Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00543/14.9BEMDL-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/28/2018
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Hélder Vieira
Descritores:INCOMPETÊNCIA MATERIAL; COBRANÇA DE TAXAS DE RECURSOS HÍDRICOS; QUESTÃO FISCAL
Sumário:
1 ¯ Para efeito da determinação da competência material do tribunal, deve atender-se à relação jurídica, tal como é configurada pelo autor na petição inicial;
2 ¯ Constitui “questão fiscal” aquela que exija a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal (substantivo ou adjectivo) para resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública;
3 ¯ Configura questão daquela natureza, por emergente de relação jurídica tributária, apreciar a legalidade da facturação de concessionária a utilizador de montante/parcela relativo à taxa de recursos hídricos liquidada no quadro dos arts. 68.º e 80.º da Lei n.º 58/05, 04.º, 05.º, 14.º e 16.º do DL n.º 97/08. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município de SJP
Recorrido 1:ATMAD
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Julgar o tribunal materialmente incompetente para conhecer da pretensão da A. relativa à taxa de recursos hídricos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
Recorrente: Município de SJP
Recorrido: ATMAD
Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou improcedente invocada excepção da incompetência material do tribunal relativamente à taxa de recursos hídricos e respectivos juros.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, do seguinte teor:
1. O tribunal ao julgar competente para decidir e julgar o presente pedido relativo a cobrança das taxas de recursos hídricos viola o disposto nos artigos 1.°, n.º 1, 4.°, n.º 1, al. a), 44.°, n.º 1, e 49.°, todos do ETAF.
2. Pois, estando em causa o pedido de condenação do R. a pagar à A. a Taxa de Recursos Hídricos e respetivos juros, a decisão pressupõe a apreciação de normas de direito fiscal substantivo, o que determina a incompetência do Tribunal a quo em razão da matéria.
3. Sendo competentes os Tribunais Tributários, nos termos conjugados dos arts.º 212°, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, e nos arts.1°, n°1, 4°, n° 1, al. a), 44°, n° 1, e 49°, todos do ETAF.
4. Sendo, em consequência, incompetente em razão da matéria, para dirimir esta questão o presente Tribunal Administrativo de Mirandela.
5. De igual modo o meio processual utilizado não é o adequado - a Acção administrativa comum.
6. O artigo 77.° n.º 2 da Lei da Água – DL n.º 58/2005 de 29.12, determina que estão sujeitos ao pagamento de TRH todos os utilizadores dos recursos hídricos que utilizem bens do domínio público e todos os utilizadores de recursos hídricos públicos ou particulares que beneficiem de prestações públicas que lhes proporcionem vantagens ou que envolvam a realização de despesas públicas.
7. Dispondo ainda no artigo 80.° que a taxa é cobrada pelas autoridades licenciadoras aquando da emissão dos títulos de utilização privativa.
8. No decreto-lei 97/2008 de 11/06, art.º 14 determina que a liquidação compete à ARH, sendo o pagamento é feito empregando todos os meios genericamente previstos na LGT. art.º 16.º n.º 4.
9. Pelo que, neste quadro normativo, a cobrança das taxas de recursos hídricos, o Tribunal é chamado a interpretar e aplicar normas de direito tributário por forma a dirimir um litígio que emerge do exercício da função tributária da administração pública. cfr. Arts 20, 21, 22.°, do DL
97/08 e 82.° da lei n°58/05).
10. Pelo que a causa de pedir e o pedido não se enquadram no domínio da responsabilidade fundada no incumprimento do contrato de concessão enquanto fonte duma relação jurídica administrativa.
11. E sim numa decorrência de relação jurídica fiscal visto estar em discussão a legalidade da interpretação e aplicação de disposições de direito fiscal, ou que se situa no campo da atividade tributária.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e a final ser declarado o Tribunal Administrativo de Mirandela incompetente em razão da matéria, absolvendo-se o R. da instância assim se fazendo JUSTIÇA.”.
*
O Recorrido contra-alegou em termos que se dão por reproduzidos e, tendo formulado conclusões, aqui se vertem:
a) Vem o Recorrente Município de SJP, arguir a incompetência do tribunal em razão da matéria, mas falece de fundamento e razão, porquanto,
b) nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do ETAF, “Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público”.
c) Concluindo-se, assim, pela incompetência absoluta dos tribunais civis, por serem incompetente em razão da matéria para conhecer do presente litígio e por tal serem competentes os tribunais administrativos (Cfr. Artigo 96.º do CPC).
d) Ora, nos termos e ao abrigo do artigo 37.º, n.º 2, alínea e), do Código de Processo nos Tribunais Administrativo, o tribunal competente, em razão da matéria, para conhecer do objecto da presente ação, é o tribunal Administrativo e não o fiscal.
e) Sendo evidente a competência material do tribunal administrativo, deverá improceder o presente recurso.
f) Sendo que, a relação jurídica administrativa é uma relação entre sujeitos de direito que atuem no exercício de poderes ou deveres públicos, conferidos por normas de Direito administrativo, normas estas que, num contexto de prossecução do interesse coletivo e ou de autoridade pública, organizam as entidades públicas, procedimentalizam a atividade respetiva, submetem a administração pública a deveres ou atribuem direitos aos particulares face à administração pública.
g) Enquanto que, a relação jurídica fiscal é uma relação entre sujeitos de direito que atuem no exercício de poderes ou deveres públicos, conferidos por normas de Direito Tributário.
h) Até, porque, a natureza da relação jurídica litigada numa acção administrativa resulta daquilo que se discute nos articulados e do pedido formulado.
i) Se, com um único pedido de condenação no pagamento de faturas por prestação de serviços no quadro da execução de um contrato administrativo, os articulados da ação administrativa não discordam sobre a legalidade de um tributo incluído, por imposição legal, na fatura, mas discutem, sim, a legalidade daquela faturação dos serviços, não deve o tribunal administrativo cindir o pedido apresentado pelo autor
j) e, por estar em causa entre as partes uma relação de contrato administrativo, o tribunal administrativo deve considerar-se com competência em razão da matéria. Como muito bem o fez, o tribunal a quo.
k) É precisamente o que resulta do ETAF, do CPTA e da legislação que regula a faturação pelos serviços prestados no âmbito do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento das Águas do Norte, para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes dos municípios supra referidos, em 3. supra.
l) Reitera-se, o litígio objeto dos autos não é relativo a uma questão fiscal, nem envolve diretamente a interpretação e aplicação de disposições de direito fiscal, ou que se situem no campo da atividade tributária, respeita antes ao pagamento de dívidas resultantes do não cumprimento pontual do contrato.
m) Mais, a ação não tem por objeto um ato tributário ou o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria fiscal, mas a satisfação de um crédito emergente de um contrato administrativo.
n) O contrato celebrado entre o Recorrente e a Recorrida, na medida em que se refere ao funcionamento de serviços públicos deve ter-se como administrativo, pelo que as relações emergentes desse contrato constituem relações jurídicas administrativas, cujos litígios delas resultantes devem ser dirimidas pelos Tribunais Administrativos.
o) Sendo que, o que substantivamente está em causa, no caso concreto, é o pagamento de uma quantia correspondente aos Contratos assinados entre as partes, e aos serviços efetivamente prestados pela ora Recorrida, e não pagos pelo Recorrente.
p) Mais, entre o Recorrente e a Recorrida não se estabeleceu, nem podia estabelecer-se, qualquer relação tributária, pois o que existe é uma relação de natureza administrativa emergente da outorga do contrato administrativo de fornecimento de água para o consumo humano.
q) Na verdade, a Recorrida formulou pedido de condenação do Recorrente a pagar o valor devido no âmbito dos serviços prestados, e devidamente previstos nos Contratos celebrados entre as partes.
r) Fundou a sua pretensão na celebração de um contrato de fornecimento entre as partes, através do qual a Recorrida se obrigou a fornecer água àquele município - em ''alta" - destinada ao subsequente abastecimento público - "em baixa" mediante o pagamento pelo Recorrente dos valores que se mostrassem devidos.
s) Como facilmente se constata, a presente ação não tem por objeto um ato tributário ou o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria fiscal, mas a satisfação de um crédito emergente de um contrato administrativo, pelo que "(...) se o litígio está centrado no volume de água que a recorrida recebeu e não pagou e no volume de efluentes que entregou e não pagou, então o que está em causa é uma relação jurídica administrativa e não uma questão fiscal.”
t) Mas não só, no contencioso administrativo vigora o princípio da suficiência da jurisdição administrativa, ou seja, o princípio desta jurisdição poder decidir todas as questões necessárias a decisão das questões que constituam o objeto das ações da sua competência, mesmo que, para o efeito, seja necessário decidir questões para cujo conhecimento (autónomo) seja competente outra jurisdição. Cfr., neste sentido, Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 10a Ed., pág. 498, e Ac. do STA, de 06-07-2004, tirado no proc. N° 1147/03. 18.
u) No caso concreto, nenhuma dúvida se poderá suscitar, pois, quanto a competência do tribunal recorrido relativamente ao pagamento dos serviços prestados no âmbito de relação administrativa, uma vez que os autos prosseguiram para conhecimento do pedido de condenação do Recorrente no pagamento da contraprestação pelo fornecimento de água e pelo serviço de recolha e tratamento de efluentes, sendo esta a relação que a título principal está em causa na presente ação, contraprestação que integra a obrigação de pagar a prestação de serviços efetuada e as taxas de recursos hídricos previstas nos contratos celebrados.
v) Ora, sendo o tribunal recorrido o competente, em razão da matéria, para o conhecimento da questão principal ou fundamental pela A. ora Recorrida, submetida ao escrutínio judicial, será também ele o competente para o conhecimento das restantes questões conexas ou dependentes deduzidas na petição inicial e, outrossim, das questões deduzidas pelo R. na respetiva contestação em sua defesa, ainda que para umas e outras, enquanto isoladamente consideradas, pudesse até não ser competente o foro administrativo, o que não se aceita, mas que por dever de patrocínio se aduz,
w) razão pela qual sendo a questão tributaria subordinada, pode e deve ser conhecida nos presentes autos, nela se restringindo o efeito do julgado — art.° 91.°, nº 2, do CPC - Cfr. Acs. do S.T..J. de 9/1/03, C. J., 2003, 1°, 14, e de 9/03/04, C. J., 2004, 1°, 110. 20.
x) Assim, a douta decisão recorrida deve manter-se inalterada por ser conforme à Lei, e consequentemente deve ser negado provimento ao presente recurso.
y) Pois, repita-se, a A. não está a exercer funções tributárias, nem as partes invocam qualquer matéria ou norma tributária em dissídio.
z) In casu, aliás, a contestação, tal como a p.i., não se discute qualquer norma jurídico-tributária,
aa) mas sim a relação contratual administrativa em que o pedido de pagamentos de valores referentes a consumos, serviços prestados e taxas de recursos, se insere em decorrência dos contratos celebrados.
bb) Por todo o exposto deverá ser declarado a jurisdição administrativa com competência material para julgar integralmente o objeto desta acção administrativa, tudo conforme decisão do Meritíssimo Juiz a quo, em despacho saneador, que não merece qualquer censura.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que Vossas Excelências, melhor suprirão, a douta decisão recorrida deve manter-se inalterada por ser conforme à Lei, e consequentemente deve ser negado provimento ao presente recurso, declarando-se, para os devidos efeitos, a jurisdição administrativa com competência material para julgar integralmente o objeto desta ação administrativa, tudo conforme decisão do Meritíssimo Juiz a quo, em despacho saneador, que não merece qualquer censura, fazendo-se, assim, JUSTIÇA!!!”.
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O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º, nº 1, do CPTA.
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De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, que balizam o objecto do recurso (artigos 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi artigo 140º do CPTA), impõe-se determinar, se a tal nada obstar, se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito.
Cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA
Na decisão recorrida não estão, formal e discriminadamente, especificados os factos pertinentes à decisão, mas os mesmos ficam evidenciados no julgamento operado no despacho sob recurso, que não suscitou qualquer dificuldade às partes nem prejudica a boa decisão do recurso, sendo certo que a transcrição integral da decisão recorrida dá garantias de que nada de útil foi menosprezado:
«Ao abrigo do artigo 595°, n° 1 cabe conhecer da matéria de exceção.
Foram invocadas, na contestação, as exceções de incompetência do tribunal administrativo e de prescrição.
Cabe apreciar.
O Réu invoca a incompetência em razão da matéria por estar em causa questão fiscal
(artigo 49°, n.º 1, al c) do E.T.A.F.).
Como se tem vindo a decidir no presente tribunal e que para aqui se acolhe a mesma fundamentação, "Para efeito da determinação da competência material do tribunal, deve atender-se à relação jurídica, tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido), independentemente do seu mérito, e os respectivos fundamentos (causa de pedir)" — vide Acórdão do STA de 25.11.2010, proferido no processo 021/10 —, isto é, deve atender-se à pretensão material do autor bem como aos factos invocados com relevância jurídica que, segundo este, preenchem a previsão normativa invocada.
De acordo com o Tribunal de Conflitos, para aferir da competência é irrelevante "o juízo de prognose que, hipoteticamente, se pretendesse fazer relativamente à viabilidade da acção, por se tratar de questão atinente com o mérito da pretensão" — cfr. acórdão do Tribunal de Conflitos de 20.09.2012, proferido no processo 02/12.
Da análise da petição inicial, é possível extrair a seguinte estruturação da causa de pedir: a Autora invoca que lhe foi concessionado pelo Estado Português o sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro; que celebrou com o Réu também concessão para exploração, tratamento e fornecimento de água em alta e saneamento; que foram continuamente prestados os referidos serviços, tendo sido emitidas várias faturas e notas de débito que o Réu não pagou, apesar de ter sido várias vezes interpelado; que são devidos também juros de mora até integral pagamento.
Atendendo ao pedido e à causa de pedir, tal como formulados na petição inicial, está em causa nos presentes autos a cobrança de várias faturas e notas de débito emitidas pela Autora no âmbito de unia relação contratual estabelecida com o Réu e que, alegadamente, se encontram vencidas, sendo devido o seu pagamento.
Ao contrário do alegado pelo Réu, na petição inicial não se encontra qualquer alusão direta ou indireta ao contexto de uma questão fiscal, já que o litígio não é configurado pela Autora como uma matéria atinente à cobrança de um imposto ou taxa, mas antes relativa à cobrança de um serviço prestado.
