Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01279/14.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/22/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:REABILITAÇÃO URBANA; RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL POR FACTOS LÍCITOS; DIREITO AO REPOUSO
Sumário:1 – Os pressupostos em que assenta a responsabilidade civil do Estado por atos lícitos são:
(i) a prática de um ato lícito;
(ii) para satisfação de um interesse público;
(iii) causador de um prejuízo "especial" e "anormal";
(iv) existência de nexo de causalidade entre o ato e o prejuízo.
Prejuízo especial é aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma relativa posição específica; prejuízo anormal o que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a atividade lícita da Administração.”

2 - A atuação da Administração, ainda que lícita, pode ser geradora de responsabilidade civil extracontratual, atendendo, designadamente, à tipologia dos danos provocados. É a indemnização pelo sacrifício, segundo a terminologia do artigo 16.º da LRC, que que “O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público indemnizam os particulares a quem, por razões de interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais e anormais, devendo, para o cálculo da indemnização, atender-se, designadamente, ao grau de afetação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado.
3 - Este dever de indemnizar nasce, assim, à margem de qualquer ilicitude e censura jurídica, entrosando-se, antes, na circunstância de ter sido imposto ao administrado, em nome do interesse público, um sacrifício que ultrapassa os encargos normais que decorrem da vida em sociedade, ou de um sacrifico que seja grave e especial.

4 - O direito ao repouso e à tranquilidade, constituindo uma imanação dos direitos fundamentais de personalidade, constitucionalmente tutelados, é superior ao direito das Recorridas que sempre deveriam ter cuidado de mitigar os danos sofridos pelo agregado familiar do Recorrente, de modo a que os níveis de conforto habitacional pudessem ser assegurados, ainda que por recurso ao realojamento temporário.
Desde logo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem realça que toda a pessoa tem direito ao repouso (artigo 24º), acrescentando a Convenção Europeia dos Direitos do Homem que qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar (artigo 8º, n.º 1), explicitando-se que os ruídos e outras perturbações que causem danos no domicílio e afetem o bem-estar físico do indivíduo, atingem a sua vida privada.
No que ao nosso ordenamento jurídico diz respeito, essa tutela tem expressão, desde logo, na CRP, onde, em conformidade com os princípios consagrados nas referidas Convenção e Declaração, se consagra o princípio do respeito da dignidade da pessoa humana, acolhendo-se, como direito fundamental, a inviolabilidade moral e física das pessoas, reconhecendo-se a todos os cidadãos o direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado, bem como o dever de o defender.
Recorrente:L.
Recorrido 1:P. – SRU – Sociedade de Reabilitação Urbana, SA e Outro
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório

L., devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação administrativa comum que intentou contra a P. - SRU - Sociedade de Reabilitação Urbana, SA, tendo como Interveniente Acessória, a L., S.A, peticionou a condenação destas:
“A) (…) a repor a fachada de tardoz do prédio do Autor sito ao Largo dos (...) 29 Porto no estado em que se encontrava antes da sua intervenção no interior do Quarteirão das (...) e nos termos descritos no artigo 84.º deste articulado, serviços e obras aí descritos num prazo máximo de 90 dias;
B) (...) a reparar o rebordo da laje da varanda do prédio do Autor sito ao Largo dos (...) 29 Porto, repondo-o no estado em que se encontrava antes da sua intervenção no interior do Quarteirão das (...) num prazo máximo de 90 dias;
C) (...) a pagar ao Autor a quantia global de 75.855,73 € a título de danos emergentes e lucros cessantes e
D) (...) a pagar ao Autor o montante não inferior a 5.000€ a título de danos morais já apurados,
inconformado com a Sentença proferida em 4 de Dezembro de 2019, no TAF do Porto, na qual a ação foi julgada totalmente improcedente, veio interpor recurso jurisdicional.

Formula o aqui Recorrente/Luís Correia nas suas alegações do Recurso Jurisdicional, apresentado em 3 de fevereiro de 2020, as seguintes conclusões:

“1. Na sentença recorrida, salvo o devido e merecido respeito por melhor opinião, além de nulidades várias, cometeram-se importantes, vários e graves erros de julgamento, já que se impunha uma solução totalmente inversa à decidida no sentença ora impugnada, competindo a este Tribunal “ad quem ” usar dos seus poderes/deveres (funcionais) de censura, e, por isso, o recurso de apelação agora interposto tem por objeto não só a matéria de direito, mas também a matéria de facto – artigo 662.º do Código de Processo Civil , uma vez que a matéria de facto foi deficientemente apurada e a fundamentação constante da sentença ora recorrida no que diz respeito à interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes, também não merece qualquer acolhimento.
2. O ponto L da matéria de facto foi incorretamente fixado, uma vez que não respondeu corretamente ao ponto 5 (2.ª parte) dos temas da prova “5. Quantificar os custos com as obras identificadas e 6, assim como, o valor da renda mensal do locado suportada pelo Autor” pois não esclarece que a partir de Março de 2010 o valor da renda mensal suportada pelo Autor subiu para 600€, pelo que impunha-se, perante a prova documental -cfr. documento 34 da petição inicial e documentos de fls. 246 a 248 e 1527 a 1544- , declarações de parte do Autor, prova testemunhal produzida nos autos, que supra se transcreveu, que a redação do ponto L da matéria de facto fosse a seguinte: Por conta do contrato de arrendamento supra referido, o Autor pagou uma renda mensal de valor correspondente a 500€ entre os meses de Março de 2008 até Fevereiro de 2010 e, a partir de Março de 2010, até à data da sua saída, pagou uma renda mensal de valor correspondente a 600€.
3. Relativamente ao ponto M., do Probatório, perante a prova documental dos autos (documentos de fls. 256 a 275 e 279 a 306) e prova testemunhal produzida em audiência final, em especial perante as declarações de parte do Autor e da testemunha A., que supra se transcreveram, resulta claro que, no ponto M. da matéria de facto, a decisão sobre o tema da prova n.º 5 (1.ª parte), deveria ser a seguinte: O Autor realizou obras de remodelação e recuperação na moradia objeto do contrato de arrendamento supra referido, no montante de 15.000€.
4. Os pontos 1. e 2. da matéria de facto dada por não provada pelo Tribunal a quo foram incorretamente fixados como não provados, sendo certo que, a análise crítica das declarações de parte do Autor, conjugadas com toda a prova documental e testemunhal produzida em audiência, cujo excertos relevantes transcrevemos supra, impõem que tal matéria de facto seja considerada provada e, por conseguinte, a resposta ao tema da prova n.º 3 (“Apurar se o Autor e a sua família tiveram de arrendar outra habitação devido às obras executadas no interior do Quarteirão das (...) e das intervenções que decorreram nas parcelas 33, 35 e 36 contíguas ao prédio daquele, que colocavam em risco a segurança do edifício e a integridade física dos seus habitantes, entre os quais o Autor e a sua família; e por quanto período de tempo”), deverá ser a seguinte:
1-Devido à intervenção dos Demandados no interior do Quarteirão das (...), designadamente nas parcelas 33 a 35, contíguas ao prédio do Autor, e por estas obras colocarem em risco a segurança do edifício e a própria integridade física dos seus habitantes, o Autor viu-se forçado a mudar de residência e arrendar uma habitação para realojamento da sua família na Rua (...);
2-A intervenção dos Demandados no interior do Quarteirão das (...), inviabilizou a manutenção do agregado familiar do Autor na habitação de família sita no Largo dos (...) e implicou a saída de todos os habitantes da casa;
5- Tal é o que resulta das declarações de parte do Autor e das testemunhas L., na sua qualidade de ex-empregada doméstica do Autor, F., na qualidade de ex-inquilino do 2.º andar do prédio do Autor, A., ex-namorada do Autor/Recorrente e S., na qualidade de engenheira civil que exerceu funções na Cinclus, como membro de fiscalização da obra no Quarteirão das (...), cujos excertos relevantes dos depoimentos supra transcrevemos.
6- O Tribunal a quo fez ainda uma incorreta avaliação dos pontos 3 e 4 ao considerá-los na sentença recorrida como não provados e, perante a prova testemunhal supra transcrita - desde logo o depoimento da testemunha J., na sua qualidade de bancário, corroborado pelas declarações de parte do Autor e prova documental carreada para os autos -, os pontos 3 e 4 do Probatório deverão ser considerados factos assentes, por provados, com a redação que segue e consubstancia a resposta a dar aos temas da prova n.º 8, 9 e 10, ou seja: 3. A intervenção dos Demandados no interior do Quarteirão das (...), designadamente nas parcelas 33 e 35, contíguas ao prédio do Autor, geraram uma perda de rendimento ao Autor e do seu agregado familiar - traduzida em 475.00 euros mensais pela perda dos inquilinos do segundo andar, num total 25.650,00 euros contabilizados de Junho de 2008 a Dezembro de 2012, e um acréscimo de despesas, num total de 32.400,00 euros, respeitantes às rendas pagas na moradia da Rua (...)- o que motivou a contrair dois empréstimos bancários nos anos de 2008 e 2012, num montante global de 60.945,97€; 4. Devido à intervenção dos Demandados no interior do Quarteirão das (...), designadamente nas parcelas 33 e 35, contíguas ao prédio do Autor, este teve de dilatar pelo período de 20 anos o pagamento dos empréstimos bancários contraídos nos anos de 1999 e 2000, tendo pago 32.701,54€ relativamente a juros vencidos e já pagos à data da propositura da ação, referentes aos empréstimos bancários (conforme docs. de fls.1011 a 1049, 1604 a 1629 e 1632 a 1655).
7. Por último, considerando a prova testemunhal, desde logo o depoimento de M., que supra se transcreveu, as declarações de parte e a prova documental carreada para os autos (documentos n.º 9, n.º 11 da petição inicial e artigo 84.º) entendemos que o Tribunal a quo deverá dar como provado o ponto 5. do Probatório, como a resposta ao tema 2 dos temas da prova (“2- Apurar se a fachada de tardoz do prédio principal não foi reparada ou reconstruída, assim como quais os custos com a reparação ou reconstrução da mesma” ) com a seguinte redação: 5- A fachada de tardoz do prédio do Autor sito no Largo dos (...), não foi reparada nem reconstruída pelos Demandados e os custos da sua reparação cifram-se em valor não inferior a 12.000€.
8. A decisão quanto à matéria de facto dos pontos M., L., e 1., 2., 3., 4., e 5., é manifestamente contraditória com os documentos carreados para os autos e com os depoimentos supra transcritos, os quais são absolutamente úteis e esclarecedores, pois, além de terem sido prestados de modo claro, objetivo e conciso, revelaram sobretudo conhecimento direto dos factos, e foram prestados de modo isento e convincente, e ainda com absoluta razão de ciência, tendo ainda a suportá-lo os documentos juntos ao processo, e, por isso, bastava que o Tribunal estivesse atento, o que não terá acontecido, e daí ter proferido uma sentença injusta e sem estar fundamentada com a prova documental e testemunhal carreada para os autos, a qual, estamos certos, os Senhores Desembargadores não deixarão de censurar.
9. A questão em apreço no presente recurso prende-se com a existência de Responsabilidade Civil Extracontratual por Factos Lícitos (prevista na Lei n.º 67/2007 de 31 de Dezembro).
10. O Recorrente sofreu danos concretos decorrentes de factos lícitos praticados pelos Demandados na ação. A sentença recorrida parte de um juízo preconcebido de que houve antecipação do Autor/Recorrente em relação à existência em concreto dos danos e, consequentemente, da interpretação de que a verificação desses danos não podem responsabilizar os Demandados em sede de responsabilidade civil por factos lícitos.
11. A decisão ora posta em causa parte da ideia, a priori, de negar qualquer possibilidade do aqui Recorrente preservar a sua família, e a si próprio, de serem expostos em concreto a riscos e incómodos, agindo por antecipação a factos que comprovadamente existiram e objetivamente comportam riscos e danos, ora, tal opção de julgamento expressa na decisão proferida, não pode corresponder a uma conceção própria do séc. XXI, no âmbito de uma sociedade evoluída, onde a preservação da integridade física das pessoas deve ser uma prioridade.
12. O Recorrente só se mudou para a residência (arrendada) da Rua (...) por causa das obras de demolição e intervenção urbanística dos Demandados e porque não lhe foi dada alternativa pela Ré P., SRU-Sociedade de Reabilitação Urbana, S.A (que não respondeu aos seus pedidos de realojamento), e, não, porque, de repente, lhe tenha apetecido mudar de casa por quaisquer outros motivos que não as obras levadas a cabo pelos Demandados.
13. Apesar de assinado o contrato de arrendamento relativo à habitação da Rua (...) em Fevereiro, algo que incompreensivelmente espantou o Tribunal, o mesmo produzia efeitos a 1 Março, e o certo é que o Autor e o seu agregado familiar mantiveram-se no seu prédio no Largo dos (...) até Setembro de 2008, data em que efetivamente se operou a mudança, conforme resulta do Probatório, e durante esse período suportaram os danos causados no seu prédio, fruto das obras das Recorridas no Quarteirão das (...), que comprovadamente colocaram em risco a segurança do prédio do Autor e integridade física dos seus habitantes.
14. Tais obras objetivamente colocaram em risco a segurança do prédio do Recorrente e a integridade física dos seus habitantes e as considerações plasmadas na decisão recorrida a esse propósito, relativamente a dano anormal aceitável, não são conformes às decisões de Tribunais de um País Europeu do Século XXI já que não pode ser exigível que o cidadão e a sua família tenham de suportar os riscos próprios de uma obra/estaleiro que são alheios à sua vontade. O Autor/Recorrente não foi nem nunca seria dono da Obra, pelo que não é aceitável que tenha de suportar danos pelos quais não optou, ele e a sua família, durante mais de 4 anos, desde o início da obra, em Março de 2008, até ao regresso ao prédio sito ao Largo dos (...), que, por força da intervenção dos Demandados, só foi possível em Dezembro de 2012.
15. Se o A. tivesse agido por antecipação a danos que nunca se tivessem vindo a manifestar, ainda poderia, por hipótese académica, ser aceitável a decisão ora posta em crise, outra coisa é o caso dos autos, onde verificaram-se danos - valoráveis - no prédio do Autor, aliás, provou-se que tais danos existiram e foram reparados- item P do Probatório.
16. De notar que ao contrário das outras habitações do Quarteirão das (...), o prédio do Autor antes da intervenção das Recorridas no Quarteirão estava em excelente estado de conservação (conforme doc.10, 11 e 6 da petição inicial), o que o distinguia dos demais do mesmo Quarteirão.
17. O Autor antecipou os riscos e os danos que efetivamente vieram a ocorrer, note-se, por exemplo, que caiu um teto de estuque num dos quartos das filhas do Autor (conforme doc.18 da petição inicial), e se uma das filhas menores do autor aí estivesse, estaríamos, por hipótese, a discutir agora o valor da indemnização a pagar pelo dano morte.
O facto de estes danos estarem reparados no momento do julgamento não significa que não tenham existido, conforme o item P do probatório.
18. O A. sofreu um forte abalo psíquico, sofreu incómodos, tristeza e revolta durante o tempo que, por força das obras das Recorridas, ficou privado de habitar no seu prédio sito ao Largo dos (...) e foi obrigado a residir na casa que teve de arrendar para efeito, conforme se deu como provado no item R do probatório.
19. A sentença posta em crise deverá ser anulada e substituída por outra, pela óbvia existência do nexo de causalidade entre os danos objetivamente sofridos (e antecipados) pelo Autor e as obras levadas a cabo pelas Recorridas (factos lícitos), devendo condenando-se a Ré e a Interveniente Acessória nos termos do pedido formulado pelo Autor/Recorrente na petição inicial, em sede de responsabilidade civil por factos lícitos.
20. A decisão do Julgador é tomada a priori, conforme é claro nas perguntas feitas em audiência, tendo estabelecido o “início das obras” como o momento formal a partir do qual se poderia considerar a existência de danos e de qualquer nexo de causalidade, quando tal é claramente uma opção de completo formalismo na formulação da existência do nexo causal, não considerando que é possível atuar numa lógica de planeamento económico-financeiro, antecipando riscos e danos expectáveis (e que de facto vieram a ocorrer) como se provou através de prova documental e testemunhal em julgamento.
21. Os danos sofridos pelo Autor são indubitavelmente valoráveis, sob pena de só o dano morte ser um dano suscetível de ser considerado dano “anormal” atendível pelo Direito. Ora, foi unicamente por força da atuação da Entidade Demandada e Interveniente Acessória que o Recorrente teve de suportar várias infiltrações no seu prédio, trepidações, ruídos, poeiras, assaltos, que colocaram em risco a sua integridade física e do seu prédio e foi também unicamente por força da atuação da Entidade Demandada e Interveniente Acessória que o Recorrente que teve de sair de casa e arrendar nova habitação, que perdeu rendimentos (como as rendas dos inquilinos do 2.º andar) e aumentou as suas despesas (desde logo com o arrendamento de nova habitação). Ora, o nexo causal entre o ato lícito- obras- praticado pelas Recorridas (em satisfação do interesse público) e os danos sofridos pelo Recorrente existe, e os danos sofridos pelo Recorrente claramente excedem os riscos normais da vida em sociedade e que são suportados por todos os cidadãos.
22. Demonstrou-se claramente - veja-se os itens U, V e W do probatório- que as obras das Recorridas puseram em causa a integridade física das pessoas e bens que ocupavam o 2.º andar do prédio do Autor e a própria testemunha F. da Silva, é bem claro no seu depoimento quando diz foi forçado a sair devido a essa obras, pois não fossem as obras levadas a cabo pelos Demandados e tinham permanecido no locado (onde estava há já 4 anos).É inegável o nexo de causalidade entre as obras (facto lícito) e a saída dos inquilinos do 2º andar do prédio do Autor e consequente dano, traduzido na perda de rendas para o Autor.
