Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00060/16.2BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/29/2016
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Hélder Vieira
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL; FACTOS ADMITIDOS POR ACORDO;
EXCLUSÃO DE PROPOSTA; DESCONFORMIDADE FORMAL; CONFORMIDADE SUBSTANTIVA
Sumário:I — Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, com as ressalvas que o nº 2 do artigo 574º do CPC contempla, pelo que — e não sendo caso subsumível a tais ressalvas —, não pode ser considerado admitido por acordo um facto que, para além de não alegado nos substantivos termos assentes no acervo probatório, na versão alegada havia sido impugnado nos autos;
II — Estando em causa aspectos atinentes aos termos e condições não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, a mera desconformidade formal na indicação do total de horas da carga horária mensal, relativamente à substância revelada pelas concretas especificações técnicas constantes da proposta, quanto ao número de trabalhadores, aos dias da semana e ao horário, é de concluir pela não violação de aspectos da execução do contrato.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:SL... – Sociedade de Limpezas, Ldª (SL...); Unidade Local de Saúde do Nordeste, EPE (ULSN)
Recorrido 1:L... – Multiservices, SA (L...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
Recorrentes: SL... – Sociedade de Limpezas, Ldª (SL...); Unidade Local de Saúde do Nordeste, EPE (ULSN)
Recorrido: L... – Multiservices, SA (L...)
Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que anulou o acto de adjudicação da proposta apresentada pela concorrente SL..., de 20-01-2016, no âmbito do concurso público para aquisição de serviços de limpeza, publicitado no JOUE nº 1798/2015.

O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões das respectivas alegações(1):

— Apresentadas pela Recorrente SL...:

1. A Recorrente não pode, por via do presente recurso, deixar de se insurgir contra a douta sentença proferida, em 26-04-2016, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que, julgando a presente acção procedente, decidiu anular a decisão da adjudicação por parte da Unidade Local de Saúde do Nordeste EPE (ULSNE) à ora recorrente, bem como do contrato com a mesma outorgado para a aquisição de serviços de limpeza no âmbito do Concurso Público Internacional com publicação no JOUE n.° 1798/2015.

2. Na proposta apresentada pela recorrente, foi tida em consideração a alteração no caderno de encargos de 150 para 162 horas, no que se refere à carga horária prevista para a execução do serviço de limpeza no Centro de Saúde de Miranda do Douro.

3. De facto, o preço apresentado pela recorrente para este Centro de Saúde é em tudo semelhante ao preço apresentado para a Sede – Praça Cavaleiro Ferreira (Bragança), sendo que para este a carga horária para a execução do serviço de limpeza é a mesma (162 horas).

4. O facto de na proposta da recorrente figurar 150 horas relativamente ao Centro de Saúde de Miranda do Douro deve ser considerado mero lapso/erro de escrita.

5. O preço que, decorrente do contrato outorgado entre a ULSNE e a recorrente, está por esta a ser praticado é exactamente o que foi apresentado na sua proposta, conforme decorre das facturas relativas aos serviços de limpeza prestados até à presente data (cfr. docs. 1, 2 e 3).

6. E ainda que se viesse a considerar – o que não se concede – serem inválidos a decisão de adjudicação e o contrato celebrado entre a ULSNE e a recorrente, sempre o Tribunal recorrido, na sentença proferida, deveria ter afastado tal invalidade mediante a devida ponderação do interesse público em causa, mormente no que se refere aos custos gravosos para o erário público, resultantes dessa anulação, verificando-se, pois, a violação pela sentença recorrida do art. 102.º n.°s 6 e 7 do CPTA.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser concedido integral provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida em conformidade, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!”.

— Apresentadas pelo Recorrente ULSN:

A) – A proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo.

B) – De acordo com o artigo 70º nº 2, b) do CCP são excluídas as propostas cuja análise revele que apresentam atributos que violem parâmetros base fixados no caderno de encargos.

