Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00893/18.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/17/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA; EXCESSO DE PRONÚNCIA; DISPENSA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA; NULIDADE PROCESSUAL.
Sumário:I- A nulidade de sentença por excesso de pronúncia ocorre quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.

II- Dentro deste parâmetros, não se deteta que a sentença recorrida tenha incorrido em excesso de pronúncia, uma vez que o Autor peticionou a emissão de uma pronúncia condenatória dirigida ao pagamento de créditos laborais no montante de € 5.271,90, resultando natural que, para o Tribunal a quo proceder à apreciação e decisão da pretensão condenatória jurisdicional formulada pelos Autores nos presentes autos, sempre este teria que se debruçar sobre a verificação dos legais pressupostos de que depende o reconhecimento do direito à perceção dos créditos laborais reclamados nos autos.

III - As nulidades processuais, conhecidas pelo interessado unicamente com a notificação da sentença, têm o mesmo regime das nulidades da sentença e devem ser arguidas no recurso interposto desta, quando admissível.

IV- O conhecimento do mérito da causa está incluído na alínea b) do artigo nº1 do artigo 87º-A, não podendo por isso ser a audiência prévia em tal caso dispensada ao abrigo das alíneas e), d) e f) do mesmo preceito.

V- A falta de convocação de audiência prévia e realização da mesma nos casos em que se pretenda conhecer imediatamente do mérito da causa configura uma irregularidade processual suscetível de gerar influir no exame ou na decisão da causa, conduzindo à anulação de todo o processado praticado na presente ação posterior ao momento em que se verificou a omissão processual, ademais e especialmente, da sentença recorrida.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:J.M.M.P.
Recorrido 1:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO

J.M.M.P., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 14.06.2019, proferida no âmbito da presente Ação Administrativa por este intentada contra o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, também com os sinais dos autos, que julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu o Réu do pedido.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:

(…)

1. O Recorrente instaurou os presentes autos contra o Recorrido FGS, pedindo o pagamento do montante de € 5.271,90, referente a créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação e correspondente à diferença entre o limite máximo global pelo qual este responderá (€ 10.026,00) e o valor efetivamente reconhecido;

2. A sentença impugnada julgando integralmente procedente (na parte já apreciada) a posição vertida pelo Recorrente na PI e na qual atacou cada um dos fundamentos invocados pelo Recorrido para o deferimento apenas parcial, acabou, no entanto, por julgar a ação improcedente, com um fundamento nunca antes suscitado nos autos, designadamente que o limite máximo assegurado será de seis vezes a retribuição mensal auferida pelo trabalhador, no caso € 3.480,00 (€ 580,00 X 6);

3. Aquela decisão, ao apreciar questão nunca antes suscitada nos autos, acabou por configurar uma decisão surpresa, porquanto o defendido pelo Recorrente na PI é de que o limite em questão será o correspondente a 18 RMMG à data da cessação do contrato, no caso € 10.026,00 (€ 557,00 X 18);

4. Efetivamente o Recorrido em momento algum considerou aplicável aquele limite, seja nos presentes autos, uma vez que os não contestou, seja no próprio processo administrativo ou ofícios de deferimento parcial juntos com a PI como documentos n°s 1 e 3;

5. Apreciou-se assim na sentença de que se recorre questão nunca suscitada nos autos, motivo pelo qual é aquela decisão nula ao abrigo do disposto nos artigos 140° n° 3 do CPTA e 615° n° 1 alínea d) do CPC;

6. Por outro lado, a Sra. Juiz não designou data para a realização da audiência prévia;

7. De acordo com o disposto no artigo 87° n° 1 al. b) do CPTA quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo e em parte, do mérito da causa, deverá convocar audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito;

8. De facto, se a Sra. Juiz entendia que o limite aplicável não era o defendido pelo Recorrente na PI, mas sim o equivalente a seis meses de retribuição, deveria ter dado ao Recorrente a oportunidade de se pronunciar sobre esta questão, na audiência prévia;

9. Conforme se decidiu no acórdão da Relação do Porto de 27-09-2017 acima devidamente identificado e transcrito em parte, a não realização da audiência prévia nos casos em que deveria ter lugar, por não ser permitida a sua dispensa, gera nulidade processual.

10. Assim, salvo o devido respeito, a sentença recorrida enferma de duas nulidades, a primeira decorrente do excesso de pronúncia e implica a sua revogação na parte que considerou o limite máximo global a suportar pelo Recorrido de seis retribuições e não seis vezes o triplo da retribuição mínima mensal garantia (conforme consta da PI), com a consequente condenação da Recorrida no pagamento do montante inicialmente peticionado; A segunda advém da falta da realização da audiência prévia, obrigatória no caso concreto, e determina a anulação de todos os atos posteriores à mencionada omissão;

Isto posto,

11. De acordo com o artigo 3° do NRJFGS “O Fundo assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, referidos no n.° 1 do artigo anterior, com o limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição, e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida”;

12. Analisado o referido preceito, salvo o devido respeito por melhor opinião, o limite máximo que o Recorrido FGS responderá será o correspondente a seis vezes o triplo da RMMG;

13. Conforme acórdão da Relação do Porto de 11-10-2017, processo 379/13.4TVPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt, “...ao trabalhador haverá de ser garantido, pelo FGS, o montante do seu crédito laboral não satisfeito pelo empregador, proveniente de salários vencidos e não pagos, subsídios e indemnização compensatória, até ao limite de 18 vezes o valor do salário mínimo. É este o limite máximo global que o FGS poderá ser chamado a suportar, obviamente sem prejuízo da prestação de um valor inferior, se inferior for o crédito do trabalhador. De resto, se dúvidas houvesse na interpretação desta norma, o que não se concede, sempre elas resultariam obliteradas pelo próprio Instituto da Segurança Social, que ilustra a situação num documento disponível em www.seg-social.pt, sob o título GUIA PRÁTICO FUNDO DE GARANTIA SALARIAL. Aí se referem claramente os termos do cálculo do limite máximo em questão: “Limite mensal: O Fundo de Garantia Salarial tem como valor máximo mensal 3 vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida (RMMG), que estava em vigor na data em que a entidade empregadora lhe devia ter pago o salário. Limite global: O Fundo de Garantia Salarial paga ao trabalhador o máximo de 6 salários mensais. Assim, o limite global garantido é igual a 18 vezes a retribuição mínima mensal garantida que está em vigor.”;

14. Não poderão resultar quaisquer dúvidas de que este é também o entendimento do Recorrido FGS, conforme o próprio transparece em inúmeras publicações acessíveis na internet e acima juntas como documentos n°s 1 a 3 e que aqui se dão como integralmente reproduzidas;

15. Acresce que este foi também o entendimento que o Recorrido teve relativamente a 3 ex-colegas de trabalho do Recorrente, também funcionários da sociedade declarada insolvente B.C.A.D., Lda e que também apresentaram junto do Recorrido requerimentos para Pagamento de Créditos Emergentes de Contrato de Trabalho, respetivamente F.A.A.M., J.M.S.C. e R.A.S.R.M., com salários base de € 740,00, € 620,00 e € 740,00 e nos quais o mesmo liquidou créditos no valor ilíquido de € 10.026,00, conforme documentos n°s 4 a 12 que acima se juntaram;

16. Também relativamente a outro ex-colega de trabalho do Recorrente, V.M.S.A., com um vencimento base de € 580,00, o Recorrido apesar de inicialmente ter reconhecido o pagamento de apenas de € 3.384,66, acabou por, já após instauração pelo mesmo também de ação administrativa comum a reclamar o pagamento da diferença para os € 10.026,00, reconhecer este mesmo valor - Cfr. Documentos n°s 13 a 15 acima também juntos;

