Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00279/09.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/27/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:IRS
PRESUNÇÃO DO N.º 4 DO ART. 6º CIRS.
Sumário:1. Quem tem a seu favor uma presunção judicial, escusa de provar o facto a que ela conduz (art. 350º/1 do Código Civil).
2. O beneficiário de uma presunção legal fica dispensado de provar o facto a que ela conduz, mas não de provar o facto base da presunção.
3. E só depois de provado o facto base, a lei associa um outro, que embora desconhecido, se dá como assente em consequência da prova do primeiro.
4. Pelo facto de o impugnante no processo de impugnação judicial surgir processualmente numa posição em que alega vícios de um acto tributário, não suporta um encargo de prova relativa a factos que não tinha de provar no procedimento tributário.
5. A tributação em sede de IRS baseada na presunção de que os lançamentos efectuados na conta corrente do sócio são feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros (n.º 4 do art. 6º CIRS), onera a ATA com o ónus de provar o facto base da presunção, isto é, que tais lançamentos são feitos em conta corrente do sócio e não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:C...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

Síntese do processado mais relevante.
O sujeito passivo foi sujeito a fiscalização constatando a ATA o depósito de quantias elevadas na sua conta bancária.

O sujeito passivo emprestou a uma das sociedades dinheiro que esta lhe devolveu parcialmente.

A ATA considerou estarem reunidos os requisitos para tributar os depósitos efectuados na sua conta com base na presunção prevista no n.º 4 do art.º 6 do CIRS.

O contribuinte deduziu impugnação judicial que determinou a anulação das liquidações impugnadas.

O recurso.
Inconformado com a sentença, o ERFP dela recorreu formulando as respectivas alegações e concluindo como segue:

A. A douta sentença proferida em 28.03.2014 julgou procedente a impugnação deduzida das liquidações de IRS lançadas para os anos de 2002 e de 2003, respetivamente, por se ter verificado o depósito à ordem em numerário em conta bancária titulada pelo impugnante das quantias de € 1.611.196,78 e de € 12.379.520,36 em cada um daqueles anos, não justificados, que se concluiu tratar-se de adiantamentos por conta de lucros de sociedades em que o impugnante participa.
B. Decidiu a final o Tribunal a quo pela ilegalidade daqueles atos tributários em face dos art.s 5º, nº2, al.h), e 6º, nº4, do CIRS, dando por razões, designadamente, que “a AT não carreou qualquer facto relativamente às sociedades de que o impugnante é sócio, de acordo com o relatório, com exceção feita à D..., SA” e que “quanto a esta [sociedade] a AT faz a prova de que existem quantias escrituradas nas contas correntes do sócio, o agora impugnante”, logrando trazer aos autos prova de que existiram lançamentos na conta corrente do sócio,

C. salientando, porém que “os montantes relevados na conta 25 [da sociedade D...] têm um saldo a crédito do agora impugnante”, e que “a AT interpretou os lançamentos escriturados pela D..., na conta corrente do impugnante, como um mútuo do sócio para com a D..., e do seu ressarcimento a posteriori” concluindo que a AT não preencheu o ónus de prova quanto ao facto que levaria à presunção do art. 6º, nº4, do CIRS.

D. Sempre com o devido respeito, que é muito, a Fazenda Pública entende que a sentença recorrida procede a uma análise insuficiente e errónea da factualidade patente no Relatório de Inspeção Tributária (RIT), que transcreve na matéria de facto provada,

E. a qual não revela ter sido infirmada pela prova testemunhal produzida, que valora injustificadamente em sentido contrário ao que deu causa às liquidações impugnadas.

F. Foi o próprio impugnante que, no intuito de explicar a proveniência destes depósitos, e afirmando que “não tem atividade por conta própria, auferindo rendimentos como administrador de empresas”, que declarou que os depósitos das quantias de € 1.611.196,78 e de € 12.379.520,36, em numerário, “são derivados de movimentos financeiros entre ele e as empresas”, e que “não são provenientes de qualquer atividade” do impugnante.

G. A factualidade relevante para a liquidação do imposto impugnado, assim, não é integrada pelas circunstâncias apreciadas a respeito da resposta à notificação de 19.03.2008 que constituíram base de facto para a tributação segundo o art. 5º, nº2, al.h), e a presunção do art. 6º nº4, ambos do CIRS, supra transcritas da sentença recorrida.

H. Essas circunstâncias são expostas para refutar a resposta dada de que os movimentos constituídos pelos depósitos em numerário de € 1.611.196,78 e de € 12.379.520,36, em conta do impugnante, e os cheques emitidos dessa conta depositados em conta da sociedade se destinavam a gerar liquidez nas contas bancárias dessa empresa.

I. A factualidade relevante para a liquidação do imposto impugnado é, sim, a verificação dos referidos depósitos em numerário a crédito na conta detida pelo impugnante no BES, agência do Campo Alegre – Porto, nos períodos compreendidos entre 01.01.2002 e 31.12.2003, quando este confessadamente não exerce qualquer atividade por conta própria.

J. De igual modo que no procedimento inspetivo, o impugnante não justificou nem comprovou documentalmente a origem das importâncias depositadas em numerário,

K. enquanto que sentença recorrida não demonstra que a prova testemunhal produzida na presente impugnação tenha demonstrado a factualidade arguida a propósito do expediente destinado a obter liquidez com o qual o impugnante pretendeu justificar o enorme valor dos depósitos em numerário na sua conta bancária.

L. Isto porque a sentença não dá conta do que obteve de cada depoimento das testemunhas referidas a cada facto que entendeu ser base probatória, qual o concreto teor de cada depoimento e quais as razões que, após escrutínio, e confrontada com a prova documental reunida pela AT, levou a ponderar a prova testemunhal em favor de uma decisão de procedência.

M. A sentença recorrida valoriza declarações, depoimentos, ou coerências destes, referidas a cada depoimento, sem concretizar nem especificar, dando como injustificadamente provada a proveniência dos depósitos em numerário em cheques de amigos e fichas compradas em casinos não utilizadas, e não permitindo controlo das razões do convencimento pelos destinatários da sentença – em especial pela Fazenda Pública.

N. Na ótica da Fazenda Pública, e salvo melhor opinião, a análise e publicitação do conteúdo da prova testemunhal, atentos os critérios de exame da prova produzida, teria de ter sido muito mais detalhado do que foi, para averiguar se os depoimentos se revelaram precisos, coerentes e credíveis ao ponto de substituir a força probatória dos documentos na posse da Administração Tributária carreados para os autos por uma verosimilhança acrescida dos depoimentos das testemunhas.

O. A parte que exerce o direito de ação, no caso, de impugnação do ato tributário, é que deve exercer a atividade probatória relativamente aos factos que servem de fundamento à ação, de acordo com o princípio do dispositivo, sob pena de correr o risco de ver inferida a pretensão que deduziu em juízo (art. 516º CPC).

P. A inexistente análise e valoração dos depoimentos prestados em face das questões controvertidas obsta a que tenham força bastante para que o Tribunal, com base nesses depoimentos, dê como provados factos conducentes à anulação das liquidações, em particular se se tiver em conta o valor probatório objetivo da prova documental produzida nos autos pela Fazenda Pública, devendo a ausência de prova de factos relevantes acerca da ilegalidade das liquidações desfavorecer quem com ela estiver onerado: o impugnante.

Q. Uma vez que a valoração sustentadamente especificada da matéria de facto para esse efeito deve ser feita pela M.ma Juiz da 1ª instância, tal significa, no entendimento da Fazenda Pública, e sempre com o devido respeito, que não pode existir correto julgamento da matéria de facto para conhecer das questões suscitadas.

R. Conclui-se, pois, sempre ressalvado o devido respeito e melhor opinião, que a presente impugnação seja dada por improcedente, por não provada, ou, sem prescindir nem conceder, por não ser exequível o conhecimento em substituição do tribunal a quo, atenta a falta de elementos necessários, que seja dado provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida, baixando os autos devem baixar ao tribunal a quo para que se faça a devida análise e exposição da prova produzida.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.


CONTRA ALEGAÇÕES.
O recorrido contra alegou e concluiu assim:
1. A FP reitera no erro de aplicação da presunção prevista no n.º 4 do art.º 6.º do CIRS.
2. O ponto de partida e fundamentação da AF para a aplicação daquela norma aquando das liquidações impugnadas foram os movimentos (depósitos em dinheiro) na conta bancária do BES aberta em nome do Impugnante.
3. Os movimentos numa conta bancária não podem ser, em caso algum, pressuposto de aplicação daquela presunção.
4. Aquela presunção não se aplica aos depósitos numa conta bancária.
5. Para a presunção prevista nesta norma actuar, invertendo o ónus da prova, a AT teria que provar que existiam lançamentos em contas correntes (contabilísticas) de sociedades que este fosse sócio e desde que esses lançamentos não resultassem de mútuo, prestação de trabalho ou de exercício de cargo social.
6. Ora, a AT não fez qualquer prova desses factos.
7. Sendo certo que o seu ponto de partida aquando das liquidações não foram os lançamentos na conta corrente das sociedades mas sim a aludida conta bancária aberta em nome do Impugnante.
8. Por isso, também não poderia vir agora em sede de impugnação alterar os pressupostos que sustentaram as liquidações impugnadas
9. Sendo certo que a interpretação daquela norma no sentido de aplicar a presunção aos movimentos na conta bancária do Impugnante, consubstanciaria uma nítida inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade tributária, previsto no art.º103.º da CRP, uma vez que consubstanciaria um acto tributação sem lei, bem como a violação do princípio da tributação real.
10. É pois ostensivo e manifesto o erro na aplicação da norma em causa por parte da AT.
11. Não obstante e embora não fosse necessário, o Impugnante provou a proveniência dos depósitos em numerário, efectuados na sua conta bancária, conforme consta das alíneas m) a bb) da matéria assente.
12. A FP não infirma, por qualquer meio, os depoimentos produzidos pelas testemunhas.
13. O tribunal fundamentou o julgamento da matéria de facto, indicando até o depoimento das várias testemunhas para prova de cada um dos factos.
14. Não se visualizando, também aí, censura quanto à decisão recorrida.

Termos em que a sentença recorrida não deve ser alterada, julgando-se procedente a impugnação.


PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Sr. PGA junto deste TCAN emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
As questões que se impõe apreciar neste recurso, delimitadas pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, são as seguintes: saber se a sentença padece de nulidade por falta de fundamentação, e ainda saber se cometeu erro de julgamento, de facto e de direito.


III a) FUNDAMENTOS DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados:
a) O agora impugnante, C..., sendo sujeito passivo de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), apresentou, relativamente aos anos de 2002 e 2003 declarou, para efeitos de IRS, em cada um dos anos, ter auferido rendimentos do trabalho dependente, no valor de 17.457,97 euros;
b) No cumprimento das ordens de serviço OI2008010845 e OI200801846, respectivamente para os anos de 2002 e 2003, pela Divisão de Inspecção Tributária-III da Direcção de Finanças do Porto, foi desencadeado um procedimento inspectivo interno, ao agora impugnante, C..., de âmbito parcial em IRS e com extensão aos exercícios de 2002 e 2003, tendo em resultado sido efectuadas correcções meramente aritméticas à matéria tributável no âmbito de IRS - cfr. Relatório/Conclusões de Inspecção Tributária, a folhas 34 e ss do PA apenso;
c) Do Relatório de Inspecção Tributária, junto aos autos, que se dá aqui por reproduzido e que parcialmente se transcreve, consta a seguinte fundamentação de facto e de direito:
I — Relatório das conclusões da acção inspectiva
Em termos de conclusões do procedimento de inspecção, resultam correcções à matéria tributável do IRS, dos exercícios de 2002 e 2003, conforme valores do quadro seguinte e que se encontram desenvolvidas no capítulo III.

          IRS
ANOS
IRS - Rendimentos de Capitais
          2002
          2003
RENDIMENTO COLECTÁVEL
805.598,39 €
6.189.760,18 €

II — Objectivos, Âmbito E Incidência Temporal.

A— Credencial e período em que decorreu a acção
A acção de fiscalização efectuada ao sujeito passivo, C..., com NIF: 1…e morada fiscal em AL REPUBLICA,… - VILA NOVA DE GAIA, foi desenvolvida para cumprimento das Ordens de Serviço OI200801845 e OI200801846, respectivamente para os anos de 2002 e 2003.
B— Motivo, Âmbito e Incidência Temporal.
Tratou-se de uma acção Inspectiva no âmbito do Proc. de Inquérito nº 1172/05.3TDPRT.
Procedimento interno, de âmbito parcial em IRS e com extensão aos exercícios de 2002 e 2003.
C. — Outras situações.
1 — Caracterização do sujeito passivo e Descrição da Actividade
Segundo a base de dados da DGCI, o sujeito passivo fez parte nos anos em análise, dos órgãos sociais das empresa abaixo identificadas, na qualidade de sócio gerente/administrador/outros, cujas actividades também se identificam no mesmo quadro.

SOCIO5…M… LDACAE 068100 COMPRA E VENDA DE BENS IMOBILIÁRIOS
SOCIO5…H… LDACAE 068100 COMPRA E VENDA DE BENS IMOBILIÁRIOS
ADMINISTRADOR5…3… LDA (a)CAE 047712 COM. RET.VESTUÁRIO PARA BEBÉS E CRIANÇAS,ESTAB. ESPEC.
ADMINISTRADOR5…A… LDA (b)CAE 003111 PESCA MARÍTIMA
OUTROS5…D... SACAE 068100 COMPRA E VENDA DE BENS IMOBILIÁRIOS
ADMINISTRADOR5…S… LDACAE 041200 CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS (RESIDENCIAIS E NÃO RESIDENCIAIS)
ADMINISTRADOR5…T… LDACAE 003111 PESCA MARÍTIMA
ADMINISTRADOR5…G… LDACAE 070220 OUTRAS ACTIVIDADES CONSULTORIA PARA OS NEGÓCIOS E A GESTÃO
ADMINISTRADOR5…A… LDA ©CAE 063401 (ELIMINADO) ORGANIZACAO DO TRANSPORTE
ADMINISTRADOR5…R… SACAE 064992 OUT. ACT.SERV. FINANC. DIV.,N.E.,EXC.SEGUROS FUNDOS PENSÕES
a)Cessado desde 2001/06/30
b)Cessado desde 2003/12/31
c)Cessado desde 2003/12/17

III — Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável.
1.- Origem da informação
No seguimento da informação recolhida pela Unidade de Informação Financeira, (UIF), que deu origem ao Processo de Inquérito n.º 1172/05.3TDPRT, foram remetidas pelo DIAP (Departamento de Investigação e Acção Penal) a esta Direcção de Finanças, diversos elementos referentes à actividade financeira desenvolvida por C..., entre os quais se destacam pela sua relevância, os seguintes:
- Cópias de extractos bancários da conta nº 4…, sedeada no BES, Agência do Campo Alegre - Porto, bem como cópias de extractos bancários de duas das diversas empresas de que é sócio gerente/ administrador, a saber da D... - Participações e Investimentos, S A e H… Lda;
- Guias de depósitos em numerário na sobredita conta nº 4…no BES, da qual é titular o Sr. C…;
- Uma declaração assinada por C..., dirigida à instituição bancária, justificativa da proveniência das verbas que depositava em numerário;
- Duas listagens dos movimentos financeiros constantes da base de dados da Inspecção-Geral de Jogos, referentes às compras de fichas nas salas de jogos tradicionais dos casinos de Espinho e da Póvoa de Varzim, pelo frequentador C..., no período 01/11/2002 a 31/12/2003.

2.- Factos
Assim, partindo da análise aos elementos que integram o Processo de inquérito nº 1172/05.3TDPRT, verificou-se que:
- Nos períodos compreendidos entre 01/11/2002 e 31/12/2003, foram depositados a crédito da referida conta nº 4…, pertencente ao Sr. C..., avultadas importâncias em numerário;
- Foram emitidos cheques desta conta que vieram a ser depositados na conta bancária nº 4…de que é titular a empresa D..., S A, de cujos órgãos sociais o Sr. C... faz parte;
- Foram ainda despendidas pelo Sr. C..., elevadas somas, mais precisamente na compra de fichas nas salas de jogos tradicionais dos casinos de Espinho e da Póvoa de Varzim, através da emissão de cheques da mesma conta nº 4…do BES.
- Por consulta do sistema informático da DGCI, constatou-se que, em cada um dos exercícios de 2002 e 2003, foram declarados pelo Sr. C…, rendimentos da categoria A – Trabalho por conta de outrem, no mesmo montante de €17.457,97.