23. O fim habitacional no Quarteirão das (...) não era possível por força das obras levadas a cabo pelas Recorridas. E se a Recorrida P. procedeu ao realojamento de alguns residentes (de parcelas diretamente intervencionadas) não cuidou de ter o mesmo cuidado com o Recorrente que residiu em parcela (36) contígua a parcela diretamente intervencionada (35) separada apenas por uma parede meeira, como se provou, o que exigia especial atenção, e ao não atenderem às especificidades da situação do Recorrente, as Recorridas causaram-lhe danos anormais. O arquiteto F., em circunstâncias algo semelhantes ao Recorrente (pese embora o seu prédio não tenha sido tão afetado como o do Recorrente, que tinha a particularidade de ser contíguo à parcela 35), mesmo assim, ainda que tenha mantido o seu escritório de arquitetura na área, teve de deixar de habitar a sua fração. É um caso de alguém, tal como o Autor, que não conseguiu permanecer a residir na sua habitação durante o período das obras perpetradas pelas Recorridas no Quarteirão das (...), o que é demonstrativo que uma família não conseguia viver, quer nas parcelas diretamente intervencionadas, quer nas parcelas contíguas às parcelas intervencionadas e que os danos infligidos pelos Demandados eram superiores aos suportáveis pela generalidade dos cidadãos. Não fossem essas obras que originaram fissuras, humidade, infiltrações, trepidações, muito ruído e poeiras/pó, com perigo para a segurança do edifício e dos habitantes, e seria possível as famílias continuarem a residir nas suas habitações. Tal torna o fato lícito (obras) causador de danos anormais, determinando a impossibilidade de residir no Quarteirão das (...) fruto dessas obras.
24- Não se pode deduzir que viver mais de 4 anos nas condições impostas pelas obras, sem as condições de habitabilidade mínimas garantidas, com risco para a sua integridade física, era suportável e fazia parte dos danos normais a sofrer em sociedade, tanto assim que não foi para o Autor como para outros cidadãos em situações semelhantes, conforme vimos. Ao imporem-lhe o pagamento de uma renda noutra habitação (por não terem assegurado o seu realojamento) as Recorridas impuseram-lhe danos especiais. E é natural que o Recorrente tenha antevisto os perigos e enquanto bom pai de família impõe-se que zele pela salvaguarda da segurança do seu agregado familiar, composto por mulher e três filhas em idade escolar. Pensar-se que era exigível ao Autor suportar esses danos, que outros em situações idênticas não foram capazes de suportar, e quiçá que aguardasse por esses danos se consumassem de forma mais expressiva na integridade física de elementos do seu agregado familiar, ou em si próprio, é claramente inaceitável.
25- Partir da premissa que a decisão do Recorrente de sair da parcela 36- face a toda a prova documental e testemunhal recolhida - é alheia às obras levadas a cabo pelos Demandados é uma valoração totalmente inaceitável e contrária não só à prova efetivamente produzida, como à realidade dos factos e às regras da experiência e do senso comum e comporta uma visão incompatível com princípios e valores de um Estado de Direito e violadora de normas constitucionais, incluindo o Direito da União Europeia.
26- Da prova carreada resulta indubitavelmente, que foi devido às obras realizadas no interior do Quarteirão das (...) pelas Recorridas - e que objetivamente e comprovadamente colocaram em risco a segurança e a integridade física do prédio e dos seus habitantes- que o Recorrente e a sua família tiveram de abandonar a habitação de família sita ao Largo dos (...), abandonando assim o seu prédio completamente reabilitado e recuperado pelo Recorrente poucos anos antes das obras de Intervenção das Recorridas, pelo que à data das obras das Recorridas estava em excelente estado de conservação sob os pontos de vista de segurança, salubridade e estética, (-cfr. documentos n.º.10, 11 e 6 da petição inicial).
27-Ao decidir que o Recorrente e sua família não tiveram forçosamente de deixar a sua habitação sita ao Largo dos (...), a Julgadora exige ao Recorrente um grau de sacrifício muito superior ao tolerável a qualquer cidadão em sociedade, aderindo a uma visão desadequada da realidade, pois ficou amplamente demonstrado e provado, e é conforme as regras da experiência, que nenhum outro motivo, para além desse, existiu para que o Recorrente deixasse o seu prédio, totalmente restaurado, no Largo dos (...).
28- O facto de o Recorrente e a sua esposa de nacionalidade sueca terem tido uma visão de planeamento económico-financeira e de antevisão de riscos e perdas (conheciam o documento estratégico de 2005- fls. 797 a 913 do processo físico, sabiam da magnitude das obras que envolveriam demolições e escavações e por isso solicitaram inúmeras vezes o realojamento à Demandada P. SRU e só perante a recusa se veem obrigados a arrendar habitação alternativa), visão essa tipicamente atribuída a mentalidades nórdicas, não pode ser motivo de estranheza num País Europeu, como Portugal.
29- É contrário às regras da experiência que o autor decidisse e quisesse suportar mais despesas de habitação. Se não fossem as obras das Recorridas no interior do Quarteirão das (...), nos termos supra referidos, jamais teria saído da habitação que reabilitara e restaurara há pouco tempo garantindo as condições ideais para a o desenvolvimento das atividades intelectuais do agregado familiar (a esposa era professora de Música do Conservatório do Porto necessitava de praticar e ensaiar em casa, assim como as três filhas estudantes, duas que se profissionalizaram na área e que praticavam e ensaiavam instrumentos musicais, em casa, assim como prosseguiam os seus estudos académicos, e o Recorrente, professor universitário, desenvolvia trabalho académico em casa).
30- Pelo que, a Entidade Demandada e Interveniente Acessória deverão ser condenadas, conforme a prova documental, declarações de parte e prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, ao pagamento das despesas necessárias ao realojamento do Autor e seu agregado familiar na habitação sita à Rua (...) e que se computam em 17.835,73€; ao pagamento de 32.400€ respeitantes às rendas pagas entre Março de 2008 até Dezembro de 2012 no locado arrendado pelo autor sito à Rua (...); ao pagamento de 25.650€ pelos lucros cessantes referentes às rendas que o Autor deixou de receber, contabilizados desde Junho de 2008 a Dezembro de 2012, por ter perdido o arrendatário do 2.º andar do seu prédio sito ao Largo dos (...); ao pagamento de 32.701,54 euros relativamente a juros vencidos e já pagos referentes aos empréstimos bancários; à reparação da fachada de tardoz e ao pagamento de 5.000 referentes a danos morais sofridos pelo Recorrente
31- Não se tendo apurado qualquer concorrência de culpa do lesado que excluísse tal responsabilidade das Recorridas, nem tão pouco qualquer evento de força maior, é notório que as Recorridas deverão indemnizar o Recorrente pois, por razões de interesse público impuseram-lhe encargos e causaram-lhe danos especiais ou anormais, face ao que o comum dos cidadãos.
32- Violou a sentença o Princípio do Estado de Direito Democrático, do qual emerge o direito dos cidadãos à reparação dos danos provocados pelo Estado e demais Entidades Públicas, concretamente pessoas coletivas de interesse público.
33- Violou a sentença o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa que exige que os cidadãos que suportam, em nome do interesse público, danos anormais e especiais em face dos demais, deverão ser ressarcidos dos mesmos, sob pena de violação do princípio da igualdade.
34- A generalidade das pessoas em circunstâncias idênticas não deverá ser obrigada a suportar os danos infligidos pelas Recorridas ao Recorrente que ultrapassam os custos própria da vida em sociedade num Estado de Direito Democrático Europeu.
35- Resulta de forma cristalina dos autos que a atividade desenvolvida pelos Réus - as obras de intervenção no Quarteirão das (...)- cabe no conceito de “atividades perigosas” previsto na Lei. Trata-se de uma atividade propensa a gerar danos- que no caso concreto causou, como vimos- e esses danos pela sua gravidade, são dignos de valoração pelo Direito. O próprio Tribunal a quo entendeu que, no caso em apreço, a execução daquela empreitada em concreto, discutida nos autos, deveria ser considerada uma atividade perigosa, que envolvia determinados riscos, e beneficiando do risco que a sua atividade comporta deverão as Requeridas arcar com a responsabilidade de reparar os danos que dessa atividade possam resultar para os cidadãos.
36- O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento pois depois de dar como provado nos itens U), V) e W do probatório que a atuação dos réus determinou a resolução do contrato de arrendamento dos inquilinos do 2.º andar do prédio do Autor, e que a resolução desse contrato de arrendamento causou danos consubstanciado em perdas de rendas, ainda assim, contrariando as premissas do seu raciocínio, e após verificados os pressupostos da responsabilidade civil por facto lícito, concluiu não reconhecendo ao Autor o direito à indemnização.
37- A propósito do raciocínio explanado na decisão recorrida quanto à perda das rendas referentes ao 2.º andar do seu prédio, claramente que não se pode concordar com a análise do Tribunal recorrido, é que estando em vigor um contrato de arrendamento por um período de seis meses renovável por iguais períodos, que se renovou em Abril de 2008 por seis meses, o tribunal a quo infere que só poderia estar em causa as rendas referentes a essa renovação de 6 meses, ou melhor, desde Junho (data da resolução do contrato por força das obras) até Outubro, pois, contrariando a vontade expressa em depoimento prestado em audiência do pelo arrendatário F., que em audiência e conforme o depoimento transcrito supra, referiu que não pretendia sair do prédio do Recorrente e que só resolveu o contrato por força das obras, considerou que não se saberia se o contrato se manteria. Ora sabe-se, porque ficou demonstrado através de prova testemunhal e documental, que os inquilinos pretendiam permanecer nesse andar e só ali não ficaram por força das obras que impediam o desenvolvimento da atividade intelectual de quem aí estava (por força do ruído e poeiras) e punham em causa a sua segurança física- item W do probatório.
38-A decisão recorrida violou ainda o direito do Autor a uma decisão em prazo razoável, em violação do artigo 20.º n.º 4 da Constituição e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei n.º 65/78 de 13/10.
39-Sucedeu que, desde o último ato de produção de prova em audiência de discussão e julgamento, ocorrido a 19 de Novembro de 2018, até que a sentença fosse proferida, no mês de Dezembro de 2019, teve o Recorrente de aguardar mais de um ano, concretamente 13 meses, sendo certo que essa delonga não foi motivada por qualquer ato das partes, nem tão pouco se produziram quaisquer atos processuais durante esse período.
40- O direito à decisão da causa em prazo razoável aponta para uma tramitação processual adequada e para a razoabilidade do prazo da decisão, no sentido de a tutela jurisdicional ocorrer em tempo útil ou em prazo consentâneo. No caso concreto, a petição inicial foi autuada a 6-4-2013, é remetida para o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a 27-5-2014, com períodos intercalares de cerca de 11 meses em que o processo permaneceu sem qualquer tramitação, determinando que o recorrente tivesse de aguardar mais de 6 anos para que fosse proferida uma sentença.
41- Também enferma a decisão recorrida de nulidades porquanto a prova da audiência final de dia 19-11-2018, parte da tarde, iniciada às 14h30, e conforme ata, registada através do Sistema de Gravação Avar Audio [de 00: 00:01’’ a 04:42:21’’, parte da tarde encontra-se deficientemente gravada, só se torna audível já depois de decorridas mais de 3 horas de produção de prova, concretamente a partir de 03h:06m:48’’, o que impede o recorrente de se defender convenientemente, pois está impossibilitado de fundamentar o seu recurso com o depoimento da sua testemunha L. na qualidade de engenheiro civil, e de sindicar os depoimentos das testemunhas J. (da Ré), J. (da Ré), não se ouvindo in totum tais depoimentos e apenas se ouvindo parcialmente a testemunha F. (da Ré e da Interveniente); está o Recorrente impedido de sindicar tais depoimentos e de proceder à impugnação da matéria fixada na sentença com base em tais testemunhos em sede de motivação de recurso, tal como era sua intenção, em clara violação do disposto no artigo 32.º n.º 1 da CRP. A falta de documentação de tais declarações prestadas oralmente na audiência consubstancia nulidade, que aqui se argui, com fundamento na omissão parcial do registo de gravação da prova produzida em audiência de julgamento, devendo ser o julgamento parcialmente anulado e ordenada a sua repetição, para que as testemunhas L., J., J. e F. prestem novos depoimentos, devendo, depois, ser proferida, em conformidade, nova sentença.
42- Por todo o exposto, foram violados na sentença recorrida as seguintes normas: artigo 483º n.º 2 , 562.º, 563.º e 566.º do Código Civil e os artigos 2.º, 11.º e 16.º da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro, assim como o artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) conjugado com o artigo 9.º alínea b), bem como o artigo 22.º, 13.º , todos da CRP, assim como o art. 32.º da CRP e o artigo 20 n.º 4 da CRP e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, incumbindo a este Tribunal “ad quem” exercer os poderes de censura sobre a sentença ora impugnada.
43- A sentença recorrida não pode deixar de ser censurada, pois a mesma, ao ter julgado improcedente a ação, fez uma incorreta apreciação, quer da matéria de facto, quer da matéria de direito, e, assim sendo, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a sentença ora recorrida e, consequentemente, condenando a Ré P., SRU Sociedade de Reabilitação Urbana, SA e Interveniente Acessória L., S.A., no pedido.
TERMOS EM QUE, e nos demais de direito que V. Exas. douta e superiormente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, com todas as demais consequências legais, como aliás é de DIREITO E DE JUSTIÇA!”