Não há dúvidas que face ao que vem invocado, está em causa nos presentes autos um contrato de concessão de serviços públicos, pelo que os Tribunais Administrativos são competentes, como resulta do disposto no artigo 4.°, n.º 1, als. e) e f) do ETAF. Basta atender ao disposto nos artigos 5.°, n.º 1, al c), 11.°, n.º 1, al b), subal iii), 16.°, n.º 2, al c) e 407.° e ss. do CCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, para perceber que o contrato de concessão de serviços públicos constitui um dos contratos tipicamente administrativos, a propósito dos quais a lei estabelece uma regulamentação específica, por razões de interesse público, que os subtrai à jurisdição comum. E mesmo que no caso em apreço se subtrai a tal regulamentação a formação pré-contratual, não pode afirmar-se que não seja um contrato de serviços tipicamente administrativo, em que as partes sempre estarão sujeitas aos mais elementares princípios de direito administrativo.
Por outro lado, face à forma como vem delineada a presente ação não pode afirmar-se que o presente litígio se enquadre em qualquer das situações previstas no artigo 49.° do ETAF. Consequentemente, os Tribunais Tributários não são competentes, sendo essa competência dos Tribunais Administrativos.
Repare-se que saber se os valores em causa correspondem ou não a serviços prestados, constitui já matéria relativa ao mérito da ação e não matéria que possa considerar-se para aferir da competência, posto que na petição inicial não se distingue expressamente a origem dos montantes cuja cobrança se pretende, apenas se alegando que os mesmos decorrem dos serviços continuamente prestados pela Autora ao Réu no âmbito da relação contratual estabelecida.
E saber se as faturas em causa extravasam ou não a natureza da relação contratual estabelecida constitui também questão relativa ao mérito da ação, dado que só perante a compreensão do conteúdo dos serviços prestados ou não se pode aferir qual a natureza jurídica dos pagamentos que a Autora pretende obter.
Assim, improcede a exceção de incompetência invocada.».
II.2 – DO MÉRITO DO RECURSO
Alega o Recorrente que o tribunal ao julgar competente para decidir e julgar o presente pedido relativo a cobrança das taxas de recursos hídricos viola o disposto nos artigos 1°, n° 1, 4°, n° 1, alínea a), 44°, n° 1, e 49°, todos do ETAF.
Isto, porque estando em causa pedido de condenação do Réu a pagar à Autora a Taxa de Recursos Hídricos e respectivos juros, entende que a decisão pressupõe a apreciação de normas de direito fiscal substantivo, o que determina a incompetência do Tribunal a quo em razão da matéria e competente o tribunal tributário.
Vejamos.
Como já definido pela jurisprudência, nomeadamente do Supremo Tribunal Administrativo, e como bem citado e aplicado pela decisão sob recurso, para efeito da determinação da competência material do tribunal, deve atender-se à relação jurídica, tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido), independentemente do seu mérito, e os respectivos fundamentos (causa de pedir).
A Autora pede a condenação do Réu ao pagamento da quantia de 128.654,53 (cento e vinte e oito mil, seiscentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta e três cêntimos), valor acrescido dos competentes juros de mora, no valor de € 7.598,48 (sete mil, quinhentos e noventa e oito euros e quarenta e oito cêntimos), o que perfaz o total de E 136.253,01 (cento e trinta e seis mil, duzentos e cinquenta e três euros e um cêntimo), bem como nos demais que se vierem a vencer até ao efectivo e integral pagamento da dívida.
Para tanto, alega que nos termos do Decreto-Lei nº 270-A/2001, de 6 de Outubro, foi criado o sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição dc efluentes de vários municípios, que identifica, entre os quais o de SJP.
Alega que, nessa decorrência, foi entregue à Autora a exploração, tratamento e fornecimento de água em alta e saneamento.
Assim, a Autora fornece os municípios e estes, por sua vez, fazem a distribuição local de água ao consumidor final e cobram directamente ao consumidor final as taxas de saneamento básico, tudo conforme melhor consta do Decreto-Lei n.º 270-A/2001, de 6 de Outubro e do Contrato de Concessão celebrado entre o Estado Português e a R., em 26 de Outubro de 2001.
Esclarece ainda a petição inicial, na tese da causa de pedir, que tal exploração e gestão abrangem, conforme referido, o abastecimento de água e saneamento, sendo que, no âmbito dessa incumbência, a Autora factura directamente aos Municípios e Empresas e estes pagam à Autora; Por sua vez, no caso do ora Réu, este cobra aqueles serviços ao consumidor final.
Estabelecido o cenário, alega a Autora que nessa decorrência, foram continuamente prestados os referidos serviços de saneamento e fornecimento de água ao Réu e, consequentemente, foram emitidas e enviadas ao Réu, que as recebeu, as facturas que identifica no artigo 11º da p.i., referentes a saneamento.
No entanto, interpelado para o pagamento, o Réu não o fez.
Eis, no que ora importa, o pedido e causa de pedir.
O Recorrente aponta unicamente a incompetência material do Tribunal a quo para conhecer da questão atinente à taxa de recursos hídricos.
Vejamos.
A Autora elencou no artigo 11º da p.i. a facturação em crise e juntou os atinentes documentos.
Da sua análise, verifica-se que na sua maioria respeitam a actualizações dos valores das tarifas (o preço público do serviço prestado), a fornecimento de água, a juros de mora e a taxa de recursos hídricos (TRH), sendo que esta TRH se mostra incluída, entre o mais ali descrito, designadamente nas facturas nºs: 3130385466, no valor de 32.639,65€, dos quais 724,63€ correspondem a TRH; 3130385493, no valor de 34.202,34€, dos quais 265,09€ correspondem a TRH; 3130385530, no valor de 31.723,31€, dos quais 680,08€ correspondem a TRH; 3130385555, no valor de 35.580,47€, dos quais 207,94€ correspondem a TRH.
Ao que se juntam os respectivos valores a título de juros de mora.
Relativamente à TRH importa, pois, averiguar se é tributária a questão repercussão sobre o Réu do encargo económico que ela representa.
Na verdade, o Decreto-Lei nº 97/2008, de 11 de Junho, estabeleceu o “regime económico e financeiro dos recursos hídricos previsto pela Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, disciplinando a taxa de recursos hídricos, as tarifas dos serviços públicos de águas e os contratos-programa em matéria de gestão dos recursos hídricos” (artigo 1º).
Resulta do seu artigo 14º que a “liquidação da taxa de recursos hídricos compete às ARH, devendo estas emitir para o efeito a correspondente nota de liquidação” (nº 1).
Prevê-se no artigo 4º, quanto à incidência objectiva, que a “taxa de recursos hídricos incide sobre as seguintes utilizações dos recursos hídricos: a) A utilização privativa de águas do domínio público hídrico do Estado; b) A descarga, direta ou indireta, de efluentes sobre os recursos hídricos, suscetível de causar impacte significativo; c) A extração de materiais inertes do domínio público hídrico do Estado; d) A ocupação de terrenos ou planos de água do domínio público hídrico do Estado; e) A utilização de águas, qualquer que seja a sua natureza ou regime legal, sujeitas a planeamento e gestão públicos, suscetível de causar impacte significativo”.
No artigo 5º, relativamente à incidência subjetiva, ali se determina que “são sujeitos passivos da taxa de recursos hídricos todas as pessoas, singulares ou colectivas, que realizem as utilizações referidas no artigo anterior estando, ou devendo estar, para o efeito munidas dos necessários títulos de utilização” (nº 1).
E o seu nº 2 dispõe: “Quando a taxa não seja devida pelo utilizador final dos recursos hídricos, deve o sujeito passivo repercutir sobre o utilizador final o encargo económico que ela representa, juntamente com os preços ou tarifas que pratique”.
Esta temática, com os contornos que o caso apresenta, tem sido entendida como questão tributária pela jurisprudência, senão vejamos o que consta do acórdão deste TCAN, de 25-01-2013, processo nº 00377/10.0BEPRT, e jurisprudência aí citada:
«VII. Feito o cotejo dos normativos que relevam para a decisão da matéria de exceção que constitui o objeto de apreciação importa, agora, na análise do caso em presença, na certeza de que se trata questão que não é nova tendo este Tribunal já emitido posição sobre a mesma, nomeadamente, nos seus acórdãos de 25.11.2011 - Proc. n.º 02750/10.4BEPRT, de 13.01.2012 - Proc. n.º 00844/11.8BEPRT, de 02.03.2012 - Proc. n.º 02223/11.8BEPRT, de 11.01.2013 - Proc. n.º 00858/09.8BEPRT [disponíveis em «www.dgsi.pt/jtcn»], jurisprudência essa que aqui se secunda e reitera dado nada da discussão dos autos resultar que a infirme.
VIII. Com efeito, dos seus termos e fundamentação, que repita-se se acompanha, extrai-se como linha argumentativa o seguinte “… à face do ETAF na jurisdição administrativa e fiscal a competência dos tribunais administrativos e dos tribunais tributários para o conhecimento das pretensões perante os mesmos deduzidas está repartida em função dos litígios serem emergentes, respetivamente, de relações jurídicas administrativas ou de relações jurídicas fiscais. … Temos para nós que por «questão fiscal» deverá entender-se, de harmonia com a jurisprudência firmada pelo STA, a que, de qualquer forma, imediata ou mediata, faça apelo à interpretação e aplicação de norma de direito fiscal com atinência ao exercício da função tributária da Administração ou à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos. É «questão fiscal», pois, aquela que emerge de resolução autoritária que imponha o pagamento de prestações pecuniárias com vista à satisfação de encargos públicos dos respetivos entes impositivos (cfr. Casalta Nabais in: «Direito Fiscal», 2.ª edição, pág. 366). … Por outras palavras, estamos perante questão daquela natureza quando a mesma diga respeito à interpretação e aplicação de normas legais de natureza tributária, ou seja, se refira a uma resolução autoritária que negue direito a não pagamento ou que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação dos encargos públicos do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que com elas estejam objetivamente conexas ou teleologicamente subordinadas. … Cremos à luz do quadro normativo atrás enunciado que a resposta terá de ser positiva, não assistindo razão à recorrente na crítica apontada à decisão judicial sindicada. … Explicitando e motivando o nosso juízo importa, desde logo e para uma melhor caraterização das relações jurídicas que se mostram estabelecidas entre o Estado e concessionária (ora recorrente) e entre esta e a R. aqui recorrida, trazer aqui à colação o entendimento já firmado por este Tribunal no seu acórdão de 13.05.2011 (Proc. n.º 534/09.1BEBRG - inédito) em litígio onde se discutia a qualificação da relação duma concessionária com um Município e no qual era peticionada a condenação deste no pagamento de montantes derivados do contrato de fornecimento de água. Assim, ali se considerou, passando-se a citar, que sendo «… o contrato de fornecimento contínuo um contrato administrativo [al. g) do n.º 2 do art. 178.º do CPA] e estando em causa o incumprimento de obrigações dele emergentes, facilmente se percebe que a questão se enquadra no âmbito de uma relação jurídica administrativa e não de uma relação jurídica fiscal. O litígio não é relativo a uma ‘questão fiscal’, na tese ampliativa defendida pela jurisprudência, segunda a qual questões fiscais são ‘as que exigem a interpretação e aplicação de quaisquer normas de Direito Fiscal substantivo ou adjetivo para a resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública’ (cfr. Ac. do Pleno do STA de 12.11.2009, proc. n.º 0366/09). … Ora, a ação respeita ao cumprimento de um contrato administrativo, não envolvendo diretamente a interpretação e aplicação de disposições de direito fiscal, ou que se situem no campo da atividade tributária. Pretende-se apenas o pagamento de dívidas resultantes do não cumprimento pontual do contrato. … Como vimos, a ação não tem por objeto um ato tributário ou o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria fiscal, mas a satisfação de um crédito emergente de um contrato administrativo. … Mas, mesmo que se pretenda avançar pela distinção entre taxa e peço, sempre se dirá que a contrapartida exigida na ação consubstancia um preço devido pela prestação de um serviço público. … À primeira vista, como o preço pago pela prestação do serviço público de fornecimento de água … é um serviço que por essência pertence à titularidade do Estado, e portanto não pode ser objeto de oferta e procura, dir-se-á que tem as caraterísticas de taxa. … Marcello Caetano, escrevia que ‘o preço pago pelas prestações fornecidas pelos serviços públicos geridos diretamente por pessoas coletivas de direito público tem a natureza jurídica de taxa e nessa qualidade está sujeito ao regime de cobrança das receitas fiscais’ (cfr. Manual de Direito Administrativo, Vol. II, pág. 1061 - sobre a distinção entre taxa e preço, cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito fiscal, 1974, pág. 53 e ss.; Sousa Franco, Manual de Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol. I, Lisboa, 1974, pág. 760, Teixeira Ribeiro, Finanças Públicas, pág. 262). … Acontece que, no caso dos autos, a tarifa não regula as relações contratuais entre o Município e os consumidores, mas sim as relações entre o concessionário e o Município. … Nesta relação, a tarifa tem por finalidade remunerar o concessionário pelos serviços contratados, assumindo assim a natureza de preço. Quando um serviço público é concedido, a tarifa é a principal fonte de retribuição do concessionário, mesmo que não chegue a cobrir o custo de produção (preço político). Marcello Caetano, dizia que a tarifa desempenha uma dupla função: ‘nas relações entre o concessionário e o público, a de regular o preço das prestações do serviço; nas relações entre concedente e concessionário, a de regular os termos em que aquele consente a este a remuneração da sua iniciativa e dos seus capitais’ (Manual ob. cit. pág. 1100). … Basta ler a legislação ao abrigo da qual foram celebrados os contratos de concessão e de fornecimento de água …, para se qualificar a contrapartida do Município como um preço. … A atividade de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, recolha, tratamento e rejeição de águas residuais urbanas, é uma atividade económica que, nos sistemas multimunicipais, pode ser concessionada pelo Estado a empresas cujo capital seja maioritariamente subscrito por entidades do setor público, nomeadamente autarquias locais (…). O regime jurídico de exploração e gestão dos sistemas multimunicipais e municipais dessa atividade consta do DL n.º 379/93 …, do DL n.º 319/94 … (relativo ao abastecimento de água para consumo público) e do DL n.º 162/96 … (relativo à recolha, tratamento e rejeição de efluentes). … Os sistemas multimunicipais, aqueles que servem pelo menos dois municípios e exigem um investimento efetuado predominantemente pelo Estado (n.º 2 do art. 1.º da Lei n.º 88-A/97), são sistemas em «alta», ou seja, que funcionam a montante da distribuição de água ou a jusante da coleta e tratamento de efluentes e resíduos sólidos e que apenas podem ser criados e concedidos por decreto-lei (n.º 1 do art. 3.º do DL n.º 379/93). Os municípios que os utilizam são obrigados a proceder à ligação dos seus sistemas municipais a esses sistemas e à criação das condições para uma boa harmonização entre ambos os sistemas. Por isso, regra geral, a distribuição de água para consumo público e a recolha, tratamento e rejeição de efluentes é efetuada a coberto de duas relações contratuais: contrato de concessão entre o Estado e uma empresa de capitais maioritariamente públicos e um contrato de fornecimento entre o concessionário e os utilizadores (n.º 2 do art. 2.º do DL 379/93 e art. 5.º do DL n.º 319/94). O contrato de concessão é um contrato administrativo celebrado segundo as bases anexas ao DL 319/94 e que dele fazem parte integrante. … No que aqui interessa, que é a qualificação da obrigação peticionada como taxa ou preço, o artigo 5.º do DL n.º 379/93 prescreve que o decreto-lei que estabelece a concessão deve prever a remuneração do investimento e a aprovação pelo Estado das tarifas a cobrar. As Bases XIII e XIV do contrato de concessão, que fazem parte integrante do DL n.º 319/94, regulam sobre o financiamento da concessionária e sobre os critérios para a fixação das tarifas: a primeira, considera fonte de financiamento as receitas provenientes das tarifas cobradas; e a segunda, considera que as tarifas são ‘fixadas por forma a assegurar a proteção dos interesses dos utilizadores, a gestão eficiente do sistema, o equilíbrio económico-financeiro da concessão e as condições necessárias para a qualidade do serviço’, devendo assegurar a amortização dos investimentos iniciais e posteriores, a manutenção, reparação e renovação dos equipamentos, a adequada remuneração dos capitais próprios da concessionária e atender ao nível de custos necessários para uma gestão eficiente dos sistemas. (…). As tarifas fixadas pelo Estado indicam o valor de cada metro cúbico de água fornecida pela concessionária ao utilizador. Através de contratos de fornecimento, os municípios utilizadores do sistema intermunicipal contratam um determinado volume de água medido à entrada dos reservatórios de chegada de cada utilizador, o qual é faturado com a periodicidade mensal (Base XXVIII e XXXI). … Como se vê, nas relações entre concessionária e município utilizador, as tarifas visam cobrir os gastos de exploração e de equipamento do serviço público de fornecimento de água aos municípios, e portanto, apesar de aprovadas pelo concedente, assumem a natureza de preço fixo. Os utilizadores pagam à concessionária o volume de água e de efluentes contratado, calculando-se cada metro cúbito em função de uma tarifa de preços pré-fixada pela concedente. … Ora, se o litígio está centrado no volume de água que a recorrida recebeu e não pagou e no volume de efluentes que entregou e não pagou, então o que está em causa é uma relação jurídica administrativa e não uma questão fiscal ...». Secundando aqui este entendimento, atualizado em sede de quadro normativo com a entrada em vigor, desde 01.01.2010, do DL n.º 194/09, de 20.08 (diploma que revogou em parte o DL n.º 379/93 e veio estabelecer o novo regime jurídico dos serviços municipais e intermunicipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos urbanos) e reportando-nos ao caso sob apreciação, temos que o litígio que materialmente constitui o objeto de pronúncia não se reconduz à relação jurídica contratual administrativa que se estabeleceu entre a A. [enquanto concessionária e fornecedora de água destinada ao abastecimento público] e a R., e nada tem que ver igualmente com a relação jurídica, também ela administrativa, estabelecida pela A. com o Estado no âmbito do contrato de concessão que firmou. … A discussão da questão em presença, até pelos fundamentos aduzidos em sede de pretensão e articulado de oposição, passa pela aferição da legalidade e bondade de interpretação e aplicação de normas de direito fiscal com atinência ao exercício da função tributária da Administração, já que o que materialmente está em causa prende-se com o assegurar, através da faturação efetuada, do pagamento dos encargos tidos pela A. com a taxa de recursos hídricos por si devida e liquidada no quadro da relação jurídica fiscal que se estabeleceu entre a ARH e A. [no âmbito da incidência/sujeição subjetiva e objetiva à liquidação e pagamento da taxa recursos hídricos por parte da A. àquele ente público - cfr. arts. 68.