3. – Acção desenvolvida
3.1. – Notificação
Quanto aos movimentos financeiros, constituídos por depósitos em numerário na conta nº 4…, da instituição bancária Banco Espírito Santo, nos montantes de €1.611.196,78 e €12.379.520,36, anexo I, respectivamente nos anos de 2002 e 2003, que eram acompanhados de uma declaração justificativa, assinada pelo Sr. C..., onde era referido:
“Estes depósitos são derivados de movimentos financeiros absolutamente legais e comprováveis, provenientes da sua actividade, sendo ela venda de imóveis, máquinas, equipamentos para a indústria e produtos diversos de consumo.”
pelo que procedeu-se à notificação do Sr. C..., por carta registada com aviso de recepção, através do ofício, nº 17252/0506, de 2008/03/03, com o seguinte teor:
“Considerando que o referido Processo de Inquérito integra, declarações passadas e apresentadas por V. Ex.ª. na referida instituição de crédito, nas quais declara que “Estes depósitos são derivados de movimentos financeiros absolutamente legais e comprováveis, provenientes da sua actividade, sendo ela venda de imóveis, máquinas, equipamentos para a indústria e produtos diversos de consumo”, conforme exemplar que se anexa, fica por este meio notificado, nos termos do disposto na alínea d) do nº 3 e nº 4 do artigo 59º da LGT (Lei Geral Tributária), e artigos 9ºº e 48º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, para remeter a estes Serviços, no prazo de 15 (quinze) dias, os elementos e documentos que identifiquem, comprovem e justifiquem a origem dos fundos objecto dos questionados depósitos em numerário. “

3.2. – Resposta à notificação
Em 19 de Março de 2008, deu entrada nesta Direcção de Finanças a resposta ao pedido formulado, na qual o Sr. C... refere o seguinte:
“1. Os movimentos em causa ficaram-se a dever às dificuldades de tesouraria das várias por ele administradas.
2. Ou seja, correspondem a movimentos financeiros entre ele e as empresas, com o objectivo de ser gerada liquidez, de forma a provisionar as contas bancárias da empresas para assim serem pagos os cheques sobre elas sacados, bem como outros compromissos.
3. Através daqueles movimentos o respondente criava valores disponíveis nas contas bancárias, colmatando, assim, as dificuldades financeiras do grupo de empresas.
4. Como tal, os fundos em causa não são provenientes de qualquer actividade do respondente, não estando sujeitos a tributação.
5. Aliás, o respondente não tem actividade por conta própria, auferindo rendimentos como administrador de empresas.
6. O respondente informa Vª Excª que está disponível para prestar todos os esclarecimentos necessários para cabal explicação da situação.
7. Consequentemente, fica ao dispor de Vª Excª para o que entender por conveniente.”

3.3 – Análise da situação
Assim, face ao invocado, impõe-se tecer as considerações seguintes:
Pontos 1, 2 e 3 - Neste pontos, é referido que devido a dificuldades de tesouraria das empresas por ele administradas, os referidos depósitos em numerário na sua conta particular n.º 4…, do Banco Espírito Santo, correspondem a movimentos financeiros entre ele e as empresas, com o objectivo de ser gerada liquidez, de forma a provisionar as contas bancárias da empresas para assim serem pagos os cheques sobre elas sacados, bem como outros compromissos.
No contexto da informação veiculada por estes pontos, importa salientar que os Serviços de Inspecção Tributária tomaram conhecimento, através dos elementos que integram o Processo de Inquérito nº 1172/05.3TDPRT e, bem assim, na decorrência das acções inspectivas referentes às empresas D... PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS, SA e T…, LDA., realizadas a coberto das Ordens de Serviço nº OI200701879 de 2007/05/16 e nº OI200701465 de 2007/04/03, da emissão, no ano de 2003, de um elevado número de cheques, sacados da já aludida conta bancária nº 4…, pertencente ao Sr. C..., perfazendo os montantes de €6.813.500,00 e €299.000,00, e que foram depositados em contas bancárias pertencentes à D... e à T..., respectivamente.
Quanto à D... PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS, SA, os cheques foram depositados na conta bancária nº 41671521. Com efeito, por análise da contabilidade desta empresa, constatou-se terem sido relevados os depósitos daqueles cheques a débito da conta “1206 - Depósitos à Ordem – Banco Comercial Português”, por contrapartida da conta, “255101- Empréstimos de sócios - C... I”, que assim se constituía credor da empresa, conforme extractos contabilísticos que se juntam como anexo II.
Para além do mais, no mesmo ano de 2003, verificou-se igualmente que essa conta “255101- Empréstimos de sócios - C... I”, regista a débito, com o descritivo “ entrega ao Sr. C...”, importâncias que totalizam €4.385.342,21, correspondentes a cheques sacados sobre conta bancária da D... no BPA, desconhecendo-se o seu destino, sendo todavia certo que não foram depositados na atrás citada conta bancária do Sr. C....
No tocante aos cheques passados e lançados em conta bancária da T…, LDA., averiguou-se que os mesmos foram depositados na conta bancária n.º 4…constituída no Banco Comercial Português e que se mostram contabilizados por débito da conta “1208 - Depósitos à Ordem – Banco Comercial Português”, por contrapartida da conta “268105 – Outros Devedores e Credores - D... Partic. e Investimentos”, não sendo feita qualquer referência ao Sr. C..., conforme extractos contabilísticos que se juntam como anexo III, situação que não deixa de ser estranha, mormente do ponto de vista contabilístico, visto que quem se constituiu como entidade credora foi a D....
Daí que, a resposta dada, de que os movimentos em causa se destinavam a gerar liquidez nas contas bancárias das empresas, careça de manifesta falta de fundamento. De facto, não se entende como se gera liquidez nas empresas, como é o caso particular da D..., quando são efectuados depósitos de valores, pelos cheques passados pelo Sr. C..., em conta bancária da D... e, mais ou menos nesses mesmos períodos, esta emite cheques duma sua conta bancária a favor do Sr. C.... Tanto mais assim é, visto que os cheques passados a favor da D... são cobertos por saldos suportados em depósitos realizados em numerário, depósitos esses que, segundo as declarações apresentadas pelo Sr. C... no BES, correspondiam a “movimentos financeiros absolutamente legais e comprováveis, provenientes da sua actividade, …” .
A situação evidencia que o Sr. C... passou, entre outros, cheques à D..., em resultado dos quais se constituiu credor desta empresa, tendo vindo a ressarcir-se da maioria dos valores, em consequência do pagamento efectuado pela D..., através da emissão de cheques sacados sobre conta bancária que detinha no BPA. Com referência aos cheques depositados em conta bancária da T…, no valor de €299.000,00, constata-se que quem se constituiu credora foi a D..., empresa administrada pelo Sr. C..., que, como se disse, regista nas suas contas movimentos de cheques passados a seu favor.
Mais se constatou que os depósitos em numerário, na conta particular nº 4…do Sr. C..., sustentam igualmente a emissão de cheques destinados a fazer face elevadas somas dispendidas na compra de fichas nas salas de jogos tradicionais dos casinos de Espinho e da Póvoa de Varzim, no montante global de € 3.838.500,00, nos anos de 2002 e 2003, conforme se demonstra no quadro seguinte
ANO
ESPINHO
PÓVOA
CH DESC
CH DESC
2002
1.528.500,00 €
70.000,00 €
2003
2.010.000,00 €
230.000,00 €


bem como a terceiros que a seguir se identificam.



A…
J… (a)
Portador
S…
(b)
T…
(c)
TOTAL
75.000,00 €
390.000,00 €
73.000,00 €
123.000,00 €
299.000,00 €
960.000,00 €

(a) J…– NIF 1….
(b) S…, NIF: 2… (Filho do Sr. C...).
(c) Valores atrás comentados, de referir que a T…, LDA, NIPC: 5…é participada pelas empresas D... PARTICIPACOES E INVESTIMENTOS SA e M… LDA, tendo como sócio administrador, S… e sócia, P…, NIF: 2…, filha do Sr. C....

- Ponto 5 – Quanto a este ponto, confirma-se por consulta do sistema informático da DGCI, que efectivamente o Sr. C... não exerce qualquer actividade por conta própria, auferindo apenas rendimentos de trabalho por conta de outrem, tributados pela categoria A do IRS.
- Pontos 6 e 7 – Nestes pontos, o Sr. C... disponibiliza-se para prestar todos os esclarecimentos necessários à explicação da situação.
A este propósito, convém referir que tendo sido notificado para prestar esses esclarecimentos, o certo é que o Sr. C... não o fez, ou seja não forneceu os elementos e documentos que identifiquem, comprovem e justifiquem a origem dos fundos objecto dos questionados depósitos em numerário, os quais, segundo declarações apresentadas no Banco Espírito Santo, aquando da realização dos depósitos “…são derivados de movimentos financeiros absolutamente legais e comprováveis, provenientes da sua actividade, sendo ela venda de imóveis, máquinas, equipamentos para a indústria e produtos diversos de consumo.”.
4. – Conclusão
Assim, tendo em conta:
- Os movimentos financeiros registados a crédito da conta bancária nº 4…– BES, de que é titular o Sr. C..., consubstanciados em depósitos em numerário;
- Que notificado para fornecer à administração fiscal,
elementos e documentos que identifiquem, comprovem e justifiquem a origem dos fundos objecto dos questionados depósitos em numerário. “
não respondeu ao solicitado, ou seja, na resposta enviada por carta, não facultou os elementos que justificassem os referidos depósitos, mormente a sua proveniência, por forma a afastar, sem margem para dúvidas, a sua tributação como rendimento obtido na decorrência da sua qualidade de sócio/gerente/accionista/administrador de várias empresas, sobremaneira em razão das declarações escritas apresentadas no Banco Espírito Santo conjuntamente com os depósitos em numerário realizados;
- Que o sujeito passivo não exerce nenhuma actividade profissional por conta própria, conforme se constata por consulta do cadastro da DGCI;
- Que nos exercícios em análise apenas foi tributado por rendimentos da categoria A, em resultado das declarações modelo 3 apresentadas;
- O conteúdo das declarações apresentadas, a título de justificação, ao Banco Espírito Santo, SA, no momento dos referidos depósitos em numerário:
“Estes depósitos são derivados de movimentos financeiros absolutamente legais e comprováveis, provenientes da sua actividade, sendo ela venda de imóveis, máquinas, equipamentos para a indústria e produtos diversos de consumo.”
Conclui-se, que a capacidade financeira manifestada pelo sujeito passivo C..., consubstanciada nos depósitos à ordem em numerário na sua conta pessoal, terá a sua proveniência na actividade das empresas de que é associado, e, não se tratando de rendimentos da categoria A do IRS, por funções de gerência e/ou administrador dessas sociedades, ter-se-á que concluir que tais verbas foram obtidas a título de adiantamentos por conta de lucros, nos termos previstos na alínea h), do nº 2 do art. 5º e no n.º 4 do artigo 6º, ambos do Código do IRS, sendo, por isso, tais rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRS, como rendimentos da categoria E – Rendimentos de capitais (artigo 1º, n.º 1, do CIRS).

5. – CORRECÇÕES

Deste modo, tendo em conta os fundamentos expendidos nos pontos anteriores, impõe-se corrigir o rendimento líquido global declarado para efeitos de tributação em IRS, pelos rendimentos da categoria E, auferidos dos exercícios de 2002 e 2003, respectivamente de €1.611.196,78 e €12.379.520,36, determinados com base nos depósitos efectuados em numerário na conta pessoal do sujeito passivo, conforme se demonstra nos quadros que integram o anexo I.
Pelo que, para efeitos de determinação do rendimento colectável, procede-se ao englobamento de 50% dos referidos rendimentos auferidos em cada um dos exercícios, nos termos do nº 1 e alínea b) do nº 2 do art. 22º e do nº 1 do art. 40-A, do CIRS (Redacção do Decreto-Lei DL 198/2001, de 3 de Julho).
DETERMINAÇÃO DO RENDIMENTO COLECTÁVEL
2002
2003
RENDIMENTO GLOBAL
DECLARADO
CORRECÇÃO
CORRIGIDO
DECLARADO
CORRECÇÃO
CORRIGIDO
CATEGORIA
A 17.457,86 € - € 17.457,86 € 17.457,97 € - € 17.457,97 €
E (a) - € 805.598,39 € 805.598,39 € 6.189.760,18 € 6.189.760,18 €
SOMA
17.457,86 € 805.598,39 € 823.056,25 € 17.457,97 € 6.189.760,18 € 6.207.218,15 €
DEDUÇÕES ESPECÍFICAS 3.006,81 € - € 3.006,81 € 3.081,02 € 3.081,02 €
ABATIMENTOS 3.591,35 € 3.591,35 € - €
DEDUÇÕES AO RENDIMENTO - € - € - €
RENDIMENTO COLECTÁVEL 10.859,70 € 805.598,39 € 816.458,09 € 14.376,95 € 6.189.760,18 € 6.204.137,13 €
(a) Os valores das correcções em cada um dos anos, correspondem a 50% dos rendimentos auferidos

IV. — Motivos e exposição dos factos que implicam recurso a métodos indirectos
Não aplicável ao caso em apreciação
V. — Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
Não aplicável ao caso em apreciação
VI. — Regularizações efectuadas pelo S. P. no decurso da acção inspectiva

Não aplicável ao caso em apreciação

VII. — Infracções verificadas

Ao disposto no artigo 57º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, pela omissão de rendimentos de capitais, obtidos nos anos de 2002 e 2003, nos montantes respectivamente de €805.598,39 e €6.189.760,18, previstos nos artigos 1º, 5º, n.º 2 alínea h), e 6º, n.º 4, todos do mesmo diploma.

VIII. – Direito de Audição – fundamentação
Em 20 de Abril de 2007 (data do registo, talão N.º RM189241643PT), procedeu-se à notificação do sujeito passivo, C..., nos termos do artigo 60º da Lei Geral Tributária e artigo 60º do RCPIT (Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária) para no prazo de 15 dias exercer o direito de audição sobre o projecto de correcções do relatório da inspecção.
Em 9 de Junho de 2008, a o Sr. C... exerceu o direito de audição, por escrito, apresentando a sua apreciação do mesmo, como se passa a transcrever:
1. Em primeiro lugar, não consta do mesmo qualquer referência a data do inicio e do fim dos procedimentos de inspecção instaurados ao abrigo das Ordens de Serviço n°01200801845 e n°01200801846. Apenas se alcança pela sua numeração o ano em que foram iniciadas — 2008.
2. Mostra-se assim violado o disposto na alínea c) do n°3 do art.62° do RCPIT.
3. Em segundo lugar, a factualidade apurada não permite a conclusão a que chegou o relatório em causa, isto é, que as quantias ai referidas se reportem a quaisquer rendimento de capitais,
4. O que, alias, não passa de mera presunção.
5. O relatório limita-se, no essencial, de fls. 3 a 5, a analisar a resposta dada pelo respondente a solicitação que lhe foi dirigida através do oficio n°17252/0506, de 2008/03/03,
6. Resposta essa que se encontra transcrita no relatório em causa, sob o ponto " 3.2 — Resposta a notificação ".
7. E reportando-se aos seus 3 primeiros pontos — 1, 2 e 3 — demonstra o relatório em causa que não apreendeu a sua substancialidade.
8. O que o respondente quis esclarecer sob os 3 primeiros pontos da sua carta, acerca dos movimentos financeiros detectados, é que eles visavam como, efectivamente, visaram, adquirir momentânea e pontualmente liquidez para as suas empresas, algumas das quais referidas no relatório, nomeadamente a D... — Participações e Investimentos, SA e a T…, Lda.
9. O procedimento destinado a obter liquidez assentava essencialmente no seguinte: como o respondente sempre foi frequentador de casinos, muito antes do período referido no relatório, 01/11/2002 a 31/12/2003, granjeou confiança nesses estabelecimentos, enquanto cliente,
10. Comprava fichas com cheques seus, por vezes sem provisão, sacados sobre a sua conta no BES, identificada no relatório, e após o jogo com as fichas que Lhe restavam provenientes do seu ganho, ou não, trocava-as por dinheiro numerário ) que depositava nessa mesma conta.
11. Sequentemente, sacava sobre essa conta cheques que depositava nas contas das empresas, sobretudo na D..., SA, a título de empréstimo.
12. Criando assim, momentaneamente, disponibilidade financeira (valores disponíveis) nas contas das empresas, de forma a que estas pudessem cumprir os seus compromissos financeiros;
13. Sendo que, para repor a situação, as empresas, nomeadamente a D..., sacavam cheques que eram depois depositados na conta do respondente, permitindo assim que os cheques passados aos casinos fossem pagos.
14. O respondente, através deste circuito financeiro, alicerçado no tempo que os cheques demoravam a ser pagos pelos bancos, conseguia ir gerando liquidez que lhe permitia ir satisfazendo as necessidades das várias empresas.
15. É aqui que está o ponto axial e que não foi entendido pelo Sr. Inspector, ou seja, a liquidez gerada era momentânea e não correspondia a novos fundos, apenas servia para provisionar as contas das empresas por uns dias, de forma a que estas fizessem face aos seus compromissos.
16. Assim, as quantias referidas no relatório provenientes dessas operações relativas aos anos de 2002 e 2003, são quantias provenientes desse procedimento financeiro, não correspondendo, nitidamente, a qualquer adiantamento por contas de lucros e como tal presumivelmente imputadas a rendimento da categoria E — rendimentos de capital.
17. Aliás, as empresas em causa nunca geraram lucros capazes de consubstanciar tal rendimento para o respondente, como o autor do relatório bem sabe.
18. Tanto assim é que o relatório limita-se a meras presunções, não tendo qualquer substrato fáctico que sustente as conclusões a que chegou.
19. Mais, o respondente disponibiliza-se, se V. Exas assim o entenderem apresentar documentos que comprovam os aludidos movimentos banc6rios.
Assim, face ao invocado no exercício do direito de audição, impõe-se tecer as considerações seguintes:
No que se refere ao exposto nos pontos 1 a 2, afigura-se não ser pertinente a objecção colocada de eventual violação do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 62º do RCPIT.
Com efeito, os procedimentos de inspecção realizados a coberto das ordens de serviço n.º OI200801845 e n.º OI200801846, correspondem a actos de inspecção interna, efectuados nos serviços da administração tributária, na Direcção de Finanças do Porto, e, como tal, não sujeitos a prévia notificação do início do procedimento, nem à notificação do respectivo fim.
Refira-se, a este propósito, que as alegações do contribuinte sobre o desconhecimento da data do início e do fim dos procedimentos inspectivos são, de algum modo, também desapropriadas, uma vez que foi notificado em 2008/03/03 (Talão de Registo N.º RM1892 6564 0 PT) para prestar esclarecimentos sobre a origem dos fundos, e, posteriormente, em 2008/05/20, foi notificado do projecto de correcções do relatório de inspecção, pelo que se afiguram bem balizados quer o início, quer o fim dos procedimentos internos de inspecção.
E se mais não fosse, a redacção constante do n.º 3 do artigo 62 do RCPIT é clara quando dispõe que “ O relatório deve conter…… “, ou seja, a norma não impõe a obrigatoriedade para que os elementos constantes das alíneas a) a m) do referido n.º 3 constem do relatório, dispõe sim, a titulo meramente indicativo sobre determinados itens que o relatório deverá conter, sem qualquer carácter obrigatório.
Pontos 3 a 18, o sujeito passivo procura refutar as conclusões a que se chegou no projecto de correcções do relatório de inspecção, de que as quantias depositadas se reportam a rendimentos de capitais, considerando que tal conclusão não passa de mera presunção, uma vez que não se apreendeu a substancialidade da situação em causa.
No tocante a este aspecto, sempre se dirá e reportando mais uma vez aos elementos que serviram de base à elaboração do projecto, o seguinte:
A substância, no caso, traduz-se pelos movimentos financeiros, consubstanciados nos depósitos na conta nº 4…do Banco Espírito Santo, nos montantes de €1.611.196,78 e €12.379.520,36, respectivamente nos anos de 2002 e 2003. Quanto à forma, concretizou-se pela realização desses depósitos em numerário, que, diga-se, eram acompanhados de uma declaração justificativa, assinada pelo Sr. C..., onde é referido que:
“Estes depósitos são derivados de movimentos financeiros absolutamente legais e comprováveis, provenientes da sua actividade, sendo ela venda de imóveis, máquinas, equipamentos para a indústria e produtos diversos de consumo.”
Estes são os factos conhecidos, quer no tocante à substância quer à forma, dos quais pormenorizadamente se deu conta no capítulo III do presente relatório. Ora, invocando o sujeito passivo que é outra a substância, cumpria-lhe apresentar os documentos supervenientes, que de resto foram solicitados, que comprovassem e atestassem essa outra substância, o que não logrou fazer.
Com efeito, tendo sido notificado para justificar e para comprovar documentalmente a origem das importâncias depositadas em numerário, através do Ofício N.º 17252/0506 de 2008/03/03, bem como pelo Ofício N.º 38058/0206 de 2008/05/20, que anexava o projecto de correcções do relatório de inspecção, o certo é que não o fez.
De facto, na resposta ao pedido de esclarecimentos e na própria resposta em sede de audição prévia, não são apresentados quaisquer elementos susceptíveis de abalar as conclusões ínsitas no projecto de correcções. Em ambas as respostas o sujeito passivo limita-se a tecer considerações e a refugiar-se em argumentação que não comprova, alegando estar “disponível para prestar todos os esclarecimentos necessários para cabal explicação da situação” e disponibilizar-se “… a apresentar documentos que comprovam os aludidos movimentos bancários”, todavia, notificado para tanto, nunca o fez, ou seja, não apresentou qualquer prova de que, como diz e quis esclarecer, “…os movimentos financeiros detectados, é que eles visavam como, efectivamente, visaram, adquirir momentânea e pontualmente liquidez para as suas empresas, algumas das quais referidas no relatório, nomeadamente a D..., SA e a T..., Lda.”.
Muito menos comprova, como refere no ponto 10, que trocava nos casinos fichas por dinheiro (numerário) que depositava na conta bancária constituída no BES, nem tão pouco apresenta prova dos valores recebidos dos casinos nessas circunstâncias que permitam aferir da exequibilidade do que afirma naquele ponto da audição prévia.
Por outro lado, por não se afigurar despiciendo, convém sublinhar que subsiste uma grande diferença, de €10.152.217,14, entre os valores das fichas compradas nos casinos, que no período totalizou € 3.838.500,00, e o montante total dos depósitos efectuados em numerário, de € 13.990.717,14, na já mencionada conta do BES.
No que reporta ao aduzido no ponto 13 “ …as empresas, nomeadamente a D..., sacavam cheques que eram depois depositados na conta do respondente, permitindo assim que os cheques passados aos casino fossem pagos.”, importa sobremaneira ter presente que a questionada conta n.º 4…no BES não acusa quaisquer movimentos a créditos por eventuais depósitos de cheques, desconhecendo-se, como se deixou expresso no projecto e no ponto 3.3 deste relatório, o destino dado aos cheques passados pela D... a favor do Sr. C....
O invocado no ponto 17., “…de que as empresas em causa nunca geraram lucros capazes de consubstanciar tal rendimento …” , não merece aqui acolhimento, visto que as verbas depositadas correspondem, na óptica da administração fiscal, a adiantamentos por conta de lucros e não a lucros de entidades sujeitas a IRC eventualmente colocados à disposição dos respectivos associados titulares.
Daí que se considere, até prova em contrário, como rendimentos obtidos a título de adiantamentos por conta de lucros os valores depositados em numerário no BES, conforme presunção estabelecida nos artigos 5º e 6º do CIRS, os quais diga-se não deixam de ter também sustentação pelo facto de se haver apurado, no âmbito de acções de inspecção desencadeadas junto de algumas das empresas das quais o sujeito passivo é gerente/administrador, que foram realizadas vendas omitidas à contabilidade e não declaradas à Administração Fiscal, casos da D..., SA e T... – Máquinas e Equipamentos Industriais, Lda..
Assim, em razão da factualidade constatada e do que se deixa exposto, concluiu-se que os referidos depósitos em numerário, tal qual se dá conta no capítulo III do presente Relatório, correspondem a rendimentos de capitais – adiantamentos por conta de lucros, de acordo com o disposto alínea h), do nº 2 do art. 5º e no n.º 4 do artigo 6º do CIRS, sendo, portanto, de manter no presente Relatório Final as propostas de correcção veiculadas no projecto de correcções notificado ao sujeito passivo.
IX. – Propostas
À consideração superior (…) “
-cfr. folhas 35 e ss do p.a. em apenso;