17. Dúvidas não poderão restar que o Sr. Juiz a quo aplicou um limite que o próprio Recorrido FGS não reconhece como sendo o correto, ou seja, contrariamente ao entendimento vertido na decisão de que se recorre, o limite máximo global pelo qual aquele responderá será não o equivalente a seis meses de retribuição auferidos pelo Recorrido de € 580,00 X 6 = € 3.480,00, mas sim dezoito salários mínimos nacionais em vigor à data da cessação do contrato de trabalho (ano de 2017), o que perfaz o total de € 10.026,00 (€ 557,00 X 3 X 6),

18. Assim sendo, a decisão recorrida violou o princípio da igualdade consagrado no artigo 6° do CPA que, na sua vertente positiva, exige o tratamento igual de situações iguais;

19. Efetivamente, considerando que relativamente a vários ex-colegas de trabalho do Recorrente, a Recorrida entendeu que, independentemente da retribuição mensal auferida por cada um deles, o limite máximo global que teria que assegurar seria o equivalente a dezoito vezes a RMMG, a decisão impugnada terá que considerar também este valor;

20. Caso contrário teremos situações semelhantes relativamente a trabalhadores da mesma empresa insolvente tratados de maneira diferente, o que viola o disposto no artigo 6° do CPA,

21. Para além de violar igualmente o princípio da igualdade consagrado nos artigos 13° e 266° da CRP, motivo pelo qual enferma a mesma de inconstitucionalidade;

Isto posto,

22. O Novo Regime Jurídico do Fundo de Garantia Salarial foi aprovado pelo decreto-lei n° 598/2015 de 21 de abril, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n° 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador;

23. Resulta dos artigos 3° e 4° da Diretiva em análise que a mesma tem por objetivo que os Estados-Membros tomem medidas para as instituições de garantia assegurarem o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, incluindo, sempre que o direito nacional o estabeleça (como é o caso Português), as indemnizações devidas pela cessação da relação de trabalho, nomeadamente, indemnizações por antiguidade.

24. Mais se estabelece no artigo 4° que a duração do período que dá lugar ao pagamento dos créditos não pode ser inferior ao período relativo à remuneração dos últimos três meses da relação de trabalho, que esta duração não poderá ser inferior a seis meses, bem como que o período de referência de pagamento não poderá ser inferior a 18 meses.

25. De facto, salvo melhor opinião, parece ser o que resulta dos seguintes trechos do texto da directiva:“... esta duração não pode ser inferior ao período relativo à remuneração dos três últimos meses da relação de trabalho; Os Estados-Membros podem calcular este período mínimo de três meses com base num período de referência cuja duração não pode ser inferior a seis meses. Os Estados-Membros que fixarem um período de referência não inferior a 18 meses”. Ou seja, a retribuição a considerar não poderá ser inferior à dos últimos 3 meses (esta duração não pode ser inferior ao período relativo à remuneração dos três últimos meses da relação de trabalho), o período de referência que dá lugar a pagamento não poderá ser inferior a 6 meses (Os Estados-Membros podem calcular este período mínimo de três meses com base num período de referência cuja duração não pode ser inferior a seis meses) a que corresponde um período de pagamento que não poderá ser inferior a 18 meses (Os Estados-Membros que fixarem um período de referência não inferior a 18 meses.);

26. A Recorrida FGS faz uma correta interpretação do que resulta da diretiva ao considerar como limite máximo global o equivalente a 18 vezes a retribuição mínima mensal garantida (3 X 6 = 18);

27. Aliás, não é despiciendo trazer à colação o que resulta do disposto no número 3 parte final do artigo 4°: “Estes limites não devem ser inferiores a um limiar socialmente compatível com o objetivo social da presente diretiva”;

28. Como está bom de ver e mais uma vez salvo o devido respeito por melhor opinião, se os créditos a assegurar pelas instituições de garantia dos Estados-Membros deverão incluir as indemnizações devidas pela cessação dos contratos de trabalho, é por demais evidente que limitar o valor global a seis meses de retribuição auferidas pelo trabalhador não cumpre minimamente com o objetivo social da diretiva, porquanto não raras as vezes aquele montante não chegará sequer para liquidar os salários em atraso e, recorde-se, de acordo com a diretiva, as próprias indemnizações por cessação de contrato deverão estar incluídas;

29. Limitar o valor a seis meses de retribuição do trabalhador não cumpre minimamente o objetivo social da diretiva, bastando atentar que um trabalhador que aufira a RMMG e tenha por exemplo 20 anos de antiguidade, terá direito, numa situação como a dos autos, a uma indemnização que nos termos do artigo 396° do CT deverá ser graduada entre 15 e 45 dias de retribuição base por cada ano de contrato que, calculada no meio do intervalo, será de 12.000,00 [€ 600,00 (RMMG) X 20 anos];

30. Limitar o valor que aquele trabalhador terá direito a € 3.600,00 (€ 600,00 X 6) e considerar aqui incluídos todos e quaisquer créditos salariais como salários em atraso, subsídios de férias e de Natal, formação profissional não ministrada e indemnização por cessação de contrato de trabalho, não cumpre o objetivo social da diretiva, considerando que em muitas situações aquele valor dificilmente será suficiente para liquidar salário vencidos;

Subsidiariamente, caso assim não se entenda,

31. A questão em apreço radica no limite global pelo qual o Recorrido FGS deverá responder e impõe a análise quer de normativos nacionais (NRJFGS - Decreto-Lei n° 598/2015 de 21 de abril) quer de normas comunitárias (Diretiva n° 2008/94/CE);

32. Não existe jurisprudência comunitária acerca desta questão, pelo que, a não proceder a presente apelação nos termos sobreditos, deverão os presentes autos ser suspensos para que, ao abrigo do disposto no artigo 267° do TFUE, sejam suscitadas ao TJUE as seguintes questões prejudiciais: Os artigos 3° e 4° da Diretiva 2008/94/CE permitem que o limite máximo global a assegurar pelas instituições de garantia, no caso Português o Fundo de Garantia Salarial, seja inferior a dezoito retribuições mínimas mensais garantidas? Um limite máximo de seis retribuições de um trabalhador que aufira a retribuição mínima mensal garantida, atualmente de € 600,00, respeita os artigos 3° e 4° da Diretiva 2008/94/CE e é socialmente compatível com o objetivo social da diretiva quando, inclusivamente deverá incluir as indemnizações pela cessação do contrato?

Por fim,

33. A sentença recorrida violou, entre outros, o disposto nos artigos 87°-A n° 1 al. b), 87°-B n° 2, 140° n° 3 do CPTA, 6° do CPA 615° n° 1 alínea d) do CPC, 3° do NRJFGS, 3° e 4° da Diretiva 2008/94/CE, 13° e 266° da CRP

(…)".


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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido não contra-alegou.

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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo ainda sustentado a inexistência de qualquer nulidade da decisão judicial recorrida.

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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu o parecer a que alude o nº.1 do artigo 146º do CPTA.

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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, cumpre conhecer as questões suscitadas: (i) nulidade de sentença, por (i.1) excesso de pronúncia; e por (i.2) preterição de audiência prévia a que alude o artigo 87º-A do C.P.T.A.; e (ii) erro de julgamento de direito, por ofensa do disposto no artigos 3° do NRJFGS, 3° e 4° da Diretiva 2008/94/CE, 13° e 266° da CRP.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
“(…)

1) O Autor foi trabalhador da sociedade “B.C.O.D., Lda”, no período compreendido entre 24-09-2012 e 28-09-2017, data em que procedeu à resolução com justa causa do contrato de trabalho - Cf. doc. 4 junto com a p.i.;

2) Na data da cessação do contrato de trabalho, o Autor auferia, a título de retribuição base mensal, o montante ilíquido de € 580,00 - cf. doc. junto com a p.i.;

3) Por sentença de 01/09/2017, transitada em julgado em 25/09/2017, no âmbito do processo n.° 2288/17.9T8STS, do Juiz 2, do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, instaurado a 12/07/2017, foi a sociedade, “B.C.O.D., Lda”, declarada insolvente - cf. doc. 5 junto com a p.i.;

4) Na ação de insolvência o Autor apresentou reclamação de créditos junto do Administrador de insolvência no montante total de € 8 656,08 que foram reconhecidos, sendo: - € 2 372,66 referente a retribuição no período compreendido entre 01/06/2017 e 11/08/2017; - € 114,38 relativo a duodécimos de subsídio de férias de junho, julho e agosto de 2017; - € 580,00 a férias não gozadas referente ao trabalho prestado no ano de 2016; - € 114,38 referente a duodécimos de subsídio de Natal de junho, julho e agosto de 2017; - € 216,42 a subsídio de alimentação de 01/06/2017 a 11/08/2017; - € 2.900,00 a indemnização pela cessação do contrato de trabalho; - € 2 913,54 a formação profissional (€ 586,25) e trabalho suplementar (€ 2 327, 29) - cf. doc. 6 junto com a p.i.;

5) Em 17/11/2017, o Autor requereu ao FGS o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, no montante global de € 8 656,08 ;

6) Em 06/12/2017, o Presidente do Conselho de Gestão do FGS proferiu o seguinte despacho de deferimento parcial do pedido que notificou ao A. pelo ofício seguinte:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

7) Por sentença de 11/04/2018, transitada em julgado em 02/05/2018, proferida no apenso de verificação ulterior de créditos, que correu termos no processo sob o n.° 2288/17.9T8STS-B, no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, Juiz 2, foi verificado e reconhecido o crédito laboral do ora Autor, no montante global de € 8 656,08 - cf. documentos a fls. 38 e ss dos autos (suporte físico).

8) O FGS pagou ao Autor a quantia de € de € 3.208,63, a título de créditos reclamados.

(…)”


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III.2 - DO DIREITO
Assente a factualidade que antecede, cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas no recurso jurisdicionais em análise.
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I- Da nulidade de sentença, por excesso de pronúncia
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Nos termos do n.º 1 do artigo 615º do CPC, é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – alínea d), e quando condene em quantidade superior ao em objeto diverso do pedido – alínea e).
A nulidade da sentença por excesso de pronúncia constitui o reverso da emergente da omissão de pronúncia.
Verifica-se esta, quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
Ao que sejam “questões”, para estes efeitos, respondem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto no Código de Processo Civil Anotado, 2.º, 2.ª edição, pág. 704: são “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”, não significando “considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito [artigo 511-1] as partes tenham deduzido…”[página 680].
No mesmo sentido se podendo ver, A. Varela, RLJ, 122,112 e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 195.
E tem sido particularmente reiterada a jurisprudência que o juiz deve conhecer de todas as questões, não carecendo de conhecer de todas as razões ou de todos os argumentos [cfr-se., por todos, os Ac. de 25.2.1997, no BMJ, 464 – 464 e de 16.1.1996, na CJ STJ, 1996, 1.º, 44 e, em www.dgsi.pt, os de 13.9.2007, processo n.º 07B2113 e de 28.10.2008, processo n.º 08A3005].
Ou seja, só há excesso de pronúncia para estes efeitos, se o tribunal conheceu de (i) pedidos, (ii) causas de pedir ou (iii) exceções de que não podia tomar conhecimento.
Volvendo ao caso concreto, temos que, o Autor, aqui Recorrente, por intermédio da presente ação, pretende obter a anulação do “(…) despacho de 6 de dezembro de 2017 do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial que apenas deferiu parcialmente o requerimento apresentado pelo Autor para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho (…)”.

A par do pedido anulatório, o Autor formulou também um pedido de condenação “(…) da Ré no pagamento do valor de € 5.271,90, acrescido de juros de mora até efetivo e integral pagamento (…)”.

Assim, tendo presente o que se acaba de expender, considera-se que a sentença recorrida não violou as normas processuais citadas, uma vez que o Autor, aqui Recorrente, peticionou [também] a emissão de uma pronúncia condenatória dirigida ao pagamento de créditos laborais no montante de € 5.271,90.

Deste modo, é natural que para o Tribunal a quo proceder à apreciação e decisão da pretensão condenatória jurisdicional formulada pelo Autor nos presentes autos, este teria que se debruçar sobre a verificação dos legais pressupostos de que depende o reconhecimento do direito à perceção dos créditos laborais reclamados nos autos, aqui se incluindo a definição dos limites máximos das importâncias a pagar pelo Fundo de Garantia Salarial à luz do regime legal vigente.

E, se assim é, então nunca se poderia considerar que o Tribunal conheceu de questões que não foram suscitadas pelas partes ou que condenou o Réu em objeto diverso do que fora peticionado pelo Autor.

Por conseguinte, não ocorre o excesso de pronúncia invocado pelo Recorrente.


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II- Da nulidade de sentença, por preterição da audiência prévia
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Esta questão está veiculada nos pontos 6 a 10 das conclusões, substanciando-se, no mais essencial, na alegação de que o Tribunal a quo preteriu a audiência prévia a que alude o artigo 87º-A do C.P.T.A., cuja realização era obrigatória, o que gera nulidade processual e determina a anulação de todos os atos posteriores à mencionada omissão.
Vejamos, sublinhando, desde já, que, examinando a constelação argumentativa do Recorrente, resulta cristalino que não nos movemos no domínio do disposto no artigo 615º e seguintes do CPC, mas antes do ali preceituado sob os artigos 195º e seguintes, ou seja, no âmbito de nulidades processuais.
A propósito da possibilidade de arguição de nulidades processuais no âmbito do recurso jurisdicional, pode ler-se no sumário do Acórdão prolatado pelo T.C.A.S. nº 12356/1, 31.07.2015, consultável em www.dgsi.pt, e que aqui se acompanha: “(…) É entendimento jurisprudencial corrente dos tribunais integrados na jurisdição administrativa e fiscal que as nulidades processuais, conhecidas pelo interessado unicamente com a notificação da sentença, têm o mesmo regime das nulidades da sentença (cfr. n.ºs 2 e 4 do art. 615º, do CPC de 2013) e devem ser arguidas no recurso interposto desta, quando admissível – neste sentido, entre outros, Acs. do STA de 9.4.1997, proc. n.º 021070, 30.1.2002, proc. n.º 026653, 7.7.2004, proc. n.º 0701/04, 27.9.2005, proc. n.º 0402/05, e 6.7.2011 (Pleno), proc. n.º 0786/10, Ac. do TCA Sul de 7.5.2013, proc. n.º 06393/13, e Ac. do TCA Norte de 14.7.2014, proc. n.º 0875/10.5 BEBRG.(…)”.
No caso em análise, o ora Recorrente só com a notificação da sentença proferida teve conhecimento da falta de realização da audiência prévia a que alude o artigo 87º-A do C.P.T.A., pelo que o recurso jurisdicional interposto dessa sentença é o meio adequado para reagir contra essa alegada nulidade, razão pela qual importa proceder à sua apreciação.
Por conseguinte, vejamos se ocorre o invocado desvio processual, e, em caso afirmativo, se o mesmo é suscetível de gerar ou possa influir no exame ou na decisão da causa.
Neste domínio, dir-se-á ser verificável que, no processo em análise, (i) que a petição inicial deu entrada em juízo em 10.04.2018; (ii) que o Réu foi citado para contestar em 17.10.2018, tendo optado por não o fazer; (iii) que em 24.10.2018 foi junto o Processo Administrativo aos autos; (iv) e que, após a notificação ao Autor e, bem assim, ao Ministério Público, este nos termos do n.º 7 do art.º 84.º e do n.º 4 do art.º 85.º, ambos do CPTA, da apensação aos presentes autos do Processo Instrutor, a Meritíssima Juíza a quo promanou, sem mais, a sentença recorrida nos autos, conhecendo do mérito dos autos.
Assoma, portanto, evidente que o Tribunal a quo avançou para a prolação da sentença recorrida sem primeiramente (i) emanar despacho a convocar audiência prévia e realizar a mesma ou (ii) emanar despacho a fundamentar a não realização de audiência prévia.
A questão se coloca é a de saber de a lei prescreve necessariamente tais formalidades, e, em caso afirmativo, se omissão da mesmas corresponde a irregularidades suscetíveis de invalidar a decisão tomada.
Neste domínio, cabe notar que a marcha da ação administrativa encontra-se regulada nos artigos 78º e a 96º do C.P.T.A.
Nos termos destas disposições, e para o que ora nos interessa, mais concretamente do artigo 87º do referido diploma legal, uma vez concluídas as diligências de aperfeiçoamento previstas no nº.1 do citado preceito legal, ou não sendo estas necessárias, tem lugar a realização da audiência prévia prevista no artigo 87º-A do C.P.T.A.
Esta diligência pode, no entanto, não se realizar caso (i) “(…) seja claro que o processo deve findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória (…)” [cfr. artigo 87.º-B, n.º 1 do CPTA] ou (ii) nas situações em que o juiz entenda dispensar a sua realização [cfr. artigo 87.º-B, n.º 2 do CPTA].
Ora, a primeira hipótese não tem aplicação no caso versado, visto que o processo não conheceu sequer matéria excetiva.
Quanto à segunda hipótese aventada, saliente-se que os casos em que a lei permite a dispensa da audiência são apenas os ressalvados aos previstos nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do artigo 87º do C.P.T.A., ou seja, para proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 88.º, para determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização do processo; e, bem assim, para proferir, após debate, despacho destinado a identificar o objeto do litígio e enunciar os temas da prova, e decidir as reclamações deduzidas pelas partes.
Contudo, o conhecimento do mérito da causa está incluído na alínea b) do artigo nº1 do artigo 87º-A, não podendo por isso ser a audiência prévia em tal caso dispensada ao abrigo das alíneas e), d) e f) do mesmo preceito.
O que serve para concluir que, entendendo a Meritíssima Juíza a quo que poderia conhecer, em sede de despacho saneador, acerca do mérito da ação, deveria, em cumprimento do prescrito na alínea b), do nº. 1, do artigo 87º-A do CPTA, convocar audiência prévia.
Não o tendo feito, incorreu em omissão de um ato processual expressamente prescrito na lei.
Poder-se-á, contudo, objetar que, não obstante o que se vem de expor, sempre poderia a Meritíssima Juíza a quo dispensar a realização da audiência, fazendo uso do poder de gestão processual na dimensão do poder de simplificação e agilização processual [cfr. artigos 6.º do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA]”.
Contudo, em face do que deriva do nº. 3 do artigo 87-B do CPTA - donde emerge que, se alguma das partes pretender reclamar dos despachos proferidos para os fins previstos nas alíneas e), f) e g) do n.º 1 do artigo anterior, pode requerer, em 10 dias, a realização de audiência prévia, que, neste caso, deve realizar-se num dos 20 dias seguintes - entendemos que o recurso a esta faculdade deve ser sempre (i) fundamentado e (ii) absolutamente precedido da manifestação da intenção da dispensa de realização da audiência prévia acompanhada da concessão de um prazo de 10 dias para, as partes, querendo, virem opor-se a tal intenção judicial.
Todavia, conforme emerge grandemente do supra exposto, as partes não foram sequer ouvidas acerca da possibilidade de dispensa de realização da audiência prévia, nem quanto à possibilidade de se poderem opor a tal no prazo de 10 dias.
Pelo que nem sequer é equacionável in casu a dispensa de audiência prévia com fundamento no poder de gestão processual na dimensão do poder de simplificação e agilização processual.
A questão que se coloca, no seguimento, é a de saber se tal irregularidade processual é suscetível de gerar ou possa influir no exame ou na decisão da causa, designadamente, por violação do princípio do contraditório a que se reporta o artigo 3º, nº 3 do CPC do Novo Código de Processo Civil, conduzindo à nulidade da decisão recorrida.
A resposta é claramente favorável às pretensões do Recorrente.
Na verdade, a convocação da audiência prévia prevista no artigo 87º-A do C.P.T.A visa, desde logo, assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, e, assim, evitar decisão-surpresa em obediência ao preceituado no artigo 3º, nº 3 do CPC.
No caso concreto, é absolutamente insofismável que não lhe foi dado o direito ao contraditório sobre a (i) diferente tramitação da causa, bem como sobre a (ii) prolação de decisão de mérito sem necessidade de produção de prova.
Ora, não é possível formular um qualquer juízo de que a omissão da tramitação devida não possa influir no exame ou na decisão da causa, de modo a que se possa considerar sem relevo no contexto da causa.
Isto porque, em rigor, o princípio do contraditório não implica um juízo do juiz quanto à necessidade de ouvir as partes, nomeadamente por considerar que elas ainda têm algo a dizer-lhe com relevo para o que tem a decidir.
Implica, antes, que as partes têm o direito de dizerem ao juiz aquilo que naquele momento ainda entendem ser relevante.
Ora, podendo as partes estar impedidas de carrear novos factos para os autos, podendo ter já abordado todas as questões a apreciar, podem ainda, na perspetiva de uma decisão imediata, querer aprofundar algumas questões, ou, talvez mais relevante, podem querer infirmar a conclusão a que o juiz chegou de que lhe era possível decidir.
Essa é, pelo menos, uma oportunidade relevante cerceada.
E não pode presumir-se que, mesmo sendo exercida, a decisão seria a mesma.
Pela simples razão de que não foi exercida.
Além de que o princípio do contraditório impede o juiz considerar irrelevante a audição das partes, quando persistam no processo questões sobre que se não pronunciaram, como seja, a possibilidade de decisão de mérito sem produção de prova, como sucedeu nos autos.
Desta feita, na medida em que o Recorrente viu defraudada essa expectativa que a lei lhes assegurava, e não podendo presumir-se que, mesmo sendo exercida, a decisão seria a mesma, sendo certo que o princípio do contraditório impede o juiz considerar irrelevante a audição das partes, quando persistam no processo questões sobre que se não pronunciaram, como seja, a possibilidade de decisão de mérito sem produção de prova, como sucede nos autos, impõe-se reconhecer a razão do apelante na invocação da nulidade processual.
Assim também o têm entendido os Tribunal Centrais Administrativos, com maior ou menor variação de fundamentação.
Cita-se a título de exemplo os recentíssimos Acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Norte e do Tribunal Central Administrativo Sul, de 01.03.2019 e 12.09.2019, respetivamente, tirados no processo nº. 0277/18.5BECBR e nº. 1780/14.1BESNT, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.
Consequentemente, deve ser anulado o todo o processado praticado na presente ação posterior ao momento em que se verificou a omissão do despacho preterido, ademais e especialmente, a sentença recorrida, e determinar a baixa dos mesmos de modo a sanar-se a nulidade processual com o normal prosseguimento da causa, mormente com a prolação do despacho a convocar a realização da audiência prévia e a realização da mesma, se a tanto nada obstar.
Ao que se provirá no dispositivo, o que determina a prejudicialidade no conhecimento das demais questões objeto de recurso [artigo 608º nº.2 do CPC].
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, e, em consequência, anular todo o processado praticado na presente ação posterior ao momento em que se verificou a omissão do despacho preterido, ademais e especialmente, a sentença recorrida, e determinar a baixa dos mesmos de modo a sanar-se a nulidade processual com o normal prosseguimento da causa, mormente com a prolação do despacho a convocar a realização da audiência prévia e a realização da mesma, se a tanto nada obstar.
Sem custas.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 17 de janeiro de 2020,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Fernanda Brandão
Helder Vieira