C) – O número de horas/carga horária por instalação da Ré/Recorrente constitui um parâmetro a considerar por todos os concorrentes.

D) – A carga horária para o Centro de Saúde de Miranda do Douro, antes e após o esclarecimento do Júri, de 26/11/2015, sempre assentou nas mesmas premissas ou parâmetros:

- 2 . número de trabalhadores;

- 5 dias/semana (Segunda/Sexta); e

- Horário das 18.00 às 21.45 h (225m).

E) – Com tais parâmetros, obtém-se matematicamente 162 h, seja 2x 5 x 225 : 60 x 52 : 12 = 162,5.

F) – O júri ao referir e esclarecer que onde se lê 150h deve passar a estar 162h, procede apenas à correcção matemática da operação ou cálculo.

G) – Tal correcção é admissível, sem que os princípios da protecção da confiança e da intangibilidade das peças do procedimento sejam postergados.

H) – A proposta da contra-interessada, seriada em 1º lugar, ao manter as premissas (nº de trabalhadores, dias de semana e horário diário) vinculou-se à prestação de 162h mensais, conforme exigido pelo CE, e não 150h já que esse é o resultado do cálculo da carga horária mensal, e o ano ter 52 semanas e 12 meses.

I) – Tal proposta possibilita claramente a respectiva análise à luz dos critérios de adjudicação fixado – o mais baixo preço.

J) – Desta forma, a proposta da contra-interessada não violou os parâmetros base fixados no CE, já que apesar de na carga horária mensal relativa ao Centro de Saúde de Miranda do Douro, constar 150 h, as horas a que efectivamente se vinculou foram 162h.

K) – Pelo que deverá manter-se a proposta da contra-interessada, bem como o respectivo acto de adjudicação e contrato.

L) – A douta sentença ora posta em crise, ao decidir como o fez violou e/ou não aplicou correctamente, entre outras, as seguintes normas legais, que, assim, se mostram violadas:

- Artigos: 50º, 56º, nº 1, 70º, nº 2, b); e 74º do CCP.

- Artigo 174º do Código do Procedimento Administrativo.

- Artigo 249 do Código Civil.

TERMOS em que, e sempre com o superior e preclaro entendimento de Vªs. Exªs., deve o presente Recurso merecer inteiro provimento, revogando-se a douta sentença recorrida, mantendo-se em consequência a decisão adjudicatória da entidade recorrente, Por ser de LEI e constituir um acto de JUSTIÇA”.

A Recorrida L... não contra-alegou.

O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, e pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso, em termos que se dão por reproduzidos.

De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, as questões suscitadas(2) e a decidir(3), se a tal nada obstar, resumem-se em determinar se a decisão recorrida padece dos invocados erros de julgamento de Direito na apreciação da questão atinente à carga horária mensal para o Centro de Saúde de Miranda do Douro contemplada na proposta apresentada pela adjudicatária e ora Recorrente SL... e se a sentença recorrida incorreu na violação do disposto nos nºs 6 e 7 do artigo 102º do CPTA

Cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA

A matéria de facto fixada pela instância a quo é a seguinte:

1) A entidade requerida, através de Anúncio publicado em Diário da República de 20.10.2015, publicitou o Concurso Público Internacional com Publicação no JOUE n° 1798/2015 para a Aquisição de Serviços de Limpeza para as instalações da Unidade Local de Saúde do Nordeste;

Doc. 1 junto com a p.i.

2) O contrato a celebrar tem por objeto principal a aquisição de serviços de limpeza para todas as instalações da entidade demandada;

Docs. 1, 2 e 3 juntos com a p.i.

3) O Programa do Procedimento previa no artigo 7.º, n.º 2, al. a), por referência ao artigo 57.º, n.º 1, al. c) do CCP, que as propostas indicassem vários elementos entre os quais “nota justificativa do preço”;

Doc. 2 junto com a p.i.

4) Previa também, no artigo 8.º, a não admissibilidade de apresentação de propostas variantes;

Doc. 2 junto com a p.i.

5) O Caderno de Encargos estipulava que o contrato se mantém em vigor até 31.12.2016;

Doc. 3 junto com a p.i.

6) A tabela 1. do Anexo I do Caderno de Encargos previa para o Centro de Saúde de Miranda do Douro uma carga horária mensal de 150 h;

Doc. 3 junto com a p.i.

7) E a ponto «7. PESSOAL» do mesmo Anexo previa no sue número 1 que «o pessoal deverá ser gerido por um(a) supervisor(a) da empresa, nomeado(a) com o acordo prévio da ULSNE. Este pessoal responderá pela rigorosa disciplina, compostura e resultados. O(a) supervisor(a) deverá ter meios necessários para se poder deslocar entre as instalações da ULSNE»;

8) Os prazos definidos para o procedimento foram os seguintes:

Doc. 1 junto com a p.i.

Data limite de apresentação de candidaturas/propostas:

07-12-2015 17:00:00 ((UTC) Dublin. Edinburgh, Lisbon, London)

Data estimada para a abertura das propostas:

07-12-2015 17:01:00 ((UTC) Dublin, Edinburgh, Lisbon, London)

Data limite de apresentação de 13 Dias para terminar esclarecimentos:

(04-11-2015 17.00 00 (UTC) Dublin, Edinburgh, Lisbon, London)

Data e hora limite para a recepção de erros e omissões:

26 Dias para terminar (15-11-2015 00.00.00 (UTC) Dublin, Edinburgh, Lisbon, London)

Prazo de validade das propostas apresentadas:

90 (Dia(s))

9) Foram requeridos e prestados alguns esclarecimentos;

Docs. 4 a 7 juntos com a p.i.

10) Um dos esclarecimentos prestados pelo júri refere-se à alteração de carga horária mensal, tendo o júri informado «que, na página 11 do caderno de encargos na coluna “Carga Horária Mensal”, para o Centro de Saúde de Miranda do Douro, onde se lê 150 h deve passar a estar 162h»;

Doc. 7 junto com a p.i.

11) A proposta da contrainteressada é composta por documento denominado por «Nota Justificativa do Preço», o qual tem o seguinte teor:

Doc. 13 junto com a p.i.

Para a análise e definição a fornecer para a presente proposta, a SL..., teve em consideração todos os custos diretos e indiretos associados à mão de obra dos seus colaboradores, bem como os custos operacionais da empresa.

Assim, com base nesses pressupostos, passamos a indicar, descriminando por parcelas, a composição do preço:

[imagem omissa]

12) Na proposta da contra interessada era indicado como supervisor David Pavão;

Doc. 13 junto com a p.i.

13) A proposta da contrainteressada previa também nas máquinas e equipamentos a afetar à aquisição de serviços que para a prestação de serviços seria colocada uma viatura de 5 lugares;

Doc. 1 junto com a contestação da contrainteressada

14) Relativamente ao Centro de Saúde de Miranda do Douro a contrainteressada apenas contabilizou o cumprimento de 150 horas mensais;

Admitido por acordo

15) A 09.12.2015 a autora foi notificada do relatório preliminar no qual o júri graduou em primeiro lugar a proposta da sociedade AL... - Sociedade de Limpezas Industriais, S.A., em segundo lugar a proposta da contrainteressada e em terceiro lugar a proposta da autora;

Docs. 8 e 9 juntos com a p.i.

16) No âmbito do exercício do direito de audiência prévia quer a sociedade AL... - Sociedade de Limpezas Industriais, S.A. quer a contrainteressada solicitaram a exclusão da proposta graduada em primeiro lugar;

Doc. 10 junto com a p.i.

17) O júri elaborou novo relatório em que excluiu a proposta apresentada pela sociedade AL... - Sociedade de Limpezas Industriais, S.A., manteve a graduação das demais propostas, e propôs a adjudicação do contrato à contrainteressada;

Doc. 10 junto com a p.i.

18) A autora exerceu o direito de audiência prévia solicitando a exclusão da proposta da contrainteressada;

Doc. 11 junto com a p.i.

19) Foi elaborado relatório final, que manteve a ordenação das propostas da contrainteressada e da autora, propondo a adjudicação do contrato à contrainteressada;

Doc. 12 junto com a p.i.

20) Do referido relatório final consta, entre o mais, o seguinte:

Doc. 12 junto com a p.i.

3. Análise das reclamações:

3.1. A L... vem solicitar a exclusão do concorrente SL... alegando a
ausência de nota justificativa de preços, um diferencial de 12 horas na carga horária das instalações do Centro de Saúde de Miranda do Douro e do facto de não ser feita referência à colocação de um supervisor assim como a respetiva viatura para deslocação.

a)A nota justificativa de preços foi solicitada pela ULSNE para permitir compreender o modo como os concorrentes constroem o preço proposto aferindo do rigor do mesmo, sendo que o Júri considerou suficiente a informação apresentada. O Júri não pretende restringir o universo concorrencial, nem prejudicar o resultado financeiro do procedimento, para o qual o critério de adjudicação escolhido foi o do preço mais baixo.

As alegadas exigências em relação à fundamentação da nota justificativa do preço a apresentar pelos concorrentes extravasam a liberdade conferida pelo n.º 4 do artigo 132.º do CCP.

Note-se que o concorrente SL... apresentou uma nota justificativa discriminada do preço apresentado, bem como a declaração exigida nos termos da qual se vincula às condições e exigências previstas nas peças do procedimento.

b) A questão das 12 horas mensais de diferença foi lapso em virtude de ser o número de horas que constavam no caderno de encargos, e que foi posteriormente retificada em erros e omissões sem que o concorrente se tivesse apercebido, trata-se de uni lapso irrelevante e desproporcional. No caso de se rejeitar a proposta de valor mais baixo apresentada pela empresa "SL...", ao optar-se pela proposta do concorrente L... ter-se-ia um custo adicional de 775€ por mês, ou seja 9300€ por ano, configuraria a prática de uma ilegalidade da qual resultava uma alteração do resultado financeiro do contrato, a que não pode ser indiferente um atento e preocupado gestor da coisa pública.

A proposta do concorrente "SL..." não omite qualquer elemento submetido à concorrência, que seja essencial e que não permita aferir os termos da proposta, existe um lapso no número de horas que se fosse corrigido implicaria um aumento de 77,16 € mensal (Diferencial = [965,58€/150h]*12h= 77,16€), e a empresa continuava a ter o preço mais baixo, no entanto essa questão nem sequer se coloca porque a empresa vai cumprir todas as exigências das peças do procedimento de acordo com a declaração exigida nos termos da qual se vincula às condições e exigências previstas nas peças do procedimento.

c) A supervisora e a viatura está definida no caderno de encargos e a declaração exigida nos termos da qual se vincula às condições e exigências previstas nas peças do procedimento do caderno de encargos é suficiente para evidenciar a vontade de cumprimento.

21) Sobre o relatório final recaiu deliberação da entidade requerida de 20.01.2015 que determinou a adjudicação do contrato à contrainteressada.

Doc. 12 junto com a p.i.

IV.1.2 – Factos não Provados

Inexistem factos com interesse para a decisão da causa que importe dar como não provados.”.

II.2 – DO MÉRITO DO RECURSO

No ponto essencial à apreciação do objecto do presente recurso jurisdicional, a sentença sob recurso mostra exarado, quanto aos fundamentos de facto, que “Relativamente ao Centro de Saúde de Miranda do Douro a contrainteressada apenas contabilizou o cumprimento de 150 horas mensais; Admitido por acordo”.

E o discurso dirimente, quanto a essa questão, tem o seguinte teor:

O Anexo I das Especificações Técnicas do Caderno de Encargos referia na tabela 1. que a carga horária mensal no Centro de Saúde de Miranda do

Douro seria de 150 horas.

Conforme resulta dos factos provados, de acordo com os esclarecimentos prestados pelo júri a carga mensal no Centro de Saúde de Miranda do Douro não seria de 150 horas, mas de 162 horas.

Conforme resulta do artigo 50.º, n.º 5 do CCP os esclarecimentos e retificações efetuados pelo júri “fazem parte integrante das peças do procedimento a que dizem respeito e prevalecem sobre estas em caso de divergência.

Assim, de acordo com as regras concursais, a carga horária mensal para o Centro de Saúde de Miranda do Douro era de 162 horas e não de 150 horas.

Resulta dos factos provados que a contrainteressada quanto a este aspeto apenas contabilizou o cumprimento de 150 horas.

Entende a autora que a proposta da contrainteressada por assentar quanto ao Centro de Saúde de Miranda do Douro em 150 horas e não em 162 horas constitui uma proposta variante, pelo que deveria ser excluída, já que no concurso em causa não era admissível a apresentação de propostas variantes.

Analisado o relatório elaborado pelo júri, verifica-se que se considerou que a proposta da contrainteressada tinha um lapso neste aspeto, se teceram considerações no sentido de que o lapso importaria uma diferença de preço na proposta de € 77,16 o que originaria que a contrainteressada continuaria a ter o preço mais baixo, e que essa questão não se colocaria já que a contrainteressada declarou vincular-se às condições e exigências previstas nas peças de procedimento.

Ponderados os elementos dos autos e as normas legais, afigura-se que a conclusão do júri é, quanto a este aspeto, ilegal.

Conforme decorre do artigo 56.º, n.º 1 do CCP “a proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo”.

E de acordo com o número 2 do mesmo artigo “entende-se por atributo da proposta qualquer elemento ou característica da mesma que diga respeito a um aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos.

De acordo com as normas concursais o horário mensal fixado não era um aspeto submetido à concorrência, sendo fixado nas peças concursais o número de horas mensais de serviço que deveria ser prestado em cada serviço.

De acordo com o artigo 70.º, n.º 2, al. b) do CCP “são excluídas as propostas cuja análise revele (…) b) Que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 4 a 6 e 8 a 11 do artigo 49.º;”

O número de horas a prestar constitui um parâmetro fixado no caderno de encargos, a ser considerado obrigatoriamente por todos os concorrentes.

Ora, na proposta apresentada pela contrainteressada esta apenas se vinculou a prestar 150 horas no Centro de Saúde de Miranda do Douro, quando o que era solicitado era a prestação de 162 horas.

Repare-se que não estamos perante um elemento acessório da proposta, mas perante um parâmetro essencial à sua apresentação, já que o preço tem, naturalmente, como elemento a ser considerado o número de horas que tem que ser prestado.

Assim, conforme decorre do próprio conceito plasmado no artigo 56.º, n.º 1 do CCP, a contrainteressada só se vinculou a prestar 150 horas no Centro de Saúde de Miranda do Douro, pelo que a conclusão do júri do concurso no sentido de pressupor que esta irá prestar mais horas não tem suporte legal. Admitir esta realidade pressupõe, aliás, a abertura, logo na fase pré-contratual, à eventual necessidade de modificação do próprio contrato celebrado, já que o número de horas que a contrainteressada se propõe prestar não coincide com o número de horas que a entidade adjudicante necessita para assegurar o serviço em causa.

Além disso, nos termos do artigo 96.º, n.º 2, al. d) do CCP a proposta adjudicada constitui parte integrante do contrato, sendo por essa razão que não é admissível que a proposta adjudicada assente em parâmetros não submetidos à concorrência distintos daqueles que foram colocados a concurso, determinando-se a exclusão de tais propostas não coincidentes, salvo nas situações previstas no artigo 49.º do CCP, o que não é o caso em apreço.

Além disso, não compete ao júri alterar ou tecer considerações quanto ao concreto preço proposto, admitindo que este seja superior apenas em € 77,16, mediante um cálculo meramente aritmético. Repare-se que por força do artigo 72.º, n.º 2 do CCP está interdita qualquer alteração relativa a atributos da proposta, isto é, a elementos que contendam com aspetos submetidos à concorrência, que no caso concreto é o preço do serviço, como expressamente resulta do disposto no artigo 74.º, n.º 1, al. b) do CCP, atento o critério de adjudicação ser o preço mais baixo.

A isto acresce que no presente concurso, conforme resulta dos factos provados não era admissível a apresentação de propostas variantes.

Repare-se que é indiferente para a análise da presente ação saber se a autora também cometeu ou não erros, já que o objeto da ação é definido pelo autor, só podendo ser alterado nos termos legalmente estabelecidos (artigo 260.º do CPC). A isto acresce que o facto de outros concorrentes terem cometido eventuais ilegalidades nas suas propostas não constitui fundamento para sanar ilegalidades.

Assim, verifica-se que existe fundamento de exclusão da proposta da contrainteressada, pelo que a presente ação deverá ser julgada procedente com este fundamento.”.

A Recorrente SL... alega, entre o mais, que ao elaborar a sua proposta teve em conta a alteração do número de horas em relação a esse centro de saúde, ou seja, as 162 horas e que “o facto de na proposta apresentada pela recorrente figurar 150 horas de carga horária relativamente ao Centro de Saúde de Miranda do Douro, tal só se pode considerar como um lapso/ erro de escrita, sendo certo que não foi esse o número de horas que foi tido em conta para estabelecer o preço que consta da proposta pela mesma apresentada em relação ao referido local de trabalho”.

Pelo seu lado, o Recorrente ULSN, vem, em súmula, demonstrar que a carga horária para o Centro de Saúde de Miranda do Douro publicitada antes e após o esclarecimento do júri, de 26/11/2015, sempre assentou nas mesmas premissas, as quais conduzem, operado o cálculo aritmético, a 162 horas. Assim, não houve qualquer alteração da carga horária mensal, mas apenas um simples erro de cômputo, revelado pelo próprio contexto da declaração e, por isso, o júri esclareceu que «…onde se lê 150h deve passar a estar 162h.».

Pelo que, concluem, a proposta da contra-interessada não viola os parâmetros base fixados no caderno de encargos.

Vejamos.

Importa referir que em lado algum dos documentos juntos aos autos pelas partes se vislumbra expresso que, na proposta da Recorrente SL..., o valor mensal da parcela do preço relativo ao Centro de Saúde de Miranda do Douro se reporta a uma carga horária de 150 horas mensais.

A questão parece ter sido carreada para o procedimento pela Recorrida Lis Prime em sede de pronúncia no âmbito da audiência prévia, pela afirmação não explicitada ou fundamentada de que “a concorrente SL... na sua proposta considerou somente 150 horas…”.

Alegação que manteve, nesses mesmos termos, na petição inicial da acção, no articulado em 26º e 65º, alegando que a Contra-interessada SL..., na sua proposta, “considerou somente 150 horas” (nossa ênfase gráfica).

Surge, de seguida e ainda no procedimento do concurso, pela mão da desistente AL... (v. doc. 17, fls.- 123 dos autos em suporte de papel), nos seguintes termos, designadamente (com itálico nosso): “…no caso da empresa SL..., é flagrante quanto à deliberada omissão do quadro de horas patente no vosso caderno de encargos que entretanto foi posteriormente rectificado, atendendo a um erro detectado nas horas mensais de um dos locais e que uma análise detalhada sobre o valor apresentado pela referida concorrente, espelha uma de duas situações: a não contabilização das horas definidas nessa rectificação ou então a violação de alínea f) do nº 2 do art. 70º do CCP. Esta conclusão é obtida com base na comparação do valor facturado pela AL... na vigência do actual contrato, com o valor da empresa SL..., proposta para a adjudicação do novo contrato”.

Indo além do alegado, na sentença recorrida assentou-se como facto admitido por acordo que “Relativamente ao Centro de Saúde de Miranda do Douro a contrainteressada apenas contabilizou o cumprimento de 150 horas mensais; Admitido por acordo” (nossa negrito).

À alegação formal de que a concorrente, na sua proposta, considerou as 150 horas, sobreveio o assentamento, como facto, de que apenas contabilizou as ditas 150 horas. O que não é despiciendo (o verbo indica a acção), pois contabilizar implica, no contexto da alegação, um teor substantivo que se verifica não corresponder à verdade patenteada pelos documentos juntos aos autos, como veremos adiante.

Além disso, tal facto, na versão alegada, a da consideração das 150 horas, foi impugnado pela Contra-interessada SL... (artigo 30º da contestação).

Ora, consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, com as ressalvas que o nº 2 do artigo 574º do CPC contempla e aqui não aplicáveis, pelo que aquele facto não poderia ser considerado admitido por acordo.

Assim, para além de não alegado nos termos assentes no acervo probatório e tendo a versão alegada sido impugnada, não pode considerar-se admitido por acordo que “Relativamente ao Centro de Saúde de Miranda do Douro a contrainteressada apenas contabilizou o cumprimento de 150 horas mensais; Admitido por acordo”. Como tal, e em face do disposto no artigo 662º do CPC, modifica-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, eliminando o identificado facto assente em 14 do acervo probatório.

Em substância, da proposta da Contra-interessada consta a nota justificativa do preço e neste, relativamente ao Centro de Saúde de Miranda do Douro, mostra-se ali inscrito o valor mensal de 965,58€.

Igual valor mensal se inscreveu na parcela relativa à Sede-Praça Cavaleiro Ferreira (Bragança).

Em ambos os casos, a carga horária mensal prevista no Caderno de Encargos é de 162 horas.

Do Anexo I do Caderno de Encargos consta, para o Centro de Saúde de Miranda do Douro, a previsão de 2 trabalhadores, com horário de Segunda a Sexta, das 18:00h às 21:45h (ou seja, 225 minutos) — e sobre estes incontroversos elementos não houve qualquer esclarecimento ou correcção.

Operando o cálculo aritmético, temos:

2 trabalhadores x 5 dias por semana x 225 minutos por dia : 60 minutos/hora = 37,5 horas semanais.

37,5 horas semanais x 52 semanas : 12 meses = 162,5 horas mensais.

Donde, a carga horária que substantivamente constava do anexo I do Caderno de Encargos era efectivamente de 162 horas mensais e não as ali inicialmente referidas 150 horas, na coluna da “carga horária mensal”, pelo que o esclarecimento operado pela entidade adjudicante não modificou ou alterou aquela carga horária, mas apenas rectificou um mero erro na indicação do total da carga horária, pela sua desconformidade formal à substância revelada pelas concretas especificações técnicas, relativamente ao número de trabalhadores, aos dias da semana e ao horário.

Quanto à proposta em crise, sabendo-se que a proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo (artigo 56º, nº 1, do CCP), e que, como pacificamente refere o júri do procedimento no seu relatório final, a concorrente SL... apresentou a declaração exigida, nos termos da qual se vincula às condições e exigências previstas nas peças do procedimento, constata-se que a Recorrente SL... apresentou proposta que contempla, nesta parcela, o valor de 965,58€, ou seja, à mingua de especificação diferenciada, indubitavelmente apresentou um valor para a carga horária ali prevista e essa carga horária era, como vimos, de 162 horas, com 2 trabalhadores em horário das 18:00h às 21:45h durante 5 dias por semana [veja-se o documento 13 junto com a petição inicial e facto 11)].

Dúvidas permanecessem depois desta explanação e elas seriam ainda dissipadas pela similitude com a carga horária e valor mensal igualmente constante da proposta da Recorrente SL... na parcela relativa à Sede-Praça Cavaleiro Ferreira (Bragança).

Neste caso, prevê-se também uma carga horária de 162 horas, com horário que igualmente contempla 37,5 horas semanais, resultante da previsão de 3 trabalhadores, com horário de Segunda a Sexta, das 17:30h às 20:00h (ou seja, 150 minutos), senão vejamos:

3 trabalhadores x 5 dias por semana x 150 minutos dia : 60 minutos/hora = 37,5 horas semanais.

Logo, tal como na anterior situação: 37,5 horas semanais x 52 semanas : 12 meses = 162,5 horas mensais.

Um mesmo valor para um mesmo número de horas de trabalho semanal, para idêntica carga horária mensal.

A proposta da Recorrente SL... inclui nota justificativa do preço que cumpre substantivamente o parâmetro base fixado no Anexo I das Especificações Técnicas do Caderno de Encargos, relativamente à carga horária de 162 horas no Centro de Saúde de Miranda do Douro.

A única premissa na qual a decisão recorrida assenta a sua decisão revela-se errada, em face do teor dos documentos juntos aos autos pela própria Autora e ora Recorrida.

Procedem, quanto aos aspectos apreciados, os fundamentos dos recursos interpostos pela ULSN e pela SL....

O procedimento pré-contratual tem por objecto a aquisição de serviços de limpeza e de harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 12º do Programa do concurso, a adjudicação será feita a um só concorrente, segundo o critério do preço mais baixo.

A questão em apreço não se reporta aos atributos da proposta, no sentido que o nº 2 do artigo 56º do CCP plasma.

Refere-se a aspectos atinentes aos termos e condições não submetidos à concorrência pelo Caderno de encargos, sendo de concluir, nos termos e medida dos supra exarados fundamentos, pela não violação de aspectos da execução do contrato. Como tal, a proposta em crise não é de excluir com base no invocado motivo, já que, quanto ao número de horas que integram a carga horária mensal relativamente ao Centro de Saúde de Miranda do Douro (única questão aqui posta em crise), não se subsume à previsão normativa do artigo 70º, nº 2, alínea b), nem do artigo 146º, nº 2, alíneas d)(, f) e o), ambos do CCP.

Prejudicado fica o conhecimento da restante questão atinente à violação do artigo 102º, nºs 6 e 7, do CPTA.

Quanto às custas, sabendo-se que as custas abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte — artigos 529º, nº 1, do CPC e 3º, nº 1, do RCP — e que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é paga apenas pela parte que demande — artigos 529º, nº 2, e 530º, nº 1, do CPC, e 6º, nº 1, do RCP —, é de concluir, em face do disposto nos artigos 7º, nº 2, do RCP e 37º, nº 4, da Portaria nº 419-A/2009, de 17 de Abril, que o recorrido que não contra-alegue não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça. Todavia, quanto às custas, será responsável se ficar vencido, nos termos gerais — artigo 527º do CPC.

III.DECISÃO

Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida na parte impugnada e julgar improcedente a acção, absolvendo-se o Réu dos pedidos formulados pela Autora.

Custas pela Autora, nesta e em primeira instância.
Notifique e D.N..
Porto, 29 de Julho de 2016
Ass.: lder Vieira
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Ana Patrocínio
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(1) Nos termos dos artºs 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 4, do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4, e 685.º-A, n.º 1, todos do CPC, na redacção decorrente do DL n.º 303/07, de 24.08 — cfr. arts. 05.º e 07.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 41/2013 —, actuais artºs 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, 639.º e 640º do CPC/2013 ex vi artºs 1.º e 140.º do CPTA.
(2) Tal como delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões, nas quais deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade — artigos 608º, nº 2, e 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 2, 639º e 640º, todos do Código de Processo Civil ex vi artº 140º do CPTA.
(3) Para tanto, e em sede de recurso de apelação, o tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto, “ainda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito”, reunidos que se mostrem os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas — art. 149.º do CPTA.