A Recorrida/P., veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 6 de março de 2020, nas quais concluiu:

“I. A sentença ora recorrida não merece qualquer reparo por não ter violado ou mal interpretado qualquer norma jurídica, não merecendo por isso qualquer reparo.
II. No que respeita à matéria de facto do ponto “L” o Autor, no que se refere ao pagamento da renda no montante de €600,00 euros, apenas juntou aos autos quatro recibos de vencimento e seis comprovativos de transferência do mesmo montante, sendo por isso insuficiente para que se tivesse dado como provado que o Réu tivesse passado, desde Março de 2010 até à data da sua saída, a suportar a renda do valor de €600,00.
III. No que respeita ao ponto M. da matéria de facto, cumpre referir que da prova testemunhal produzida nos autos ficou provado tão só que o Autor realizou obras de remodelação e recuperação da moradia, não tendo sido junto aos autos quaisquer documentos comprovativos do pagamento do alegado montante de €15.000,00, além de meros orçamentos com data anterior ao contrato de arrendamento da moradia sita na Rua (...).
IV. Do depoimento da testemunha A. (cfr. depoimento gravado na sessão do dia 08.10.2018 digitalmente gravado de 00:37:56” a 01:22:41”) o mesmo apenas confirmou que terá emitido tais orçamentos, mas não conseguiu em concreto que trabalhos efetuou nem o número de trabalhadores que realizaram a obra sob sua direção nem sequer precisar se o Autor lhe havia entregado tais materiais ou não.
V. Tendo sido apenas o Autor, em declarações, quem referiu ter pago mais de €15.000,00 nas referidas obras, sem juntar documentos comprovativos do pagamento de tal valor.
VI. De resto, constando do contrato de arrendamento junto aos autos que a moradia sita na Rua (...) se encontrava em razoável estado de conservação, não se compreende a razão de o mesmo ter necessidade da realização de obras no montante de €15.000,00.
VII. Mas, ainda que se tivesse provado o pagamento daquele valor, a decisão não poderia ter sido diferente da proferida pelo Tribunal a quo, porque não se verificaram os requisitos da responsabilidade civil necessários à procedência dos pedidos deduzidos pelo Autor nos presentes autos.
VIII. No que respeita ao ponto 1 dos factos não provados cumpre referir que as obras iniciaram-se em Março de 2008 e o contrato de arrendamento da moradia da Rua (...) data de Fevereiro de 2008,
IX. O que evidencia que o Autor tomou a sua decisão na sua livre vontade e convicção própria que iria sofrer danos, sem que houvesse naquele momento qualquer evidência do grau de eventuais incómodos ou danos decorrentes da realização de obra, à data ainda não iniciada.
X. Nesta matéria, foi mesmo referido pela testemunha S. (Cfr. depoimento digitalmente gravado de 01:48:15” a 02:55:39” na sessão de 08.10.2018), na altura dos factos mulher do Autor, que decidiram sair da sua residência porque sentia medo do buraco que se fez nas traseiras do seu prédio,
XI. Afirmações que colidem com o facto das obras de escavação apenas se terem iniciado após os trabalhos arqueológicos e decorreram até Maio de 2009, isto é, ocorreram já depois do Autor ter saído da sua residência no Largo dos (...) ocorrida em Setembro de 2008.
XII. Pelo que esta decisão do Autor não pode ser uma consequência direta de um facto que à data ainda não tinha ocorrido (o início das obras no interior do Quarteirão das (...)).
XIII. Quanto à matéria dos pontos 3 e 4 dos factos não provados, igualmente não foi feita prova cabal para que decisão diferente fosse tomada pelo Tribunal a quo.
XIV. No que se refere aos empréstimos bancários apurou-se que os mesmos foram renegociados e contraídos em consequência das decisões que o próprio Autor tomou,
XV. O Autor em determinada altura do seu depoimento referiu que na altura em que contraiu os empréstimos estava, do ponto de vista financeiro, insolvente, (Cfr. depoimento prestado em 08.10.2018 no registo 2:38:24).
XVI. Isto é, em Abril de 2008 quando o Autor renegociou os empréstimos contraídos em 1999 e 2000 e contraiu um outro em 2008 no valor de €50.000,00, não havia ainda qualquer despesa ou sequer alegado prejuízo decorrente das obras de intervenção no Quarteirão das (...).
XVII. O que ficou demonstrado no decorrer da audiência de julgamento, e nomeadamente das declarações do Autor e da altura sua mulher, foi que a renegociação dos empréstimos e contração de novos empréstimos foram direcionados para diversas despesas designadamente com custos do tribunal respeitantes a processo de expropriação, divórcio, obras no imóvel arrendado, aquisição de livros, instrumentos, partituras e outras atividades e não propriamente causados pelas obras no Quarteirão das (...) (Cfr. depoimento do Autor digitalmente gravadas de 00:04:18” a 03:35:22”e da testemunha S. - depoimento digitalmente gravado de 01:48:15” a 02:55:39” ambas na sessão de 08.10.2018).
XVIII. Acresce ainda que do depoimento da testemunha Paulo Alves dos Reis, bancário, resultou que a dilatação do prazo referente aos empréstimos contraídos nos anos de 1999 e 2000 permitiram baixar as prestações mensais, sendo possível recorrer ao novo crédito contraído em 2008 e 2012 ( Cfr. Depoimento digitalmente gravado de 01:08:21” a 02:02:27” na sessão de 19.11.2018)
XIX. Facto que igualmente colide com o facto de o Autor ter recebido, em 2009, cerca de €200.000,00 de indemnização decorrente de um processo de expropriação de uma das parcelas de que era proprietário no referido Quarteirão das (...).
XX. Mais, foi o próprio Autor nas declarações que prestou em audiência de julgamento (Cfr. depoimento de 8.10.2018 no registo 3:16:00) que a contração do empréstimo em 2012 se deveu a perda de rendimentos mensais em consequência a Troika.
XXI. Pelo que, o Tribunal a quo, só poderia ter considerado por não provada a matéria de facto constante dos pontos 1, 2, 3 e 4 dos factos não provados.
XXII. No que respeita à matéria de facto contante do ponto 5 dos factos não provados, igualmente não se produziu prova sobre aquela matéria porquanto apenas se apurou, precisamente pelas declarações prestadas pelo próprio Autor no decorrer da Audiência de Julgamento, que o mesmo apenas não concorda com a forma como foi construída a fachada de tardoz.
XXIII. Nesta matéria referiu o Autor que em 2008 na referida fachada o que existia eram duas portas, que com o decorrer do tempo desapareceram, pelo que na opinião do Autor seria importante existir no local uma porta de acordo com as regras da boa arquitetura.
XXIV. Ou seja, o que pretendia o Autor era que as Rés reconstruissem a fachada não de acordo com o que lá se encontrava antes mas de acordo com o que para o Autor entendia respeitar as regras da boa arquitetura.
XXV. Pelo que não ficou provado que não tenha sido reconstruida a fachada de tardoz.
XXVI. Nesta conformidade, perante a prova produzida em audiência de julgamento e a prova documental junta aos autos, o Tribunal a quo não poderia ter decido de forma diferente, pois não foi feita prova cabal pelo Autor dos fatos que alegou na sua petição inicial e que foram levados a temas da prova.
XXVII. Em todo o caso, ainda que o Autor tivesse produzido prova suficiente demonstrativa dos factos que alegou, sempre haveriam que estar reunidos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos e subsidiariamente por factos lícitos para que fosse possível condenar a Ré e a interveniente nestes autos.
XXVIII. Nesta matéria dispõe artigo 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro que
- O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares desse exercício. “
XXIX. Resulta do disposto no artigo no artigo 9.ºda referida Lei que:
“1 - Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
2 - Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º”
XXX. E ainda o artigo 10.º do mesmo diploma refere que:
“1 - A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.”
2 - Sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos.”
XXXI. Cumpre analisar se, in casu, estariam preenchidos os requisitos da responsabilidade Civil por factos ilícitos (facto, culpa, ilicitude, dano e nexo de causalidade).
XXXII. Quanto ao primeiro dos requisitos, o facto, o mesmo corresponderá às obras realizadas no âmbito da operação urbanística de intervenção realizada no Quarteirão das (...) a cargo da aqui Recorrida com a execução das obras a cargo da Interveniente Lúcios.
XXXIII. No que respeita ao requisito da ilicitude, verificamos que à luz do disposto no referido artigo 9.º da Lei 67/2007 haveria que se ter verificado a prática de quaisquer factos ilícitos, ações ou omissões que violassem normas ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado.
XXXIV. Apesar do Autor na sua causa de pedir não ter inovado a violação de quaisquer normas ou princípios por parte da aqui Recorrida, não ficou provado que a Recorrida tivesse violado qualquer norma normas ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou tivesse infringido regras de ordem técnica nomeadamente tivesse violado quaisquer normas ou regulamentos de segurança na intervenção da reabilitação do Quarteirão das (...), pelo que não se pode afirmar estar cumprido o requisito da ilicitude,
XXXV. Em todo o caso, há que verificar se não estando verificado o facto ilícito poderia a Recorrida, ainda assim, ser responsabilizada a indemnizar o Autor pelos alegados danos ao abrigo do regime da responsabilidade civil por facto lícito.
XXXVI. Nesta matéria, são pressupostos em que assenta a responsabilidade civil do Estado por atos lícitos:(i) a prática de um ato lícito;(ii) para satisfação de um interesse público;(iii) causador de um prejuízo "especial" e "anormal"; para o lesado(iv) existência de nexo de causalidade entre o ato e o prejuízo.
XXXVII. Do disposto no artigo 16.º da Lei 67/2007 resulta que somente os danos emergentes de atividades administrativas licita que sejam cumulativamente especiais e anormais são suscetíveis de indemnização.
XXXVIII. Nesta matéria, verifica-se que o princípio da responsabilidade civil da Administração tem de ser devidamente ponderado e conjugado com o princípio da necessária repartição do risco social na medida em que a vida em sociedade e a existência de uma Administração que prossegue fins de interesse comum envolvem riscos e custos que a sociedade tem de suportar,
XXXIX. No direito português, a responsabilidade administrativa por ato lícito encontra o seu fundamento na prevalência do interesse público sobre um direito privado de conteúdo patrimonial de alguém que, ultrapassado o esforço exigido a todos os membros de uma coletividade, viu o seu património excessivamente onerado,
XL. Do disposto no referido artigo 16.º da lei 67/2007 resulta que os danos causados aos particulares configurem uma especialidade e anormalidade revelado num atentado ao princípio da igualdade, impondo a um determinado particular um sacrifício que não é exigido à generalidade dos membros da coletividade.
XLI. A anormalidade do prejuízo verifica-se sempre que a gravidade do sacrifício que impõe e da situação excecional que consubstancie, comporte, em consequência, um dano demasiado oneroso para que não seja justo o administrado a suportá-lo por si próprio.
XLII. Ora, a intervenção de reabilitação nos centros urbanos causa, por regra, prejuízos a um conjunto variado de pessoas, desde os próprios transeuntes, às entidades que exploram todo o tipo de estabelecimentos cujo escopo social e rendibilidade económica dependam da utilização dos consumidores naquele espaço ou os que nele habitam, como foi o caso dos autos.
XLIII. Nesta senda a habitação do Autor e o próprio Autor não foram os únicos a serem importunados pela reabilitação do Quarteirão das (...).
XLIV. O alegado dano sofrido pelo Autor não é, assim especial porque foi imposto à generalidade das pessoas e aos estabelecimentos ou residentes naquela zona.
XLV. Ficou demonstrado em sede de audiência de julgamento que outros moradores sofreram os mesmo incómodos que o Autor, e ainda assim, como foi o caso de escritórios, bancos (banco Santander) e outros estabelecimentos, mantiveram-se no local desenvolvendo as suas atividades.
XLVI. Ora, se o prejuízo não pode ser considerado especial, também não pode ser julgado anormal, uma vez que os incómodos, nomeadamente com o ruido decorrente das obras é irrisório atento o bem comum advindo da realização de tais obras,
XLVII. Acresce ainda que, como supra já se referiu, in casu, quanto aos danos que o Autor diz ter sofrido, verificou-se que o mesmo tomou a decisão, ainda sem que as obras tivessem iniciado, de celebrar o contrato de arrendamento relativo à moradia de (...) em Fevereiro de 2008, quando as obras tiveram o seu início apenas em Março de 2008,
XLVIII. A renda com o arrendamento daquela moradia foi suportada pelo Autor e pela então mulher, pelo que nunca poderia o Autor sozinho pedir, como pediu, a totalidade das rendas que alegadamente suportou.
XLIX. No que respeita aos empréstimos que o Autor diz ter contraído em consequência da realização das obras, ficou provado que os mesmos não se destinaram exclusivamente a fazer face a despesas decorrentes diretamente da execução das obras no Quarteirão das (...),
L. Foi o próprio Autor que em declarações de parte referiu que à data em que contraiu os empréstimos em 2008 e 2012 se encontrava financeiramente numa situação de insolvência e que devido à Troika viu a sua retribuição mensal ser reduzida.
LI. Pelo que é evidente que os danos invocados pelo Autor não resultaram diretamente das obras realizadas no Quarteirão das (...), não se verificando, por conseguinte, qualquer nexo de causalidade entre facto e os danos, outro dos requisitos para que se pudesse apurar a responsabilidade da aqui Recorrida.
LII. Não se verificaram, portanto os requisitos cumulativos, subjacentes à verificação da responsabilidade civil da ora Recorrida pelo que não poderia a mesma ser condenada nestes autos.
LIII. Perante o exposto deverá totalmente improceder o recurso proposto pelo Autor devendo manter-se a sentença recorrida por ser justa, não tendo violado qualquer disposição legal.
TERMOS QUE, Deverá o presente recurso improceder, mantendo-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo nos seus precisos termos, fazendo-se assim, JUSTIÇA!”.

Em 9 de março de 2020 veio a Interveniente Acessória, L., Lda., apresentar as suas contra-alegações de Recurso, nas quais concluiu:

“1. As testemunhas Eng.ª S., J., Eng.º J., Eng.º F. e o técnico J. foram ouvidos em audiência de julgamento, mostraram conhecer a obra e deter razão de ciência, tendo sido unânimes em afirmar que, dentro do risco próprio e normal de uma obra desta natureza, foram adotadas as medidas de segurança necessárias, desde logo, devido à natureza dos prédios intervencionados;
2. Aquele acervo de prova testemunhal resultou, com grande razão de ciência, que se o Autor decidiu sair da sua casa sibi imputet, pois todo o Quarteirão onde ele residia continuou a funcionar com toda a naturalidade, em face de que a decisão posta em crise no recurso não merece qualquer reparo.
3. O próprio Autor e a sua ex-mulher, nas suas declarações que foram muito bem ponderadas na douta sentença, acabaram por reconhecer que tomaram a decisão de sair da casa porque, no fundo, não queriam suportar o transtorno de ter uma obra nas imediações da sua casa (ainda que essas obras acabassem por lhe valorizar - e muito - o valor da sua casa), o que naturalmente infirma todo o dramatismo balofo que tentaram inculcar a estes autos.
4. O recurso interposto assenta, quase exclusivamente, nas declarações de parte do Autor, pessoa parcial e com interesse direto no desfecho da causa, aliás, como resultou expresso do tom profundamente emotivo e zangado do seu depoimento, pelo que a valoração deste meio de prova teria sempre de ser feita, como parece que foi, com muitas reservas.
5. O Autor não alegou na sua Petição Inicial – nem no recurso agora interposto – nada em concreto, que a Entidade Demandada ou a Interveniente Acessória – L. – tenham violado alguma norma de segurança na execução dos trabalhos na obra, dizendo apenas que saiu da sua casa no Largo dos (...), por recear pela sua integridade física e da sua família, donde resulta que não se provou que a Entidade Demandada ou a Interveniente tenham agido em violação de normas de segurança ou com um cuidado inferior àquele que lhe era exigível, em função da natureza da obra em questão nos autos – cfr. ponto 6 dos factos não provados.
6. Os danos que alegadamente o Autor sofreu não são imputáveis à chamada – logo, não estão preenchidos os pressupostos de que dependem a aplicação do disposto na alínea k) do artigo 9.º do contrato de reabilitação urbana junto com a contestação da Ré P..
7. Igualmente, se bem se atentar ao disposto na cláusula 12.ª do contrato de empreitada (junto como doc. 1 da contestação da Ré) verifica-se que a Chamada só é responsável pela reparação dos danos sofridos por terceiros decorrentes “do modo de execução dos trabalhos, da atuação do pessoal do empreiteiro ou dos seus subempreiteiros e fornecedores e do deficiente comportamento ou falta de segurança das obras, materiais, elementos de construção e materiais”.
8. Não obstante se propugne que a haver responsabilidade a mesma só poderia ser atribuída à Ré P., certo é que ilicitude deve ter-se por excluída em razão da natureza pública da obra e dos valores da prossecução e da concretização do bem comum ou do interesse público, valores estes que devem prevalecer sobre os direitos ao repouso e a um ambiente de vida humano, sadio e equilibrado, tudo por via do princípio da concordância prática consagrado no art. 335º do C. Civil.
Termos em que o recurso interposto deverá ser julgado improcedente por não provado.”

Em 10 de março de 2020 foi proferido Despacho de admissão do Recurso.

O Ministério Público, notificado em 10 de setembro de 2020, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
As questões a apreciar resultam da necessidade de verificar, designadamente, os invocados factos erradamente dados como não provados e a suscitada decisão errada adotada, em resultado de suposta indevida aplicação das normas jurídicas aplicáveis, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada e não Provada:
“Factos Provados
A. O Autor é possuidor e legítimo proprietário de prédio urbano, composto de casa com seis pavimentos com dependência, sito no Largo dos (...), 29/30, freguesia da Sé Município do Porto, descrito na conservatória do registo predial sob o número (...) e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 30 – cfr. documento 1 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
B. A Entidade Demandada tem por objeto a promoção da reabilitação e reconversão do património degradado da área crítica de recuperação e reconversão urbanística do concelho do Porto, definida no Decreto-regulamentar n.º 11/2000, de 24 de Agosto – cfr. documento de fls. 534 do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
C. A 21 de Novembro de 2005, o Conselho de Administração da Entidade Demandada deliberou a definição de Unidade de Intervenção correspondente ao Quarteirão das (...), tendo sido aprovado o documento estratégico constante de fls. 797 a 913 do processo físico;
D. No seguimento do documento estratégico aprovado pela Entidade Demandada, esta, após reunião de 31 de Agosto de 2007, deliberou expropriar com carácter de urgência e posse administrativa imediata, a parcela 36 do prédio indicado em A) e do qual o Autor era proprietário – cfr. documento 2 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
E. A decisão resultante da deliberação supra referida, foi comunicada ao Autor a 5 de Setembro de 2007 – cfr. documento 5 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
F. As obras realizadas no quarteirão interior do largo das (...) tiveram o seu início em Março de 2008 – cfr. documento de fls. 926 e 928 do processo físico,
G. A realização das obras de demolição e obras urbanísticas no interior do Quarteirão das (...) ficaram a cargo da empresa L., S.A., interveniente acessória nestes autos – facto não controvertido;
H. Após a realização das obras de demolição, as quais perduraram entre os meses de Março de 2008 e Maio de 2008, os trabalhos de execução da obra ficaram suspensos devidos aos trabalhos arqueológicos que tiveram a duração de cerca de um ano, após escavações que duraram, pelo menos, dois meses – cfr. documentos de fls. 928, 930 verso, 931, 933, 935 verso e 965 verso do processo físico e prova testemunhal;
I. O Autor solicitou, por diversas vezes, à Entidade Demandada, o realojamento da sua família na pendência da operação urbanística no interior do Quarteirão das (...) – cfr. documento 12 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
J. O Autor, por diversas vezes, que transmitiu à Entidade Demandada as suas preocupações motivadas por questões de segurança da obra e do seu prédio, dada a natureza da operação urbanística em questão – cfr. documentos 12, 13, 14,15 e 18 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
K. A 29 de Fevereiro de 2008, o Autor celebrou com M., o que designaram de contrato de arrendamento para fim habitacional, o qual teve por objeto o prédio urbano sito na Rua (...), número 47, da freguesia de Massarelos, da cidade do Porto, tendo-se mudado para aquela moradia em Setembro de 2008 – cfr. documento 34 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e prova testemunhal e por declarações de parte;
L. O Autor pagou uma renda mensal de valor correspondente a 500€ entre os meses de Março de 2008 até Fevereiro de 2010 e 600€ a partir de Março de 2010, até à data da sua saída, sendo que a sua mudança ocorreu em setembro de 2008 (Facto alterado nos termos do Artº 662º nº 1 CPC)
M. O Autor realizou obras de remodelação e recuperação na moradia objeto do contrato de arrendamento supra referido – cfr. prova testemunhal e por declarações de parte;
N. O Autor suportou a quantia correspondente a 2.835,73 euros, com as mudanças para a moradia sita na Rua (...) – cfr. documento 52 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e prova testemunhal;
O. O Autor voltou a habitar o seu prédio sito no Largo dos (...) em Dezembro de 2012 – cfr. prova testemunhal e por declarações de parte;
P. Os danos provocados no prédio do Autor sito no Largo dos (...), com consequência direta da execução da empreitada em causa nos autos, foram reparados pela interveniente acessória – facto confessado;
Q. Durante o período que o Autor esteve a residir na moradia sita na Rua (...), teve de mudar os seus hábitos e rotinas diárias; - prova testemunhal e por declarações de parte;
R. Durante aquele mesmo período, o Autor sentiu tristeza, desgosto e revolta – cfr. prova testemunhal e por declarações de parte;
S. A 29 de Julho de 2005, o Autor e a sociedade D., LDA., celebraram um contrato que designaram de contrato de arrendamento comercial, o qual tinha por objeto o primeiro andar traseiras do prédio urbano sito no Largo dos (...), número 29 e 30, da freguesia da Sé, da cidade do Porto, propriedade do Autor, e pelo período de um ano prorrogável por períodos de igual duração – cfr. documento de fls. 88 a 90 do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
T. A 29 de Julho de 2005, o Autor e a sociedade D. SL, celebraram um contrato que designaram de contrato de arrendamento comercial, o qual tinha por objeto o rés-do-chão do prédio urbano sito no Largo dos (...), números 29 e 30, da freguesia da Sé na cidade do Porto, propriedade do Autor, pelo período de um ano e prorrogável sucessivamente por períodos de igual duração – cfr. documento de fls. 100 a 102 do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
U. A 1 de Abril de 2004, o Autor celebrou com A. e F., o que designaram de “Contrato de Arrendamento”, o qual tinha por objeto o prédio urbano sito no Largo dos (...), número 29 e 30, da freguesia da Sé, na cidade do Porto, inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…) e descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número (…), com a duração de seis meses prorrogável por períodos de igual duração e mediante o pagamento de renda mensal no valor de 450,00 euros – cfr. documento 43 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
V. A 8 de Janeiro de 2008, os arrendatários indicados em U), comunicaram ao Autor que transmitiram a sua posição de arrendatário à sociedade C. – Sociedade de Solicitadores, R.L. – cfr. documento 44 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
W. A 29 de Maio de 2008, a sociedade C. – Sociedade de Solicitadores, RL, comunicou ao Autor o seguinte:
“Vimos por este meio resolver o contrato de arrendamento celebrado com V. Exa., relativo ao segundo andar do imóvel sito no Largo dos (...), 29/30, nesta cidade do Porto (…)
Com efeito, ainda que involuntariamente e inconscientemente, encontra-se V. Exa. em incumprimento contratual, uma vez que não está a assegurar o gozo da coisa locada para os fins a que destina (…)
Encontra-se em curso, já há algum tempo, as obras respeitantes ao Projeto de Intervenção do Quarteirão das (...), da responsabilidade da P., S.R.U. – Sociedade de Reabilitação Urbana, S.A.
Obras essas a decorrer nas traseiras do arrendado.
Os ruídos e as poeiras resultantes das demolições já efetuadas, resultaram na deslocação de todos os colaboradores para a parte dianteira do edifício.
Uma vez que, a atividade por nós desenvolvida, a qual se reveste de uma componente de exigência bastante elevada em termos intelectuais e de concentração, foi seriamente colocada em causa.
Atualmente, todos os colaboradores (num total de 7) ocupam a sala da frente do arrendado, encontrando-se a sala das traseiras desocupada.
As obras já realizadas, e de uma forma mais gravosa, as obras de perfuração projetadas, prejudicam cabalmente as nossas condições de trabalho e produtividade, impedindo-nos de alcançar um normal desempenho das nossas funções.
Até mesmo a segurança, bem como a integridade física dos nossos colaboradores poderá ser posta em causa com as obras que se avizinham, situação que não é salvaguardada pela entidade responsável pelas obras em discussão.
(…)
Pelo exposto, e uma vez que não podemos gozar, de forma plena, do arrendado para os fins a que se destina, e que encontram contratualmente estabelecidos, é nosso entendimento existir fundamento de resolução do contrato de arrendamento existente.
Desta forma, a cessação do referido contrato ocorrerá no próximo dia 30 de Junho de 2008, data em que será o arrendado entregue livre de pessoas e bens.”
- cfr. documento de fls. 335 e 336 do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
X. Os habitantes de parcelas diretamente intervencionadas pela Entidade Demandada e pela L. foram realojados – facto não controvertido;
Y. O Arquiteto F. saiu da sua habitação sita no Largo dos (...) no decurso das obras, tendo, no entanto, mantido o seu escritório de arquitetura em atividade – cfr. prova testemunhal;
Z. O Banco Santander sito no Largo dos (...) manteve-se em atividade no período em que se realizaram as obras – cfr. prova testemunhal;
AA. Outros serviços, como cabeleireiros e cafés, mantiveram-se em atividade no período me que se realizaram as obras – cfr. prova testemunhal;
BB. Foram registados constrangimentos nas parcelas contíguas à obra executada pela Entidade Demandada e pela L., designadamente infiltrações, fissuras e humidade – cfr. prova testemunhal;
CC. Foram, do mesmo modo, registados constrangimentos e queixas relacionados com o ruído e o pó causado pela obra executada pela Entidade Demandada e pela L. – cfr. prova testemunhal;
DD. A 25 de Maio de 2008 a Polícia de Segurança Pública elaborou auto de notícia, no seguimento de participação efetuada pelo Autor, na qual consta o seguinte:
“(…) No local contactei o participante, o qual informou-me que, desde a altura em que o antigo palácio das (...) entrou em obras de demolição do interior do quarteirão, que todos os dias vários meliantes se deslocaram para aquele local a fim de furtar cobre e alumínio, sendo que já tentou contactar a empresa que é proprietário do edifício, da qual este apenas sabe que tem o nome de #S.# (…)
Pelos factos atrás narrados, desloquei-me ao referido edifício, sendo-me possível verificar que no n.º 33, o portão que ali se encontra, o qual dá acesso ao Palácio e a um outro edifício, se encontra aberto, pelo que entrei e verifiquei que o suspeito atrás mencionado se encontrava naquele local, preparando-se para furtar cobre e alumínio, pelo que me imediato abordei, tendo este me informado que era a primeira vez que ali se deslocava, para furtar cobre. (…)”
- cfr. documento 23 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
EE. A 20 de Junho de 2008, mediante carta remetida ao Presidente do Conselho de Administração da Entidade Demandada, o Autor expôs a sua preocupação em relação a alegadas tentativas de intrusão no seu prédio sito no Largo dos (...) – cfr. documento 22 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Factos não Provados
1. Devido à intervenção dos Demandados no interior do Quarteirão das (...), designadamente nas parcelas 33 e 35, contíguas ao prédio do Autor, e por estas obras colocarem em risco a segurança do edifício e a própria integridade física dos seus habitantes, o Autor viu-se forçado a mudar de residência e arrendar uma habitação para realojamento da sua família na Rua (...);
2. (Facto Suprimido - nos termos do Artº 662º nº 1 CPC)
3. Devido à intervenção dos Demandados no interior do Quarteirão das (...), designadamente nas parcelas 33 e 35, contíguas ao prédio do Autor, geraram uma perda de rendimento ao Autor e do seu agregado familiar, o que motivou a contrair dois empréstimos bancários nos anos de 2008 e 2012, num montante global de 60.945,97 euros;
4. Devido à intervenção dos Demandados no interior do Quarteirão das (...), designadamente nas parcelas 33 e 35, contíguas ao prédio do Autor, este teve de dilatar pelo período de 20 anos, o pagamento dos empréstimos bancários contraídos nos anos de 1999 e 2000;
5. A fachada de tardoz do prédio do Autor sito no Largo dos (...), não foi reposta pelos Demandados;
6. A operação urbanística em causa nos autos, em concreto a execução da empreitada, não observou as regras e normas de segurança aplicáveis;

IV – Do Direito
Atenda-se que é o Recorrente quem afirma que “A questão em apreço no presente recurso prende-se com a existência de Responsabilidade Civil Extracontratual por Factos Lícitos (prevista na Lei n.º 67/2007 de 31 de Dezembro)”.

Apreciemos agora sistemática e sucessivamente as questões suscitadas no Recurso

Da matéria de Facto
Como tem vindo a ser pacificamente aceite pela generalidade da jurisprudência, “em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida” (cfr. o douto Acórdão do STA, de 14/04/2010, no Processo n.º 0751/07).

Igualmente se referiu, entre muito outros, no Acórdão deste TCAN, de 12/10/2011, no Procº n.º 01559/05BEPRT, que: “(…) pese embora a maior amplitude conferida pela reforma de processo civil a um segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto a verdade é que, todavia, não se está perante um segundo julgamento de facto (tribunal “ad quem” aprecia apenas os aspetos sob controvérsia) e nem o tribunal de recurso naquele julgamento está colocado perante circunstâncias inteiramente idênticas àquelas em que esteve o tribunal “a quo” apesar do registo da prova por escrito ou através de gravação magnética dos depoimentos oralmente prestados. XX. É que, como aludimos supra, o tribunal “ad quem” não vai à procura duma nova convicção, não lhe sendo pedido que formule novo juízo fáctico e sua respetiva fundamentação. O que se visa determinar ou saber é se a motivação expressa pelo tribunal “a quo” encontra suporte razoável naquilo que resulta do ou dos depoimento(s) testemunhal(ais) (registados a escrito ou através de gravação) em conjugação com os demais elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos. XXI. Tal como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (cfr. art. 655.º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio. XXII. Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal “a quo”, aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal “ad quem”. Daí que na reapreciação da matéria de facto ao tribunal de recurso apenas cabe um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo” lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo em todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou”.

No mesmo sentido se apontou no Acórdão igualmente deste TCAN, de 11/02/2011, no Procº n.º 00218/08BEBRG, em cujo sumário se refere que “1. O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto. 2. Assim, se, na concreta fundamentação das respostas aos quesitos, o Sr. Juiz (...) justificou individualmente as respostas dadas, fazendo mesmo referência, quer a pontos concretos e decisivos dos diversos depoimentos, quer a comportamentos específicos das testemunhas, aquando da respetiva inquirição, que justificam a opção por uns em detrimentos de outros, assim justificando plena e convincentemente a formação da sua convicção, não pode o Tribunal de recurso alterar as respostas dadas”.

Em qualquer caso, como se sumariou no Acórdão do STJ de 06/05/2020, no processo nº 103/16.0T8TMR.C1.S1), “O cumprimento dos ónus previstos no artigo 640.º do CPC tem que ser apreciado no caso concreto, tendo em conta, designadamente, o número de factos impugnados e o número de meios de prova, mormente depoimentos, evitando-se formalismos excessivos.

Mais se refere no referenciado acórdão do STJ que "Na apreciação do cumprimento ou incumprimento dos ónus previstos no artigo 640.º CPC há, como este Tribunal reiteradamente afirmou, que evitar critérios excessivamente rígidos e formalistas que sacrificam ou comprometem a justiça material. Com efeito, não deve a questão do cumprimento dos ónus previsto no referido preceito “redundar na adoção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/06/2018, processo n.º 552/13.5TTVIS.C1.S1, Relator: Conselheiro Pinto Hespanhol). E como expressamente afirma o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2018, proferido no processo 134116/13.2Y1PRT.E1.S1 (Relator: Conselheiro Tomé Gomes) “a decisão de rejeição do recurso (…) não se deve cingir a considerações teoréticas ou conceituais, de mera exegética do texto legal e dos seus princípios informadores, mas contemplar também uma ponderação do critério legal nas circunstâncias e modo como os depoimentos foram prestados e colhidos, bem como face ao grau de dificuldade que a indicação das passagens da gravação efetuada acarrete para o exercício do contraditório e para a própria análise crítica por parte do tribunal de recurso”.

Tendo presente a excecionalidade da alteração da matéria de facto fixada em 1ª Instância, vejamos em Concreto:

DA MATÉRIA DE FACTO
PONTO L. DA MATÉRIA DE FACTO
O tribunal considerou como assente o seguinte facto:
“L. Por conta do contrato de arrendamento supra referido, o Autor pagou uma renda mensal de valor correspondente a 500€.”

É patente e incontornável que a renda mensal paga pelo Autor, aqui Recorrente correspondeu a 500€ entre os meses de Março de 2008 a Fevereiro de 2010, sendo que foi atualizada para 600€, a partir de Março de 2010, nos termos previstos na cláusula terceira do próprio contrato de arrendamento celebrado.

Sublinha-se, em qualquer caso, que o Recorrente e o seu agregado familiar só se mudaram confessadamente para o locado em setembro de 2008, momento que relevará em termos indemnizatórios.

Assim, o facto L da matéria de facto passará ter a seguinte redação (Artº 662º nº 1 CPC):
O Autor pagou uma renda mensal de valor correspondente a 500€ entre os meses de Março de 2008 até Fevereiro de 2010 e 600€ a partir de Março de 2010, até à data da sua saída, sendo que a sua mudança ocorreu em setembro de 2008. (Facto já incluído no local próprio)

Mais se entende, dever ser suprimido o Facto não Provado 2 no qual se referia que “A intervenção dos Demandados no interior do Quarteirão das (...), inviabilizou a manutenção do agregado familiar do Autor na habitação de família sita no Largo dos (...) e implicou a saída de todos os habitantes da casa;” pois que ao dar-se o mesmo como não provado, estar-se-ia a entender que o Autor e respetivo agregado familiar teria desocupado inadvertida e inopinadamente a sua residência o que se mostra em contradição com o conjunto da prova produzida e fixada.

Relativamente às restantes alterações propostas face à matéria dada como provada e não provada, atento tudo quanto se expendeu supra, mormente tendo em consideração a insuficiência de prova justificativa dessas alterações e a relevância dos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova em 1ª instância, bem como a referida excecionalidade da sua alteração pelo tribunal de 2ª Instância, não se vislumbram razões justificativas para introduzir na matéria de facto fixada, quaisquer outras alterações, o que não obstará a que a decisão a proferir possa ser diversa daquela que foi adotada pelo Tribunal a quo.

DA MATÉRIA DE DIREITO
Recorda-se e sublinha-se que a única questão de direito suscitada no presente Recurso, reporta-se à Responsabilidade Civil Extracontratual por Factos Lícitos.

Como se sumariou no Acórdão deste TCAN nº 02595/12.7BEPRT, de 21.10.2016, “(...) Os pressupostos em que assenta a responsabilidade civil do Estado por atos lícitos são:
(i) a prática de um ato lícito;
(ii) para satisfação de um interesse público;
(iii) causador de um prejuízo "especial" e "anormal";
(iv) existência de nexo de causalidade entre o ato e o prejuízo.
Prejuízo especial é aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma relativa posição específica; prejuízo anormal o que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a atividade lícita da Administração.”

A atuação da Administração, ainda que lícita, pode ser geradora de responsabilidade civil extracontratual, atendendo, designadamente, à tipologia dos danos provocados. É a indemnização pelo sacrifício, segundo a terminologia do artigo 16.º da LRC, que que “O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público indemnizam os particulares a quem, por razões de interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais e anormais, devendo, para o cálculo da indemnização, atender-se, designadamente, ao grau de afetação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado”.

Já anteriormente o acórdão do STA, de 19/12/2012, proferido no processo n.º 01101/12, havia elencado a referida questão e correspondentes pressupostos nos termos referidos.

O Estado e demais pessoas coletivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante atos administrativos legais ou atos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais.

Também a jurisprudência do STA tem uniformemente balizado a referida questão, afirmando-se, a titulo de exemplo, no Acórdão de 21.01.03, proferido no recurso 990/02, que "Por prejuízo especial entende-se o que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma relativa posição específica; por prejuízo anormal aquele que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a atividade lícita da Administração". Conclui-se, portanto, que a especialidade do dano decorre do desigual tratamento, que apenas atinge um ou alguns, no sentido de violar o princípio da igualdade, e a anormalidade resulta da sua gravidade intrínseca, não assimilável à normal compressão de direitos ou à imposição de pequenos encargos que a ação administrativa e a vida em sociedade naturalmente comportam.
O ressarcimento dos danos provocados por atuações administrativas lícitas tem seguramente um carácter evolutivo podendo dizer-se que quanto mais evoluída e próspera é uma sociedade maior deverá ser a sua capacidade indemnizatória em relação às vítimas das suas intervenções, tomadas, afinal, em proveito de todos” (pode ver-se, no mesmo sentido, toda a jurisprudência posterior deste STA, designadamente, o acórdão de 9.12.08, proferido no recurso 1088/02 e outra aí citada…”.

A este propósito, entre muito outros, sumariou-se no Ac. deste TCAN, em 10/12/2010, in proc. 152/04, que "Este dever de indemnizar nasce, assim, à margem de qualquer ilicitude e censura jurídica, entrosando-se, antes, na circunstância de ter sido imposto ao administrado, em nome do interesse público, um sacrifício que ultrapassa os encargos normais que decorrem da vida em sociedade, ou de um sacrifico que seja grave e especial.”
Temos assim como necessários para que se preencha o caso de responsabilidade por atos lícitos, o facto, o dano especial e anormal, e o nexo de causalidade entre aquele e este [Cfr Artº 483º e 563º do CC].

A doutrina e a jurisprudência vêm construindo, desde há muito, a noção de prejuízo especial e anormal, tendo-se destacado, a respeito da noção da especialidade, a teoria da intervenção individual, e quanto à noção de anormalidade, a chamada teoria do gozo standard. A primeira, põe o seu enfoque na especialidade do resultado da intervenção, ou seja, na incidência do ato sobre uma só pessoa ou grupo de pessoas, de forma que será especial aquele prejuízo que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa ou a grupo de pessoas certo e determinado, em função de uma específica posição relativa dessa pessoa ou desse grupo. A segunda, parte da garantia do gozo médio ou standard dos bens que pertencem aos particulares, de tal forma que será anormal o prejuízo que se traduz na ablação total ou parcial desse gozo standard. O prejuízo indemnizável deve, pela sua gravidade, pela sua importância, pelo seu peso, ultrapassar o carácter de um ónus natural decorrente da vida em sociedade.

Como também ficou sumariado no Acórdão deste TCAN nº 01290/06BEBRG de 15-03-2012, ainda reportado ao DL nº 48.051, “No caso da responsabilidade por atos lícitos (…) o Estado e demais pessoas coletivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante atos administrativos legais ou atos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais.
Nesta situação, prescinde-se dos requisitos da ilicitude e da culpa, apenas se exigindo que os prejuízos causados, para ser indemnizáveis, sejam especiais e anormais.
Por prejuízo especial entende-se aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa; por prejuízo anormal aquele que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a atividade lícita da Administração.”

Os prejuízos serão qualificados de especiais e anormais quando ultrapassem os pequenos transtornos que são inerentes à atividade administrativa, que decorrem da natureza da própria atividade, e se configuram como um custo a suportar pela própria integração social, ou seja, são danos que vão onerar, pesada e especialmente, apenas algum ou alguns cidadãos, sobrecarregando-os de forma desigual em relação a todos os demais.

O que caracteriza a especialidade e anormalidade do prejuízo é, pois, o facto deste, pelo seu carácter e volume, exceder aquilo que é razoável fazer suportar ao cidadão normal socialmente integrado.

Assim, a especialidade e a anormalidade são traços distintivos do prejuízo ressarcível, relativamente ao ónus natural do risco e da vida em sociedade. Atuam como verdadeiros travões ao princípio de que o Estado, e demais entes públicos, deverão reparar os danos causados pela sua crescente atividade. E surgem como verdadeiros conceitos indeterminados, carecidos de preenchimento valorativo na aplicação ao caso concreto.
A determinação do nexo de causalidade, nos tipos de responsabilidade em causa, adquire relevo autónomo, de modo que vem sendo entendido que a pretensão de indemnização só existe a favor do destinatário imediato do ato impositivo do sacrifício. O nexo de causalidade, assim, não deverá fixar-se apenas em termos de adequação concreta entre facto e dano, mas também em termos de imediatividade entre o facto e dano, o que significa que, por esta via, se estabelece novo elemento-travão, em ordem a evitar a sobrecarga do tesouro público, limitando o reconhecimento de um dever indemnizatório ao caso dos danos inequivocamente graves e imediatos.

A este respeito, referiu-se também no Ac. do STA de 9/12/2008, in proc. 1088/08 que "são pressupostos fundamentais da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público, por atos lícitos praticados no domínio de gestão pública, prevista no artº 9º do DL nº 48.051, de 21.11.67:
(i) Um ato lícito do Estado ou de outra pessoa coletiva pública;
(ii) Praticado por motivo de interesse público;
(iii) Um prejuízo especial e anormal;
(iv) Nexo de causalidade entre o ato e o prejuízo.
Por prejuízo especial entende-se aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa; por prejuízo anormal aquele que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a atividade lícita da Administração.
O princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos constitui o fundamento axiológico deste tipo de responsabilidade, traduzindo a refração do princípio geral da igualdade em igualdade de contribuição dos cidadãos no suporte daqueles encargos".

Alude-se ainda ao Ac. do STA de 2/12/2010, in proc. nº 0629/10 que "na verdade, a propósito do requisito da anormalidade e especialidade de que o artigo 9º do DL nº 48051, de 21-11-1967, faz depender o direito de indemnização dos particulares pelos prejuízos causados por ato lícitos praticado pela Administração, escreve-se no acórdão deste STA de 2-12-2004, Proc.º nº 670/04, que “o princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos constitui o fundamento axiológico deste tipo de responsabilidade, traduzindo a refração do princípio geral da igualdade, em igualdade de contribuição dos cidadãos no suporte daqueles encargos.
Daí que se exija a existência de um prejuízo especial (não imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa) e anormal (não inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos), condicionando-se o dever de indemnizar à verificação de tais requisitos.
A “especialidade” e a “anormalidade” dos prejuízos decorrentes de atuações lícitas da Administração, constituem pois um duplo condicionamento para efeito de efetivação de ressarcimento de tais danos, limitando naturalmente o âmbito de aplicação do instituto a casos de manifesta inusualidade”.

São pois, como se viu, pressupostos deste tipo de responsabilidade, a produção de danos; nexo causal entre a conduta e os danos; que os danos advenham de prejuízos especiais e anormais; que tais encargos ou prejuízos sejam impostos a um ou alguns dos particulares, na prossecução do interesse geral.

Em face do que precede, mostram-se claramente preenchidos os referidos pressupostos relativamente à situação do Autor, aqui Recorrente e do seu agregado familiar, pois que não é suposto que ninguém abandone casa própria que detém, para um arrendado, cerca de 4 anos se não houvesse razões especiais e anormais que o justificassem, pois que a realização de obras profundas, com diversas demolições em zona, nomeadamente, adjacente ao seu prédio mostra-se impeditiva de uma vivência quotidiana com um mínimo de qualidade.

A sentença ora recorrida embora tenha admitido a existência de danos, entendeu que o aqui Recorrente se antecipou relativamente à verificação dos danos em concreto, o que terá comprometido a atribuição de indemnização.

O que é facto é que o Recorrente teve de arrendar uma outra habitação uma vez que não teria condições de permanecer no local durante o período em que seriam realizadas as obras, sendo que, ao contrário de outros residentes no local, não foi realojado, ainda que o tenha requerido, não obstante, em termos indemnizatórios, sempre relevar apenas o período em que efetivamente não ocupou a sua residência.

Não acompanhamos o entendimento de que o aqui Recorrente teria de aguardar pela efetivação do risco decorrente das demolições que se ririam realizar para que então sim, estivessem plenamente preenchidos os pressupostos da Responsabilidade Civil.

Independentemente da data em que foi assinado o contrato de arrendamento da residência “alternativa”, como se disse, o que releva em termos indemnizatórios é o facto do agregado familiar do Recorrente se ter mudado para o locado em setembro de 2008, como resulta, aliás, do facto provado K).

Estão provados os danos reclamados no seu prédio, como decorre dos factos Provados infra transcritos, fixados em 1ª instância:´
“BB. Foram registados constrangimentos nas parcelas contíguas à obra executada pela Entidade Demandada e pela L., designadamente infiltrações, fissuras e humidade;”
“CC. Foram, do mesmo modo, registados constrangimentos e queixas relacionados com o ruído e pó causado pela obra executada pela Entidade Demandada e pela L.;”

Quanto às questões de segurança, refere-se nos factos Provados DD e EE, o seguinte:
“DD. A 25 de Maio de 2008 a Polícia de Segurança Pública elaborou auto de notícia, no seguimento de participação efetuada pelo Autor, na qual consta o seguinte (...) no local contactei o participante, o qual informou-me que desde a altura em que o antigo palácio das (...) entrou em obras de demolição do interior do quarteirão, que todos os dias vários meliantes se deslocaram para aquele local a fim de furtar cobre e alumínio (...) desloquei-me ao referido edifício, sendo-me possível verificar que no n.º 33, o portão que ali se encontra, o qual dá acesso ao Palácio e a um outro edifício, se encontra aberto, pelo que entrei e verifiquei que o suspeito atrás mencionado se encontrava naquele local, preparando-se para furtar cobre e alumínio(...)”
“EE. A 20 de Junho de 2008, mediante carta remetida ao Presidente do Conselho de Administração da Entidade Demandada, o Autor expôs a sua preocupação em relação a alegadas tentativas de intrusão no seu prédio sito no Largo dos (...)- cfr. documento 22 da petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.”

Não é suposto que um qualquer agregado familiar esteja obrigado a residir praticamente num estaleiro de obra, paredes meias com uma demolição de edificado, sendo que se viu obrigado a residir fora da sua casa cerca de 4 anos, desde setembro de 2008, até ao seu regresso em Dezembro de 2012.

Consta incontornavelmente do facto provado P) que “Os danos provocados no prédio do Autor sito no Largo dos (...), com consequência direta da execução da empreitada em causa nos autos, foram reparados pela interveniente acessória facto confessado”

Se foram reparados, é por que efetivamente houve danos, designadamente, a queda do estuque do teto de um dos quartos, o que denota a impossibilidade de permanência no prédio.

O Tribunal de 1ª instância reconheceu até, no facto R, que “Durante aquele mesmo período, o Autor sentiu tristeza, desgosto e revolta”.

De facto independentemente da necessidade de realizar as obras levadas a cabo no quarteirão intervencionado, os particulares não estão sujeitos ao dever de em nome do interesse público, suportar exclusivamente lesões dos seus direitos ou suportar sacrifícios em nome do bem comum.

O direito ao repouso e à tranquilidade, constituindo uma imanação dos direitos fundamentais de personalidade, constitucionalmente tutelados, é superior ao direito das Recorridas que sempre deveriam ter cuidado de mitigar os danos sofridos pelo agregado familiar do Recorrente, de modo a que os níveis de conforto habitacional pudessem ser assegurados, ainda que por recurso ao realojamento temporário.

Desde logo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem realça que toda a pessoa tem direito ao repouso (artigo 24º), acrescentando a Convenção Europeia dos Direitos do Homem que qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar (artigo 8º, n.º 1), explicitando-se que os ruídos e outras perturbações que causem danos no domicílio e afetem o bem-estar físico do indivíduo, atingem a sua vida privada.

No que ao nosso ordenamento jurídico diz respeito, essa tutela tem expressão, desde logo, na CRP, onde, em conformidade com os princípios consagrados nas referidas Convenção e Declaração, se consagra o princípio do respeito da dignidade da pessoa humana, acolhendo-se, como direito fundamental, a inviolabilidade moral e física das pessoas, reconhecendo-se a todos os cidadãos o direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado, bem como o dever de o defender.
A nossa Jurisprudência tem-se mostrado coerente e conforme com os referidos princípios, mormente aquela que mais se tem pronunciado sobre a referida questão (STJ), reafirmando que o direito ao repouso e à tranquilidade, são requisitos inerentes à realização do direito à saúde e à qualidade de vida, constituindo emanação dos direitos fundamentais de personalidade, nomeadamente dos direitos à integridade física e moral a um ambiente de vida sadio, constitucionalmente tutelados como Direitos Fundamentais no campo dos direitos, liberdades e garantias pessoais, concluindo que a ilicitude de uma ação, designadamente, ruidosa que prejudique o repouso, a tranquilidade e o bem estar de terceiros está no facto de, injustificadamente, e para além dos limites do socialmente tolerável, lesar aqueles baluartes da integridade pessoal, sendo o dano real lesão desse direito em qualquer das suas componentes.

Em concreto, é patente que as obras efetuadas no referido quarteirão, sempre perturbariam a vivência quotidiana do agregado familiar do Recorrente, pondo em causa, nomeadamente, o direito ao repouso, à tranquilidade, enquanto aspetos do direito à integridade pessoal (artigo 25º, n.º 1 da CRP), que faz parte do elenco dos direitos fundamentais, do acervo de direitos análogos às liberdades e garantias pessoais.

Estes direitos de personalidade são assim protegidos contra qualquer ofensa licita ou ilícita, não sendo precisa a culpa para se verificar uma ofensa, nem sendo necessária a intenção de prejudicar o ofendido, pois decisiva é a ofensa em si.

Já quanto ao locatário do Recorrente, que ocupava o 2º andar do prédio sito no Largo dos (...), 29/30, é patente que a rescisão do arrendamento resultou igualmente das obras, como decorre, aliás, do Facto Provado W, fixado em 1ª Instância:
W. A 29 de Maio de 2008, a sociedade C. – Sociedade de Solicitadores, RL, comunicou ao Autor o seguinte:
“Vimos por este meio resolver o contrato de arrendamento celebrado com V. Exa., relativo ao segundo andar do imóvel sito no Largo dos (...), 29/30, nesta cidade do Porto (…)
Com efeito, ainda que involuntariamente e inconscientemente, encontra-se V. Exa. em incumprimento contratual, uma vez que não está a assegurar o gozo da coisa locada para os fins a que destina (…)
Encontra-se em curso, já há algum tempo, as obras respeitantes ao Projeto de Intervenção do Quarteirão das (...), da responsabilidade da P., S.R.U. – Sociedade de Reabilitação Urbana, S.A.
Obras essas a decorrer nas traseiras do arrendado.
Os ruídos e as poeiras resultantes das demolições já efetuadas, resultaram na deslocação de todos os colaboradores para a parte dianteira do edifício. (...)

É assim igualmente manifesto o nexo de causalidade entre as obras (facto lícito) e a saída dos inquilinos do 2º andar do prédio do Recorrente e consequente dano, resultante da perda das correspondentes rendas.

Mostra-se pois que as obras estruturais levadas a cabo no identificado quarteirão se consubstanciam num fato lícito, causador de danos anormais, determinando a impossibilidade da continuidade de habitação em condições aceitáveis no local.

Efetivamente não é suposto, nem aceitável que alguém seja “obrigado” a residir cerca de 4 anos em pleno estaleiro de obra sujeito a todas as trepidações e ruídos, resultantes, designadamente das demolições levadas a cabo no quarteirão urbanisticamente intervencionado, o que sempre constituiria uma situação danosa anormal, ainda que licita.

Sem prejuízo do referido, não logrou o Recorrente fazer prova que tenha sido em decorrência dos factos e circunstâncias descritas que tenha tido necessidade de prorrogar o pagamento de empréstimos contraídos em 1999 e 2000 e a contrair novos empréstimos em 2008 e 2012.

Em face de tudo quanto supra se discorreu, conceder-se-á parcial procedência ao Recurso, julgando-se a Ação igualmente parcialmente procedente.

Danos Não Patrimoniais/Morais
Vêm peticionados a título de danos morais 5.000€

Deu o tribunal a quo como provado (Facto R) que “Durante aquele mesmo período, o Autor sentiu tristeza, desgosto e revolta”

Nos termos do art.º 496.º, n.º 3 o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta as circunstâncias referidas no art.º 494.º do CC.

Resulta, assim, que o julgador, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, em cumprimento do normativo legal que o manda julgar de harmonia com a equidade, deverá atender aos fatores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada. Tudo com o objetivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu. (Cfr. Ac. do TCA Norte de 18/1/2007, rec. N.º 00348/04.5BEPRT.

A quantia peticionada de 5.000€ a título de danos morais/não patrimoniais atenta a necessidade do Recorrente em manter todo o seu agregado familiar afastado da sua residência cerca de 4 anos mostra-se adequado para ressarcir os danos não patrimoniais verificados ao longo desse período.

A indemnização dos danos não patrimoniais é limitada àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496° do CC), medindo-se tal gravidade através de um padrão objetivo.

A ressarcibilidade dos danos não patrimoniais depende da gravidade dos mesmos, aferida por padrões objetivos e tendo em conta as circunstâncias do caso.
A indemnização por danos não patrimoniais tem uma natureza mista, visando por um lado reparar, mais do que indemnizar e por outro reprovar ou castigar a conduta do lesante.

Constituem danos não patrimoniais, relevantes para efeitos de reparação, nos termos do art° 496° do Código Civil, designadamente a dor sofrida pelo aqui Recorrente, em resultado do afastamento de casa de todo o seu agregado familiar por mais de 4 anos.

Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, há que atender pois, entre outros fatores, à culpa dos Réus (arts. 496.º, n.º 3, e 494.º do Código Civil), a qual se consubstanciou no facto de não ter assegurado uma habitação alternativa para o Recorrente.

No âmbito da responsabilidade civil extracontratual, o montante da indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpa do agente, a situação económica do lesante e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (arts. 494º e 496º, nº 3 do C.Civil), até ao limite do pedido globalmente formulado pelos Autores.

Neste enquadramento legal, cabe ao julgador, ao fixar a indemnização por tais danos, guiar-se por critérios de equidade, sendo que a gravidade daqueles danos há-de aferir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias do caso) e não à luz de fatores subjetivos.

Danos não patrimoniais são pois prejuízos que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.

Na fixação da indemnização deve atender-se pois aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Tendo em linha de conta a responsabilidade dos Réus pelo ocorrido, justifica-se que o quantum indemnizatório fixado para os danos não patrimoniais atente na equidade, à luz dos critérios legalmente definidos nos artigos 494º e 496º, número 3 do Código Civil, entendendo-se como adequado e suficiente a atribuição dos peticionados 5.000€

ATRASO NA JUSTIÇA
Entende o Recorrente que a decisão recorrida violou ainda o direito do Autor a uma decisão em prazo razoável, violando-se o artigo 20.º n.º 4 da CRP, pois que “desde o último ato de produção de prova em audiência de discussão e julgamento, ocorrido a 19 de Novembro de 2018, até que a sentença fosse proferida, no mês de Dezembro de 2019, teve o Autor de aguardar mais de um ano, concretamente 13 meses, sendo que “esta delonga não foi motivada por qualquer ato das partes, não se tendo produzido quaisquer atos durante esse período de 13 meses.”

Mais refere o Recorrente que “a petição inicial foi autuada a 6-4-2013, é remetida para o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a 27-5-2014, com períodos intercalares de vários meses em que o processo esteve completamente parado, sem qualquer tramitação, note-se que depois de recebida a petição, só cerca de um ano depois, a 29-4-2015, há um despacho neste processo. O Autor teve de aguardar, mais de 6 anos para que fosse proferida uma sentença.”

Refira-se desde logo que a argumentação aduzida pelo Recorrente é conclusiva e insuficiente para apreciação do suscitado.

Como se sumariou no Acórdão deste TCAN nº 00451/18.4BEVIS de 28.02.2020 “A apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita analisando cada caso em concreto e numa perspetiva global, tendo como ponto de partida a data de entrada da ação no tribunal competente e como ponto final a data em que é tomada a prolação definitiva, contabilizando as instâncias de recurso.
(...)
A existência ou não de um prazo excessivo na decisão de um processo judicial deve ser aferida caso a caso tendo em conta os critérios definidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem:
1º - a complexidade do processo;
2º - o comportamento das partes;
3º - a atuação das autoridades competentes no processo; e
4º - a importância do objeto do litígio para o interessado.
Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Tendo em linha de conta a culpa do Estado na propiciação da situação que determinou os controvertidos atrasos e as condições que o determinaram, e as suas emergentes consequências, e a intensidade e a natureza dos danos sofridos no período da intervenção no processo, justifica-se que o quantum indemnizatório fixado para os danos não patrimoniais atente nessas circunstâncias, de modo equitativo.”

Perante o referido, importaria ainda apreciar o pressuposto da culpa, ou seja, o juízo de censura que, sendo imputável ao serviço de justiça em si mesmo considerado, equivale ao conceito de “culpa do serviço”. Em concreto, trata-se de saber se a demora do processo foi devida a um funcionamento deficiente dos serviços de justiça do Estado português ou se o atraso do processo terá sido causado pela mera atuação conflituosa das partes.

Perante a insuficiência de elementos, improcederá o suscitado

Prova Gravada
Suscita o Recorrente a nulidade decorrente da circunstância da "prova da audiência final de dia 19-11-2018, parte da tarde, iniciada às 14h30, e conforme ata, registada através do Sistema de Gravação Avar Audio [de 00: 00:01’’ a 04:42:21’’, parte da tarde] encontra-se deficientemente gravada, só se torna audível já depois de decorridas mais de 3 horas de produção de prova, concretamente a partir de 03h:06m:48’’, o que impede o recorrente de se defender convenientemente, através do seu direito ao recurso, o que gera nulidade por violação do artigo 32.º n.º1 da Constituição da República Portuguesa.
Não é possível ouvir a sessão de julgamento de dia 19-11-2018, da parte da tarde, não se ouvindo, in totum, os depoimentos das testemunhas L. (do Autor), J. (da Ré), J. (da Ré), ouvindo-se parcialmente a testemunha F. (da Ré e da Interveniente).”

Entendendo-se que o referido não obstou a que o Autor tenha Recorrido, nem que o Tribunal se tenha pronunciado face ao suscitado, julga-se que se mostraria penosamente dilatório e inútil fazer regredir o Processo à fase de inquirição das testemunhas, com a repetição do julgamento realizado.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, conceder parcial provimento ao Recurso, julgando-se a Ação igualmente parcialmente procedente, mais se condenando as Recorridas:
a) No pagamento ao Autor, aqui Recorrente de 2.835,73€ correspondente à mudança para a Rua (...);
b) No pagamento às rendas pagas entre setembro de 2008 até 29 de Dezembro de 2012 no locado arrendado na Rua (...);
c) No pagamento das rendas que o Recorrente deixou de receber, desde Junho de 2008 a Dezembro de 2012, relativos ao 2.º andar do prédio sito ao Largo dos (...)
d) No pagamento de 5.000€ a título de danos não patrimoniais
e) Acrescem aos referidos valores, os juros de mora desde a citação até integral pagamento.
f) Improcede o pedido relativo ao “atraso na Justiça”
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Custas pelos Recorridos
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Porto, 22 de janeiro de 2021


Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa