Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00263/19.8BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/02/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:AUDIÊNCIA PRÉVIA- NULIDADE-PROVA
Sumário:I-Com a nova redação conferida ao n.º2 do artigo 87.º-B do CPTA, pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, passou a prever-se a possibilidade de o juiz do processo dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas a facultar às partes a discussão de facto, nas situações em que tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.

II-Pese embora o juiz não tenha o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a boa decisão da causa, quando esteja perante factualidade controvertida cuja consideração é essencial para a justa e conscienciosa decisão da causa, de acordo com as várias soluções de direito plausíveis, não pode deixar de ordenar a realização de todas as diligências instrutórias que se revelarem necessárias, sob pena de, omitindo-as ou dispensando-as, incorrer na violação dos direitos das partes em litígio, condicionando gravemente o direito à prova, que se encontra consagrado no n.º 4, do art.º 20º da Constituição da República Portuguesa, no n.º 1, do artigo 2.º do CPTA e no art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tanto quanto é certo destinar-se a prova à demonstração da realidade dos factos (art.º 341º do Código Civil).
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Recorrente:CENTO HOSPITALAR (...)
Recorrido 1:D.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I.RELATÓRIO

1.1. D., moveu a presente ação administrativa contra o CENTO HOSPITALAR (...), E. P.E, pedindo a anulação do ato impugnado, que determinou que procedesse à restituição da quantia de € 39.254,18, auferido a título de bolsa de formação por ocupação de uma vaga preferencial, no âmbito do internato médico.
Para tanto alega que o ato impugnado padece do vício de falta de fundamentação, porquanto dele não consta a motivação de facto ou direito que sustentam a decisão de reposição da bolsa de formação.
Considera ainda que se verifica o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, porquanto não existiu qualquer incumprimento da obrigação de permanência por parte da Autora, mas sim incumprimento da Entidade Demandada que não procedeu à celebração do contrato de trabalho a que estava obrigada.
Por fim, invoca que a decisão impugnada violou o princípio da proporcionalidade e da boa fé.
1.2. Citada, a Entidade Demandada contestou, defendendo-se por impugnação, invocando, em síntese, que a decisão impugnada não enferma de qualquer vício.
Refere que contactou a Autora no sentido de celebrar com ela contrato de trabalho como médica especialista, com efeitos à data de ingresso e como pagamento das diferenças salariais que fossem devidas, tendo sido a Autora que recusou a celebração do contrato.
A Autora, ao decidir, de forma unilateral, deixar de prestar funções para a Entidade Demandada constituiu-se no dever de devolver a quantia recebida a título de bolsa de formação, por incumprimento do dever de permanência constante do artigo 12º -A do Decreto-Lei n.º 45/2009.
1.3. Em 04/12/2020 proferiu-se despacho saneador- sentença, no qual se considerou a prova documental oferecida suficiente para a apreciação do pedido, sem necessidade de mais indagações, dispensou-se a realização da audiência prévia (n.º 1 do art.º 7.º-A, alínea d), do n.º 1 do art.º 87.º-A, alínea b), do n.º 1 do art.º 88.º e n.º 3 do art.º 90.º, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e art.º 547.º do Código de Processo Civil), fixou-se o valor da causa em € 39.254,18 e conheceu-se do mérito da ação, constando do saneador-sentença o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, julgo a presente procedente e, em consequência, anulo o acto impugnado que ordenou a reposição de € 39.254,18, auferido a título de bolsa de formação, no período de 01.01.2012 a 30.11.2016.
Custas pela Entidade Demandada.
Registe e notifique”.

1.4. Inconformada, a Entidade Demandada interpôs a presente apelação, pugnando pela improcedência da ação, apresentando as seguintes conclusões:
“A) Com o devido respeito que é muito, discorda o Recorrente da decisão do Tribunal a quo que decidiu em sede de saneador sentença:
“Pelo exposto, julgo a presente procedente e, em consequência, anulo o acto impugnado que ordenou a reposição de € 39.254,18, auferido a titulo de bolsa de formação, no período de 01.01.2012 a 30.11.2016. (...)”.
B) Ora, a Recorrente não concorda do douto Despacho Saneador Sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, a que se reportam os autos supra, porquanto considera que:
a) A sentença é nula, por violação do principio do contraditório, aferido na vertente da dispensa ilegal da audiência prévia a que alude o art.º 87º- A do CPTA e por falta de fundamentação da mesma, o que consubstancia a violação das normas jurídicas insertas nos artigos 7º-A, art.º 87º-A, art.º 88º e n.º 3, do art.º 90, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e art.º 547º, art.º 3º do Código de Processo Civil.
b) O Tribunal “a quo” fez uma errada aplicação das normas jurídicas –Artigo 20º da Constituição da República Portuguesa; Art.º 2º, n.º 1 do CPTA, Art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigo 341º artigo 376º ambos do Código Civil; Artigo 410º e seguintes do CPC - à situação fáctica que se traz à douta apreciação de V.ªs Exªs.
c) O saneador sentença é nulo por violação do princípio do direito à prova, por insuficiência de prova para a boa decisão e errada valoração da prova documental.
Senão vejamos,
C) Nos presentes autos, a prolação do despacho saneador sentença consubstanciou uma decisão surpresa para as partes intervenientes
D) Somente com a notificação do despacho saneador sentença é que, o aqui Recorrente, teve conhecimento da dispensa da audiência prévia a que alude o art.º 87º-A do CPTA.
E) A arguição da presente nulidade processual – dispensa ilegal da audiência prévia – por meio de recurso jurisdicional é o meio adequado para reagir contra a aludida nulidade. Por conseguinte, a nulidade processual aqui invocada em sede de recurso deve ser apreciada pelo Douto Tribunal Superior, nos termos que se seguem.
F) O Tribunal “a quo” dispensou ilegalmente a audiência prévia, cuja realização era obrigatória, ao abrigo do art.º 87-A do CPTA, passando de imediato a apreciar e a decidir a questão de mérito dos autos, na sequência do qual emanou o despacho saneador sentença.
G) Ao abrigo do Principio da legalidade concluídas as diligências de aperfeiçoamento previstas no art.º 87º do CPTA, é obrigatória a realização da audiência prévia prevista para os fins indicados no art.º 87º-A do CPTA.
H) A audiência prévia só pode ser dispensada nos casos em que a lei admite expressamente essa dispensa (art.º 87-B) ou no uso da faculdade de gestão processual, respeitando, sempre o princípio do contraditório.
I) O artigo 87º – B do CPTA, sob a epígrafe não realização da audiência prévia permite a dispensa da audiência prévia nas situações aí elencadas nas alíneas d) e) e f) do n.º 1, do artigo anterior (87º-A), ou seja, para proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1, do artigo 88º; para determinar, após debate, a adequação formal ou a agilização do processo; e para proferir após debate, despacho destinado a identificar o objecto do litígio e enunciar os temas da prova, e decidir as reclamações deduzidas pelas partes.
J) O conhecimento do mérito da causa encontra-se incluído na alínea b) do n.º 1, do art.º 87º-A do CPTA (facultar às partes a discussão de facto e de direito, quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa), porém o Tribunal está obrigado por determinação legal a convocar audiência prévia, para o efeito prescrito, na alínea b), do n.º 1, do artigo 87º-A do CPTA.
K) Não o tendo feito incorreu o Tribunal em omissão de um acto processual expressamente prescrito na lei processual, o qual culmina com a nulidade.
L) O Recorrente, nos presentes autos, não foi ouvida acerca da possibilidade de dispensa da realização da audiência prévia, nem quanto à possibilidade de se poder opor a tal, no prazo de 10 dias.
M) Assim, a dispensa da audiência prévia com fundamento no poder de gestão processual invocado no despacho nomeadamente pelos “(...) do art.º 88º e n.º 3, do art.º 90, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e art.º 547º do Código de Processo Civil). (...)”, também não tem provimento, atenta a finalidade de conhecer do mérito da causa e não ter sido dado prazo para o contraditório.
N) Esta nulidade processual é susceptível de gerar ou influir no exame ou na decisão da causa, por violação flagrante do princípio do contraditório a que se reporta o art.º 3º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o que conduz inevitavelmente à nulidade da decisão.
O) O despacho de dispensa da audiência prévia viola de forma manifesta e grosseira o princípio do contraditório (Art.º 3, n.º 3, do CPC) e a obrigatoriedade de convocação da audiência prévia (art.º 87º-A do CPTA), que têm como finalidade última evitar verificar-se no processo judicial situações de decisão surpresa.
P) No caso “sub iudice”, não foi conferido o direito ao contraditório sobre a tramitação processual da causa, assim como, não foi dada possibilidade do direito ao contraditório sobre a prolação de decisão de mérito sem produção de prova.
Q - Pelo que, é nulo o despacho que dispensou a audiência prévia a que alude o Art. 87º-A do CPTA, nulidade que determina a nulidade dos actos praticados subsequentemente, como seja, o proferido saneador sentença. O que se requer.
R) Sem prescindir da nulidade já invocada, acresce arguir a nulidade do despacho de dispensa de audiência prévia, por falta de fundamentação (violação do artigo 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).
S) O Tribunal “ a quo” decidiu dispensar a produção de outros meios probatórios por simplesmente considerar sem mais “(...) que a prova documental oferecida é suficiente para a apreciação do pedido, sem necessidade de mais indagações, que as questões que as partes submeteram à apreciação do tribunal foram objecto de suficiente discussão de facto e de direito nos articulados (...)”.
T) Constata-se, assim, que o aludido despacho não se encontra fundamentado de facto ou de direito, contém meras alegações genéricas, não indicando as ilações tiradas nem especificando fundamentos que fossem decisivos para formar a sua convicção e levasse à conclusão da dispensa da audiência prévia.
U) Resulta, deste modo, uma clara ausência de fundamentação, que não permite o exercício esclarecido do direito ao contraditório e nem assegura a transparência e a reflexão decisória, para convencer e não apenas impor.
V) Nulidade, que se invoca para os devidos efeitos legais.
AINDA, SEM PRESCINDIR,
X) O saneador sentença é nulo por violação do direito à prova; insuficiência de prova para a boa decisão e errada valoração da prova documental, que se invoca para os devidos efeitos legais.
Z) Resulta do Saneador Sentença no ponto 1.3. Motivação que: “A convicção do Tribunal baseou-se na análise dos documentos juntos aos autos, bem como dos documentos constantes do PA os quais não foram impugnados e são especificados em cada um dos pontos. Os restantes factos consideram-se admitidos por acordo por não terem sido especificadamente impugnados pela Entidade Demandada, nos termos do n.º 2, do artigo 574º do Código de Processo civil.”
AA) Pelo que, a questão a dirimir nos presentes autos é a impugnação da decisão da Entidade Demandada, aqui Recorrente, que ordenou a reposição da quantia de € 39.254,18, auferido a título de bolsa de formação.
AB) Considerou, erroneamente, o Tribunal “a quo” com base exclusivamente na prova documental junta, que a referida decisão que ordenou a reposição, enferma do vicio de violação de Lei, por erro nos pressupostos e viola o princípio da boa fé,
AC) Nos presentes autos não foi ordenada a produção da prova requerida pelas partes, nomeadamente, a prova testemunhal requerida pelo Recorrente.
AD) Impunha-se nos presentes autos para a boa decisão da causa e descoberta da verdade material a produção da prova testemunhal requerida pelo Recorrente.
AE) Não sendo suficiente a produção de prova documental junta aos autos para dirimir a questão em litígio, uma vez que, a prova testemunhal visa esclarecer e/ou comprovar a vontade real do declaratário, manifestada na prova documental junta aos autos, nomeadamente, nos e-mails trocados entre Réu e Autora, bem como, factos instrumentais essenciais para a descoberta da verdade material.
AF) Ou seja, de que o Recorrente promoveu diligências no sentido de celebrar o contrato de trabalho com a Autora; que o referido contrato não foi logo celebrado por motivos alheios à sua vontade; que, em data muito anterior à rescisão unilateral do contrato de trabalho pela Autora lhe foi comunicado verbalmente e por escrito que já se encontravam reunidas as condições para a redução a escrito do contrato e os motivos da sua demora.
AG) Em suma, que a Autora tinha pleno conhecimento que o contrato celebrar-se-ia por escrito, sempre com salvaguarda dos seus direitos e ainda assim preferiu aquela rescindir, recusando-se vincular-se contratualmente com o Recorrente, ao abrigo do regime da vaga preferencial.
AH) O direito à prova constitui uma trave mestra do processo judicial, um direito estruturante da relação jurídica processual, que entronca com o princípio da tutela jurisdicional efectiva e com as condições de acesso ao direito e à justiça, tutelados no art.º 20 da Constituição.
AI) O saneador sentença, como decisão surpresa que é, conduziu à não produção da prova requerida (prova testemunhal), condicionando gravemente o direito à prova, que se encontra consagrado no n.º 4, do art.º 20º da Constituição da República Portuguesa, no n.º 1, do artigo 2.º do CPTA e no art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
AJ) A prova destina-se à demonstração da realidade dos factos (art.º 341º do Código civil).
AK) Nos presentes autos a prova documental junta recai sobre factos controvertidos que necessitam de ACTIVIDADE PROBATÓRIA, pois, não é prova plena, como erroneamente considerou o Tribunal “a quo”.
AL) Apenas possuem força plena os documentos electrónicos que contenham assinatura eletrónica qualificada certificada por entidade certificadora credenciada, o que não se verifica na presente situação probatória dos autos quanto aos e-mails juntos, e dado como provados, apesar de impugnados.
AM) O valor probatório dos documentos electrónicos deve ser apreciado nos termos gerais de direito, o que não sucedeu pelo Douto Tribunal “ a quo”.
AN) O teor e/ou conteúdo dos documentos apresentados pela Autora sob os números 2, 4, 5, 8, 9, 10 e 11 juntos com a petição inicial foram impugnados especificadamente no artigo 51º da Contestação, assim como, se encontram impugnados quanto à interpretação, sentido e alcance que aquela pretendeu extrair, por meio da defesa apresentada no seu conjunto.
AO) A prova documental apreciada pelo Douto Tribunal “a quo” não têm a força probatória plena que este lhe atribuiu, para decidir de imediato do mérito.
AP) Ao valorar a prova documental com força plena, violou o tribunal as normas do art.º 341º e seguintes do Código Civil e artigos 410 e seguintes do CPC.
Acresce que,
AQ) É absolutamente necessário e imprescindível para a boa decisão da causa ouvir a testemunha – Dr. M.s – como autor e responsável pela elaboração dos referidos e-mails, assim como, o receptor dos e-mails da Demandante, está em posição privilegiada para atestar o sentido e alcance das declarações neles insertas, bem como, do contexto em que os mesmos foram redigidos, com vista ao cabal esclarecimento da verdade.
AR) A redução dos factos e da realidade aos factos constantes do processo administrativo e de uns e-mails trocados é absolutamente inadmissível legalmente, visto que, redunda na limitação da prova aos factos aduzidos pelo Demandado/Recorrente apresentados em sede de defesa por impugnação.
AS) Somente com a produção de toda a prova requerida, incluído a prova documental coadjuvada com a produção de prova testemunhal se assegura o esclarecimento cabal dos factos aduzidos quer pela Autora e pelo Réu, aqui Recorrente, o que conduzirá necessariamente à correcta aplicação do direito e à justa decisão da presente causa.
AT) A aceitar-se à cautela e por dever de patrocínio, a arguida falta de impugnação dos documentos, esta não tem como consequência a aceitação dos factos neles constantes, pois que, de acordo com o n.º 1 do artigo 376º do Código Civil, a força probatória dos documentos limita-se à sua materialidade, ou seja, à existência de tais documentos, não abrangendo a exatidão dos mesmos, cfr. neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 05b3318 em 23 de Novembro de 2005, disponível em www.dgsi.pt.
AU) Assim sendo, do elenco da matéria de facto dada como provada e descrita nas alíneas i) k) e l) extrai-se que o Tribunal “a quo” deu como provados factos apenas com remissão para documentos constantes dos autos, cujo exactidão não se encontra provada.
AV) O Tribunal “a quo” limitou-se a dar como reproduzidos os documentos constantes dos autos e a alegar que os mesmos não foram objeto de impugnação pelo Recorrente.
AX) A mera remissão para os documentos tem apenas o alcance de dar como provada a existência do documento, um meio de prova, mas não o de dar como provada a existência dos factos que com base neles se possam considerar como provados.
AZ) Quando se trata de prova documental, sem força probatória plena, a discriminação da matéria de facto não pode limitar-se a dar como reproduzidos documentos que constem do processo.
BA) A decisão do Tribunal “a quo” sobre a matéria de facto é insuficiente e inviabiliza a decisão jurídica do pleito, o que determina, no entendimento do Recorrente, a anulação da decisão recorrida, e a consequente remessa dos autos ao tribunal “a quo”, a fim de que este proceda ao necessário julgamento da matéria de facto.
BB) Andou mal o Tribunal «a quo», no entender do Recorrente, ao considerar provados os factos constantes das alíneas i), k) e l), justificando tal demonstração com a mera remissão para os documentos dos autos, desacompanhados de qualquer outro elemento de prova, nomeadamente, coadjuvada com a prova testemunhal.
BC) A douta sentença recorrida padece de erro de julgamento e erro na valoração da prova, assim como, viola do direito à prova do Recorrente, o que determinam a nulidade da sentença, que desde já se requer com todas as consequências legais.
Termos em que, nos melhores de direito, com o mui douto suprimento de V. Exªs deve ser revogada a decisão recorrida, devendo, em consequência, ser substituída por outra que julgue o prosseguimento dos autos.”
1.7. A Autora contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
“A) E de recusar que a dispensa da produção de prova requerida, com o fundamento da sua dispensabilidade, atenta a produção de outros meios de prova produzidos nos autos, consubstancie a violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.
B) A alegada ilegalidade (nulidade) processual configurada na dispensa de audiência prévia, para além das razões supra enunciadas, tem de ser lida, apreciada e decidida em confronto com os princípios da não realização de diligências inúteis, da economia processual e da boa-fé processual - aqui na vertente da proibição de expedientes dilatórios (v. art.º 2º e 8º, do CPTA, corolário do art.º 20º, da CRP);
C) O saneador-sentença não só não viola o princípio da igualdade das partes, como não afeta o contraditório, na expressão que desses princípios é feita nos artigos 3.º e 4.º, do CPC;
D) A audiência prévia teria, no presente caso, apenas como finalidade facultar às partes a discussão de facto e de direito (al. b), n.º 1, do art.º 87º-A, do CPTA);
E) Contudo, considerou o Mº Juiz a quo que, tinha todas as condições de para apreciar e decidir do pedido, porquanto, a discussão de facto e direito estava já devidamente consumada nos articulados produzidos;
F) E no exercício deste poder discricionário de gestão processual, entendeu e bem dispensar a realização de audiência prévia;
G) E tal exercício está devidamente legitimado pelo disposto no n.º 2, do art.º 87º¬B, do CPTA introduzido pela Lei n.º 118/2019, de 17/9, norma segundo a qual o juiz pode dispensar a realização de audiência prévia, quando esta se destine apenas o fim previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo anterior;
H) E se a lei permite a dispensa quanto a esta finalidade, a notificação previas às partes torna-se uma diligência dilatória sem utilidade;
I) A “nulidade de sentença” só ocorre nas situações tipificadas no art.º 615º do CPC;
J) Nenhuma nulidade de sentença se dá como verificada, por não haver qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão sobre matéria de facto e desta com a decisão de direito, também se adiante que não houve qualquer erro de julgamento em sede de direito probatório, ou de valoração de prova;
K) Devendo assim improceder as alegações e conclusões de que o douto saneador-sentença incorre em nulidade:
i) por violação do princípio do contraditório aferido na vertente da dispensa ilegal da audiência prévia a que alude o art.º 87º-A do OPTA e por falta de fundamentação da mesma;
ii) por violação do princípio do direito à prova, por insuficiência de prova para a boa decisão e errada valoração da prova documental.
L) E em consequência, ser integralmente julgado improcedente o presente recurso
Termos em que deve o recurso improceder mantendo-se o douto saneador-sentença, assim se fazendo JUSTIÇA”
1.8. Em 29/04/2021, o senhor Juiz a quo proferiu despacho de admissão do presente recurso, e tendo sido invocada a nulidade do saneador-sentença, pronunciou-se, ao abrigo do artigo 641.º, n.º1 do CPC, nos seguintes termos:
“Entende a recorrente que deve ser declarada a nulidade da sentença porque a mesma violou o princípio do contraditório por ter dispensado a audiência prévia. E que violou também o princípio do direito à prova.
Afigura-se, no entanto, que sem razão.
O artigo 87.º-B, n.º 2 do CPTA prevê a não realização da audiência prévia quando se pretenda proferir saneador-sentença conhecendo o mérito da causa (artigos 87.º-A, n.º 1, al. b) e 88.º, n.º 1, al. b) do CPTA), que foi o que ocorreu no caso em apreço.
O princípio do contraditório, consagrado no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, pretende evitar a emissão de decisões sem que todas as partes se tenham pronunciado. Ora, o Tribunal emitiu uma decisão de mérito em que são abordadas apenas questões sobre as quais todas as partes já se tinham pronunciado nos seus articulados. O que ocorreu foi a emissão dessa decisão de mérito em substituição da realização da audiência prévia, o que constitui uma faculdade expressamente prevista.
A possibilidade de não realização da audiência prévia constitui uma faculdade que o legislador consagrou expressamente no artigo 87.º-B, n.º 2 do CPTA, e que visa evitar que as partes se desloquem ao Tribunal quando o juiz pode logo conhecer o mérito da causa, imprimindo maior celeridade na emissão da decisão.
Aliás, o despacho que inicia o saneador sentença explica especificamente isso: que se entende que a prova documental já oferecida nos autos é suficiente para a apreciação do pedido, sendo indicados os normativos legais respetivos. A recorrente pode não discordar, como efetivamente o demonstra, afigura-se, no entanto, que não pode sustentarque a dispensa de audiência prévia não está fundamentada.
E relativamente à alegada violação do direito à prova, é importe tomar em consideração que a prova, como resulta do artigo 341.º do CC tem uma função específica: demonstrar a realidade dos factos.
Ora, a recorrente não indica qualquer facto que tenha alegado no seu articulado e que foi desconsiderado ou dado como não provado na decisão recorrida, para cuja demonstração se tornasse necessário a produção de prova adicional. Repare-se, aliás, que na decisão recorrida não há qualquer facto que tenha sido dado como não provado: todos os factos alegados pelas partes com relevância para a decisão do mérito resultam claramente dos documentos juntos com os articulados. Pelo que determinar outras diligências de prova constituiria um ato inútil, vedado por lei (artigo 130.º do CPC).
Deste modo, afigura-se não existir a nulidade que vem imputada à decisão recorrida.”

1.9. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público emitiu parecer, pugnando pela procedência do recurso.
1.10. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1 Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas enunciadas premissas, as questões que se encontram submetidas pela apelante à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se o saneador- sentença:
(i)Enferma de nulidade por violação do princípio do contraditório, resultante da dispensa ilegal da audiência prévia a que alude o art.º 87º- A do CPTA, uma vez que não foi ouvida acerca da possibilidade de dispensa da realização da audiência prévia, nem quanto à possibilidade de se poder opor a tal, no prazo de 10 dias;
(ii) Erro de julgamento sobre a matéria de facto decorrente da insuficiência da prova documental para a boa decisão da causa e da sua errada valoração.
**
III- FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1. A 1.ª Instância julgou provada a seguinte factualidade:
a) A Autora foi admitida como trabalhadora da Entidade Demandada, com efeitos a 01.10.2014, com a modalidade de contrato de trabalho a termo incerto – cfr. fls. 12 do PA;
b) Autora é médica reumatologista, tendo terminado a sua especialidade em Reumatologia no Centro Hospitalar (...), no Porto, em regime de vaga preferencial – por acordo;
c) A Autora cumpriu os cinco anos de internato no Centro Hospitalar (...) – por acordo;
d) Por oficio de 05.05.2017 a Entidade Demandada remeteu à Autora ofício, do qual, para além do mais, se extrai que:
“(...)
Assim, nos termos do exposto no n.º 4 do artigo 12º-A do Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto, com a epígrafe “vagas preferenciais” (com o aditamento introduzido pelo artigo 2º do Decreto-Lei n.º 45/2009, de 13 de Fevereiro), e após conclusão do internato médico, vimos solicita a comparência de V. Exa, no primeiro dia útil subsequente à homologação das listas de classificação final nos Serviços de Gestão de Recursos Humanos do CHTMAD, EPE, para posterior reintegração no respectivo serviço”
– cfr. fls. 26 do PA
e) A Autora concluiu a sua formação, tendo obtido grau de especialista em 17.10.2017 – por acordo;
f) Durante o período de internato recebeu bolsa de formação inerente à ocupação de uma vaga preferencial – por acordo;
g) A 20.11.2017, o Director do Serviço de Gestão de Recursos Humanos da Entidade Demandada, remete email à Autora com o seguinte teor:
“Nos termos do exposto o n.º 4 do artigo 12º A do Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto, com a epigrafe “vagas preferenciais”, (com o aditamento introduzido pelo artigo 2º do Decreto-Lei n.º 45/2009, de 13 de Fevereiro, e na sequência da verificação da conclusão do internato médico, vimos solicitar a apresentação de V. Exa., com a maior brevidade, nos Serviços de Gestão dos Recursos Humanos do CHTMAD, EPE, para ingresso no Serviço de Reumatologia desta entidade hospitalar”
Cfr. fls. 30 do PA;
h) Na sequência do email anterior, a Autora iniciou funções no serviço de reumatologia da Entidade Demandada, com a categoria de médico interno e auferindo remuneração correspondente a tal categoria – por acordo
i) A 05.04.2018, a Autora remeteu uma mensagem de correio electrónico para N. (com o endereço de correio electrónico x@min-saude.pt), com o seguinte teor:
“venho por este meio manifestar a minha vontade em estabelecer um vínculo laboral através do Contrato Individual de Trabalho com o CHTMAD, na categoria de Assistente Hospitalar em Reumatologia”
Cfr. doc. 4 junto com a petição inicial
j) A 8 de Agosto de 2018, o Director do Serviço de Gestão de Recursos Humanos foi elaborado um email, com o seguinte teor:
“Nos termos do exposto no n.º 4 do artigo 12º A do Decreto-Lei 203/2003, de 18 de Agosto, com a epígrafe “vagas preferenciais”, (com o aditamento introduzido pelo artigo 2º do Decreto-Lei n.º 45/2009, de 13 de Fevereiro) e conforme despacho do C.A. emitido no mesmo âmbito, vimos informar V. Exa que se encontram reunidas as condições para a celebração de contrato individual de trabalho para ingresso nessa entidade hospitalar e cumprimento do previsto no referido dispositivo legal”
Cfr. fls. 32 do PA
k) A Autora não recepcionou qualquer mensagem de correio electrónico na caixa de correio associada ao seu email institucional entre Dez de 2017 a 12 de Agosto de 2018 – cfr. doc. 9 junto com a petição inicial;
l) A 20.09.2018, a Autora remeteu para o email x@chtmad.min-saude.pt com conhecimento para x@chtmad.minsaude.pt e x@chtmad.min-saude.pt, mensagem de correio electrónico com o seguinte teor:
“Após vários meses de espera por um contrato que deveria ter sido celebrado no âmbito do exposto no capítulo IV do artigo 12-A “vagas preferenciais” do Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto (com o aditamento introduzido pelo artigo 2º do Decreto-Lei n.º 45/2009, de 13 de Fevereiro) e após a conversa que tive no dia em que abriu o novo concurso com o director do serviço de Gestão de Recursos Humanos, Dr. M., na tentativa, em vão, de perceber quando seria celebrado o meu contrato, venho por este meio informar que procedi à escolha de uma vaga existente no concurso publicado no DR no aviso n.º 10302-B/2018, 2ª Série, n.º 145, 1º Suplemento, de 30 de Julho.
Desta forma, em breve deixarão de contar comigo nessa entidade hospitalar (CHTMAD).
Logo que seja possível, gostava que me informassem como será feito em relação aos dias de férias que tenho para gozar pelos meses que aí trabalhei (penso que serão 20 dias).”
Cfr. doc. 5 junto com a petição inicial;
m) A 20 de Setembro de 2018, em resposta ao email referido na alínea anterior, o Director do Serviço de Gestão dos Recursos Humanos, remeteu à Autora email com o seguinte teor:
“Agradecemos a atenção no envio do e-mail infra. Permita-nos, no entanto, discordar quando refere que “...na tentativa, em vão de perceber quando seria celebrado o meu contrato” uma vez que, após a reunião, e conforme combinado, remetemos o e-mail em anexo, ao qual não obtivemos resposta”
-cfr. documento de fls. 102 dos autos:
n) A 26.09.2018 a Autora apresentou requerimento a proceder a rescisão do contrato com o CHTMAD, EPE, com término de funções a 21.10.2018 e início de funções no Centro Hospitalar do Douro e Vouga a 22.10.2018 – cfr. fls. 39 do PA;
o) Foi remetido ao Conselho de Administração da Entidade Demandada, informação do Serviço de Gestão de Recursos Humanos, datada de 27.09.2018, relativa ao assunto “rescisão de contrato – médico de formação especifica reumatologia – vaga preferencial” com o seguinte teor:
Sobre o assunto em referência, o SGRH informa que a Sra. Dra. D., possui a categoria de Interna de Formação Especifica de Reumatologia de Formação Especifica, vinculada ao CHTMAD, EPE, através de CTFP Resolutivo Incerto e tendo realizado e concluído toda a formação no Centro Hospitalar de S. João, por ter sido colocado numa vaga preferencial.
Acresce ainda que pelo facto de ter optado pelo preenchimento de uma vaga preferencial, auferiu mensalmente o valor de 750,00 €, designado por Bolsa de Formação, nos termos do art.º 12-A da Lei nº 45/2009, com a nova redacção dada pela Portaria nº 54/2010 de 21 de Janeiro, no período de 01- 01-2012 a 30-11-2017.
Assim e nos termos do 10º do art.º 12-A/ da mesma Lei, terá de devolver a importância de 37.500,00 €, pelo incumprimento da obrigação de permanência, relativa ao período de 01-01-2012 31-11-2016, após a redução de 10 meses de trabalho efectivo no CHTMAD, EPE.
Cfr. fls. 38 do PA
p) O Conselho de Administração, a sua reunião de 4.10.2018, tendo presente a informação referida na alínea anterior, deliberou “Tomar conhecimento. Ao SGRH para cobrança efectiva da indemnização. Informar a ARSN” – cfr. fls.38 do PA;
q) Foi remetido, através de carta registada com aviso de recepção, à Autora o oficio datado de 26.11.2018, subscrito pelo Director do SGRH, Miguel Taveira Maravilha, do qual, entre o mais, consta que:
“Serve o presente para informar que, na sequencia do seu pedido de rescisão do contrato, com efeitos a partir de 22 Outubro de 2018, tem a repor o valor liquido de 39.254,18 €, auferido a título de bolsa de formação, no período de 01.01.2012 a 30.11.2016, nos termos do artigo 12º-A da Lei n.º 45/2009, com a nova redacção dada pela Portaria n.º 54/2010, de 21 de Janeiro.
Mais se informa que deverá repor a importância acima referida, nos próximos trinta dias, contados a partir do aviso de recepção, podendo fazê-lo da seguinte forma:
(...)
Cfr. doc. 1 junto com a petição inicial
1.2 Factos não provados:
Inexistem factos com interesse para a decisão da causa, que importe dar como não provados.
1.3. Motivação:
A convicção do Tribunal baseou-se na análise dos documentos juntos aos autos, bem como dos documentos constantes do PA os quais não foram impugnados e são especificados em cada um dos pontos.
Os restantes factos consideram-se admitidos por acordo por não terem sido especificadamente impugnados pela Entidade Demandada, nos termos do n.º 2 do artigo 574º do Código de Processo Civil”.
**

III.B. DE DIREITO.
b.1. da dispensa da realização de audiência prévia
3.2.Vem o presente recurso interposto pelo Apelante CHTMAD – Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, E.P.E”, do saneador -sentença que julgou procedente a ação proposta pela apelada, por via do qual a 1.ª Instância decidiu anular o ato impugnado que tinha ordenado à autora a reposição da quantia de € 39.254,18, por si auferida a titulo de bolsa de formação, no período compreendido entre o dia 01.01.2012 a 30.11.2016.
3.2.1.O primeiro dos fundamentos invocados pelo Apelante dirige-se contra o despacho proferido nessa decisão final em que o Tribunal a quo, pese embora se propusesse conhecer do mérito da ação, decidiu dispensar a realização de audiência prévia.
O Apelante sustenta que a dispensa da realização de audiência prévia a que alude o artigo 87.º -A e 87-B,ambos do CPTA, é, no caso ilegal, por violação do princípio do contraditório na medida em que não foi ouvido sobre a possibilidade de dispensa da realização da audiência prévia, nem quanto à possibilidade de se poder opor a tal, no prazo de 10 dias.
Vejamos se lhe assiste razão.
3.2.2.Nos termos do disposto no artigo 87.º do CPTA, na versão conferida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de outubro, que é também a vigente, findos os articulados o processo é concluso ao juiz , para que o mesmo proceda à análise do processo, a fim de verificar se é necessário emitir despacho pré-saneador (n.º1), destinado a providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias (al.a) que sejam sanáveis, ao aperfeiçoamento dos articulados (al.b) ou a determinar a junção aos autos de documentos que sejam necessários ao conhecimento das questões processuais levantadas ou ao conhecimento do mérito da ação (al.c). Caso conclua pela desnecessidade na emissão de despacho pré-saneador, o juiz deve proferir despacho saneador quando se imponha proferir uma decisão, seja ela de forma, seja de mérito.
Por sua vez prescreve o artigo 87.º-A, do CPTA, sob a epígrafe “Audiência prévia” que:
“1 – Concluídas as diligências resultantes do preceituado no artigo anterior, se a elas houver lugar, e sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, é convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou alguns dos fins seguintes:
a) Realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 87º-C;
b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa;
c) Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate;
d) Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 88º;
e) Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização do processo;
f) Proferir, após debate, despacho destinado a identificar o objeto do litígio e enunciar os temas da prova, e decidir as reclamações deduzidas pelas partes;
g) Programar, após audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua duração, e designar as respetivas datas(…)”. (negrito nosso)
Outrossim, no artigo 87.º-B do CPTA, sob a epígrafe “Não realização da audiência prévia”, estabelecia-se na versão conferida pelo D.L. n.º 214-G/ 2015 que:
“1 – A audiência prévia não se realiza quando seja claro que o processo deve findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória.
2 – Nas ações que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins previstos nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do artigo anterior, proferindo, nesse caso, despacho para os fins indicados, nos 20 dias subsequentes ao termo dos articulados.
3 – Notificadas as partes, se alguma delas pretender reclamar dos despachos proferidos para os fins previstos nas alíneas e), f) e g) do n.º 1 do artigo anterior, pode requerer, em 10 dias, a realização de audiência prévia, que, neste caso, deve realizar-se num dos 20 dias seguintes e destinar-se a apreciar as questões suscitadas e, acessoriamente, a fazer uso do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior, podendo haver alteração dos requerimentos probatórios.”
(negrito nosso).
Por fim, sobre o despacho saneador rege o artigo 88.º do CPTA, prescrevendo-se que:
“1- O despacho saneador destina-se a:
a) Conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, em face dos elementos constantes dos autos, o juiz deva apreciar oficiosamente;
b) Conhecer total ou parcialmente do mérito da causa, sempre que a questão seja apenas de direito ou quando, sendo também de facto, o estado do processo permita, sem necessidade de mais indagações, a apreciação dos pedidos ou de algum dos pedidos deduzidos, ou de alguma exceção perentória.
2- As questões prévias referidas na alínea a) do número anterior que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no despacho saneador não podem vir a ser reapreciadas.
3- O despacho saneador pode ser logo ditado para a ata da audiência prévia mas, quando não seja proferido nesse contexto ou quando a complexidade das questões a resolver o exija, o juiz pode proferi-lo por escrito e, se for caso disso, suspendendo-se a audiência prévia e fixando-se logo data para a sua continuação.
4- No caso previsto na alínea a) do n.º1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal e, na hipótese prevista na alínea b), fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença.
5- Em tudo o que não esteja expressamente regulado neste artigo, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil em matéria de despacho saneador e de gestão inicial do processo”.
3.2.3.Sucede que o n.º2 deste artigo 87.º-B do CPTA, foi alterado pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, passando a prever-se que “ O juiz pode dispensar a realização de audiência prévia quando esta se destine apenas ao fim previsto na alínea b) do n.º1 do artigo anterior” (negrito nosso), ou seja, o novo enquadramento habilita agora o juiz da causa a dispensar a realização de audiência preliminar destinada a facultar às partes a discussão de facto e de direito, quando pretenda conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.
Nos termos do artigo 88.º do CPTA, o despacho saneador destina-se a apreciar as exceções dilatórias que determinem a absolvição da instância e as nulidades processuais que tenham sido suscitadas pelas partes e, bem assim, a conhecer do mérito da causa, sempre que este se afigure viável, por não se justificar a produção de prova, devendo então ser emitido o competente saneador-sentença.
3.2.4.Porém, sempre que o juiz concluísse estar em condições de conhecer imediatamente do mérito da ação, por os autos conterem já todos os elementos necessários à prolação de uma decisão conscienciosa, a não realização de audiência prévia, nos termos do art.º 87.º-B, n.º2 do CPTA, na versão conferida pelo D.L. n.º 214-G/2015, constituía nulidade processual, impugnável por meio de recurso, implicando a revogação da decisão que dispensou a convocação de audiência prévia e a consequente anulação do saneador-sentença.
Conforme referem MARIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2017, 4.ª Edição, Almedina, pág. 675/676,, em anotação ao artigo 87.º-A: “O presente artigo introduziu a audiência prévia na tramitação respeitante à ação administrativa, com finalidades similares às estabelecidas no artigo 591º do CPC. Note-se que, no regime precedente, o CPTA, ao regular a tramitação da ação administrativa especial, não fazia referência à audiência preliminar – figura processual correspondente à atual audiência prévia, que se encontrava prevista no artigo 508º- A do CPC, na redação resultante da reforma de 1995 -, pelo que essa audiência apenas poderia ter lugar no âmbito da ação administrativa comum, por aplicação da lei processual civil. Ao uniformizar o regime processual para o processo declarativo não urgente, que segue a forma da ação administrativa, o código adotou um modelo processual mais próximo do previsto no CPC, especialmente no que se refere à fase de saneamento do processo (…).
(…)
A audiência prévia é dominada pelo princípio da oralidade e da imediação, visando promover o debate entre as partes, sob a condução ativa do juiz, na fase de condensação do processo e na sua subsequente tramitação, com as seguintes finalidades essenciais: assegurar o contraditório, quando possa ser proferida decisão de mérito no despacho saneador; quando o processo deva prosseguir, definir os contornos da causa nas vertentes de facto e de direito; identificar os temas que deverão ser objeto de prova, permitindo a reclamação e decisão imediata das questões que nesse âmbito se coloquem; instituir medidas de adequação formal e de simplificação ou agilização processual; agendar concertadamente os atos da audiência final, quando esta deva ter lugar.(…) quando o juiz tencione conhecer do mérito da causa no despacho saneador, a audiência será forçosamente convocada para facultar às partes a discussão sobre a matéria de facto e de direito (alínea b)) e, nesse caso, cabe ao juiz proferir, nessa ocasião, o despacho saneador, que será logo ditado para a ata, salvo quando a complexidade das questões a resolver justifique a prolação de um despacho escrito (alínea d).”
3.2.5.É consabido que no Código de Processo Civil de 1961, na versão posterior à revisão operada em 1995/1996, previa-se a possibilidade do juiz dispensar a realização de audiência prévia e conhecer do mérito da causa em sede de saneador, nos casos em que os fundamentos da decisão a proferir tivessem sido já discutidos pelas partes, não havendo insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto a corrigir e quando a apreciação da causa fosse de manifesta simplicidade.
Porém, na sequência da revisão operada ao CPC pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, a exceção à convocação de audiência prévia desapareceu, o que significa que o juiz civilista deixou de poder, na vigência da atual lei adjetiva, julgar de mérito, no despacho saneador, sem primeiro facultar às partes a discussão jurídica que se proponha conhecer em audiência prévia.
3.2.6.E foi esse regime que foi transposto para o CPTA, na versão de 2015. Na verdade, no Código de Processo Civil/2013, entre os casos em que é possível ao juiz, nos termos do n.º 1 do art.º 593, dispensar a realização da audiência prévia, não se incluem as situações em que aquele se proponha conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa, isto é, do ou dos pedidos deduzidos pelo autor ou pelo réu-reconvinte em sede de reconvenção e daí que a doutrina e a jurisprudência largamente maioritárias dos tribunais comuns sustentem que, nesses casos em que o juiz se proponha conhecer do mérito da causa imediatamente no saneador, não é possível dispensar a realização da audiência prévia, ainda que a questão a decidir seja de manifesta simplicidade (art.º 593, n.º 1)..
3.2.7.A propósito desta questão, à luz do regime anterior às alterações introduzidas pela citada Lei n.º 118/2019, a jurisprudência veiculada pelos tribunais superiores desta jurisdição era firme no sentido de considerar que a dispensa de realização de audiência previa constituía nulidade processual.
Cita-se, a título ilustrativo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 18.09.2019, no processo 42/19.2 BELSB, no qual se escreveu: “Não obstante se admita que estes preceitos relativos à fase de saneamento [artigos 87.º-A e 87.º-B do CPTA] não são totalmente esclarecedores, entendemos, com base na leitura conjugada que deles fazemos, que, no caso dos autos, o julgador, findos os articulados, podia confrontar-se com 3 situações: 1)Na eventualidade de ser “claro que o processo deve findar no despacho saneador pela precedência de excepção dilatória”, a “audiência prévia não se realiza” (cfr. art. 87.º-B, n.º 1, do CPTA); 2) Na eventualidade de se entender dever conhecer total ou parcialmente do mérito da causa no despacho saneador (saneador-sentença), deve haver lugar à audiência prévia (cfr. art. 87.º-A, n.º 1, al. b), do CPTA: “Facultar às partes a discussão da matéria de facto e de direito, quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa”).
Também sobre esta questão ainda recentemente nos pronunciámos em acórdão deste TCAN, proferido em 07/05/2021, no processo n.º 104/16.8BEMDL, e em cujo sumário escrevemos:
“1-Terminada a fase dos articulados, mantendo o Tribunal a convicção de que pode conhecer imediatamente de mérito, deve convocar as partes para audiência prévia, em ordem à discussão de facto e de direito e proferir o competente despacho saneador ( artigo 87.º-A, n.º 1, al. b) do CPTA, na versão conferida pelo D.L. n.º 214-G/2015, de 19/02).
2- As nulidades processuais (error in procedendo) identificam-se com quaisquer desvios ao formalismo processual prescrito na lei decorrente de terem sido praticados ao longo do iter processual, antes ou após a prolação da sentença (acórdão ou despacho), ato ou atos ilegais, por não serem admitidos pela lei, ou por terem sido omitidos atos ou formalidades prescritos na lei que afetam a cadeia teleológica que liga os atos do processo, independentemente da bondade ou regularidade de cada um se desinserido do “iter processual”.
3-A não realização de audiência prévia quando a mesma não podia ser dispensada constitui nulidade processual, visto que se trata da omissão de um ato que a lei prescreve e que pode influir no exame e na decisão da causa (artigo 195.º, n.º1 do CPC)”.
Mas em igual sentido, já este TCAN se tinha pronunciado em vários acórdãos, de que citamos, como primeiro exemplo, o acórdão proferido em 01/03/2019, no processo n.º 00277/18.5BECBR ( João Beato), também citado pelo Ministério Público no parecer que emitiu, de cujo sumário se faz constar a seguinte jurisprudência:
“1 - A ilegalidade da dispensa da audiência prévia decorre directamente do artigo 87º-A/1/b) do CPTA, que comete à audiência prévia, entre outras funções, a de «Facultar às partes a discussão de facto e de direito, quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa».
2 – Assim, tendo o TAF proferido decisão sobre o mérito da causa, não poderia ter preterido a realização da audiência prévia.
3 - A não realização da audiência prévia quando ela era obrigatória constitui uma nulidade processual, visto que se trata da omissão de um acto que a lei prescreve e que pode influir no exame e na decisão da causa (artigo 195º, nº1, do CPC).”
Por fim, não podemos deixar de invocar ainda o acórdão deste TCAN, proferido em 15/11/2019, no processo n.º 00490/17.1BEAVR ( Isabel Costa), no qual se considerou, que “ (…)atento o exposto na alínea b) do nº 1 do artigo 87º-A do CPTA, tencionando o Mmo Juiz a quo conhecer imediatamente do mérito da causa, deveria ter facultado às partes a discussão de facto e de direito através da convocação e da realização da audiência prévia para o efeito.
O Mmo juiz não procedeu a essa convocação, nem a audiência prévia se realizou.
(…) da leitura conjugada dos artigos 88º, n.º 1, b) e 87º-B, n.º 2, do CPTA, não se retira a possibilidade de o juiz dispensar a realização da audiência prévia no caso sub judice, ou seja quando decida conhecer imediatamente do mérito da causa.
É que muito embora o artigo 87º- B do CPTA preveja a possibilidade de dispensar a audiência prévia quando esta se destine ao fim previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 87º-A (ou seja, quando esta se destine a proferir despacho saneador nos termos do n.º 1 do artigo 88º do CPTA) e muito embora, nos termos do n.º1 do artigo 88º do CPTA, o despacho saneador se destine a conhecer das exceções dilatórias e nulidades e a conhecer total ou parcialmente do mérito da causa (sempre que a questão seja apenas de direito ou quando, sendo também de facto, o estado do processo permita, sem necessidade de mais indagações, a apreciação dos pedidos ou de alguns dos pedidos deduzidos, ou de alguma exceção perentória), não se pode concluir, apenas a partir da leitura conjugada destes preceitos, que o juiz possa dispensar a realização da audiência prévia sempre que tencione conhecer no todo ou em parte do mérito da causa.
Pelos seguintes motivos:

- Tal interpretação retiraria sentido útil ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 87º-A do CPTA que prevê a realização da audiência prévia para que seja facultada às partes a discussão e facto e de direito, quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa, preceito que tem completa autonomia relativamente ao disposto no nº 2 do artigo 87º-B, que não prevê, entre os casos de dispensa da audiência prévia, a situação prevista naquela alínea b);
- Tal interpretação é contrária à letra do n.º 2 do artigo 87º-B do CPTA cuja previsão expressamente refere: “Nas ações que hajam de prosseguir…”, o que não é o caso da ação que vai findar no despacho saneador por o juiz aí conhecer do mérito da causa;
- Tal interpretação não se compagina com a intenção do legislador que foi a de, através da realização da audiência prévia, assegurar o contraditório às partes quando possa ser proferida decisão de mérito no despacho saneador.
Da conjugação do disposto no nº 2 do artigo 87º-B com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 87º-A, resulta que a possibilidade de dispensa da audiência prévia nos casos em que esta tenha como finalidade proferir despacho saneador se cinge aos casos em que este se destine a apreciar nulidades ou exceções dilatórias relativamente às quais não seja claro que devam proceder (pois se tal for claro, é a própria lei que impõe a sua não realização – cfr. n.º 1 do artigo 87º-B)”.
Também no sentido ora propugnado se decidiu no acórdão do TCAS de 12.09.2019, proferido no processo nº 1780/14.1 BESNT, onde se pode ler o seguinte: “
No presente caso, com a decisão recorrida, o processo findava com o conhecimento imediato do mérito da causa, pelo que, à luz dos citados normativos, não podia ter sido dispensada a audiência prévia. Não se trata de um caso de “não realização da audiência prévia”, nos termos do artigo 87.º-B, n.º 1 do CPTA, nem tão pouco a audiência prévia podia ser dispensada, nos termos do artigo 87.º-B, n.º 2 do CPTA, já que a mesma não se destinaria apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do artigo 87.º-A do CPTA, mas antes a facultar às partes a discussão nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º-A do CPTA. “
3.2.7.Assinale-se que em linha com a citada jurisprudência, se pronunciou também o Senhor Procurador Geral Adjunto junto deste TCAN, no parecer que prolatou nestes autos, no qual expressamente refere que “a referida questão tem sido unanimemente decidida pela jurisprudência, no sentido de que a não realização da audiência prévia quando se pretende conhecer do mérito, sem previa notificação das partes, para se pronunciarem sobre tal dispensa, constitui uma nulidade processual, somos do parecer que nesta parte o recurso merece provimento”.
3.2.8. Acontece que, no caso em apreço, o despacho proferido pelo senhor juiz a quo por via do qual dispensou a realização da audiência prévia já foi proferido na vigência da nova redação conferida ao n.º2 do artigo 87.º-B do CPTA, pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro. Por força dessa alteração ao n.º2 do artigo 87.º-B do CPTA, passou a prever-se a possibilidade de o juiz do processo dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas a facultar às partes a discussão de facto, nas situações em que tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.
3.2.9.No caso, o senhor juiz a quo proferiu despacho a dispensar a realização da audiência prévia, assente na asserção de que “Considerando que a prova documental oferecida é suficiente para a apreciação do pedido, sem necessidade de mais indagações, que as questões que as partes submeteram à apreciação do tribunal foram objecto de suficiente discussão de facto e de direito nos articulados, dispensa-se a realização da audiência prévia (n.º 1 do art.º 7.º-A, alínea d) do n.º 1 do art.º 87.º-A, alínea b) do n.º 1 do art.º 88.º e n.º 3 do art.º 90.º, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e art.º 547.º do Código de Processo Civil)”, o que fez sem prévia auscultação das partes. E nessa sequência, proferiu decisão de mérito, conhecendo de facto e de direito.
3.10. A não realização da audiência previa nestas concretas circunstâncias não constitui nulidade processual, não implicando como consequência a revogação do saneador-sentença.
Em face da nova redação do n.º2 do artigo 87.º-B do CPTA, o Tribunal a quo, ao não convocar as partes para a realização da audiência prévia, quando pretendia conhecer do mérito da causa, não incumpriu com nenhuma formalidade obrigatória na tramitação da ação, ao invés do que sucedia se igual despacho tivesse sido proferido no domínio da anterior redação desse preceito.
Assim a não realização de audiência prévia quando a mesma podia ser dispensada não constitui naturalmente uma nulidade processual, não se impondo igualmente ao juiz qualquer obrigação de notificar previamente as partes de que pretende dispensar a audiência prévia.
Em face do exposto, sem necessidade de outros considerandos, resulta manifesta a improcedência do invocado fundamento de recurso.
*
b.2. da violação do direito à prova: da insuficiência da prova documental para a boa decisão da causa e da sua errada valoração.

3.3.Ab initio, dir-se-á resultar do disposto no n.º 3 do art.º 90.º do CPTA, a atribuição de amplos poderes de conformação da instrução da causa ao juiz, podendo o mesmo “indeferir, mediante despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando o considere claramente desnecessário”. E, sempre que o estado do processo possibilitar uma decisão conscienciosa, sem necessidade de ulteriores provas e independentemente de a mesma vir a ser favorável a uma ou a outra das partes em litígio, deve o Juiz conhecer do mérito da causa logo no despacho saneador, dispensando a realização de diligências inúteis para a boa decisão da causa, em obediência estrita ao comando do artigo 130.º do CPC onde se prescreve que “ Não é licito ao juiz realizar no processo atos inúteis”.
Naturalmente, sem prejuízo de o Juiz só dever conhecer do mérito da causa quando disponha de todos os elementos fácticos necessários a uma correta, criteriosa e justa decisão, pelo que, a prática normal é que o juiz se abstenha de o fazer, se concluir que o processo não contém todos os elementos que permitam uma decisão segura, conscienciosa e justa. Cfr. Ac. TCAN, de 05.03.2021, proc. n.º 173/14.0BECBR-B, por nós relatado;
É, aliás, esta a posição defendida por ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES in “Temas da Reforma do Processo Civil” II volume, pág. 135, que refere, designadamente, na parte que ora nos interessa, «Se, de acordo com as plausíveis soluções da questão de direito, a decisão final de modo algum pode ser afetada com a prova dos factos controvertidos, não existe qualquer interesse na elaboração da base instrutória e, por isso, nada impede que o juiz profira logo decisão de mérito».
E o citado Autor acrescenta, impressivamente, que «Se o conjunto dos factos alegados pelo autor (factos constitutivos) não preenche de modo algum as condições de procedência da ação, torna-se indiferente a sua prova e, por conseguinte, inútil toda a tarefa de seleção da matéria de facto, instrução e julgamento da mesma».
Assim, como se escreveu em Acórdão deste TCAN, proferido em 31/05/2013, no processo n.º 00724/10.4BEPR, que passamos a citar, “(…) XIV.O julgador deve proceder ao julgamento de facto selecionando da alegação feita pelas partes aquela realidade factual concreta tida por provada e necessária à apreciação da pretensão formulada à luz das várias e/ou possíveis soluções jurídicas da causa, não sendo de exigir a fixação ou a consideração de factualidade que se repute ou se afigure despicienda para e na economia do julgamento da causa.
XV. Nesse e para esse julgamento o decisor, tendo presente o objeto da ação, deverá atentar aos posicionamentos expressos pelas partes nas suas peças processuais quanto às alegações factuais invocadas entre si, aferindo e selecionando aquilo em que estão de acordo e aquilo de que divergem, na certeza de que existindo matéria de facto controvertida que releve para a apreciação da pretensão formulada à luz das várias e/ou possíveis soluções jurídicas para a causa importa proferir despacho saneador com elaboração de matéria de facto assente e base instrutória [arts. 511.º, n.º 1 CPC, 87.º e 90.º do CPTA], seguido de ulterior instrução quanto a tal realidade factual controvertida [arts. 513.º, 552.º, n.º 2, 577.º, n.º 1, 623.º, n.º 1, 638.º, n.º 1 todos do CPC, e 90.º do CPTA] e, por fim, emissão de decisão sobre tal matéria de facto [arts. 646.º, n.º 4 e 653.º, n.º 2 do CPC, 91.º e 94.º do CPTA].
XVI. Não pode o juiz, uma vez confrontado com existência de factualidade controvertida essencial para a boa e correta decisão da causa e sob pena de ilegalidade por preterição das mais elementares regras, suprimir ou omitir qualquer daquelas fases processuais precludindo os direitos das partes em litígio, seja em termos de ação ou de defesa.
XVII. Note-se que face ao nosso sistema probatório o julgador no julgamento de facto detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos objeto de discussão em sede de julgamento com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

XVIII. Este sistema não significa minimamente puro arbítrio por parte do julgador já que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão (…)”. Cfr. No mesmo sentido, Acs. do TCAN de 14/01/2014, proc. 02699/09.3BEPRT; de
05/02/2021, proc. n.º 00182/10.3BEVIS;

Na verdade, como sublinha Michelle Taruffo Cfr. Ac. do TCAN, de 14/01/2014, proc. 02699/09.3BEPRT “… o direito a apresentar todas as provas relevantes constitui parte essencial das garantias gerais sobre a proteção do direito defesa, pois a oportunidade de provar os factos nos quais assentam as pretensões das partes é condição necessária da efetividade de tais garantias (…). (…) o direito a apresentar todos os meios de prova relevantes que estejam ao alcance das partes é um aspeto essencial do direito de ação e deve reconhecer-se como pertencendo às garantias fundamentais das partes …”
Tudo, sem prejuízo do julgador, nos casos em que não se veja confrontado com existência de factualidade controvertida essencial para a boa e correta decisão da causa de, considerando os meios de prova documentais existentes nos autos, dispensar a produção de outros meios de prova, designadamente, a produção de prova testemunhal, tal como é também pacificamente entendido pela jurisprudência, lendo-se em Acórdão deste TCAN Cfr. Ac. do TCAN, de 12/01/2018, proc.nº 729/15BEAVR-A, de 12/01/2018; no mesmo sentido, cfr. Ac. do TCAN, de 26/10/2018, proc. N.º 00137/13.6BECBR; de 04/03/2021, processo n.º 173/14.5BECBR ( DE QUE FOMOS RELATORA),, que se cita a título meramente exemplificativo, que estando-se em “…presença de uma Ação Administrativa Especial, relativamente à qual a prova da matéria controvertida, se mostra predominantemente documental, é patente que a inquirição de testemunhas, independentemente do que ai pudesse ser dito, não teria a virtualidade de alterar o sentido da decisão, não se mostrando assim censurável a dispensa fundamentada de tal diligência, a qual seria inútil e meramente dilatória.
Com efeito, estando em causa, para já, predominantemente questões de interpretação de direito, (...) a prova documental disponível mostra-se suficiente.”
3.3.1.Em suma, pese embora o juiz não tenha o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a boa decisão da causa, quando esteja perante factualidade controvertida cuja consideração é essencial para a justa e conscienciosa decisão da causa, de acordo com as várias soluções de direito plausíveis, não pode deixar de ordenar a realização de todas as diligências instrutórias que se revelarem necessárias, sob pena de, omitindo-as ou dispensando-as, incorrer na violação dos direitos das partes em litígio, condicionando gravemente o direito à prova, que se encontra consagrado no n.º 4, do art.º 20º da Constituição da República Portuguesa, no n.º 1, do artigo 2.º do CPTA e no art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tanto quanto é certo destinar-se a prova à demonstração da realidade dos factos (art.º 341º do Código Civil).
3.3.2.Nas conclusões X a BC das alegações de recurso, o Apelante alega que foi violado o direito à prova que lhe assiste uma vez que a dispensa da produção de prova decidida pelo Tribunal a quo, para além de não se encontrar fundamentada, está errada na medida em que, não só a prova documental junta aos autos não era suficiente para que o Tribunal a quo estivesse na posse de todos os elementos de facto que lhe permitissem conhecer do mérito logo no saneador, como a valoração efetuada dos documentos juntos aos autos enferma de erro de julgamento, razão pela qual o saneador-sentença é nulo.
3.3.3.Estava em causa saber, para o que agora releva, se o ato impugnado pela autora, aqui apelada, que lhe ordenara a reposição da quantia de 39.254,18€ auferido a título de bolsa de formação, em virtude de ocupar uma vaga preferencial, enfermava de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto em que assentou, tendo o Tribunal a quo decidido a ação favoravelmente à autora, dando como verificado o erro nos pressupostos de facto em que assentou aquela resolução administrativa, tendo concluído que o motivo que levou a autora a deixar de prestar funções para o Réu só ao mesmo é imputável.
3.3.4. Na presente instância recursiva, está por sua vez em causa aferir se o Tribunal a quo errou quando decidiu que podia dispensar a produção de outros meios de prova, máxime, a produção de prova testemunhal, com fundamento no facto dos elementos documentais juntos aos autos e a posição das partes permitirem, de per se, conhecer do mérito da ação sem necessidade de realizar outras diligências instrutórias e, bem assim, se incorreu em erro de julgamento ao valorar como valorou os elementos documentais.
3.3.5.Para aferir dos assacados erros de julgamento importa verificar se perante os factos alegados pelas partes nos respetivos articulados, ou seja, se em face da causa de pedir em que a autora suportou os pedidos formulados na ação e a defesa apresentada pelo réu na respetiva contestação, conjugado com os documentos juntos com a p.i e os que constituem o respetivo PA, o Tribunal a quo estava em condições de concluir pela inexistência de factos essenciais para a boa decisão da causa que permanecessem controvertidos, o que passa por saber se a prova documental em que o Tribunal se alicerçou para dar como provados os factos que considerou na decisão recorrida permitiam essa prova.
3.3.6.Primacialmente, importa olhar para a petição inicial de modo a nos inteirarmos de quais as razões/factos alegados pela autora como causa de pedir para sustentar o erro nos pressupostos de facto que imputou ao ato impugnado, e nessa sede, afigura-se-nos ser de destacar os seguintes artigos da p.i., que se transcrevem:
“25º
Atendendo a que o exercício de funções no estabelecimento ou serviço onde se verificou a necessidade que deu lugar à vaga preferencial apenas se efetiva mediante a celebração de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, o pressuposto é, necessariamente, a sua celebração, na qualidade e com a remuneração de médico especialista, cabendo ao Hospital diligenciar no sentido da celebração do contrato, em tempo e nas condições legais adequadas.
26º
Ora, tendo a Autora cumprido com todas as suas obrigações, terminando a especialidade e iniciando as suas funções no CHTMAD, a verdade, porém, é que durante vários meses, a mesma aguardou pela celebração do seu contrato como médica especialista, o qual não sucedeu.
27º
Apesar de ter questionado, por diversas vezes os serviços de recursos humanos sobre a sua situação, pois que se aproximava a possibilidade de concorrer a concursos para vagas de especialidade noutras instituições hospitalares, o certo é que o CHTMAD nada decidiu, nada comunicou, remetendo-se ao silêncio.
28º
Enquanto isso, os meses foram passando, sem decisão ou resposta, sendo que a Autora se viu confrontada com a necessidade de deslocação diária entre a sua área de residência e Vila Real, fazendo cerca de 240Km por dia, para cumprir a sua parte do protocolo e o CHTMAD remeteu-se ao silêncio, não cumpriu a sua obrigação de contratação na qualidade de médica especialista, sendo que durante todo este período a Autora prestou serviços como especialista em Reumatologia, continuando, a ser remunerada como médica interna.
29º
Ora, para além da perda remuneratória inerente, a Autora foi confrontada com a necessidade de se deslocar diariamente 240 km, com prejuízo na sua vida familiar e parental, tudo isto na expectativa da celebração de um contrato que o CHTAMD ignorou, incumprindo, pois, a sua obrigação resultante do protocolo inicial.
34º
Ora, in casu, houve de facto um incumprimento, não por parte da Autora, mas sim da Ré entidade demandada, porquanto foi esta que não incumpriu com o dever fundamental resultante do protocolo, porquanto não apresentou em prazo qualquer proposta para celebração do contrato de trabalho exigido.
35º
Neste contexto factual, cansada de esperar e por não ter recebido qualquer informação ou proposta acerca da celebração do respetivo contrato por tempo indeterminado, pelo qual esperou desde outubro de 2017, a ora Autora, em abril de 2018, comunicou agora por escrito com o Sr. Diretor do SGRH CHTMAD, EPE., Miguel Taveira Maravilha, por correio eletrónico (e-mail) a sua intenção em estabelecer um vinculo laboral através de contrato individual de trabalho com o CHTMAD, na categoria de Assistente Hospitalar em Reumatologia. – CFR.: Doc. nº 4 que se junta em anexo e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
36º
Na ausência de resposta, em agosto de 2018, a Autora dirigiu-se mais uma vez, pessoalmente, aos Serviços de Recursos Humanos do CHTMAD, para obter informações sobre o andamento do seu processo, tendo sido informada de que o seu pedido não havia seguido.
37º
Dito de outro modo, o CHTMAD nada tinha feito para cumprir com a celebração do contrato devido com a ora Autora.
38º
Destarte, em 20 de setembro de 2018, a Autora, via e-mail, em virtude de ter esperado vários meses (quase um ano após a finalização da especialidade) pela celebração de um contrato de trabalho no âmbito do anteriormente exposto, comunicou que havia procedido à escolha de uma vaga existente no concurso publicado em DR no aviso nº 10302-B/2018, 2ª série, nº 145, 1º Suplemento, de 30 de julho. – CFR.: Doc. nº 5 que se junta em anexo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
39º
Porém, para surpresa da Autora, na mesma data (20/09/2018), foi-lhe comunicado que havia sido enviado um e-mail pelo CHTMAD para a sua conta institucional, a dar-lhe conhecimento que estariam reunidas as condições para a celebração de um contrato individual de trabalho. – CFR.: Docs. nº 6 e 7 que se juntam em anexo e se dão por integralmente reproduzido para os todos os efeitos legais.
40º
Em 21/09/2018, a Autora respondeu à comunicação supramencionada, demonstrando o seu espanto, porquanto a mesma afirma nunca ter dado entrada no seu correio eletrónico institucional ou pessoal, nenhum e-mail por parte do CHTMAD relativo ao processo de 11/22

celebração do contrato de trabalho por tempo indeterminado. – CFR: Doc. nº 8 que se junta e se dá por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
41º
Acresce que, inexplicavelmente, entre março e agosto de 2018, não deu entrada um único e-mail na conta institucional da Autora. Inclusive, quando interpelados pela Autora, os próprios serviços informáticos não conseguiram oferecer qualquer explicação para o sucedido. CFr.: Docs. nº 9 e 10 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
42º
Foi por esse motivo, que em agosto de 2018, confrontada com a abertura de um concurso nacional, a Autora decidiu concorrer, porquanto temia continuar sem obter qualquer resposta por parte do CHTMAD e perder a oportunidade de concorrer para outro posto de trabalho na sua especialidade.
43º
Por carta registada com aviso de receção datado de 13/12/2018, a Autora dirigiu uma missiva ao Senhor Diretor do SGRH, Miguel Taveira Maravilha, expondo todos os factos e razões pelas quais à mesma não poderá ser imputada qualquer situação de incumprimento atendendo ao preceituado nos nºs 4 e 10 do artigo 12º-A do DL 45/2009. – CFR.: Doc nº 11 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
44º
De todo o exposto resulta que se verificou manifesto incumprimento por parte do CHTMAD, não podendo ser imputado à Autora qualquer responsabilidade, visto que esta tentou de tudo o que estava ao seu alcance para obter a efetiva celebração do contrato de trabalho por tempo indeterminado.”.
3.3.6.Por outro lado, impõe-se igual exercício em relação à contestação apresentada pelo Réu, de modo a aquilatar qual a sua posição em face dos fundamentos aduzidos pela autora na ação e nesse conspecto, observe-se que o Réu, para além advertir que deixa impugnada a p.i. em tudo o que contrarie a contestação apresentada, impugnou expressamente os factos invocados nos artigos 23.º, 25.º, 27.º, 28.º, 29.º e 34.º a 46.º da p.i., e, no artigo 51.º da contestação disse expressamente não aceitar “a interpretação, sentido e alcance que a Autora pretende extrair do conteúdo dos documentos que junta à petição inicial sob os números 2,4,5,8,9,10 e 11, o que equivale à sua impugnação”.
Merecem-nos particular destaque os seguintes artigos da contestação apresentada pelo Réu que ora cuidamos em transcrever:

24º
A Autora após a conclusão da especialidade no Centro Hospitalar (...), E.P.E., iniciou as suas funções, mais precisamente em Dezembro de 2017, no estabelecimento hospitalar do Réu, como a própria reconhece no artigo 21º da Petição Inicial.
25º
E sendo certo que não foi imediatamente celebrado o contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado com a Autora, o que aconteceu por motivos alheios à vontade do Réu.
26º
Certo é também que o Réu sempre assegurou à Autora que o contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado seria formalizado logo que estivessem reunidas as condições necessárias para o efeito.
9
27º
Mais foi asseverado à Autora que o Contrato Individual de Trabalho a celebrar teria efeitos retroactivos à data do início da sua prestação de funções no CHTMAD.
28º
E que lhe seria paga a diferença entre o que se encontrava a receber a título de remuneração como médica interna e o que devia receber como médica especialista.
29º
Aliás, o que tudo lhe foi dito pessoalmente e reiterado por e-mail do Director dos Serviços dos Recursos Humanos do aqui Réu, enviado no dia 21 de Setembro de 2018, às 18:13:50, com o seguinte teor:
“Dra. D.,
Efetivamente, conforme ficou demonstrado, o e-mail foi remetido para o e-mail institucional/profissional.
Queriamos, no entanto, referir que, o CIT a celebrar seria sempre com efeitos à data do seu ingresso no CHTMAD com as necessárias compensações.”
(O destaque é nosso)
30º
A Autora deixou de prestar funções para o aqui Réu, quando estavam já há algum tempo reunidas as condições para ser formalizado o contrato.
31º
Por outro lado, enquanto o contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado não fosse formalizado, mantinha-se em vigor o contrato celebrado a termo resolutivo incerto, nos termos e para os efeitos do nº 6 do artigo 12º-A do Decreto-Lei nº 45/2009, de 13 de Fevereiro.
Posto isto,
32º
A Autora recebeu do Réu a bolsa de formação, que acresceu à respetiva remuneração de médico interno, durante todo o período da sua formação no Centro Hospitalar (...). (artigo 12.º-A do Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto).
33º
Porém, não assumiu a Autora a obrigação de, após internato, exercer funções no estabelecimento ou serviço, onde se verificou a necessidade que deu lugar à vaga preferencial por um período igual ao do respectivo programa de formação médica especializada, ou seja no serviço do aqui Réu.
34º
A Autora vendo a oportunidade de ser colocada numa vaga mais perto da sua residência, não quis formalizar o contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, decidiu unilateralmente deixar de prestar funções para o Réu e não devolveu ainda a quantia de € 39.254,18 (trinta e nove mil duzentos e cinquenta e quatro euros e dezoito cêntimos).
Deste modo,
35º
O Réu cumpriu com a sua obrigação no contrato celebrado com a Autora ou seja a de pagar a bolsa durante todo o período da sua formação.
36º
Já a Autora não cumpriu com a obrigação que assumiu com o Réu quando concorreu e lhe foi atribuída a vaga preferencial, ou seja, não cumpriu com a obrigação de “exercer funções no estabelecimento ou serviço onde se verificou a necessidade que deu lugar à vaga preferencial, por um período igual ao respectivo programa de formação médica especializada.”
37º
O Réu necessitava da prestação da Autora, pelo que tinha todo o interesse na celebração do contrato de trabalho em funções públicas, pelo que nunca revogaria, como não revogou a atribuição de vaga preferencial à Autora.
38º
Ora o não cumprimento do contratado colocou a Autora na obrigação de devolver o “montante percebido, a título de bolsa de formação, sendo descontados, proporcionalmente, os montantes correspondentes ao tempo prestado no estabelecimento ou serviço de saúde onde se verificou a necessidade que deu lugar à vaga preferencial, a contar da data de conclusão do respectivo internato médico.” – Cfr. Artigo 12º-A, nº 10, do Decreto-Lei 45/2009.
39º
Pelo que bem andou o Senhor Diretor do SGRH o Réu, ao dirigir, como dirigiu em 26 de Novembro de 2018 comunicação escrita à Autora, junta como documento 1 à Petição Inicial, com o seguinte teor:
“…
Serve o presente para informar que, na sequência do seu pedido de rescisão do contrato, com efeitos a partir de 22 de outubro de 2018, tem a repor o valor liquido de 39.254,18 €, auferido a título de bolsa de formação, no período de 01-01-2012 a 30-11-2016, nos termos do artº 12º-A DA LEI Nº 45/2009, com a nova redação dada pela Portaria nº 54/2010, de 21 de janeiro.
…”
- Cfr. Doc. 1, junto com a Petição Inicial.”

3.3.7.Tomando como referência os referidos artigos da p.i., percebe-se que de acordo com a tese perfilhada pela Autora a resolução administrativa impugnada assentou num incumprimento do dever de permanência que não lhe é imputável, mas sim ao Réu, que alegadamente nunca promoveu qualquer diligência no sentido de celebrar o contrato de trabalho com a mesma. Ao invés, o Réu, pese embora admita que o contrato de trabalho não foi logo celebrado com a autora, o que de resto, diga-se, é uma evidência inegável, observa que tal se ficou a dever a motivos alheios à sua vontade, mas enquanto ele não foi celebrado manteve-se em vigor o contrato celebrado a termo resolutivo incerto, adiantando que, quando a Autora rescindiu o contrato de trabalho já se encontravam reunidas as condições para ser formalizado o contrato de trabalho por tempo indeterminado, facto que havia sido já comunicado à Autora, mas esta, mesmo assim, decidiu deixar de prestar funções. E concluiu, que foi a Autora quem, ao rescindir o contrato que a ligava à Entidade Demandada, incumpriu com a obrigação de permanência, pelo que se constituiu no dever de devolver o montante da bolsa que recebeu.
3.3.8. Resulta da fundamentação de facto do saneador-sentença que o Tribunal a quo deu como assente, entre outra, a seguinte matéria, que importa considerar:
“i) A 05.04.2018, a Autora remeteu uma mensagem de correio electrónico para N. (com o endereço de correio electrónico x@min-saude.pt), com o seguinte teor:
“venho por este meio manifestar a minha vontade em estabelecer um vínculo laboral através do Contrato Individual de Trabalho com o CHTMAD, na categoria de Assistente Hospitalar em Reumatologia”
Cfr. doc. 4 junto com a petição inicial
j) A 8 de Agosto de 2018, o Director do Serviço de Gestão de Recursos Humanos foi elaborado um email, com o seguinte teor:
“Nos termos do exposto no n.º 4 do artigo 12º A do Decreto-Lei 203/2003, de 18 de Agosto, com a epígrafe “vagas preferenciais”, (com o aditamento introduzido pelo artigo 2º do Decreto-Lei n.º 45/2009, de 13 de Fevereiro) e conforme despacho do C.A. emitido no mesmo âmbito, vimos informar V. Exa que se encontram reunidas as condições para a celebração de contrato individual de trabalho para ingresso nessa entidade hospitalar e cumprimento do previsto no referido dispositivo legal”
Cfr. fls. 32 do PA
k) A Autora não recepcionou qualquer mensagem de correio electrónico na caixa de correio associada ao seu email institucional entre Dez de 2017 a 12 de Agosto de 2018 – cfr. doc. 9 junto com a petição inicial;
l) A 20.09.2018, a Autora remeteu para o email imaio@chtmad.min-saude.pt com conhecimento para X@chtmad.minsaude.pt e X@chtmad.min-saude.pt, mensagem de correio electrónico com o seguinte teor:
“Após vários meses de espera por um contrato que deveria ter sido celebrado no âmbito do exposto no capítulo IV do artigo 12-A “vagas preferenciais” do Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto (com o aditamento introduzido pelo artigo 2º do Decreto-Lei n.º 45/2009, de 13 de Fevereiro) e após a conversa que tive no dia em que abriu o novo concurso com o director do serviço de Gestão de Recursos Humanos, Dr. M., na tentativa, em vão, de perceber quando seria celebrado o meu contrato, venho por este meio informar que procedi à escolha de uma vaga existente no concurso publicado no DR no aviso n.º 10302-B/2018, 2ª Série, n.º 145, 1º Suplemento, de 30 de Julho.
Desta forma, em breve deixarão de contar comigo nessa entidade hospitalar (CHTMAD).
Logo que seja possível, gostava que me informassem como será feito em relação aos dias de férias que tenho para gozar pelos meses que aí trabalhei (penso que serão 20 dias).”
Cfr. doc. 5 junto com a petição inicial;
m) A 20 de Setembro de 2018, em resposta ao email referido na alínea anterior, o Director do Serviço de Gestão dos Recursos Humanos, remeteu à Autora email com o seguinte teor:
“Agradecemos a atenção no envio do e-mail infra. Permita-nos, no entanto, discordar quando refere que “...na tentativa, em vão de perceber quando seria celebrado o meu contrato” uma vez que, após a reunião, e conforme combinado, remetemos o e-mail em anexo, ao qual não obtivemos resposta”-cfr. documento de fls. 102 dos autos”
Lê-se no saneador-sentença, no ponto 1.3. Motivação que: “A convicção do Tribunal baseou-se na análise dos documentos juntos aos autos, bem como dos documentos constantes do PA os quais não foram impugnados e são especificados em cada um dos pontos. Os restantes factos consideram-se admitidos por acordo por não terem sido especificadamente impugnados pela Entidade Demandada, nos termos do n.º 2, do artigo 574º do Código de Processo civil.”
3.3.9. Precise-se que é em relação aos factos que constam das alíneas I), K) e L) dos factos assentes, que o Apelante alega existir erro de julgamento, sustentando que a convicção quanto a esses factos que o Tribunal a quo formou através da prova documental que considerou está errada uma vez que esses documentos só por si não permitiam dar como assente a matéria incorporada nessas alíneas, pelo que se impunha que tivesse sido produzida prova testemunhal.
3.10. Para melhor compreensão da questão que se discute nestes autos, atentemos no seguinte segmento na decisão recorrida onde se explica a razão do pagamento da bolsa cuja devolução foi reclamada à apelada: “Os médicos em regime de vaga preferencial gozam do direito de receber uma bolsa de formação durante todo o período de duração de internato, que acresce à respectiva remuneração de médico interno, de acordo com o n.º 8 do artigo 12º-A, transcrita supra.
Em contrapartida pelo recebimento da bolsa de formação, após a conclusão do internato, os médicos assumem a obrigação de exercer funções no estabelecimento ou serviço onde se verificou a necessidade que deu lugar à vaga preferencial por um período igual à duração do respectivo programa de formação, de acordo com o n.º 4 daquela norma.
O exercício de funções nos termos supra-referidos efectiva-se mediante a celebração do contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, o qual é precedido de um processo de recrutamento em que são considerados e ponderados o resultado da prova de avaliação final do internato médico e a classificação obtida em entrevista de selecção a realizar para o efeito.
Acresce que, até à celebração do contrato previsto no número anterior, mantém-se em vigor o contrato celebrado a termos resolutivo incerto.
O incumprimento do dever de permanência já referido, bem como a não conclusão do respectivo internato médico por motivo imputável ao médico interno implica a devolução do montante recebido a título de bolsa de formação, sendo descontados, proporcionalmente, os montantes correspondentes ao tempo prestado no estabelecimento ou serviço de saúde onde se verificou a necessidade que deu lugar à vaga preferencial, a contar da data de conclusão do respectivo internato médico, tal como se encontra estabelecido o n.º 11 do artigo 12º A aqui em questão.
No fundo, não se poderá deixar considerar que o regime das vagas preferenciais estabelece um conjunto de direitos e deveres recíprocos entre o médico e o estabelecimento de saúde, em termos muito próximo a um contrato bilateral ou sinalagmático.
O médico que acede ao internato em regime de vagas preferenciais recebe uma “bolsa de formação”, mas, em contrapartida, assume a obrigação de exercer funções no estabelecimento de saúde que deu origem àquela vaga preferencial, pelo menos, pelo tempo correspondente, ao período do internato médico.
Mas, convém notar que, também o estabelecimento de saúde assume obrigações perante o médico, dado que fica vinculado a proporcionar ao médico o exercício de funções no estabelecimento de saúde mediante a celebração de contrato de trabalho por tempo indeterminado, na área da especialidade do médico que ocupou a vaga preferencial, o qual é precedido por um processo de recrutamento para o efeito.
É aqui que reside o dissídio das partes, estando em causa, no fundo, saber a quem é imputável a violação das obrigações estabelecidos no artigo 12º-A do Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto.
De facto, tal como se constata do disposto no n.º 10 do artigo 12º-A do Decreto-lei n.º 203/2004, de 18 de Agosto, o incumprimento da obrigação de permanência por parte do médico só dá lugar à devolução do montante recebido a título de bolsa de formação, quando tal aconteça “por motivo imputável ao médico interno”.
Isto é, a obrigação de devolução do montante só existe quando possa ser feito um juízo de censura ao médico, isto é, quando o incumprimento da obrigação de permanência lhe seja imputável a titulo de culpa ou mera culpa, por não ter agido com zelo e não ter adoptado um comportamento e a diligência necessária ao cumprimento da obrigação do dever de permanência.”
Em suma, do regime legal aplicável, resulta que os médicos que ocupem uma vaga preferencial e que tenham de realizar o seu internato médico num hospital diferente, têm direito a uma bolsa durante esse período de formação, que acresce ao vencimento normal, mas findo esse período formativo, ficam vinculados a exercer funções no hospital onde concorreram a uma vaga preferencial durante tantos anos quantos aqueles que a que corresponde o período de internato médico.
3.3.11. No caso, o Tribunal a quo considerou, com base nos factos que deu como provados, que o incumprimento da obrigação de permanência na entidade demandada não era imputável à Autora. Para o efeito entendeu resultar do probatório, que : “ (…) a Autora concluiu o seu internato médico em 17.10.2017, tendo-se apresentado junto da Entidade Demandada na data que esta designou, tendo iniciado as funções inerentes às de assistente da carreira médica por já ter realizado e concluído o internato médico na área de reumatologia.
A partir dessa data, ficou a Entidade Demandada constituída no dever de organizar o processo de recrutamento, tendo em vista a celebração do contrato de trabalho por tempo indeterminado com a Autora, dado que, o exercício de funções, inerente ao dever de permanência, é efectuado mediante a celebração do contrato de trabalho por tempo indeterminado.
É certo que em 05.04.2018 – isto é, quando já haviam decorrido mais de seis da conclusão do internato –ainda não havia sido celebrado o contrato. Aliás, certamente por estranhar essa demora, a autora não deixou de reiterar a sua vontade de cumprir com a obrigação de permanência, tendo demonstrado a sua vontade/disponibilidade em estabelecer o vínculo laboral, na categoria de Assistente Hospitalar em Reumatologia, mediante comunicação que dirigiu à Entidade Demandada.
Não resulta dos autos que a Autora tenha recebido qualquer resposta a essa comunicação.
É certo que, no início de Agosto de 2018, quando já haviam decorrido mais de 10 meses da conclusão do internato, a Entidade Demandada ainda não havia celebrado o contrato de trabalho por tempo indeterminado com a Autora.
Nessa data, como se inculca dos factos provados, a Autora voltou a dirigir-se aos Recursos Humanos no sentido de obter uma definição da sua situação profissional perante a Entidade Demandada.
Assim sendo, não se poderá deixar de considerar que o incumprimento do dever de permanência não pode ser imputável à Autora, atento que esta, antes de rescindir o contrato, tudo fez no sentido de obter a celebração do contrato, tendo insistido junto dos serviços da Entidade Demandada para a sua celebração, por diversas vezes, tendo usado da diligência que lhe era exigida naquela situação concreta.
Não é despiciendo referir que, durante todo este período, a Autora continuou a ser abonada pela remuneração inerente à categoria de médico interno e não à categoria de assistente hospitalar, o que não deixa contribuir para considerar que tal incumprimento como não imputável à Autora.
De facto, apesar da Autora ter passado a exercer funções inerentes à categoria de assistente hospitalar de reumatologia, não recebia a remuneração correspondente a tal categoria devido à não celebração do contrato, não se podendo exigir, nessas circunstâncias, que a Autora aguardasse ab aeterno pela celebração do contrato.
Na verdade, a haver incumprimento o mesmo não poderá deixar de ser imputável à Entidade Demandada que não diligenciou pela celebração do contrato com a Autora, pelo que o incumprimento da obrigação de permanência não deixará de estar conexionado com o incumprimento das obrigações que a Entidade Demandada assumiu perante a Autora.
É certo que a Entidade Demandada contrapõe que remeteu à Autora um email a dizer que se encontrava em condições de celebrar o contrato, mas, como resulta dos factos provados, aquele email nunca chegou a ser recebido pela Autora, atento que, como resulta do probatório, a Autora não recebeu qualquer email na sua caixa de correio institucional no período de entre Dez de 2017 a 12 de Agosto de 2018.
Assim, não se pode considerar que a Autora não fez caso do email, como forma deliberada de se furtar ao cumprimento do dever de permanência, como invoca a Entidade Demandada.
Acresce que não se pode considerar que a Autora recusou a assinatura do contrato, dado que, analisando o teor do e-mail, o mesmo só anunciava que a Entidade Demandada “estava em condições em celebrar o contrato”, sem, contudo, fixar a data em que o mesmo seria celebrado e as respectivas condições em que o mesmo seria celebrado.
Na verdade, entende o Tribunal que só existiria incumprimento do dever de celebrar o contrato por parte da Autora, caso a Entidade Demandada tivesse notificado a Autora para celebração do contrato e ela o tivesse recusado, o que no caso nunca aconteceu.
Acresce que, como resulta do n.º 5 do artigo 12º-A do do Decreto-Lei n.º 203/2003, de 18 de Agosto, a celebração do contrato é precedido de um processo de recrutamento, não havendo qualquer notícia nos autos que o mesmo tenha sido organizado pela Entidade Demandada.
Esta circunstância reforça que o incumprimento do dever de permanência seja imputável à inércia da Entidade Demandada, atento que esta não desenvolveu qualquer das diligências que se impunham tendo em vista a celebração do contrato com a Autora, de acordo com as obrigações que para si decorriam do regime das vagas preferenciais.
Invoca também a Entidade Demandada que, enquanto o contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado não fosse formalizado, mantinha-se em vigor o contrato celebrado a termo resolutivo incerto celebrado com a admissão ao internato médico, de acordo com o disposto no n.º 6 do artigo 12ºA do Decreto-Lei n.º 45/2009, de 13 de Fevereiro.
Facilmente se subentende a ratio iuris subjacente a esta previsão legal: terminado o internato médico, e estando a celebração do contrato de trabalho tempo indeterminado sujeito a um prévio procedimento de recrutamento, tal norma destina-se a assegurar a continuidade do exercício de funções pelo médico, ainda que com a categoria de médico interno (e com a retribuição inerente a tal categoria) até à celebração do contrato.
É verdade que aquela norma não estabelece qualquer prazo para a celebração do contrato de trabalho com o médico, mas também não se pode entender que o contrato é celebrado quando a Entidade Demandada o quiser, porque a isso se opõe o princípio da boa fé - cuja violação, foi aliás, expressamente invocada pela Autora.
De facto, o princípio da boa fé, previsto no artigo 10º do Código de Procedimento Administrativo prevê que no exercício da actividade administrativa e em todas as suas formas e fases a Administração deve agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé, devendo considerar-se, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela actuação e o objectivo a alcançar com a actuação empreendida.
O princípio da boa fé, relaciona-se com padrões de comportamentais, ético-jurídicos, que devem nortear a actuação da administração e dos administrados, designadamente a honestidade, correcção e lealdade. Este princípio actua, não só, no exercício de um direito, mas também no cumprimento de deveres, levando à necessidade de uma conduta leal, honesta, que segundo o senso comum se pode esperar das relações entre os particulares e a actuação do Estado, investido na função administrativa.
Não se poderá de deixar que se impõe com especial força quando as partes assumem obrigações recíprocas, sendo especialmente exigível que adoptem uma conduta leal e honesta perante a outra parte.
Assim entendido, o princípio da boa fé impunha à Entidade Demandada uma conduta no sentido de garantir a celebração do contrato com a Autora, no mais curto espaço de tempo, ainda que a lei não impunha qualquer prazo para a celebração do contrato.
Uma conduta leal e honesta da Entidade Demandada exigia que ela iniciasse as diligências tendentes à celebração do contrato logo que a Autora concluiu o internato médico, até porque existia uma expectativa da Autora nesse sentido, tanto mais que a celebração do contrato teria importantes repercussões na carreira da Autora, especialmente a nível remuneratório.
Acresce que, existindo circunstâncias exteriores à vontade da Entidade Demandada que impediam a celebração imediata do contrato, como alega na sua contestação, o princípio da boa fé, impunha que as comunicasse imediatamente à Autora.
Ao contrário, o que resulta dos autos é que só perante a insistência da Autora e a ameaça de abandonar o exercício de funções e que a Entidade Demandada enviou uma mensagem de correio electrónico à Autora a comunicar “estar em condições em celebrar o contrato”, o qual, aliás, nunca foi por ela recebido.
É facto que desde a conclusão do internato até ao momento em que Autora comunicou a rescisão do contrato decorreram mais de dez meses, o que é um prazo mais do que razoável para celebrar um contrato de trabalho com Autora - tarefa que se julga que não apresente dificuldade de maior para tamanha demora”.
3.3.12. Ora, pese embora a ponderação levada a cabo pelo Tribunal a quo seja persuasiva a mesma parte de ilações que extraiu de factos cuja prova não resulta demonstrada pelos documentos juntos aos autos e em que o Tribunal se quedou para os considerar como verificados.
Conforme resulta do que foi invocado pelas partes nos respetivos articulados, importa saber se se ocorreram ou não as alegadas conversas invocadas pelo Apelante como tidas com a Apelada nos termos das quais, alegadamente, sempre lhe asseverou que formalizaria com a mesma o contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado logo que estivessem reunidas as condições para o efeito, que tal contrato teria efeitos retroativos à data do início da sua prestação de funções no CHTMAD, e bem assim que lhe seria paga a diferença entre o que estava a receber e o que deveria receber como médica especialista.
Ademais, o e- mail que a apelada, na p.i,. invoca não ter rececionado e que o réu alega ter-lhe sido enviado, impugnando o documento n.º 9 junto com a p.i. com o qual a autora pretende provar que não recebeu aquele dito e-mail, só por si, não é suscetível de fundamentar a prova da não receção, impondo-se ao tribunal que através de outros meios de prova, tivesse indagado sobre a realidade desse facto.
Vem também impugnado o sentido interpretativo a dar ao teor dos e-mails trocados, uma vez que há discordância entre as partes quanto a esse sentido interpretativo, e sendo assim, o sentido a dar-lhe, não se basta com uma mera interpretação literal do respetivo teor abstraindo nomeadamente, da linguagem utilizada entre as partes e das circunstâncias concretas em que emanaram essas declarações, para o que tudo releva a prova testemunhal quanto ao comportamento tido pelas partes antes, contemporaneamente e após essas declarações constantes dos referidos mails trocados. Note-se que quer a autora, quer o réu, arrolaram prova testemunhal respetivamente, em sede de p.i. e de contestação.
Note-se ainda que apesar dos e-mails trocados configurarem documento particular, estes, quando a respetiva autoria seja reconhecida, fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, considerando-se provados os factos na medida em que forem contrários aos interesses do declarante mas a declaração é indivisível nos termos prescritos para a prova por confissão- art.º 376.º, n.º1 do CC. Do que resulta, que os factos constantes desses e- mails apenas se consideram provados na estrita medida em que forem contrários aos interesses do declarante, mas caso esses mails contenham factos favoráveis e desfavoráveis aos interesses dos nele declarantes, e essas declarações sejam indivisíveis, este ou aceita toda a declaração, isto é, quer a favorável quer a desfavorável aos seus interesses, ou não pode aproveitar apenas a parte da declaração que lhe é favorável.
Por outro lado, a remessa de um e-mail não significa necessariamente que o mesmo seja efetivamente rececionado pelo destinatário, sempre importando indagar se esse e-mail que a autora nega ter rececionado foi ou não rececionado, e essa indagação não se compadece apenas com a prova documental junta aos autos quando se verifica que a apelante impugna essa prova documental e, bem assim, a não receção pela apelada do mesmo.
3.3.13.Na verdade, perante o conteúdo dos e-mails trocados entre o Réu e a Autora, permanece em aberto a questão de saber se o réu promoveu ou não diligências no sentido de celebrar o contrato de trabalho com a Autora, se o referido contrato não foi logo celebrado por motivos alheios à sua vontade e se em data muito anterior à rescisão unilateral do contrato de trabalho pela Autora lhe foi comunicado verbalmente e por escrito que já se encontravam reunidas as condições para a redução a escrito do contrato e os motivos da sua demora, não passando os referidos e-mails, em que o Tribunal a quo assentou a sua convicção de meros factos instrumentais para a descoberta da verdade material.
3.3.14.Em conclusão, resulta do que se vem dizendo que ao julgar comprovada a facticidade das alíneas I), K) e L) em que a 1.ª Instância se limita a reproduzir o teor desses e-mails e a dar como provado que a apelada não recebeu o e-mail que alegadamente lhe fora enviado pela Apelante em agosto de 2018, que lhe terá sido remetido pelos serviços da apelante, exclusivamente com base em prova documental que tinha sido impugnada, sem cuidar em apurar se esse e-mail foi ou não rececionado pela apelada e bem assim, quanto ao sentido interpretativo a dar ao teor desse e dos demais e-mails trocados, para o que relevará o conjunto de circunstâncias já atrás enunciadas ocorreu efetiva violação do direito à prova que assiste ás partes, impondo-se a anulação das respostas dadas pela 1.ª Instância à facticidade das enunciadas alíneas I),K) e L) com a consequente anulação da decisão recorrida.
Deste modo, não sendo consensual entre as partes a referida matéria, conforme resulta dos respetivos articulados, impunha-se ao Tribunal a quo, em ordem a formar a sua convicção de forma conscienciosa, que tivesse realizado outras diligências probatórias, máxime, que tivesse ordenado a realização da prova testemunhal.
Neste sentido, pronunciou-se o Senhor Procurador Geral Adjunto, no parecer que emitiu nos termos do artigo 146.º, n.º1 do CPTA no qual, a respeito desta questão, escreve: “No caso dos autos e havendo matéria controvertida, resultante da impugnação dos factos, e ao circunstancialismo fáctico do contexto em que os e-mails foram trocados entre as partes, nomeadamente a realização de reuniões, não bastava a prova documental para uma cabal apreciação da matéria de facto.
Efetivamente afigura-se-nos que a inquirição da testemunha Dr. M. poderia ter sido útil ao apuramento dos factos, conforme decorre do email enviado pela A. em 20.09.2018, pelas 16.37 m, para M., onde se refere que a A. após conversa tida no dia em que abriu o novo concurso com o Dr. de Serviço de Gestão de Recursos Humanos, Dr. M., na tentativa de em vão, de perceber quando seria celebrado o contrato, informou que procedeu à escolha de uma vaga existente no concurso publicado em DR no aviso nº 10302-B/2018, 2º Serie, nº145, 1º suplemento, de 30 de julho.
Pelo exposto, também quanto a esta questão se nos afigura assistir razão ao recorrente”.
3.3.14. No caso, o cabal esclarecimento dos factos alegados pelas partes não dispensa a produção da prova testemunhal requerida pelas partes, a conjugar com a prova documental constante dos autos, pelo que, deverá o Tribunal a quo, uma vez produzida a prova testemunhal arrolada pelas partes e considerada a prova documental existente, responder a essa facticidade, seguindo-se prolação de ulterior sentença, tendo em consideração que os documentos, no caso, os mails, não são factos mas meros meios de prova.
Termos em que procede o invocado fundamento de recurso.
IV- DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogam a decisão recorrida ordenando a baixa dos autos à 1.ª Instância para que seja produzida prova testemunhal em relação à referida facticidade, e prolatada nova decisão.
*
Custas conforme o que vier a ser decidido na sentença final .
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Notifique.

*
Porto, 02 de julho de 2021.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Isabel Jovita
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i) in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2017, 4.ª Edição, Almedina, pág. 675/676,

ii) ( Cfr. Ac. TCAN, de 05.03.2021, proc. n.º 173/14.0BECBR-B, por nós relatado;

iii) Cfr. No mesmo sentido, Acs. do TCAN de 14/01/2014, proc. 02699/09.3BEPRT; de
05/02/2021, proc. n.º 00182/10.3BEVIS;

iv) Cfr. Ac. do TCAN, de 14/01/2014, proc. 02699/09.3BEPRT

v) Cfr. Ac. do TCAN, de 12/01/2018, proc.nº 729/15BEAVR-A, de 12/01/2018; no mesmo sentido, cfr. Ac. do TCAN, de 26/10/2018, proc. N.º 00137/13.6BECBR; de 04/03/2021, processo n.º 173/14.5BECBR ( DE QUE FOMOS RELATORA),