d) As correcções efectuadas com base no relatório de inspecção, a que se aludiu na alínea anterior, deram origem às liquidações oficiosas de IRS efectuadas ao impugnante, relativas aos anos de 2002 e 2003, no valor de 494.815,50 euros e 3.703.166,35 euros, respectivamente;
e) A data limite de pagamento das liquidações oficiosas de IRS dos anos de 2002 e 2003, ocorreu em 29.10.2008 – cfr. folhas 20 a 25 dos autos;
f) Foi junto com o processo administrativo promoção do Ministério Público, e despacho do M. Juiz de Instrução Criminal no decurso de processo de inquérito nº 1172/05.3TDPRT que ordenou a diligência de busca e apreensão na residência do agora impugnante, de 29.06.2009 e 03.07.2006, respectivamente – cfr. folhas 92 a 95 do p.a.
g) Em 06.03.2008, o agora impugnante foi constituído arguido no Processo de Inquérito nº 1172/05.3TDPRT – cfr. folhas 87 do p.a. em apenso;
h) Na sequência de despacho proferido nos presentes autos, foi remetido ofício, proveniente do departamento de Investigação e Acção Penal do Porto do Porto, 6ª secção do seguinte teor: “ Processo 1172/05.3TDPRT/ Inquérito/ N/ referência:8956517/ Data: 22-11-2013. Assunto: Informação
Em referência ao ofício de 15-11-2013, informa-se V. Exª que nos autos de inquérito supra identificados, para além do mais, se investiga a prática do crime de fraude fiscal que se imputa ao passivo C..., por referência à omissão de rendimentos da categoria E nas declarações de IRS relativas aos anos de 2002 e 2003. Mais se informa que, em função da impugnação que deu origem a vários processos que se mantém pendentes junto da jurisdição administrativa e fiscal, foi o presente inquérito declarado suspenso ao abrigo do disposto no art.º 47º, nº 1 do RGIT, através do douto despacho de fls 3152-3155 do qual se envia cópia conforme solicitado. (…) O Procurador-Adjunto (…)” – cfr. folhas 206
i) Foi junto aos autos com o ofício a que se reporta a alínea anterior, o despacho de suspensão do inquérito criminal nº 1172/05.3TDPRT, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
j) As sociedades do grupo ”D...” dedicavam-se a leilões de propriedades e máquinas em
lotes – cfr depoimentos da 1ª e 2ª testemunhas inquiridas;
k) As compras eram pagas de imediato, enquanto a entrada de capital resultante das vendas
poderia demorar meses ou anos – cfr. depoimento da 1ª testemunha;
l) A vendas das propriedades apenas era feita após a sua legalização
– depoimento da 2ª testemunha;
m) O impugnante, pedia a amigos que lhe emitissem cheques, passíveis de levantamento
imediato, deixando “cheques caução traçados” para pagamento daí a alguns dias – cfr. depoimentos das 1ª, 2ª e 3ª testemunhas;
n) Os cheques emitidos pelos amigos, eram de imediato, levantados em numerário e
depositados na conta nº 4…, titulada pelo impugnante, no Banco Espírito Santo, S.A (BES); - cfr. depoimentos da 1ª, 2ª e 3ª testemunhas;
o) Conforme as necessidades das diversas empresas, eram levantados os valores
necessários da conta do BES, titulada pelo impugnante – cfr. depoimento das 1ª, 2ª e 3ª testemunhas;
p) O pagamento dos pedidos de cheques solicitados a amigos, era feito ou com o retorno
obtido nas vendas efectuadas pelas empresas referidas na alínea c) (de que o impugnante era sócio, ou por cheques emitidos por outras pessoas – cfr. depoimento das 1ª e 2ª testemunhas;
q) Os cheques emitidos, demoravam com a compensação, cerca de 4 ou 5 dias a estarem
disponíveis – cfr. depoimento das 1º, 2ª e 3ª testemunhas;
r) Os “amigos” a quem o impugnante recorria eram, sobretudo, o Sr A…, J…,
C…, M…– cfr. depoimento da 2ª testemunha;
s) A emissão de cheques ao impugnante, deixando este cheque caução, era
sistemática, na ordem dos 15 mil, 25 mil 30 mil euros, já assim era com o pai – cfr. depoimento da 4ª testemunha;
t) O impugnante, podia atrasar o pagamento do cheque, mas nunca deixou de pagar
– cfr. depoimento da 4ª testemunha;
u) O impugnante usava a sua conta do BES como conta das empresas – cfr.
depoimento da 2ª testemunha;
v) No casino, as compras das fichas de jogo eram feitas com um cheque da conta nº
4…titulada pelo impugnante no BES – cfr. depoimento da 2ª testemunha;
w) As fichas não jogadas no casino eram trocadas por dinheiro vivo – cfr. depoimento da 2ª testemunha;
z) Há muitos anos que o impugnante frequenta a sala de jogo de casinos de Espinho e Póvoa de Varzim – depoimento da 5ª testemunha inquirida;
aa) O impugnante se tinha crédito no casino pagava as fichas de jogo com cheque e
depois trocava, parte delas, por numerário, por diversas vezes – cfr.depoimento da 5ª testemunha,
bb) O impugnante apenas assinava os cheques que emitia no casino, sendo
preenchidos pela testemunha – depoimento da 5ª testemunha inquirida;
cc) Em 27.01.2009, a presente impugnação foi remetida a este TAF, por correio
postal registado – cfr. folhas 66 dos autos;



No que respeita aos factos não provados, a sentença registou que
Não se provou que o impugnante tivesse sido nomeado SÓCIO da sociedade “T..., Lda”, dado não ter sido carreado para os autos qualquer prova nesse sentido, e não constar, na certidão permanente da referida sociedade na Conservatória do Registo Comercial competente, junta aos autos, a folhas 56 e ss, com tal qualidade.
Não se provou ainda qual o número exacto do valor dos lançamentos feitos na conta corrente do sócio, aqui impugnante, nas sociedades de que aquele era sócio, com excepção “D... Participações e Investimentos, SA” dado a Fazenda Pública não ter trazido aos autos prova documental nesse sentido.

Não existem outros factos provados ou não provados.

A motivação da decisão de foi referida assim:

Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados, bem como no depoimento das testemunhas inquiridas, dado o seu conhecimento directo dos factos alegados nos presentes autos.


III b) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Nas conclusões de recurso, o Exmo. Representante da Fazenda Pública parece imputar a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, traduzido numa deficiente (ou mesmo inexistente)
As conclusões são as seguintes:
M. A sentença recorrida valoriza declarações, depoimentos, ou coerências destes, referidas a cada depoimento, sem concretizar nem especificar, dando como injustificadamente provada a proveniência dos depósitos em numerário em cheques de amigos e fichas compradas em casinos não utilizadas, e não permitindo controlo das razões do convencimento pelos destinatários da sentença – em especial pela Fazenda Pública.

N. Na ótica da Fazenda Pública, e salvo melhor opinião, a análise e publicitação do conteúdo da prova testemunhal, atentos os critérios de exame da prova produzida, teria de ter sido muito mais detalhado do que foi, para averiguar se os depoimentos se revelaram precisos, coerentes e credíveis ao ponto de substituir a força probatória dos documentos na posse da Administração Tributária carreados para os autos por uma verosimilhança acrescida dos depoimentos das testemunhas.

O. A parte que exerce o direito de ação, no caso, de impugnação do ato tributário, é que deve exercer a atividade probatória relativamente aos factos que servem de fundamento à ação, de acordo com o princípio do dispositivo, sob pena de correr o risco de ver inferida a pretensão que deduziu em juízo (art. 516º CPC).

P. A inexistente análise e valoração dos depoimentos prestados em face das questões controvertidas obsta a que tenham força bastante para que o Tribunal, com base nesses depoimentos, dê como provados factos conducentes à anulação das liquidações, em particular se se tiver em conta o valor probatório objetivo da prova documental produzida nos autos pela Fazenda Pública, devendo a ausência de prova de factos relevantes acerca da ilegalidade das liquidações desfavorecer quem com ela estiver onerado: o impugnante.

A questão é objecto de previsão legal no CPPT, artigos 125º e 123º e 653º/2 do CPC (art. 607º/4 do NCPC).

Nos termos do art.º 125º/1 do CPPT, correspondente ao art.º 668º CPC (actual art.º 615º) Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

Este preceito deve ser articulado com a norma constante do art.º 123º CPPT segundo a qual
1 – A sentença identificará os interessados e os factos objecto de litígio, sintetizará a pretensão do impugnante e respectivos fundamentos, bem como a posição do representante da Fazenda Pública e do Ministério Público, e fixará as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
2 – O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.

A obrigação legal de fundamentar as decisões referentes à matéria de facto provada e não provada visa alcançar dois objectivos de natureza «interna» e «externa». O principal efeito interno decorre da necessidade de impor ao juiz reflexão e apreciação crítica da coerência da decisão, de modo a permitir às partes a formulação de um juízo de conformidade, ou de discordância com a decisão, suportado num cabal conhecimento das razões que a motivaram; o efeito externo pretende assegurar a transparência da actividade jurisdicional.
(Cfr. Ac. do TRE n.º 368/12.6GBLLE.E1 de 13-05-2014 (Relator: ANTÓNIO CLEMENTE LIMA) II - Importa que a fundamentação da sentença (i) contribua para a sua eficácia, pela via da persuasão dos respectivos destinatários e da comunidade jurídica em geral, (ii) consinta às partes e aos tribunais de recurso, fazer reexame do processo lógico ou racional subjacente à decisão, e (iii) constitua um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere), nessa medida se configurando como garantia do respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões)

Para alcançar os objectivos que a lei visa com o cumprimento do dever de fundamentação, deve esta revestir caraterísticas específicas que não desvirtuem a sua finalidade. Para isso, como escreve Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, II, Áreas Editora, 2011, pp. 321 e segs. «…a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto. Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. Mas, quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros. Relativamente a cada um dos factos relativamente aos quais essa apreciação seja necessária».

Quando omite o exame crítico das provas e a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção julgador, a sentença está ferida de nulidade (Ac. do TCAN 00329/05.1BEMDL de 08-03-2012 (Relator: Catarina Almeida e Sousa) Sumário: I - A nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto, abarca não apenas a falta de discriminação dos factos provados e não provados, a que se refere o artigo 123º, nº 2 do CPPT, mas também a falta de exame crítico das provas, prevista no artigo 659º, nº 3 do CPC).

Mas como também tem sido assinalado pela jurisprudência, a falta de exame crítico das provas e a falta de fundamentação de facto só constitui nulidade se a sua omissão for total.

Para a validade da sentença, também não se exige, ao contrário do que parece defender o ERFP, que a sentença dê conta do que obteve de cada depoimento das testemunhas referidas a cada facto que entendeu ser base probatória, qual o concreto teor de cada depoimento e quais as razões que, após escrutínio, e confrontada com aprova documental reunida pela AT levou a ponderar a prova testemunhal em favor de uma decisão de procedência.

Pelo contrário, tem-se entendido que se estivermos perante um exame crítico ou fundamentação insuficiente, lacónica ou medíocre, tal só afecta o valor doutrinal da sentença; sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto (Alberto dos Reis, CPC anotado, vol. V, pp. 140, cfr. ac. do TCAS n.º 07267/13 de 27-03-2014 in www.dgsi.pt)

Ora a propósito de cada facto provado a MMª juiz «a quo» referiu as testemunhas cujos depoimentos sustentaram a sua convicção. Depois, na parte respeitante à motivação da decisão de facto, explicitou que a consideração dos factos provados teve por base o teor dos documentos juntos aos autos bem como no depoimento das testemunhas inquiridas, dado o seu conhecimento directo dos factos alegados nos presentes autos.

Embora esta motivação pareça algo lacónica, não estamos perante uma total ausência de motivação que implique a nulidade da sentença.

Mas para além disso, o ERFP defende que a sentença recorrida procede a uma análise insuficiente e errónea da factualidade patente no relatório de inspecção a qual não revela ter sido infirmada pela prova testemunhal produzida, que valora injustificadamente em sentido contrário ao que deu causa às liquidações impugnadas (Conclusões D e E)

Admitindo que assim pretende a reapreciação da prova testemunhal, há que ter em consideração o que dispõe o art.º640º/1.º do CPC: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Como refere Abrantes Geraldes a propósito desta norma (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, a págs.132) sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além das especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos (…); e) O recorrente deixará expressa a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto (…)».

Mas neste caso o recurso não pode deixar de improceder na parte em que impugna a decisão da matéria de facto por manifesta falta de cumprimento do ónus previsto no art.º640.º do CPC nas alegações com sintetização nas conclusões, desde logo, quanto às passagens da gravação dos depoimentos testemunhais que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela sentença recorrida.

Concluindo, rejeita-se o recurso na parte relativa à impugnação da decisão da matéria de facto.

Quanto ao mais, tendo em conta que a liquidação impugnada se baseou na presunção de que os depósitos bancários na conta do contribuinte foram obtidos a título de adiantamentos por conta de lucros, nos termos previstos na alínea h) do n.º 2 do art. 5º e no n.º 4 do art. 6º do CIRS, afigura-se-nos pertinente tecer algumas considerações.

A primeira respeita à possibilidade de a ATA tributar os lançamentos na conta corrente do impugnante com base na presunção prevista no art. 6º/4 do CIRS: os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.

A prova alcançada permite-nos saber que no período compreendido entre 1/11/2002 e 31/12/2003 foram depositados a crédito na conta BES n.º 4…titulada em nome do impugnante as seguintes quantias:
€ 1.611.196,78 (2002)
€ 12.379.520,36 (2003)

A partir desta conta pessoal do impugnante foram emitidos vários cheques depositados na conta n.º 41671521 de que é titular a empresa D..., de cujos órgãos sociais o Sr. C... faz parte, no montante de € 6.813.500,00, relevados na contabilidade desta a débito da conta “1206 – Depósitos à Ordem – Banco Comercial Português” por contrapartida da conta “255101 -Empréstimos de sócios – C...I”

No mesmo ano de 2003, essa conta “255101 - Empréstimos de sócios – C... I” regista a débito com o descritivo “entregue ao Sr. C…” importâncias que totalizam € 4.385.342,21, correspondentes a cheques sacados sobre a conta bancária da D... no BPA.

Será que o lançamento deste valor na conta do sócio se presume efectuado a título de lucros ou adiantamento de lucros (art. 6º/4 do CIRS) e por isso sujeitos a tributação nos termos do art. 5º/2, h) do CIRS?

Bem, se o impugnante depositou na conta D... € 6.813.500,00 a título de empréstimo e (só) recebeu de volta € 4.385.342,21, a primeira coisa a concluir é que ainda tem um saldo credor nesta empresa de € 2.418.158,79 e que por isso, o seu ressarcimento está incompleto.
E se os lançamentos constituem o pagamento de um empréstimo, não opera a presunção de que são feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.

Toda a factualidade provada, resultante (também) do conteúdo do RIT, leva a concluir aquilo que no relatório se expôs e que parece fácil entender: o impugnante «emprestou dinheiro» à D... (pelo menos contabilisticamente assim foi relevado) e esta ressarciu-o (parcialmente) dos valores mutuados.

Esta conclusão parece óbvia. Mas ela impõe-se não mercê do esforço do contribuinte em ilidir qualquer presunção, mas sim porque a ATA não conseguiu provar a base presuntiva da tributação prevista no art. 6º/4 CIRS.

É certo que quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (art. 350º/1 do Código Civil).

Mas para que o beneficiário de uma presunção legal a possa invocar - e assim ficar dispensado de provar o facto a que ela conduz- , tem previamente de provar determinado facto – o facto base. E só depois de provado este, a lei associa um outro que, embora desconhecido, se dá como assente em consequência da prova do primeiro.
Como refere A. Varela e outros (in Manual de Processo Civil, 1985, pp. 503) «A presunção assenta sobre uma base (um facto) que tem de ser provada. E a prova deste facto há-de ser feita por qualquer dos procedimentos probatórios regulados na lei processual (documentos, arbitramento, testemunhas ou inspecção judicial). A presunção não elimina o ónus da prova, nem modifica o resultado da sua repartição entre as partes. Apenas altera o facto que ao onerado cumpre provar: em lugar de provar o facto presumido, a parte contrária terá de demonstrar a realidade do facto que serve de base à presunção»

Nestas condições, tendo em conta a previsão do art. 6º/4 CIRS, para que a ATA beneficiasse da presunção de que os lançamentos em conta corrente do sócio são feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros, deveria provar o facto base, ou seja, que eles não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.

Provou-se precisamente o contrário. Isto é, provou-se os valores creditados na conta corrente do sócio resultam do pagamento de mútuo, excluindo à partida a presunção prevista no art. 6º/4 CIRS de que tais lançamentos são feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.

Esta conclusão foi também assumida no RIT: «A situação evidencia que o Sr. C... passou, entre outros, cheques à D..., em resultado dos quais se constituiu credor desta empresa, tendo vindo a ressarcir-se da maioria dos valores, em consequência do pagamento efectuado pela D..., através da emissão de cheques sacados sobre conta bancária que detinha no BPA»

Mas o ERFP pretende que esta conclusão não constitui factualidade relevante para a liquidação do imposto impugnado. Porque, diz, tal factualidade não é integrada pelas circunstâncias apreciadas a respeito da resposta à notificação de 19.03.2008 que constituíram base de facto para a tributação segundo o art. 5º n.º 2 al. h) e a presunção do art. 6º n.º 4, ambos do CIRS (conclusão G)

H. Essas circunstâncias são expostas para refutar a resposta dada de que os movimentos constituídos pelos depósitos em numerário de € 1.611.196,78 e de € 12.379.520,36, em conta do impugnante, e os cheques emitidos dessa conta depositados em conta da sociedade se destinavam a gerar liquidez nas contas bancárias dessa empresa.

I. A factualidade relevante para a liquidação do imposto impugnado é, sim, a verificação dos referidos depósitos em numerário a crédito na conta detida pelo impugnante no BES, agência do Campo Alegre – Porto, nos períodos compreendidos entre 01.01.2002 e 31.12.2003, quando este confessadamente não exerce qualquer atividade por conta própria.

O que nos remete para a segunda observação.

Se bem interpretamos as doutas conclusões, para o ERFP bastam os depósitos na conta pessoal do impugnante (note-se que não falamos já dos lançamentos na conta corrente do sócio) para que tal constitua facto tributário (e logo integrado na incidência do n.º 4 do art. 6º do CIRS!), dispensando-se de indagar a sua proveniência, fora do procedimento de avaliação indirecta, e indiferente a qualquer justificação da sua origem.

Porém, não há nenhuma norma tributária (pelo menos não a conhecemos) que determine a tributação nas condições (aparentemente) defendidas pelo ERFP, muito menos o n.º 4 do art. 6º do CIRS.

No RIT diz-se que a capacidade financeira manifestada pelo sujeito passivo C..., consubstanciada nos depósitos à ordem em numerário na sua conta pessoal, terá a sua proveniência na actividade das empresas de que é associado, e, não se tratando de rendimentos da categoria A do IRS, por funções de gerência e/ou administrador dessas sociedades, ter-se-á que concluir que tais verbas foram obtidas a título de adiantamentos por conta de lucros, nos termos previstos na alínea h), do nº 2 do art. 5º e no n.º 4 do artigo 6º, ambos do Código do IRS, sendo, por isso, tais rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRS, como rendimentos da categoria E – Rendimentos de capitais (artigo 1º, n.º 1, do CIRS).

Ora, quando no RIT se diz que as verbas depositadas pelo sujeito passivo na sua conta pessoal terão a sua proveniência na actividade das empresas de que é associado e que por não se tratar de rendimentos da categoria A do IRS, ter-se-á que concluir que tais verbas foram obtidas a título de adiantamentos por conta de lucros, a ATA está a extrair, pelo menos, duas presunções sem que esteja a intervir no âmbito de um procedimento de avaliação indirecta (art.s 87º e segs.. da LGT) o que imediatamente torna ilegal as liquidações impugnadas.

E se apelarmos ao disposto no n.º 4 do art. 6º do CIRS, parece claro que a norma em causa não contempla a previsão de que os depósitos na conta bancária do sujeito passivo se presumem feitos a título de adiantamento dos lucros. O que a norma diz é que os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros, o que é algo muito diferente do invocado pela AT.

Por último, também não pode deixar de improceder o argumento do ERFP segundo o qual a parte que exerce o direito de ação, no caso de impugnação do acto tributário, é que deve exercer a actividade probatória relativamente aos factos que servem de fundamento à acção, de acordo com o princípio do dispositivo, sob pena de ver inferida a pretensão que deduziu em juízo (conclusão O).

Esta conclusão até estaria certa se a ATA tivesse cumprido devidamente o seu ónus de prova dos factos constitutivos do direito à tributação (Ac. do TCAS n.º 04830/11 de 25-06-2013 O artº.74, nº.1, da L.G.T., estabelece a regra de que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos invocados no procedimento tributário recai sobre quem os invoque. Assim, em regra, a Administração Tributária terá o ónus da prova dos pressupostos dos factos constitutivos dos direitos que pretender exercer no procedimento).

Mas não o tendo feito, o facto «…de o impugnante no processo de impugnação judicial surgir processualmente numa posição em que vem invocar vícios de um acto tributário, não se lhe deve imputar o ónus de prova de factos que não tinha de provar no procedimento tributário, designadamente o de provar que não se verificam os factos constitutivos dos direitos da administração tributária, factos estes cuja verificação competia provar a esta no procedimento tributário» (Jorge Lopes de Sousa, CPPT 2003, 4ª ed. Vislis, pp. 449)

Estas considerações em torno da tributação dos depósitos bancários efectuados pelo impugnante na sua conta pessoal e na conta corrente entre a D... e o impugnante, têm como referência a circunstância de o impugnante ser sócio/gerente daquela sociedade. No que respeita à sociedade T... esta ligação nem sequer se coloca, porque o impugnante nunca foi sócio desta e não existem lançamentos feitos em conta alguma do impugnante.

Daí que como bem salientou a MMº juiz «a quo» Querer, como faz a AT, imputar ao impugnante, lançamentos que foram feitos a uma sociedade maioritária no capital social da T...: a D..., e da qual o impugnante era sócio, para retirar, sem mais, a imputação ao agora impugnante de que os lançamentos se presumem feitos a este último, é já uma presunção e não um facto.
Quanto às restantes empresas de que a AT refere ser o impugnante sócio, como já referido supra, não trouxe aquela, aos autos, qualquer facto que provasse o lançamento na conta corrente do sócio de quaisquer quantias. Faltará, consequentemente, um dos pressupostos inerentes à verificação do facto cujo ónus de prova competia à AT: “lançamento em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades civis ou comerciais que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou de exercício de cargos sociais”.

Por conseguinte, concluímos, a MMª juiz « a quo» andou bem, o recurso deve improceder.

IV DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela ATA.

Porto, 27 de Novembro de 2014.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Paula Teixeira