Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01143/10.8BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/25/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO NO PRAZO DE CADUCIDADE;
CARTAS DEVOLVIDAS NÃO RECLAMADAS; JUSTO IMPEDIMENTO;
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO;
Sumário:I. A presunção consagrada no artigo 39.º, n.º 5, do CPPT funciona quando ambas as notificações das liquidações foram remetidas para o domicílio fiscal do administrado, que, não tendo atendido no momento da distribuição da correspondência, foi avisado pelo distribuidor de correio postal para efeitos de levantamento dessa mesma correspondência e não o fez.

II. Esta presunção pode ser ilidida se o notificando provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de domicílio no prazo legal.

III. Cabe a quem invoca, em seu benefício, o instituto do justo impedimento, alegar e provar a sua falta de culpa, negligência ou imprevidência, ao invés da ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo.

IV. Não tendo sido feita esta prova por parte do destinatário, verifica-se a presunção da sua notificação no terceiro dia útil posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte (presunção esta reportada ao envio da segunda carta), quando esse terceiro dia não seja útil, conforme se retira do artigo 39.º, n.º 6, do CPPT.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA», contribuinte n.º ..., residente na Rua ..., ..., ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em 09/04/2018, que julgou improcedente a Oposição Judicial deduzida contra o processo de execução fiscal n.º ...10, instaurado pelo Serviço de Finanças ..., para cobrança coerciva de dívidas respeitantes a Imposto Sobre as Sucessões e Doações, liquidado no processo 9960, pela transmissão de bens ocorrida por óbito de seu pai «BB», ocorrido em .../.../2002, no montante exequendo de €64.083,23.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1.- Vem o presente recurso interposto da douta sentença judicial proferida em 09.04.2018, nos autos identificados, que julgou totalmente improcedente a oposição deduzida ao processo de execução fiscal instaurado pelo Serviço de Finanças ... e, consequentemente, absolveu a Fazendo Pública do pedido.
2.-Entende a recorrente que a douta sentença judicial incorre num errado enquadramento dos factos e uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas, como passamos a demonstrar.
3.- Conforme resulta da Acta de Audiência de Inquirição de Testemunhas, realizada no dia 16.11.2010, foram inquiridas nos presentes autos, duas das quatro testemunhas arroladas pela recorrente, para prova dos factos constantes dos artigos 1º a 38º, 48º a 54º da oposição apresentada, encontrando-se tais depoimentos devidamente gravados em sistema fonográfico (cassete), identificada como cassete nº 1, lado A.
4.- Ou seja, para além dos meios de prova, que representam os documentos que se encontram juntos autos, trazidos pela recorrente (sobre os quais o Tribunal a quo nem sequer se pronunciou) e pela recorrida, outros meios de prova existiram, materializados nos depoimentos das testemunhas.
5.- No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do CPPT, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.6871/13; ac.TCA Sul-2ª.Secção, 15/5/2014, proc.7508/14).
6.- A exigência de fundamentação é justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou o veredicto do tribunal a fim de as poderem impugnar e para que o tribunal superior exerça sobre elas a censura que se impuser.
7.- Logo, o julgamento da matéria de facto é um momento essencial da realização da justiça constitucionalmente cometida aos tribunais.
8.- De acordo com o disposto no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
9.- O juiz tem, por isso, o dever de se pronunciar sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão, discriminando também a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação crítica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a convicção formada - cfr. artigos 123.º, n.º 2, do CPPT.
10.- Exige-se assim, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida.
11.- “Não se trata, por conseguinte, de um mero juízo arbitrário ou de intuição sobre a realidade ou não de um facto, mas de uma convicção adquirida através de um processo racional, alicerçado - e, de certa maneira, objectivado e transparente - na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da Justiça” – cfr. J. Pereira Baptista, in Reforma do Processo Civil, 1997, pags 90 e ss.
12.- O exame crítico da prova deve consistir, pois, na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro.
13.- O julgador não se deve limitar a uma simples e genérica indicação dos meios de prova produzidos (v.g. “prova testemunhal” ou “prova por documentos”), impondo-se-lhe que analise criticamente essa prova produzida.
14.- O tribunal deve, assim, justificar os motivos da sua decisão quanto à matéria de facto, declarando por que razão deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos, achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos particulares, etc.
15.- Não basta, pois, apresentar, como fundamentação, os simples meios de prova, v.g., “os depoimentos prestados pelas testemunhas…”, sendo necessária a indicação das razões ou motivos porque relevaram no espírito do julgador - cf. António Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Volume, 2ª, edição, a págs. 253 a 256.
16.- Sobre esta matéria, fazemos, ainda, apelo aos doutos ensinamentos de Jorge Lopes de Sousa vertidos in CPPT anotado e comentado, 2006, volume I, págs. 906 e 907, segundo o qual :”(…) Relativamente à matéria de facto, esta nulidade abrange não só a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo nº2 do artigo 123º desde Código, como a falta de exame crítico das provas , previsto no nº3 do art.659º do CPC”. (actual artigo 607º).
17.- Com efeito, esta falta não pode deixar de reportar-se à fundamentação de facto exigida por este Código e nele, exige-se não só a indicação dos factos provados, mas também dos não provados.
18.- Trata-se, de uma exigência suplementar de fundamento de facto, não prevista no Código Civil, que é a discriminação da matéria de facto não provada, cumulativamente com a provada.
19.- Na previsão desta norma, a indicação da matéria de facto não provada deve ser feita indissociavelmente da indicação da matéria de facto provada, como se depreende da expressão «o juiz discriminará também a matéria provada da não provada», o que supõe que essa discriminação seja feita concomitantemente.
20.- Sendo assim, a falta de discriminação da matéria de facto não provada, no domínio do contencioso tributário, será equiparável à falta de indicação da matéria de facto provada para efeitos de nulidade prevista no art.° 125.° n.° 1.
21.- Como resulta do regime ínsito no artigo 123º do Código de Procedimento e Processo Tributário (ao deante CPPT), na sentença o «O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.» (itálico e negrito nossos).
22.- Como vem sendo defendido recorrentemente na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo “a fundamentação das decisões judiciais, em geral, cumpre duas funções: a) uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e, ainda, colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente; b) outra, de ordem extraprocessual, já não dirigida essencialmente às partes e ao juiz ad quem, que procura, acima de tudo, tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, uma vez que o conhecimento das convicções do julgador quanto à matéria de facto e dos critérios de avaliação da prova com que operou é essencial para o controlo da definição da verdade que o mesmo deu como existente.
23.- Repetindo o Tribunal Constitucional, “a fundamentação das decisões judiciais, em geral, e particularmente em relação à matéria de facto, é assim uma expressão do princípio do Estado de Direito democrático, na sua vertente de controlo público da justiça ... A decisão da matéria de facto nunca pode surgir, assim, como um resultado justificado apenas subjectivamente, como se tratasse de uma simples afirmação de um poder judicativo pessoal, mas tem, ao invés, de estar suportada em razões objectivadas e objectivamente controláveis quanto à razoabilidade dos critérios de aferição da realidade dada como assente ou julgada como não assente, mormente quando esses critérios não estão predefinidos legalmente, como acontece nas provas de valor legal, mas assentam antes em modos racionais de conhecimento da realidade, como as máximas de experiência comum, do saber científico, psicológico, técnico, etc. (…)- in AC. STA, de 12.02.2003, recurso 1850/02.
24.- Recuperando a douta sentença recorrida, face à análise do que da mesma consta, é de todo, omitida a explicitação do exame crítico da prova produzidas, nomeadamente a de natureza testemunhal, nos termos legalmente exigidos, desde logo por se verificar que, dos autos, consta registo documental (acta de inquirição) e fonográfico (cassete) relativo aos depoimentos das testemunhas inquiridas.
25.- E, na verdade, da fundamentação de facto da douta sentença recorrida, tal prova testemunhal é completamente omitida, tendo sido preterida com relação à demais prova produzida para os autos, nem foi dada como provada ou não provada, os factos sobre que versou tais depoimentos, que constam da sobredita Acta de Inquirição de Testemunhas, e bem assim, sobre os documentos juntos pela recorrente com a sua oposição, nenhuma pronúncia houve por parte do douto Tribunal a quo.
26.- Efectivamente, o que da referida sentença consta, na motivação da matéria de facto dado como provada, é a singela menção que, “não obstante a produção de prova testemunhal ocorrida nos autos, não se relevou, para efeitos probatório, a factualidade daí adveniente, na medida em que, conforme melhor se cuidará de demonstrar aquando da apreciação à matéria de direito, se entende como insusceptível de configurar situação de justo impedimento”.
27.- Tendo sido alegado a não recepção da correspondência enviada pela Administração Tributária e, com isso, a falta de notificação da recorrente, bem assim, a não recepção de qualquer aviso, que não foi deixado no endereço do domicílio fiscal daquela pelo funcionário postal e, ainda, o justo impedimento, invocados pela recorrente na sua oposição, e ter arrolado testemunhas que corroboram, comprova e provam tais factos, não se entende, como se entendeu na douta sentença recorrida, que não se releve a factualidade adveniente dessa prova, para efeitos de sustentação na formação da convicção do Tribunal.
28.- Em suma, conforme se escreveu no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 17.06.2010 «Verdadeiramente, o que resulta da sentença é uma mera aparência de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto que é, de todo, inapta à satisfação das finalidades subjacentes às imposições legais constantes das normas dos artigos 123º, nº 2 do CPPT e 659º, nº 3 do CPC.”
29.- Ora, como facilmente se compreenderá, num processo em que foram ouvidas testemunhas e juntos documentos, nomeadamente pela recorrente, que também não foram considerados pelo Tribunal a quo, não basta para se considerar preenchida, por qualquer forma, a exigência legal da explicitação mínima do exame crítico das provas uma mera remissão genérica de que a prova testemunhal, para efeitos probatórios, não relevou, pois que, dessa forma resulta de todo inviabilizada a percepção dos motivos da decisão, ou seja, o conhecimento, das razões que levaram o tribunal a quo a decidir como decidiu relativamente a cada facto.
30.- Portanto, não foram especificados no probatório, como provados ou não provados, nem os mencionados factos articulados pela recorrente, na sua oposição, que resultaram comprovados dos depoimentos das testemunhas na diligência de Inquirição de testemunhas realizada, tendo sido tais factos e depoimentos completamente desconsiderados.
31.- A sentença recorrida especificou os factos que considerou provados, unicamente na base da prova trazida aos autos pela recorrida, omitindo por completa a prova documental e testemunhal carreada pela recorrente, omitindo a indicação dos factos essenciais provados (e não provados) com interesse para a decisão da causa.
32.- Considerando que, in casu, foi produzida prova documental e testemunhal, o que inelutavelmente impunha uma criteriosa fundamentação da matéria de facto julgada provada e não provada, mediante a indicação clara dos meios de prova em que assentou e a apreciação e análise critica quer dos documentos juntos, quer dos depoimentos prestados, dúvidas não podem restar que o Tribunal a quo procedeu a esse exame crítico das provas e o devido juízo crítico demonstrativo da sua prevalência face a outros elementos de prova, em detrimentos dos demais existentes nos autos e, nessa medida, a sentença recorrida é nula, nos termos dos artigos 123.° n.° 2 e 125.° n.° 1 do CPPT e do artigo 615º do CPC, nulidade esta que se deixa expressamente invocada para os devidos e legais efeitos, pois que:
-a douta sentença recorrida, não especificou, como factos provados ou não provados, os factos alegados pela recorrente, na sua oposição.
-esses factos constam da fundamentação de direito da sentença recorrida mas, em boa verdade, deveriam ter constado da sua fundamentação de facto, como factos provados ou como factos não provados.
- a sentença não especificou como factos provados ou não provados, os factos constantes da sua fundamentação de direito, designadamente a não recepção do avisos referentes às correspondências enviadas pela Administração Tributária e o justo impedimento alegado pela recorrente;
- a sentença impugnada omitiu ainda a fundamentação da decisão da matéria de facto e não fez o exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção.
Concomitantemente,
33.- a douta sentença recorrida incorreu em erro no julgamento da matéria de facto, pois que, foram dados como provados os seguintes factos:
Ponto 4)- O Serviço de Finanças ..., pelo ofício ...30 de 15-01-2010, mediante carta registada com aviso de recepção com o registo “RM................65PT”, remeteu a liquidação do imposto identificado no ponto anterior, a «AA», para a morada R. da ..., Condomínio ..., ... ...- cfr. fls 34 e 35 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
Ponto 5) A carta registada com aviso de recepção identificada no ponto anterior veio devolvida com a indicação de «Avisado» e «objecto não reclamado»- cfr. doc. de fls. 36 e 37 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
Ponto 6) O Serviço de Finanças ..., pelo ofício ...96 de 29-01-2010, mediante carta registada com aviso de recepção com o registo “RM.................45PT”, remeteu novamente a liquidação do imposto, identificada em 3), a «AA», para a morada R. da ..., Condomínio ..., ... ...- cfr. fls 38 a 40 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
Ponto 7) A carta registada com aviso de recepção identificada no ponto anterior veio devolvida com a indicação de «Avisado» e «objecto não reclamado»- cfr. doc. de fls.41 e 42 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
34.- Da leitura dos factos provados constantes dos pontos 5) e 7) e da motivação da douta sentença recorrida facilmente se conclui que neles foi incluída matéria de direito.
35.- Na verdade, o Tribunal recorrido ao dar como provado tais factos, deu como provado que, o funcionário postal deixou no endereço do domicílio fiscal da recorrente os avisos para levantamento da indicada correspondência, como decorrem das anotações que lhes foram apostas- «Avisado»- pontos 5) e 7) do probatório, dando assim como provado a notificação da recorrente recorrendo à presunção prevista nos nº 5 e 6 do artigo 39º do CPPT.
36.- Ora, ao probatório apenas devem ser levados factos e não conclusões de facto ou de direito - cfr. artigo 123.º, n.º 2 do CPPT.
37.- E os factos que relevam são o envio da carta para notificação da liquidação e a data do seu registo e se foi ou não recepcionada.
38.-Entendendo-se que, se deve alterar a redacção daqueles factos, de forma a neles passar a constar:
“Ponto 5) A carta registada com aviso de recepção identificada no ponto anterior veio devolvida. - cfr. doc. de fls. 36 e 37 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.”
“Ponto 7) A carta registada com aviso de recepção identificada no ponto anterior veio devolvida.- cfr. doc. de fls.41 e 42 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.”
Sem prejuízo do exposto,
39.- Foi carreada matéria de facto relevante provada em audiência de julgamento mas não tida em conta na douta decisão recorrida.
40.- Conforme resulta dos pontos 4 a 7 dos factos provados da douta sentença recorrida, que aqui se reproduzem para os devidos e legais efeitos, as duas cartas registadas enviadas em 15.01.2010 e 29.01.2010, correspondentes a fls 34 e 35 e 38 a 40 do suporte físico dos autos, pelo Serviço de Finanças ..., não foram recepcionadas pela recorrente, nem delas tomou conhecimento, conforme resulta dos docs de fls 36 e 37, 41 e 42 do indicado suporte físico dos presentes autos.
41.- A ser assim, como o é, resultou provado, sem mais, que a recorrente não foi notificada da liquidação do imposto sucessório, levado a cabo por aquele Serviço de Finanças, nem tão pouco viu, tomou conhecimento ou foi deixado pelo funcionário postal, no endereço do domicilio fiscal da recorrente, qualquer aviso para levantamento da citada correspondência, factos estes que, não constam, nem da matéria de facto, dada como provada, nem da não provada, que se afigurava e se afigura relevante para a boa decisão da causa.
42.- A par dos referenciados documentos juntos, tal como se expôs no ponto I destas Alegações de recurso, foram inquiridas duas testemunhas, mas que, para efeitos probatórios, os seus depoimentos não foram relevados, tendo o Tribunal desconsiderado por completo tais depoimentos, que em nossa modesta opinião se revelaram fulcrais para a boa decisão da causa.
43.- Dessa prova testemunhal resultou provado que, primeiro, a recorrente não recebeu as sobreditas notificações enviadas pelo Serviço de Finanças ..., nem tão pouco este provou nos presentes autos, que tal notificação tenha ocorrido, até porque as duas notificações foram devolvidas; em segundo, não se provou que o funcionário postal tenha deixado no endereço do domicílio fiscal da recorrente os avisos para levantamento da correspondência.
44.- Na douta sentença recorrida, foi dado como provado que as cartas vieram devolvidas com a indicação de “avisado” e “objeto “não reclamado”.
45.- Pergunta-se qual o significado, neste particular, de “Avisado”? O carteiro porventura avisou a recorrente de que tinha na sua caixa posto na sua caixa do correio o aviso para a mesma ir levantar no posto da área de correios?
46.- Naturalmente que não avisou porque se assim fosse, teria naturalmente que fazer constar “recusou receber” e não “avisado”.
47.- Por tal, o aviso de recepção ou os avisos de recepção, contrariamente ao sustentado na douta sentença recorrida, não tem a virtualidade de confirmar peremptoriamente que o carteiro o introduziu na caixa do correio da recorrente ou em qualquer outra como acontece habitualmente na troca de correspondência e por demais na zona da habitação principal da aqui recorrente uma vez que por altura dos factos não possuía inclusive número de polícia, conforme resulta do indicado Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da Direcção Geral de Impostos, ou seja, do cadastro fiscal, destacando-se o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas «CC» e «DD», cujos depoimentos, transcritos na íntegra, se encontram gravados em sistema fonográfico (cassete), identificada por cassete nº 1, lado A, volta/segundos 0010 à volta/segundos 0914 e volta/segundos 0917 à volta/segundos 1463, respectivamete, na Audiência de Inquirição de Testemunhas realizada em 16.11.2010.
48.- Dos depoimentos destas testemunhas resultou provada matéria relevante em Audiência de Julgamento, e que foi alegada na oposição apresentada, mas que não tida em conta na douta decisão recorrida, a saber:
a)- que, a recorrente se encontrava na habitação secundária que possui na freguesia ..., concelho ..., desde a altura da passagem de ano e aí se manteve até à altura do Carnaval, data em que regressou para o seu domicílio fiscal, em ...;
b)- que, em sequência de uma inundação que ocorreu na noite de passagem de ano, naquela sua residência secundária, a recorrente e seu marido, «CC», tiveram de prolongar a sua estadia em ..., para levarem a cabo trabalhos de reparação e de recuperação, para repor a conformidade do imóvel;
c)- que, tais obras demoraram cerca de mês e meio, período em que a recorrente e seu marido, «CC», permaneceram em ..., tendo regressado ao seu domicílio fiscal, em ..., por altura do Carnaval,
d)- que, na sequência de tal acontecimento imprevisto na indicada residência secundária, a recorrente encontrava-se ausente do seu domicílio fiscal, no período a que se reportam as supra citadas notificações do Serviço de Finanças ...;
e)- que a recorrente, em virtude disso, esteva impossibilitada de recepcionar as mencionadas notificações, que delas não teve conhecimento, as quais foram devolvidas ao Serviço de Finanças ...;
f)- que a recorrente nunca recepcionou, os avisos mencionados na douta sentença recorrida, deles não tendo tido conhecimento, uma vez que não estavam depositados, nem foram deixados no endereço do seu domicílio fiscal pelo funcionário postal, para efeitos de levantar qualquer notificação/correspondência que fosse;
g)- que, o Serviço de Finanças ... tinha conhecimento pleno que a recorrente não foi notificada das notas de liquidação;
h)- que, o Serviço de Finanças ..., conhecia perfeitamente a recorrente e seu marido, «CC» e que tinha os contactos pessoais de ambos – números de telemóvel e endereços electrónicos-, com quem estabeleceram contactos anteriores, através desses meios, para outros assuntos de natureza fiscal e, designadamente, no âmbito do processo de imposto sucessório, a que se reportam os presentes autos e conforme se deixou alegado na oposição apresentada, concretamente nos artigos 51º a 54º e do documento nº 1 junto.
49.- Considera a recorrente que, todos os factos elencados nos antecedentes pontos de a) a h) devem ser levados ao probatório, como matéria provada, uma vez que constam dos depoimentos das referidas testemunhas, resultando provados ainda, os factos elencados nos pontos e) a g) pelos documentos de fls 36 e 37, 41 e 42 do suporte físico dos autos, que aqui se reproduzem para os devidos e legais efeitos e ainda, o facto elencado no ponto h) pelo documento nº 1 junto com a oposição, que aqui se reproduz para os devidos e legais efeitos.
50.- Deste modo, entende a recorrente que se devem julgar também como provados todos os factos elencados nos antecedentes pontos a) a h).
51.- Como, em resultado, devem ser levados ao probatório, como factos não provados, os seguintes:
aa- que o funcionário postal deixou no endereço do domicílio fiscal da recorrente, os avisos, referentes às correspondências- notificações- enviadas pela Administração Tributária, em 15.01.2010 e 29.01.2010;
bb- que a recorrente tenha recepcionada e tomado conhecimento desses avisos.
Ainda,
52.-Conforme se deixou exposto, a recorrente, na sua oposição, veio invocar a falta de notificação da liquidação do imposto sucessório apurado pelo Serviço de Finanças ..., por óbito de seu pai, «BB», falecido em .../.../2002, tendo, para isso, além do mais, invocado justo impedimento e, consequentemente, invocou que nunca recepcionou e tomou conhecimento dos avisos referentes às correspondências remetidas pela Administração Tributária em 15.01.2010 e 29.01.2010, porque efectivamente o funcionário postal não deixou qualquer aviso no endereço do domicílio fiscal da recorrente para levantar a referida correspondência.
53.- Da douta sentença recorrida, nenhuma pronúncia existe no tocante a este último facto alegado pela recorrente- da ausência e desconhecimento dos referidos avisos-, sendo que, tal facto resultou aliás provado pela prova testemunhal produzida em Audiência de Inquirição de Testemunhas.
54.- Calcorreando a douta decisão recorrida, constata-se que o Tribunal a quo apenas dedicou a sua atenção à singela questão da anotação aposta pelo funcionário postal nas cartas registadas com aviso de recepção, identificadas nos pontos 5) e 7) da matéria de facto provado- «Avisado», e concluindo que, por efeito dos docs. aí juntos de fls 36 e 37, 41 e 42, o funcionário postal deixou no endereço do domicílio fiscal da recorrente os avisos para levantamento da correspondência, descurando discutir e decidir se tal depósito ocorreu ou não no endereço do domicílio fiscal da recorrente e se a anotação « Avisado», tem a virtualidade de confirmar peremptoriamente que o funcionário postal introduziu na caixa de correio do endereço do domicílio fiscal da recorrente os indicados avisos e deles tomou conhecimento a recorrente.
55.- Sobre esta questão fundamental o tribunal não se pronunciou, pelo que ocorreu omissão de pronúncia, uma vez que deixou de conhecer de questão que estava obrigado a conhecer, nos termos do artigo 125º,º nº 1 al d do CPPT, o que gera a nulidade da própria douta sentença recorrida, nulidade aqui expressamente invocada para todos os efeitos legais.
56.- No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia ou a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.
57.- A nulidade por omissão/excesso de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 607º do CPC, que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
58.- Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862.
59.- Portanto, não tendo havido pronúncia por parte do Tribunal a quo sobre a questão ora trazida em análise, ocorreu omissão de pronúncia, uma vez que deixou de conhecer de questão que estava obrigado a conhecer, nos termos do artigo 125º,º nº 1 al d do CPPT, o que gera a nulidade da própria douta sentença recorrida, nulidade aqui expressamente invocada para todos os efeitos legais.
69.- Finalmente, opera a douta sentença recorrida numa errada apreciação e interpretação jurídica da causa.
70.- Debruçando-nos ora sobre a Fundamentação de Direito da douta sentença recorrida, entendeu-se que a recorrida- Administração Fiscal- cumpriu com o regime legal atinente à notificação da liquidação de imposto em causa, e verificando que foi deixado aviso para levantamento da correspondência que lhe havia sido endereçada, nenhuma censura há a pontar à actuação do Serviço de Finanças ... que considerou notificada a liquidação, nos termos do disposto nos nº 5 e 6 do artigo 39º do CPPT e que, apesar da devolução da última notificação enviada àquele Serviço, nada obsta ao funcionamento da presunção prevista naquela disposição legal.
71.- Portanto, a tese da recorrida foi acolhida na douta sentença em crise que se socorreu do disposto no nº 1, 5 e 6 do artigo 39.º do CPPT, para concluir pela presunção da notificação à recorrente, e que, portanto, equivale a dizer que, a recorrente não ilidiu a presunção legal.
72.- Mais considerou a douta sentença recorrida que, o fundamento invocado pela recorrente, para não ter tomado conhecimento das sobreditas notificações endereçadas pelo Serviço de Finanças (e nem de qualquer aviso postal), não constitui fundamento de justo impedimento porquanto a recorrente não agiu com a prudência devida, por referência à diligência de um bom pai de família ou homem norma, médio, face às circunstâncias do caso concreto, que se imporia à mesma acautelar os assuntos relacionados com a morada principal e com as comunicações que para aí seriam endereçadas.
73.- Entendimento este que, com a devida vénia, não podemos sufragar.
74.- A primeira questão que se coloca é saber se se aplica, como entendeu a douta sentença recorrida, a indicada presunção de notificação do artigo 39.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, uma vez que a recorrente nunca foi notificada.
75.- Dispõe o artigo 39.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário: «1 - As notificações efectuadas nos termos do n.º 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil. 2 - A presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efectiva da recepção. 3 - Havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário. 4 - O distribuidor do serviço postal procederá à notificação das pessoas referidas no número anterior por anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial. 5 - Em caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal. 6 - No caso da recusa de recebimento ou não levantamento da carta, previstos no número anterior, a notificação presume-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
7 - Quando a notificação for efectuada por telefax ou via Internet, presume-se que foi feita na data de emissão, servindo de prova, respectivamente, a cópia do aviso de onde conste a menção de que a mensagem foi enviada com sucesso, bem como a data, hora e número de telefax do receptor ou o extracto da mensagem efectuado pelo funcionário, o qual será incluído no processo. 8 - A presunção referida no número anterior poderá ser ilidida por informação do operador sobre o conteúdo e data da emissão.
9 – O acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data.”
76.- Sendo a notificação efectuada por carta registada diz a lei que se presume efectuada a notificação no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (n.º 1 do citado artigo 39.º).
77.- Esta presunção legal, juris tantum, pode ser ilidida pelo interessado, solicitando aos correios a informação sobre a data da efectiva entrega, para assim fazer prova que a recebeu posteriormente.
78.- Mas esta presunção, quer nos termos do nº 1, quer nos termos dos nº 5 e 6 do indicado preceito legal, apenas funciona se a carta não for devolvida. A carta só é devolvida ao remetente quando não chega ao destinatário, quando lhe não é entregue. E se não lhe é entregue não se pode, em regra, presumir a notificação.
79.- Este tem sido um entendimento pacífico na jurisprudência – por todos o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31-01-2012, Processo n.º 017/12, onde se lê: «… a lei presume que a comunicação postal demora três dias posteriores ao registo, que se transfere para o 1º dia útil, se o último dia não for dia útil (cfr. nº 1 do art. 39º do CPPT e nº 6 do art. 45º da LGT). O registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo. Trata-se pois de uma presunção legal destinada a facilitar à administração tributária a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando.
A atribuição legal de certa relevância ao registo da carta não permite porém inferir a certeza de que o seu destinatário a recebeu naquele prazo. Como tal forma de notificação não exclui o risco da carta não ser efectivamente recebida pelo destinatário, o nº 2 do artigo 39º permite que o notificado possa ilidir tal presunção «quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida», solicitando à administração tributária e ao tribunal que requeiram aos correios a informação sobre «a data efectiva da recepção». Esta norma põe em luz o efeito que a lei quer atribuir ao registo: trata-se de uma presunção juris tantum da demora que levará a fazer a comunicação postal (cfr. Ac do STA, de 2/3/2011, rec nº 0967/10). Se o registo da carta liberta a administração tributário do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário em três dias, este tem o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente. Mas se a carta for devolvida, em regra, não se pode inferir que o registo faz presumir que ela foi colocada na esfera de cognoscibilidade do destinatário. Se nenhum aviso foi deixado no domicílio do notificando, nem sequer há a garantia da cognoscibilidade da existência da carta; e se o aviso foi deixado, vicissitudes várias, como a ausência temporária do domicílio (vg. trabalho, férias, doença, etc.), podem impedir o acesso à carta. Daí que a presunção legal só pode funcionar se a carta for recebida no domicílio do notificando. A consequência lógica que a lei deduz do registo da carta, ou seja, que se presume que demora três dias a ser posta alcance do destinatário, deixa de poder ser feita, pelo menos com o mesmo grau de probabilidade, se a carta for devolvida. Certamente por isso, o nº 2 do art. 39º apenas prevê a possibilidade da prova em contrário na situação em que a notificação ocorre em data posterior à presumida, sem aludir à situação em que não há notificação. Desde há muito, e pelo menos no que se refere aos particulares, a jurisprudência deste Tribunal tem vindo a defender que «a presunção do nº 2 do artigo 39º do CPPT, não se aplica caso a notificação tenha sido devolvida», quer na situação de carta registada (cfr. acs. de 18/2/87, rec nº 004015, de 2/6/99, rec. 022529, e mais recentemente, acs. de 6/5/2009, rec nº 0270/09 e de 13/4/2011, rec. nº 0546/10), quer na situação de carta registada com aviso de recepção, devolvida sem assinatura deste e sem nada se dizer a respeito de não ter sido reclamada ou levantada (cfr. acs. de 21/5/2008, rec nº 01031/07 e de 8/7/2009, rec nº 0460/09).»
80.- Não funcionando a presunção de notificação, então também não recai sobre o contribuinte qualquer ónus no que toca à sua ilisão.
81.- A jurisprudência do STA vem decidindo que a presunção legal de notificação nos casos em que ocorre a devolução de carta registada com aviso de recepção e em que este não se mostre assinado, só funciona em duas situações:
- Recusa do destinatário em receber a carta;
- Não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais sem que se comprove que, entretanto, o contribuinte comunicou alteração do seu domicílio fiscal - assim, acórdão STA 21 Mai. 2008, recurso 01031/07; acórdão STA 8 Jul. 2009, recurso 0460/09; acórdão STA 27 Jan. 2010, disponíveis em www.dgsi.pt.
82.- Na segunda situação (não levantamento da carta) pressupõe-se que foi feita qualquer comunicação ao destinatário para levantar a carta registada, pois só fornecendo-lhe a possibilidade de ter conhecimento de que ela se encontra depositada nos serviços postais, pode exigir-se que ele a vá levantar.
83.- Nesta perspectiva, o funcionamento da presunção referida dependerá, cumulativamente, de ter sido deixado aviso na residência do destinatário conhecida da administração tributária de que a carta com a notificação podia ser levantada; não se comprovar que, entretanto, o contribuinte comunicara à administração tributária a alteração da sua residência” – nestes precisos termos, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Volume I, 2006, pág. 357.
84.- Porém, da factualidade provada não resulta, que o funcionário postal tenha deixado no endereço do domicílio fiscal da recorrente o aviso de levantamento da correspondência, sendo certo que o ónus de demonstrar a correcta efectivação da notificação cabe à administração tributária – neste sentido, acórdão STA 6 Out. 2005, recurso 500/05, www.dgsi.pt.
85.- O aviso de recepção, contrariamente ao sustentado na douta sentença recorrida, não tem a virtualidade de confirmar peremtoriamente que o carteiro o introduziu na caixa do correio da recorrente ou em qualquer outra como acontece habitualmente na troca de correspondência e por demais na zona da habitação principal da recorrente uma vez que por altura dos factos não possuía inclusive número de polícia, conforme resulta do indicado Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da Direcção Geral de Impostos, ou seja, do cadastro fiscal, e bem assim do depoimento prestado pela testemunha, «CC».
96.- Pergunta-se qual o significado, neste particular, de “Avisado”? O carteiro porventura avisou a recorrente de que tinha na sua caixa posto na sua caixa do correio o aviso para a mesma ir levantar no posto da área de correios?
97.- Naturalmente que não avisou porque se assim fosse, teria naturalmente que fazer constar “recusou receber” e não “avisado”.
98.- Perante este quadro fáctico e face ao que anteriormente se referiu é manifesto que não pode ter-se por presumida a notificação à Recorrente da liquidação da qual emerge a obrigação exequenda.
99.- Por outro lado, não é colocada a questão da perfeição da notificação na sequência das cartas registadas devolvidas (tratada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que com a devida vénia transcrevemos), uma vez que perante a devolução das mesmas, a administração fiscal nada mais fez (quando o podia e devia ter feito).
100.- Deste modo, temos no caso em apreço uma notificação imperfeita, que não produz os efeitos legais, como doutamente entendido pelo Tribunal recorrido.
101.- E é sobre a administração fiscal que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária – artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil – designadamente a regularidade da notificação da liquidação, ou então que foi atingido o fim por ela visado de transmitir aos destinatários o teor da liquidação – cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª edição, Vol. I., nota 5 ao artigo 39.º. p. 384 – ónus que não cumpriu.
102.- Assim, com o devido respeito, haverá que ter-se como não efectuada a notificação à recorrente da liquidação que está ser objecto de execução, o que constitui fundamento de oposição nos termos do artigo 204.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
103.- Na verdade, se a execução fiscal foi instaurada sem prévia notificação (regular) do acto de liquidação, este acto é ineficaz e, por isso, não produz efeitos em relação aos seus destinatários (artigos 77.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária e 36.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributários), não podendo com base nele exigir-se coercivamente o pagamento da dívida liquidada – cfr. Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 07-07-201, processo 545/09.
104.- E haverá notificação presumida, como entendeu a douta sentença recorrida (página 12 desta) se a carta não for recebida (e levantada, se aviso tivesse havido, mas que não houve no caso presente) pelo facto do notificando se ter ausentado temporariamente da sua residência habitual, sem que tenha sido comunicada à administração tributária qualquer alteração de morada? E será que esta se impunha?
105.- Consideramos que não, contrariamente ao doutamente defendido pela sentença recorrida, pois que o nº 2 do artigo 19º da LGT, prescreve que é «obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária», estabelecendo o art. 43º do CPPT os termos em que se concretiza essa obrigação, ou seja, os «interessados que intervenham ou possam intervir» em procedimentos e processos fiscais devem comunicar qualquer alteração do seu domicílio no prazo de 15 dias e a cominação para o incumprimento dessa obrigação é a «ineficácia» ou «inoponibilidade» (subjectiva) da alteração do domicílio fiscal.
106.- Significa isto que, enquanto a alteração do domicílio não for comunicada à administração tributária, não lhe é oponível a falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação (notificação ou citação).
107.- Mas esta inoponibilidade, verificada que sejam os respectivos requisitos, não consubstancia uma presunção de comunicação, pois o facto da alteração do domicílio não produzir efeitos nem poder ser invocada perante a administração tributária não dispensa esta de efectuar regularmente tal comunicação.
108.- Como resulta da parte final do nº 2 do artigo 43º do CPPT, a inoponibilidade da falta de recebimento da comunicação é cominada «sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efectuadas».
109.- Deste modo, a lei não considera que a presunção de presença no domicílio em que se funda a cominação da inoponibilidade seja indissociável ou incindível da presunção de conhecimento do acto notificando. É que, no iter procedimental de uma comunicação, são vários os elementos que podem distorcer a sua entrega, e um desses motivos é a ausência temporária do interessado do seu domicílio, caso em que não se pode dar a presunção de conhecimento.
110.- Por outro lado, a presunção de conhecimento pode dar-se sem se produzir a presunção de permanência do interessado no domicílio, pois são eficazes as notificações ou citações entregues a pessoas distintas do destinatário que encontrem no seu domicílio ou que se desloquem aos serviços postais e que, devidamente identificadas, as recebam ou levantem.
111.- Como foi doutamente decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 06.05.2009, 2ª secção “…Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses dos contribuintes só produzem efeitos em relação a eles quando lhes sejam validamente notificados (art. 36.º, n.º 1 do CPPT). Não pode ter-se como validamente efectuada uma notificação de liquidação de IRS devolvida aos serviços da administração tributária, com o pretenso argumento de que o contribuinte não cumpriu o ónus de participação de alteração do domicílio, pois que a parte final do nº 2 do artigo 43.º do CPPT ressalva o disposto quanto às citações e notificações, a presunção do nº 2 do artigo 39.º do CPPT não se aplica caso a notificação tenha sido devolvida e as normas em causa têm necessariamente de ser conjugadas com a garantia constitucional do direito à notificação e à tutela jurisdicional efectiva.” (itálico e negrito nossos)
112.- O n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Direitos e garantias dos administrados” (que os contribuintes são igualmente), estabelece que “os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei”, sendo o direito à notificação uma garantia procedimental não impugnatória dos contribuintes (cfr. JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 5.ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, p. 370), que se destina não apenas a levar ao seu conhecimento o ato praticado, como também a permitir-lhes reagir contra ele em caso de discordância.
113.- Por isso, o n.º 1 do artigo 36.º do CPPT estabelece que “os actos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.
114.- Logo, não pode ser válida, nem eficaz em relação à recorrente, a notificação da liquidação em causa, que foi devolvida aos serviços da Administração Tributária sem que esta fizesse nos autos prova de que a notificação foi recebida, apenas porque a notificação foi enviada para o endereço constante do apelidado Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da Direcção Geral, que mais não é do que o cadastro fiscal dos contribuintes.
115.- Parece olvidar a douta sentença recorrida que, a norma do artigo 39º do CPPT, que aplicou ao caso “sub judice”, contém no seu nº 5 uma ressalva final: “Em caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal” e o nº 6 daquela disposição legal preceitua que, “no caso da recusa de recebimento ou não levantamento da carta, previstos no número anterior, a notificação presume-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil”.
116.- A lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efetuadas, havendo, pois que chamar à colação o disposto no artigo 39.º números 1 e 2 sobre a “perfeição das notificações.
117.- Ora, embora o n.º 1 do artigo 39.º contenha uma presunção de notificação, o n.º 2 do mesmo preceito permite que essa presunção seja ilidida, quando for feita prova de que a notificação foi feita em data posterior à presumida, não havendo sequer qualquer presunção de notificação se a carta foi devolvida, como sucedeu no caso dos autos e se na sequência dessa devolução a Administração tributária nenhum esforço adicional fez no sentido de notificar o contribuinte ou de provar que ele teve conhecimento do ato notificado, sendo que o ónus de demonstrar a correta efetivação da notificação cabia à Administração tributária [neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, volume I, 5.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2006, p. 353 (notas 2 e 3 ao art. 39.º do CPPT)].
118.- Assim se terá de entender porque, a norma da parte inicial do n.º 2 do artigo 43.º do CPPT tem de ser confrontada com a exigência constitucional de notificação aos administrados de todos os actos administrativos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos, feita no n.º 3 do artigo 268.º da C.....P. e com o direito de impugnação contenciosa de tais actos, assegurado pelo n.º 4 do mesmo artigo, cuja concretização prática pode depender da existência de uma comunicação ao interessado na prática do acto.
119.- Assim, tratando-se de actos que afetem a esfera patrimonial dos contribuintes, não poderá considerar-se efetuada uma notificação quando se demonstra que ela não foi efetivamente efetuada, como sucede nos casos em que a carta enviada para notificação seja devolvida.
120.- Acresce-se que, regra geral, a notificação da liquidação do imposto sobre as sucessões, na medida em que é susceptível de alterar a situação tributária do contribuinte, deve ser efectuada por carta registada com aviso de recepção (art° 38°, n° 1 do CPPT).
121.- Todavia, sempre que a entidade que a ela proceder o entender necessário, essa notificação pode ser pessoal (n° 5 do citado art° 38°).
122.- Assim, tal como se referiu, tendo a Administração Tributária conhecimento pleno que a recorrente, não foi notificada da indicada nota de liquidação, nada impedia que se procedesse, como se deveria ter procedido, à sua notificação pessoal, nos termos do predito artigo 38°, n° 5 do CPPT.
123.-Mesmo para a hipótese de se frustrar a citação pessoal do contribuinte, nada impediria que a Administração Tributária lançasse mão da citação edital, aplicando-se analogicamente as regras constantes a este propósito em matéria da lei civil, para que ficasse garantida a defesa do notificado.
124.- De resto, esta tese ganha tanta mais consistência quanto é certo que no domínio do próprio Código do Imposto sobre as Sucessões e Doações, concretamente no seu artigo 86º, se prevê tal recurso, “Feita ou reformada a liquidação, os contribuintes, seus representantes legais ou mandatários serão dela notificados, e sê-lo-ão pessoalmente ou pela forma prevista no artigo 114º se estiverem no continente ou nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira e for conhecido o lugar onde se encontrem”.
125.- Por sua vez, preceitua o §1º dessa disposição legal que “Se qualquer contribuinte ou seu representante estiver em concelho diferente do da repartição de finanças que liquidou o imposto, será a notificação requisitada à repartição de finanças respectiva.”
126.- E o §3 do mesmo artigo estabelece que “Se nenhuma dessas pessoas puder ser notificada, a notificação será feita por meio de editais, afixando-se um na porta ou átrio do edifício da repartição de finanças e outro na sede da Junta de Freguesia onde residia o autor da transmissão”.
127.- Portanto, o indicado Serviço de Finanças ..., tendo-se frustrado a notificação por via da carta registada enviada à recorrente, podia e devia ter procedido à notificação pessoal ou por via de correio electrónico, uma vez que são meios de notificação permitidos na Lei Tributária, dispondo aquele Serviço, quer do contactos de telemóvel da recorrente e seu marido, «CC», quer do endereço electrónico de ambos, e já anteriormente utilizado pelo indicado Serviço de Finanças para notificar a recorrente e seu marido, designadamente para efeitos de instruir o processo de imposto sucessório.
128.- Aplicando-se à notificação pessoal as regras da citação pessoal – cfr. nº 6 do artigo 38º do CPPT.
129.- Estabelecendo o nº 9 do indicado preceito legal que “ As notificações referidas no presente artigo podem, ainda, ser efectuadas por transmissão electrónica de dados…”.
130.- Portanto, a Administração Tributária não esgotou os meios possíveis e permitidos pela Lei Tributária para a notificação da Oponente, para os termos da nota de liquidação do imposto sucessório em causa, como podia e devia, face à falência da notificação por carta registada.
131.- Nada impedia, e seria exigível que, a Administração Tributária de, em face da falência da notificação por via da carta registada, lançasse mão de outros meios de notificação que a lei tributária lhe permite, seja a notificação pessoal, seja a notificação edital, como o podia ter feito, dado que, conforme resultou dos depoimentos das citadas testemunhas, «CC» e «DD», da oposição apresentada e do documento nº 1 com esta junto, o Serviço de Finanças ..., através dos seus funcionários, conhecia perfeitamente a recorrente e seu marido, «CC»; conhecia os contactos de telemóvel pessoais da recorrente e de seu marido; possuía os endereços electrónicos dos mesmos, através dos quais, quer a recorrente, quer o seu marido, dirigiram requerimentos para o Chefe do Serviço de Finanças, nomeadamente no âmbito do processo de imposto sucessório, que aqui se trata, tendo obtido despachos exarados por aquele Chefe de Serviço de Finanças, através daquela via electrónica, conforme resulta do doc. nº 1 junto com a oposição.
132.- A segunda questão a retratar, prende-se com o justo impedimento invocado pela recorrente e que o Meritíssimo Juiz a quo, apelidou, na douta sentença recorrida, de imprudência, de falta de diligência, entre outras adjectivações, imputáveis à recorrente, conforme resulta da página 13 daquela.
133.- Nessa mesma página da douta sentença recorrida, diz-se “ Ora, ainda que se admitisse a permanência da Oponente em residência secundária para o efeito de acompanhamento das obras que aí estariam a ser realizadas, sempre se lhe imporia o acautelar dos assuntos relacionados com a moradia principal e com as comunicações que para aí seriam endereçadas, sendo exigível (e expectável), por referência à diligência de um bom pai de família ou um homem normal, médio, face às circunstâncias do caso concreto, não desligar totalmente dos aspectos relacionados com a sua residência principal, precisamente para o inteirar dos demais assuntos com aquela relacionados, entre os quais os atinentes ao conhecimento da correspondência relativa às obrigações fiscais remetidas para aquele que era, afinal, o seu domicílio fiscal.” (itálico e negrito nossos)
134.- Exigível e expectável? Pergunta-se para quem era exigível e para quem era expectável a comunicação da administração tributária? Concerteza não para a recorrente, como não o foi.
135.- Ou seja, se bem entendemos a fundamentação do Meritíssimo Juiz a quo, com o devido respeito que é muito, os cidadãos não podem sair de casa, entenda-se domicílio fiscal, porque é expectável que a Administração Tributária lhes enviem comunicações e, portanto, se não se encontrarem no domicílio fiscal- o que pode ocorrer por inúmeras razões, situações imprevistas, como os dos presentes autos, férias, viagens, entre outras-são cidadãos imprudentes, negligentes, maus pais de família, indiligentes, culpados?
136.- A única imprevidência que resultou é manifestamente da Administração Tributária, a quem sim era exigível que, em face da falência da notificação por via da carta registada, lançasse mão de outros meios de notificação que a lei tributária lhe permite, seja a notificação pessoal, seja a notificação edital, como o podia ter feito, dado que, conforme se deixou exposto, dos depoimentos das citadas testemunhas, «CC» e «DD», da oposição apresentada e do documento nº 1 com esta junto, o Serviço de Finanças ..., através dos seus funcionários, resultou que este Serviço, designadamente o seu Chefe, Sr. «EE», e demais funcionários, conheciam perfeitamente a recorrente e seu marido, «CC»; conheciam os contactos de telemóvel pessoais da recorrente e de seu marido; possuíam os endereços electrónicos dos mesmos, através dos quais, quer a recorrente, quer o seu marido, dirigiram requerimentos para o Chefe do Serviço de Finanças, nomeadamente no âmbito do processo de imposto sucessório, que aqui se trata, tendo obtido despachos exarados por aquele Chefe de Serviço de Finanças, através daquela via electrónica, conforme resulta do doc. nº 1 junto com a oposição.
137.- E, como salientou a testemunha «DD», no seu transcrito depoimento, o Chefe do Serviço de Finanças ..., contactava telefonicamente com a recorrente e seu marido, «CC», para assuntos de natureza fiscal que tinham pendentes, designadamente um alegado imposto de selo em falta de uma viatura pertencente aqueles, no valor de €200,00-€300,00, mais se impunha e era exigível tal contacto pessoal, quando se está perante uma liquidação de valor tão elevado, acima dos €60,000,00…facto este também corroborado pela testemunha «CC».
138.- Por isso também, não se pode concordar com o entendimento do douto Tribunal a quo, quando na sentença recorrida defende que, à Administração Tributária nada mais se impunha, nomeadamente qualquer outro meio de notificação pessoal, edital ou por via electrónica, pelo simples motivo de não ter aquela conhecimento da alegada estadia temporária da recorrente, em determinada residência secundária. Efectivamente, a Administração Tributária não tinha conhecimento da ausência temporária da recorrente, mas tinha conhecimento pleno que a recorrente não recepcionou qualquer notificação!
139.- E é sobre a administração fiscal que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária – artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil – designadamente a regularidade da notificação da liquidação, ou então que foi atingido o fim por ela visado de transmitir aos destinatários o teor da liquidação, ónus que não cumpriu, como se lhe impunha e era exigível.
140.- O conceito de justo impedimento abarca as situações em que a omissão ou o retardamento da parte se haja devido a motivos justificados ou desculpáveis que não envolvam culpa ou negligência séria.
141.- O que releva para a verificação do justo impedimento, mais do que a cabal demonstração da ocorrência de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática do acto, é a inexistência de culpa da parte, a qual deverá ser valorada em consonância com o critério geral estabelecido no n.º 2 do art.º 487.º do Código Civil.
142.- A recorrente não foi imprudente nem indiligente uma vez que, os factos que a afastaram da sua residência principal foram imprevisíveis, como se deixou articulado na oposição apresentada e como provado pelos depoimentos das testemunhas citadas e transcritos, mas que foram totalmente desconsiderados pelo Tribunal a quo.
143.- Portanto, contrariamente ao sustentado pela douta sentença recorrida, não era exigível à recorrente que se mantivesse em casa, no seu domicílio fiscal e perspectivasse que, a Administração Tributária lhe iria enviar uma notificação ou que ali se mantivesse à espera que Administração Tributária se lembrasse de liquidar o imposto sucessório, ao fim de 8 anos! E, menos ainda que, fosse sequer expectável o que quer que fosse. A recorrente, que saiba, não tem poderes para fazer futurologia.
144.- A douta sentença recorrida limita-se, tao somente, a tecer considerações na defesa da inexistência de justo impedimento, sem factos provados ou não provados que o demonstrem.
145.- O que sim, resultou provado dos depoimentos prestados pelas testemunhas invocadas é que, a recorrente é pessoa que acautela todas as ocorrências da sua vida, boa mãe de família e reconhecida pelos seus pares como cidadã com conduta fora de qualquer suspeita, que sempre cumpriu perante a Administração Tributária, sempre que por esta foi interpelada a cumprir.
146.- Dúvidas não podem subsistir que, fora de argumentos ou considerações menos abonatórias constantes da douta sentença recorrida, a factualidade alegada pela recorrente e provada pela prova testemunhal produzida, constitui, em efectivo, justo impedimento.
147.-A douta decisão recorrida opera uma errada interpretação e enquadramento do factos e a uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas contidas nos artigos 36º, 38º, 39º, 43º, 123º, 125º do CPPT, 45º, 77º da LGT, 86º do CISD, 342º, 487º do Código Civil, 205º e 268º da CRP, 607º do CPC, o que justifica se declare a nulidade da douta sentença recorrida ou se assim se não entender, seja a mesma revogada e substituída por outra que julgue totalmente procedente a oposição deduzida pela recorrente/oponente.
TERMOS EM QUE se requer a V. Exas. conceder provimento ao presente recurso e, consequentemente declarar-se a nulidade da douta sentença recorrida ou se assim não se entender, seja a mesma revogada e substituída por outra que julgue a oposição deduzida pela recorrente totalmente procedente, assim se realizando a acostumada Justiça!”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal requereu a notificação da Recorrente para aperfeiçoar as conclusões das alegações do recurso, por entender que as mesmas não cumprem o disposto no artigo 639.º, n.º 3 do CPC. Porém, afigurando-se de fácil apreensão o inconformismo da Recorrente com a decisão da única questão colocada na oposição, este tribunal optou por não acolher tal solicitação e abster-se de concretizar o sugerido convite.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade, por falta de especificação dos fundamentos de facto e por omissão de pronúncia, e se incorreu em erro de julgamento de facto e, consequentemente, se incorreu em erro na aplicação do direito, quanto à questão da falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos:
1) Em .../.../2002 faleceu «BB», pai da Oponente – facto não controvertido e conforme aos documentos de fls. 22 a 32 do suporte físico dos autos;
2) Para liquidação do respectivo imposto sucessório foi instaurado o processo de
imposto sucessório n.º 9960 – cfr. documentos de fls. 22 a 32 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
3) No âmbito do processo de imposto sucessório identificado no ponto anterior foi emitida a liquidação de Imposto Sobre as Sucessões e Doações, no montante de € 63.243,79 – cfr. fls. 31 a 34 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
4) O Serviço de Finanças ..., pelo ofício ...30 de 15-01-2010, mediante carta registada com aviso de recepção com o registo “RM................65PT”, remeteu a liquidação do imposto, identificada no ponto anterior, a «AA», para a morada R. da ..., Condomínio ..., ... ... – cfr. fls. 34 e 35 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
5) A carta registada com aviso de recepção identificada no ponto anterior veio devolvida com a indicação de «Avisado» e «objecto não reclamado» - cfr. doc. de fls. 36 e 37 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
6) O Serviço de Finanças ..., pelo ofício ...96 de 29-01-2010, mediante carta registada com aviso de recepção com o registo “RM.................45PT”, remeteu novamente a liquidação do imposto, identificada em 3), a «AA», para a morada R. da ..., Condomínio ..., ... ... – cfr. fls. 38 a 40 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
7) A carta registada com aviso de recepção identificada no ponto anterior veio devolvida com a indicação de «Avisado» e «objecto não reclamado» - cfr. doc. de fls. 41 e 42 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
8) O domicílio fiscal da Oponente «AA», constante do Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da Direcção Geral dos Impostos, era ... Rua..., ... ... – cfr. fls. 43 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
9) Em 23-04-2010, o Serviço de Finanças ... instaurou contra «AA», o processo de execução fiscal n.º ...10, para cobrança coerciva de dívidas referentes a Imposto Sobre as Sucessões e Doações, no montante de € 63.243,79 e acrescido legal, cujo montante global ascende a 64.083,23 €– cfr. fls. 1 a 3 do processo executivo apenso aos autos;
10) A Oponente foi citada para os termos do processo de execução fiscal identificado no ponto anterior em 29-04-2010 – facto não controvertido e decorrente de fls. 4 do processo executivo apenso aos autos;
11) A petição de oposição à execução fiscal deu entrada no Serviço de Finanças ... em 28-05-2010 – cfr. carimbo aposto no canto superior direito de fls. 4 do suporte físico dos autos.
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Factos não provados:
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
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Motivação da matéria de facto dada como provada:
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada alicerçou-se na análise crítica do teor dos documentos constantes dos autos e do processo executivo apenso, os quais não foram impugnados, bem como o posicionamento das partes, assumido nos respectivos articulados, tudo conforme Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga se encontra especificado por referência a cada um dos factos que foram levados ao probatório.
Não obstante a produção de prova testemunhal ocorrida nos autos, não se relevou, para efeitos de probatório, a factualidade daí adveniente, na medida em que, conforme melhor se cuidará de demonstrar aquando da apreciação à matéria de direito, se entende como insusceptível de configurar situação de justo impedimento.”

2. O Direito

A questão que importa, antes de mais, apreciar é a de saber se a sentença proferida pelo tribunal recorrido enferma de nulidade.
Nas suas conclusões, a Recorrente alega que a sentença recorrida não especificou como provados e não provados os factos articulados na oposição, que resultaram comprovados através do depoimento das testemunhas, e que somente especificou os factos que considerou provados unicamente com base na prova trazida pela Recorrida, omitindo, por completo, a prova documental e testemunhal carreada pela Recorrente, omitindo a indicação dos factos essenciais provados e não provados com interesse para a decisão da causa, omitindo, ainda, a fundamentação da decisão da matéria de facto, não tendo realizado o exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, o que importa a nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC).
A própria alegação é enunciada de forma contraditória, dado referir expressamente que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento da matéria de facto e, simultaneamente, menciona que tal importa a sua nulidade.
A sentença pode padecer de vícios de duas ordens:
Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação;
Por outro lado, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º, do CPC, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26/6, e do artigo 125.º, n.º 1 do CPPT.
Efectivamente, os problemas que possam existir na sentença recorrida colocam-se ao nível da insuficiência ou deficiência da matéria de facto, pelo que se mostra desajustada a alegação de imputação de nulidade à mesma.
In casu, o tribunal recorrido apreciou a questão que lhe foi colocada, relativa à falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade. Tudo indica que o óbice que se poderá colocar é se a decisão recorrida da matéria de facto inclui já toda a factualidade relevante para a decisão da causa, considerando todas as soluções plausíveis de direito. Mas tal problemática coloca-se em sede de necessidade de ampliação da matéria de facto. Por isso, quando muito, estaremos, então, perante eventual erro de julgamento.
Ademais, poderia parecer que a Recorrente estaria a apontar para a falta de fundamentação susceptível de integrar a nulidade prevista no artigo 125.º, n.º 1 do CPPT [bem como no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC]. Contudo, lembramos que estes normativos apenas se reportam à falta absoluta de fundamentos (quer referente aos factos quer ao direito), que não uma fundamentação escassa, deficiente [cfr. Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, p. 687, Fernando Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, p. 55].
Ora, é forçoso concluir que a falta de pronúncia sobre determinados factos também não constitui causa de nulidade da sentença, as quais estão previstas, como vimos, no artigo 125.º do CPPT, bem como no artigo 615.º do CPC.
De qualquer modo, o tribunal recorrido explicou na motivação da decisão da matéria de facto por que razão não atendeu à prova testemunhal – considerou que a factualidade acerca da qual incidiu essa prova não seria relevante para a decisão da causa, como melhor fundamentaria na apreciação jurídica do litígio.
Com efeito, sobre a factualidade relevante para a decisão deve incidir a actividade instrutória necessária de modo a que o tribunal possa dar resposta às questões que lhe são colocadas, nomeadamente através da explicitação dos factos que considera provados e não provados. E no caso de não ser realizada essa actividade instrutória, a sentença pode ser (mesmo oficiosamente) anulada e ordenada a baixa dos autos ao tribunal a quo para esse efeito.
No caso dos autos, tudo entroncará na apreciação da decisão da matéria de facto, que se mostra impugnada, sendo a concatenação de todos os elementos juntos aos autos, com a alegação da factualidade (bem como a que pode ser conhecida oficiosamente) e a subsunção ao direito que se imporá efectuar, que permitirá vislumbrar se, efectivamente, terá ocorrido erro de julgamento. Além disso, a análise crítica que o Meritíssimo Juiz “quo” efectuou, por referência à prova documental, mostra-se suficiente para realização do reexame solicitado a este tribunal superior.
Assim, independentemente do julgamento que ainda se fará sobre a impugnação da decisão da matéria de facto, impõe-se concluir não padecer a sentença recorrida da nulidade que lhe é imputada pela Recorrente.

Não podemos deixar de partir da seguinte alegação: a sentença não especificou como factos provados ou não provados os factos constantes da sua fundamentação de direito, designadamente, a não recepção dos avisos referentes às correspondências enviadas pela AT e a factualidade relativa à invocação de justo impedimento.
Se quanto à não recepção dos avisos pela Recorrente podemos afirmar, peremptoriamente, que a Oponente não alegou tal facto na sua petição inicial, no que tange ao circunstancialismo descrito para sustentar o alegado justo impedimento, diremos, simplesmente, que o tribunal não tem que se debruçar sobre toda a factualidade invocada, devendo seleccionar aquela que se lhe afigure pertinente para a decisão da causa, tendo por base todas as soluções plausíveis de direito.
Efectivamente, uma das testemunhas ouvidas (marido da Recorrente) aludiu à circunstância de os avisos, para levantamento das cartas provenientes da AT no posto dos CTT indicado, não estarem na caixa do correio da Recorrente. Contudo, tal factualidade não poderá ser levada ao probatório, dado não ter sido invocada na petição de oposição. Entendemos tratar-se de facto essencial e, como tal, deveria ter sido alegado pela parte interessada, segundo o princípio do dispositivo. Apenas se estivéssemos perante um facto instrumental poderia ser considerado e ponderado pelo tribunal com vista a auxiliar na decisão da causa – cfr. artigo 264.º, na redacção à data, correspondente ao actual artigo 5.º do CPC.
Com efeito, não estamos perante facto de conhecimento oficioso, sendo notória a sua importância capital, já que terem os avisos sido colocados na respectiva caixa do correio da Recorrente é determinante para a aplicabilidade do disposto no artigo 39.º, n.º 5 e 6 do CPPT. Realmente, só se a Recorrente fosse avisada de que as cartas estavam depositadas em dada loja dos CTT é que as mesmas poderiam ser levantadas. Não tendo sido este o cenário que a Oponente configurou na sua petição de oposição (aqui diz não ter procedido ao levantamento das cartas depositadas nos serviços postais por não ter tido conhecimento do aviso deixado pelo distribuidor postal, dado encontrar-se na sua habitação secundária, nessas datas, devido a inundação que aí ocorreu), o tribunal está impedido de levar tal facto ao probatório, na medida em que só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, com excepção dos factos notórios, de conhecimento geral ou de conhecimento oficioso, o que não é o caso, como vimos.
Nestes termos, o tribunal recorrido não tinha que ter selecionado nem integrado tal facto na decisão da matéria de facto, pelo que não se vislumbra erro de julgamento.
Não obstante ter sido produzida prova testemunhal (versando os artigos 1.º a 38.º e 48.º a 54.º da petição inicial – cfr. fls. 71 a 73 do processo físico) e a Recorrida ter sustentado, na sua contestação, que não foi junta prova documental com a petição inicial para comprovar o circunstancialismo subjacente à alegação de justo impedimento (cfr. artigos 18.º e 19.º da contestação), a verdade é que essa factualidade não foi impugnada, limitando-se a Representação da Fazenda Pública a defender que a notificação electrónica não era possível no caso concreto, não bastando o mero conhecimento do endereço electrónico pelo serviço de finanças, alertando ser necessário seguir um procedimento de adesão formal junto dos CTT por livre iniciativa do contribuinte; e, no que concerne ao invocado impedimento, não questiona os factos, resume a sua defesa à afirmação de que tais factos não revestem a natureza de extraordinários ou imprevisíveis, concluindo que a ida ao Minho era algo planeado e habitual, não configurando uma situação extraordinária que tenha criado um justo impedimento.
Assim sendo, esta matéria de facto não deverá considerar-se controvertida, sendo importante salientar que o tribunal recorrido considerou inexistirem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
Logo, a questão coloca-se ao nível da selecção da matéria de facto que deva considerar-se relevante para a decisão do pleito.
Tal como fomos adiantando, o tribunal recorrido ponderou toda a alegação factual da oponente, mesmo porque a matéria verdadeiramente controvertida colocava-se ao nível da subsunção dos factos ao direito, nomeadamente, saber se os factos invocados poderiam consubstanciar justo impedimento na situação concreta. Portanto, deu o tribunal “a quo” de barato todo o circunstancialismo descrito na petição de oposição e concluiu não ser possível entender tal factualidade como consubstanciando “justo impedimento” para a falta de conhecimento pela Recorrente do teor das cartas remetidas pela AT.
Neste recurso, a Recorrente limita-se a reiterar que a factualidade alegada constitui justo impedimento, sendo, portanto, irrelevante que a sentença recorrida não tenha discriminado esses factos na decisão da matéria de facto, tanto mais que nenhum foi considerado não provado e todos foram atendidos para concluir pelo julgamento de inexistência de justo impedimento in casu.
Além do mais, “não ocorre omissão relevante de factos, com consequências anulatórias, se estes, não obstante não terem sido especificamente autonomizados na decisão da matéria de facto, se encontram referenciados e analisados na discussão jurídica da causa.” – cfr. Acórdão do TCAN, de 21/11/2019, proferido no âmbito do processo n.º 514/09.7BEPNF.
Vejamos, agora, mais concretamente:
Sustenta a Recorrente que ao probatório devem ser levados factos e não conclusões de facto ou de direito. Acrescentando que os factos que relevam são o envio da carta para notificação da liquidação e a data do seu registo e se foi ou não recepcionada, pretendendo eliminar dos pontos 5) e 7) as menções que se encontram apostas nas cartas devolvidas. Isto porque pretende, agora, explorar a factualidade relativa à falta de depósito na caixa de correio de qualquer aviso para levantamento da correspondência que tenha sido deixado pelo funcionário dos CTT no endereço do domicílio fiscal da Recorrente.
Conforme decorre da conclusão 38., a Recorrente pretende que os pontos 5) e 7) do probatório passem a ter a seguinte redacção:
“Ponto 5) A carta registada com aviso de recepção identificada no ponto anterior veio devolvida. - cfr. doc. de fls. 36 e 37 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.”
“Ponto 7) A carta registada com aviso de recepção identificada no ponto anterior veio devolvida.- cfr. doc. de fls.41 e 42 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.”
Ora, de facto, no verso das cartas devolvidas consta um carimbo e uma vinheta descrevendo que foi avisado, que não foi entregue no domicílio porque não atendeu, indicando a hora e a data em que não atendeu, identificando o giro e quem foi o carteiro, ficando avisado qual a estação dos correios em que fica depositada a carta para levantamento (Sabugo) e até que data não foi tal objecto reclamado.
Considerando todos estes elementos apostos no verso das respectivas cartas remetidas pela AT contendo as liquidações e não tendo a Recorrente invocado na sua petição de oposição que não estivessem na sua caixa do correio tais avisos para levantamento, não vislumbramos quaisquer motivos para alterar a matéria vertida nos pontos 5) e 7), que devem manter a seguinte formulação:
5) A carta registada com aviso de recepção identificada no ponto anterior veio devolvida com a indicação de «Avisado» e «objecto não reclamado» - cfr. doc. de fls. 36 e 37 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; (…)
7) A carta registada com aviso de recepção identificada no ponto anterior veio devolvida com a indicação de «Avisado» e «objecto não reclamado» - cfr. doc. de fls. 41 e 42 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
É nossa convicção não constar nestes pontos qualquer conclusão de facto, pois apenas são indicados os “dizeres” que se mostram mencionados nas cartas devolvidas, por forma a explicitar os motivos da devolução ao remetente. Note-se que na matéria vertida nestes pontos não se afirma que o destinatário foi avisado, mas antes que a carta tem a indicação de “avisado”, o que é substancialmente diferente.
Nas conclusões 48, 49 e 50 das alegações do recurso, a Recorrente considera que os seguintes factos [pontos de a) a h)] devem ser levados ao probatório, como matéria provada, uma vez que foram alegados na petição de oposição e confirmados pelos depoimentos das testemunhas, resultando provados, ainda, os factos elencados nos pontos e) a g) pelos documentos de fls 36 e 37, 41 e 42 do suporte físico dos autos, e, ainda, o facto elencado no ponto h) pelo documento n.º 1 junto com a oposição:
a)- que, a recorrente se encontrava na habitação secundária que possui na freguesia ..., concelho ..., desde a altura da passagem de ano e aí se manteve até à altura do Carnaval, data em que regressou para o seu domicílio fiscal, em ...;
b)- que, em sequência de uma inundação que ocorreu na noite de passagem de ano, naquela sua residência secundária, a recorrente e seu marido, «CC», tiveram de prolongar a sua estadia em ..., para levarem a cabo trabalhos de reparação e de recuperação, para repor a conformidade do imóvel;
c)- que, tais obras demoraram cerca de mês e meio, período em que a recorrente e seu marido, «CC», permaneceram em ..., tendo regressado ao seu domicílio fiscal, em ..., por altura do Carnaval,
d)- que, na sequência de tal acontecimento imprevisto na indicada residência secundária, a recorrente encontrava-se ausente do seu domicílio fiscal, no período a que se reportam as supra citadas notificações do Serviço de Finanças ...;
e)- que a recorrente, em virtude disso, esteva impossibilitada de recepcionar as mencionadas notificações, que delas não teve conhecimento, as quais foram devolvidas ao Serviço de Finanças ...;
f)- que a recorrente nunca recepcionou, os avisos mencionados na douta sentença recorrida, deles não tendo tido conhecimento, uma vez que não estavam depositados, nem foram deixados no endereço do seu domicílio fiscal pelo funcionário postal, para efeitos de levantar qualquer notificação/correspondência que fosse;
g)- que o Serviço de Finanças ... tinha conhecimento pleno que a recorrente não foi notificada das notas de liquidação;
h)- que, o Serviço de Finanças ..., conhecia perfeitamente a recorrente e seu marido, «CC» e que tinha os contactos pessoais de ambos – números de telemóvel e endereços electrónicos-, com quem estabeleceram contactos anteriores, através desses meios, para outros assuntos de natureza fiscal e, designadamente, no âmbito do processo de imposto sucessório, a que se reportam os presentes autos.
Na conclusão 51. das alegações do recurso, solicitou, também, em resultado, deverem ser levados ao probatório, como factos não provados, os seguintes:
aa- que o funcionário postal deixou no endereço do domicílio fiscal da recorrente, os avisos, referentes às correspondências- notificações- enviadas pela Administração Tributária, em 15.01.2010 e 29.01.2010;
bb- que a recorrente tenha recepcionado e tomado conhecimento desses avisos.
Como já resulta de tudo quanto ficou explicado neste acórdão, a matéria, relativa aos avisos não terem sido depositados nem deixados no endereço do domicílio fiscal da Recorrente pelo funcionário postal, é essencial para a decisão da causa e não foi invocada na petição de oposição, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 264.º do CPC (actual artigo 5.º), não poderá ser considerada, nem levada à decisão da matéria de facto, pelo que acolhemos a postura do tribunal recorrido ao descurar discutir e decidir se tal depósito ocorreu ou não no endereço do domicílio fiscal da Recorrente. A restante matéria foi e será considerada pelo tribunal, na medida em que não é controvertida e apenas se discute nos autos se poderá integrar o conceito de “justo impedimento”.
Deste modo, não se vislumbra a pertinência de destacar tais factos e contemplá-los autonomamente no probatório, tanto mais que não foram propriamente impugnados, tendo, sim, a Recorrida discordado das conclusões extraídas desses factos, visão que foi acolhida pelo tribunal recorrido ao julgar não se verificar um justo impedimento.
Efectivamente, os factos que, na óptica da Recorrente, deveriam constar da decisão da matéria de facto, correspondem, no fundo, a factos já ponderados e que integram a sentença recorrida. Nesta conformidade, nada há a aditar ao probatório, mantendo-se a decisão da matéria de facto estabilizada.

A Recorrente não se conforma com a sentença recorrida, que julgou improcedente a oposição deduzida, no processo de execução fiscal que lhe é movido para cobrança coerciva de Imposto sobre as Sucessões e Doações, com fundamento na falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade.
Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, em virtude de se considerar a Oponente validamente notificada.
Vejamos.
In casu, a AT procedeu à remessa de ofícios com vista à notificação da Recorrente da liquidação que consubstancia a dívida exequenda, através de carta registada com aviso de recepção (AR).
O que cumpre, pois, aferir é se todos os formalismos inerentes a este tipo de notificação foram respeitados, por forma a considerar-se a notificação perfeita dentro do prazo de caducidade.
Nos termos do artigo 39.º do CPPT, na redacção então em vigor:
“5 - Em caso de o aviso de receção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efetuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de receção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal.
6 - No caso da recusa de recebimento ou não levantamento da carta, previstos no número anterior, a notificação presume-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil”.
O que está ora em discussão é o alcance dos n.ºs 5 e 6 deste artigo 39.º.
Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03/05/2018, proferido no âmbito do processo n.º 032/18:
“No caso de o A/R ser devolvido ou se o mesmo não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução, por nova carta registada com A/R, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação de mudança de residência no prazo legal.
E nestes casos de recusa de recebimento ou não levantamento da carta, a notificação presume-se feita no 3.º dia útil posterior ao do registo.
Esta presunção de notificação só opera, portanto, nas duas referidas situações: (i) no caso de o destinatário se recusar a receber a notificação; (ii) no caso de não levantamento da carta (remetida para a notificação) no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se provar que, entretanto, o contribuinte comunicou à AT a alteração do seu domicílio fiscal (…).
(…) [R]elativamente à situação de não levantamento da carta, também Jorge Lopes de Sousa pondera o seguinte: (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª ed., Vol. I, anotação 8 ao art. 39.º, p. 386.)
Nesta perspectiva, o funcionamento da presunção referida dependerá, cumulativamente, de:
- ter sido deixado um aviso na residência do destinatário conhecida da administração tributária de que a carta com a notificação podia ser levantada;
- não se comprovar que, entretanto, o contribuinte comunicara à administração tributária a alteração da sua residência.
Assim, conjugando estas situações com as formas admitidas de ilidir a presunção constata-se que a presunção de notificação deixa de valer quando se demonstrar:
- que não foi deixado aviso para levantamento da carta;
- que, tendo sido deixado tal aviso, houve qualquer facto que obstou a que o destinatário fosse levantar a carta (justo impedimento);
- que o destinatário tinha mudado de residência e tinha já feito a comunicação da alteração à administração tributária;
- que o destinatário tinha mudado de residência há menos de 20 dias (prazo que lhe é concedido para comunicar a alteração de domicílio, no n° 1 do art. 43° do CPPT);
- que o destinatário tinha mudado de residência e provar que não pôde fazer tal comunicação no prazo referido.
Correlativamente, a presunção só valerá nos seguintes casos:
- quando tiver sido deixado aviso e não houver qualquer justo impedimento ao levantamento da carta;
- quando o destinatário tiver mudado de domicílio há mais de 20 dias e não tiver feito comunicação da alteração à administração tributária nem tenha estado impossibilitado de o fazer.»”.
Feito este enquadramento e atenta a matéria de facto provada, resulta que:
Em 15/01/2010, foi remetida carta registada com AR à Oponente, para o seu domicílio fiscal, visando a notificação da liquidação do imposto sobre sucessões em apreço; a notificação em causa foi devolvida ao remetente, sendo que o AR foi devolvido sem estar assinado e os serviços postais apuseram no sobrescrito diversas menções, designadamente “avisado” e “objecto não reclamado” (também consta “não atendeu”); foi remetida nova carta visando a notificação da Recorrente, em 29/01/2010, com AR e também para o seu domicílio fiscal; igualmente esta notificação foi devolvida ao remetente, sendo que o AR foi devolvido sem estar assinado e os serviços postais apuseram no envelope, entre outras, as menções “avisado” e “objecto não reclamado” (também “não atendeu”).
Do referido artigo 39.º, n.º 5, do CPPT resulta que, no caso de notificações efectuadas via correio postal registado com AR e na circunstância de não haver levantamento dentro do prazo (e haver, pois, devolução da notificação e do AR por assinar), a notificação deve ser repetida nos 15 dias seguintes à devolução.
Tal repetição, como decorre da factualidade assente, sucedeu, dentro dos formalismos exigidos, vindo também desta vez o AR devolvido sem assinatura e tendo sido apostas no envelope (também ele devolvido ao remetente) as menções “avisado” e “objecto não reclamado”.
O legislador consagrou, neste caso, uma presunção de notificação na circunstância de a carta não ter sido recebida ou levantada (cfr. n.º 6 do artigo 39.º do CPPT), presunção essa ilidível.
Imprescindível em situações como a dos autos é que, nos termos já mencionados supra, o destinatário da notificação tenha sido avisado, por parte do distribuidor de correio postal, de que a correspondência não entregue por ausência na residência está disponível para levantamento. Neste sentido, tal como foi decidido em primeira instância, veja-se o Acórdão do TCA Sul, de 24/06/2021, proferido no âmbito do processo n.º 631/10.0BELRS.
Ora, in casu, resulta provado, ao contrário do que defende a Recorrente, que esta foi avisada pelo distribuidor dos serviços postais, como expressamente decorre dos envelopes devolvidos, nos quais consta que a Recorrente foi avisada para levantamento de toda a correspondência na estação de correios de Sabugo. Ademais, as notificações foram remetidas para o domicílio fiscal da Oponente.
Realmente, a Recorrente percebeu, em face da prova documental ínsita nos autos, que não funcionaria a presunção se não tivesse sido deixado um aviso na sua residência, conhecida da administração tributária, de que a carta com a notificação podia ser levantada. Daí ter, unicamente em sede de recurso, vindo alegar esse facto decisivo, tentando transmitir a ideia de extravio/troca de correspondência devido à falta de número de polícia, por forma a alterar o sentido decisório plasmado na sentença recorrida. Como referimos, os factos essenciais para a decisão da causa devem ser alegados pelas partes com os respectivos articulados, não podendo, em fase recursiva, invocar-se factualidade que não ocorreu supervenientemente.
Ora, tal facto, a corresponder à realidade, deveria ter sido invocado na petição inicial e, na fase própria, ter sido objecto de instrução, dado não se apresentar superveniente; não podendo ser atendido em sede recursiva, principalmente quando se trata de matéria nova, nunca invocada anteriormente nos autos, e a decisão da matéria de facto se mostra estabilizada. É, naturalmente, esta última que será subsumida ao direito.
Nestes termos, conforme foi decidido pelo tribunal recorrido, apesar das devoluções das cartas, tal não obsta ao funcionamento da presunção da notificação prevista nos n.ºs 5 e 6 do artigo 39.º do CPPT, nada mais se impondo à AT, nomeadamente, a utilização de qualquer outro meio de notificação disponível (pessoal, edital ou por via electrónica), pois a AT não teria conhecimento da ausência temporária da Recorrente da sua residência principal declarada (domicílio fiscal).
No entanto, a Recorrente alegou factualidade que, na sua óptica, lhe permite afastar a presunção de notificação; sendo seu o ónus, como resulta do n.º 6 do artigo 39.º do CPPT.
Vejamos como a sentença recorrida apreciou o alegado “justo impedimento” para receber as cartas, tendo por base de análise a invocação de estadia, no período em que as cartas foram remetidas pela AT, em moradia secundária no Minho, por necessidade de acompanhamento dos trabalhos decorrentes de inundação aí ocorrida na passagem de ano:
“(…) Como ensina Alberto dos Reis, «o que está na base do conceito legal é este pensamento: o interessado não pode colocar-se ao abrigo do justo impedimento quando tenha havido, da sua parte, culpa, negligência ou imprevidência. Se o evento era susceptível de previsão normal e a parte não se acautelou contra ele, sibi imputet: a parte foi imprevidente. Se a parte contribuiu de qualquer forma para que o evento se produzisse, houve culpa do seu lado, o evento é-lhe imputável, não é estranho à sua vontade» (Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 72).
Nessa medida, não constituem fundamento de justo impedimento as hipóteses de negligência, descuido, esquecimento ou imprevidência dos interessados na invocação da “disciplina do justo impedimento”.
Por outras palavras, só se verifica uma situação de justo impedimento, em virtude da ocorrência de um facto independente da vontade da pessoa que invoca esse mecanismo e que um cuidado e diligências normais não fariam prever.
Ora, ainda que se admitisse a permanência da Oponente em residência secundária para o efeito de acompanhamento das obras que aí estariam a ser realizadas, sempre se lhe imporia o acautelar dos assuntos relacionados com a moradia principal e com as comunicações que para aí seriam endereçadas, sendo exigível (e expectável), por referência à diligência de um bom pai de família ou um homem normal, médio, face às circunstâncias do caso concreto, não desligar totalmente dos aspectos relacionados com a sua residência principal, precisamente para o inteirar dos demais assuntos com aquela relacionados, entre os quais os atinentes ao conhecimento da correspondência relativa às obrigações fiscais remetidas para aquele que era, afinal, o seu domicílio fiscal.
Ao não ter actuado desse modo sempre se imporá concluir que, dentro do quadro factual alegado nos autos, ter actuado a Oponente com imprudência, não ter agido com a diligência exigível, o que basta para afastar o justo impedimento invocado.
Dito de outro modo, uma coisa é a imprevisibilidade do acontecimento, no caso a alegada inundação em segunda habitação, outra é a não imputabilidade à parte da falta de notificação da liquidação, a qual sempre assentaria num comportamento imprudente, ao não averiguar, com a diligência e cuidado devidos, a correspondência enviada para a residência principal, rectius domicílio fiscal, que não poderá deixar de ser aqui reconhecido, não sendo, por isso mesmo, “merecedora de tutela jurídica a não recepção pelo sujeito passivo da comunicação de uma liquidação que lhe foi efectuada se, demonstrado que ficou que a AT respeitou os termos legais na notificação desse acto, o não recebimento é imputável àquele”, cfr. Acórdão do STA de 16-01-2013, recurso 0141/11, consultável em www.dgsi.pt. (…)”
Nas conclusões 140.ª e seguintes, até final, a Recorrente insurge-se contra este julgamento, defendendo que o conceito de justo impedimento abarca as situações em que a omissão ou o retardamento da parte se haja devido a motivos justificados ou desculpáveis que não envolvam culpa ou negligência séria. Sustentando que o que releva para a verificação do justo impedimento, mais do que a cabal demonstração da ocorrência de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática do acto, é a inexistência de culpa da parte, a qual deverá ser valorada em consonância com o critério geral estabelecido no n.º 2 do art.º 487.º do Código Civil. Acrescenta que a Recorrente não foi imprudente nem indiligente uma vez que os factos que a afastaram da sua residência principal foram imprevisíveis, não lhe sendo exigível que se mantivesse em casa, no seu domicílio fiscal, e perspectivasse que a Administração Tributária lhe iria enviar uma notificação ou que ali se mantivesse à espera que Administração Tributária se lembrasse de liquidar o imposto sucessório.
A Recorrente não se afasta do conceito teórico de “justo impedimento” tido em conta na sentença recorrida. Porém, o encaixe do caso concreto no estabelecido no n.º 2 do artigo 487.º do Código Civil revela uma análise diferenciada da culpa da Recorrente in casu.
O justo impedimento tem legal consagração, a título excepcional, por uma questão de justiça material, funcionando como uma válvula de escape à rigidez estabelecida na lei para a prática de certos actos, atendendo a ocorrências estranhas e não imputáveis ao obrigado à prática de um determinado acto.
A Recorrente recupera a noção de justo impedimento salientada por LOPES DO REGO, in Comentários ao Código de Processo Civil, página 125: “O que deverá relevar decisivamente para a verificação do «justo impedimento» – mais do que a cabal demonstração da ocorrência de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática atempada do acto – é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário no excedimento ou ultrapassagem do prazo peremptório, a qual deverá naturalmente ser valorada em consonância com o critério geral estabelecido no nº 2 do art. 487º do CC (…).”
Concordamos que o conceito de “justo impedimento” assenta, portanto, na inexistência de um nexo de imputação subjectiva, sendo pressupostos de ordem substancial: i) existência de evento que obsta à prática atempada do acto; ii) inexistência de culpa da parte.
Cabe, por isso, a quem invoca, em seu benefício, o instituto do justo impedimento, alegar e provar a sua falta de culpa, negligência ou imprevidência, ao invés da ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo, e tem, simultaneamente, de indicar os fundamentos factuais, apresentando as provas respectivas, a fim do julgador, após audição da parte contrária, aferir das circunstancias em que tal ocorreu, por comparação com o procedimento que um bom pai de família teria adoptado se colocado perante a mesma situação, para concluir pela existência, ou não, de culpa na situação concreta.
Se o evento for imputável a culpa, imprevidência ou negligência da parte, ou se esta contribuiu, por qualquer modo, para que aquele se produzisse, está-lhe vedado o recurso ao justo impedimento.
A Oponente na sua petição inicial limita-se a invocar uma sucessão de factos na sua habitação secundária, no Minho, que a levou a aí permanecer nas datas em que as notificações foram enviadas pelo Serviço de Finanças para o seu domicílio fiscal, o que a terá impedido de recepcionar as respectivas cartas, de ter conhecimento dos avisos (alegadamente) deixados pelo distribuidor postal e de proceder ao levantamento das cartas depositadas nos serviços postais.
Nada alega acerca da sua falta de culpa e, por isso, subsiste a dúvida acerca das razões que a terão levado a alhear-se completamente do correio destinado à sua habitação principal, desconhecendo-se por que motivo não terá incumbido terceiros de acautelar que a sua correspondência lhe chegaria oportunamente ao seu conhecimento ou mesmo, atento o período de ausência de mais de um mês e meio, qual o fundamento, por exemplo, para não ter solicitado aos serviços dos CTT, Correios o reencaminhamento da correspondência que lhe fosse, nessa ausência temporária, dirigida.
Confirmamos, assim, o julgamento realizado pelo tribunal recorrido, na medida em que não se mostra devidamente explicado o total desligamento da Recorrente do local do seu domicílio fiscal, ainda que tendo por motivação a inundação e as subsequentes obras necessárias na sua habitação no Minho, revelando um cuidado inferior ao que seria exigível ao homem médio ou ao bom pai de família. Com efeito, se é verdade que não lhe seria exigível que se mantivesse, ininterruptamente, na habitação do seu domicílio fiscal, aguardando que a AT lhe enviasse ofícios contendo a liquidação do imposto; é nossa convicção, contudo, que a Recorrente não alegou (e, portanto, não provou) os motivos para se ter comportado com uma diligência inferior à que lhe era exigível, ou seja, para não ter acautelado que a correspondência endereçada ao seu domicílio fiscal lhe chegasse ao conhecimento, nomeadamente, por via de encaminhamento, o que estaria na sua esfera de actuação zelar.
Assim, funcionando a presunção de notificação consagrada no artigo 39.º, n.º 6, do CPPT e não tendo a mesma sido ilidida, a Recorrente considera-se validamente notificada dentro do prazo de caducidade do direito de liquidar o imposto sucessório, na medida em que o facto tributário ocorreu em 08/05/2002, logo, a notificação da respectiva liquidação foi efectuada (em 01/02/2010) dentro do prazo de caducidade previsto no artigo 92º do CIMSISSD (oito anos seguintes à data do facto tributário), nos termos do disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 39º do CPPT, conforme decidido pelo tribunal recorrido.
Pelo exposto, falecendo todas as conclusões das alegações, urge negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Conclusões/Sumário

I. A presunção consagrada no artigo 39.º, n.º 5, do CPPT funciona quando ambas as notificações das liquidações foram remetidas para o domicílio fiscal do administrado, que, não tendo atendido no momento da distribuição da correspondência, foi avisado pelo distribuidor de correio postal para efeitos de levantamento dessa mesma correspondência e não o fez.
II. Esta presunção pode ser ilidida se o notificando provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de domicílio no prazo legal.
III. Cabe a quem invoca, em seu benefício, o instituto do justo impedimento, alegar e provar a sua falta de culpa, negligência ou imprevidência, ao invés da ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo.
IV. Não tendo sido feita esta prova por parte do destinatário, verifica-se a presunção da sua notificação no terceiro dia útil posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte (presunção esta reportada ao envio da segunda carta), quando esse terceiro dia não seja útil, conforme se retira do artigo 39.º, n.º 6, do CPPT.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo.

Porto, 25 de Maio de 2023

Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares