dos atos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina.
2 - Salvo disposição em contrário e sem prejuízo do disposto no número seguinte, a competência definida no número anterior abrange as modalidades de garantia contenciosa previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos que forem aplicáveis.
3 - O acesso ao TAD só é admissível em via de recurso de;
a) Deliberações do órgão de disciplina ou decisões do órgão de justiça das federações desportivas, neste último caso quando proferidas em recurso de deliberações de outro órgão federativo que não o órgão de disciplina;
b) Decisões finais de órgãos das ligas profissionais e de outras entidades desportivas.
4 - Com exceção dos processos disciplinares a que se refere o artigo 59.º da Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto, compete ainda ao TAD conhecer dos litígios referidos no n.º 1 sempre que a decisão do órgão de disciplina ou de justiça das federações desportivas ou a decisão final de liga profissional ou de outra entidade desportiva não seja proferida no prazo de 45 dias ou, com fundamento na complexidade da causa, no prazo de 75 dias, contados a partir da autuação do respetivo processo.
5 - (...)
6 - É excluída da jurisdição do TAD, não sendo assim suscetível designadamente do recurso referido no nº 3, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.”
Em face do que precede, mostra-se não ser de aceitar o entendimento preconizado pela Recorrente
Efetivamente, resulta do transcrito nº 6 do art.º 4 da Lei nº 74/2013 quais as matérias afastadas do âmbito do contencioso.
As questões essencial e predominantemente desportivas ficam assim e apenas dependentes das federações desportivas.
Como resulta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21/09/2010, proferido no Recurso nº 0295/10, as questões estritamente desportivas não serão suscetíveis de tutela jurisdicional, com exceção dos casos de tais normas versarem sobre direitos indisponíveis, não afetem direitos fundamentais, nem violem normas que protegem outro tipo de valores (v. g. corrupção, violência. doping).
Como se sumariou no referido Acórdão do STA “(...) não são suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas.
(...) são questões estritamente desportivas aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas.
Por leis do jogo deve entender-se o conjunto de regras que, relativamente a cada disciplina desportiva, têm por função definir os termos da confrontação desportiva e que se traduzem em regras técnico - desportivas que ordenam a conduta, as ações e omissões, dos desportistas nas atividades das suas modalidades e que, por isso, são de aplicação imediata no desenrolar das provas e competições desportivas.
(...) não se considerarem questões estritamente desportivas subtraídas à jurisdição do Estado, as decisões que ponham em causa direitos fundamentais, direitos indisponíveis ou bens jurídicos protegidos por outras normas jurídicas para além dos estritamente relacionados com a prática desportiva (corrupção, "dopagem", etc.).”
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 9 de novembro de 2018
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. João Beato
Ass. Hélder Vieira