º e 80.º da Lei n.º 58/05, 04.º, 05.º, 14.º e 16.º do DL n.º 97/08]. … O objeto do litígio que o tribunal administrativo foi convocado a dirimir e decidir reconduz-se a apurar se são legalmente devidos e exigíveis da R. as quantias faturadas enquanto valores respeitantes a parcela reportada à recuperação do valor pago pela A. com os encargos legais obrigatórios, nomeadamente e no caso, com a taxa de recursos hídricos [cfr. arts. 20.º, 21.º e 22.º do DL n.º 97/08 e 82.º da Lei n.º 58/05]. … Em discussão nos autos está, assim, o reflexo direto da relação jurídica fiscal que se estabeleceu e estabelece entre a ARH competente e a aqui A. [com a liquidação e pagamento anual da taxa de recursos hídricos cujo montante pago “adiantado” a concessionária tem o direito a ser ressarcida]. … Nada tem que ver com um alegado incumprimento de obrigações decorrentes ou emergentes do contrato de fornecimento de água para consumo humano por parte da R. relativamente ao pagamento à A. do preço de tal fornecimento no prazo de 60 dias a contar da data de emissão das respetivas faturas. O litígio não se insere, por conseguinte, estritamente nas relações entre a concessionária e o utilizador, pedindo aquela o pagamento das quantias devidas pelo fornecimento de água a que estava obrigada por força daquele contrato de fornecimento. É que o diferendo não está centrado no volume e preço de água que a recorrida recebeu e não pagou. … O que está efetivamente em causa e é pedido prende-se unicamente com o não pagamento duma parcela inserida nas faturas emitidas e que é a relativa à cobrança da taxa de recursos hídricos, pelo que a causa de pedir e o pedido não se enquadram no domínio da responsabilidade fundada no incumprimento do contrato de concessão, enquanto fonte duma relação jurídica administrativa, mas antes numa decorrência de relação jurídica fiscal visto estar em discussão a legalidade da interpretação e aplicação de disposições de direito fiscal, ou que se situa no campo da atividade tributária. … Em situação em que estava em causa pretensão cautelar tendente à suspensão do tarifário de consumo de água, saneamento e de “disponibilidade”, aprovado por Assembleia Municipal e a cobrar pela empresa municipal a quem foi concessionado o serviço público de captação, tratamento e distribuição de água considerou o Tribunal de Conflitos no seu acórdão de 26.09.2006 (Proc. n.º 014/06 in: «www.dgsi.pt/jcont»] que tal constituía questão fiscal da competência dos tribunais tributários. E no acórdão do mesmo Tribunal de 18.05.2006 (Proc. n.º 04/05 consultável no mesmo local) julgou-se como competentes “… aos tribunais administrativos e fiscais, concretamente aos tribunais tributários, conhecer de ação na qual se pretende a declaração de inexigibilidade de taxas de conservação e exploração, impostas por associação de beneficiários de obra de fomento hidroagrícola, e a condenação desta ré a restituir ao autor os montantes correspondentes a taxas por este anteriormente pagas …”.
IX. Colhido e aqui reiterado o entendimento acabado de reproduzir, com plena valia para a decisão da questão em discussão, temos como totalmente improcedente o recurso jurisdicional que se mostra dirigido já que na vertente do pedido alvo da decisão de absolvição da instância nos situamos, de harmonia com a fundamentação aduzida no ponto antecedente, no âmbito de relação jurídica tributária visto que o litígio não se insere estritamente nas relações entre a concessionária e o utilizador em que aquela pede a esta o pagamento de quantia devida pelo fornecimento de água a que estava obrigada por força daquele contrato de fornecimento e que não foi pago ou não o foi tempestivamente.
X. O que efetivamente está em causa e é pedido naquele segmento reconduz-se unicamente ao não pagamento duma parcela inserida nas faturas emitidas relativa à cobrança da taxa de recursos hídricos, pelo que a causa de pedir e o pedido nesse domínio não se enquadra na responsabilidade fundada no incumprimento do contrato de concessão, enquanto fonte duma relação jurídica administrativa, mas antes numa decorrência de relação jurídica fiscal visto estar em discussão a legalidade da interpretação e aplicação de disposições de direito fiscal, ou que se situa no campo da atividade tributária(…)».
Com tais argumentos, aqui totalmente aplicáveis, tem razão o Recorrente quanto aos fundamentos do recurso, devendo julgar-se o Tribunal Administrativo de Círculo de Mirandela incompetente em razão da matéria para conhecer da pretensão da Autora relativamente à taxa de recursos hídricos e atinentes juros de mora.
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III. DECISÃO
Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em conceder provimento ao recurso e julgar o Tribunal Administrativo de Círculo de Mirandela incompetente em razão da matéria para conhecer da pretensão da Autora relativamente à taxa de recursos hídricos e respectivos juros de mora.
Custas pela Recorrida (artigo 527º do CPC).
Notifique e D.N..
Porto, 28 de Junho de 2018
Ass. Hélder Vieira
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia