Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00917/12.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/29/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:SISTEMA DE INCENTIVOS REGIONAIS; INELEGIBILIDADE DE DESPESAS; ORDEM DE REEMBOLSO; ARTIGO 38.º DO CPTA.
Sumário:I-O D.L. 193/94, de 19/06, criou o Sistema de Incentivos Regionais ( SIR), que teve por objetivo contribuir para o desenvolvimento equilibrado das regiões, incentivando o potencial de desenvolvimento endógeno, através de medidas que contribuam para a criação de emprego e para a diversificação da produção de bens e serviços regionais.

II- De acordo com a previsão do artigo 22.º, n.º1 do DL 193/94, a rescisão do contrato de incentivos apenas pode ser determinada por despacho do Ministro do Planeamento e da Administração do Território, sob proposta fundamentada da comissão de seleção, com base nas informações fornecidas pelas entidades mencionadas no n.º2 do art.º 17.º do mesmo diploma.

III- Apenas há rescisão do contrato de ajuda financeira quando o contrato é extinto e exigida a restituição integral de todo o montante das ajudas pagas, o que não ocorre quando a Administração se limita a exigir o reembolso de parte das ajudas já pagas e se recusa a pagar o montante das ajudas ainda adiantadas ao beneficiário.

IV- Não tendo a beneficiária das ajudas financeiras impugnado a decisão que considerou inelegíveis certas despesas e que, em consequência, determinou a Administração a exigir-lhe o reembolso de parte das ajudas pagas e a recusar pagar-lhe o montante das ajudas ainda não recebidas, deixou que se consolidasse na sua esfera jurídica os efeitos negativos de tais atos administrativos.

V-Não tendo sindicado judicialmente tais atos, fica prejudicado o exercício desse seu direito através desta ação, que não pode ser utilizada para contornar os efeitos que deixou que se consolidassem (artigo 38.º do CPTA/2004). *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:E., Lda.
Recorrido 1:IAPMEI - Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO

1.1.E., Ld.ª, com sede social na Zona (…), em (…), (…), moveu a presente ação administrativa comum contra o IAPMEI - Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento, com sede na Rua (…), em (…), e contra o ESTADO PORTUGUÊS, pedindo a condenação do 1.º réu:
(i) no pagamento à autora do remanescente em dívida do valor do financiamento aprovado para o projeto em causa, no montante de 28.434,89€;
(ii) no pagamento dos juros de mora, sobre tal quantia, calculados à taxa legal anual de 7% desde 26 de junho de 2002 até 30 de Abril de 2003 e de 4% desde tal data até integral pagamento, juros esses que até à presente data perfazem já a quantia de €11.370,84;
(iii) a reembolsar a autora das despesas por esta suportadas com a manutenção da garantia bancária emitida a favor do IAPMEI, desde setembro de 2002 até dezembro de 2009, no valor de 9.955,22€;
(iv) no pagamento de juros calculados sobre tais despesas, calculados às referidas taxas de 7% e 4%, desde as datas em que cada um dos pagamentos foi efetuado pela autora à Caixa Agrícola, até integral pagamento, juros estes que até à presente data totalizam a quantia de 1.912,34€.€.
(v) no pagamento das despesas que a autora vier a suportar com tal garantia bancária, após dezembro de 2009 até à data em que a mesma vier a ser cancelada, a liquidar posteriormente.
(vi) no cancelamento da garantia bancária emitida pela Caixa de Crédito Agrícola a favor do IAPMEI, em 22 de junho de 2001, com o n.º 082/DCP/2001, no valor de 14.251,708 contos.
SUBSIDIARIAMENTE,
(i) ser o 2.º Réu condenado nos precisos termos supra indicados.
Alegou, para tanto, em síntese, que em 11 de abril de 1997 apresentou uma candidatura ao Sistema de Incentivos Regionais (SIR), aprovado e regulamentado pelas disposições do Decreto-Lei n.º 193/94, de 19 de julho e pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 67/94, publicada a 11 de agosto, com vista à obtenção de um incentivo financeiro para a execução de um projeto de investimento destinado à criação de uma estação de serviço de manutenção e reparação de veículos automóveis.
A essa candidatura foi atribuído o n.º 43/05862, tendo, após análise, sido aprovada pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI).
Recebeu o respetivo contrato de incentivos em 26 de abril de 2001, assinou-o no dia seguinte e o IAPMEI, em 25 de maio de 2001.
Nos termos da cláusula 2.ª do referido contrato, foi-lhe atribuído um incentivo financeiro, sob a forma de subsídio a fundo perdido, no montante global de Esc. 28.503.416$00 (142.174,44 Euros).
O pagamento desse subsídio deveria ser efetuado pelo IAPMEI após realização do projeto, mediante apresentação dos documentos justificativos das despesas.
Durante a fase de execução do investimento, podia receber, contra a prestação de garantia bancária, adiantamentos sobre o montante do subsídio.
Em 20 de novembro de 2001, o IAPMEI, depois da comprovação documental da realização de 50,1% das aplicações relevantes do investimento, decidiu pagar 80% do subsídio a fundo perdido, no valor de 22.802,733 contos (113.739,55 euros).
Recebeu esse valor, através de cheque enviado pelo IAPMEI, em 31 de dezembro de 2001, depois de lhe ter entregue uma garantia bancária emitida pela Caixa de Crédito Agrícola, em 22 de junho de 2001, com o n.º 082/DCP/2001, no valor de 14.251,708 contos.
Posteriormente, em 30 de abril de 2002, após conclusão do projeto de investimento, entregou ao IAMPMEI o “dossier de saldo”, solicitando o pagamento por esse Instituto dos restantes 20% do incentivo aprovado, no montante de 5.700,684 contos (28.434,89 euros), que ainda não havia sido pago.
Depois de ter sido documentalmente comprovada a realização da totalidade do investimento previsto, o IAPMEI procedeu à devolução dos originais dos documentos de despesa, em 26 de unho de 2002.
Tendo sido comprovado pelo IAPMEI a realização da totalidade do investimento previsto, estava o mesmo, legal e contratualmente, imediatamente obrigado a pagar-lhe o remanescente do valor do incentivo aprovado e que ainda não tinha sido pago, no montante de quantia de 5.700,684 contos (28.434,89 euros).
Apesar dos sucessivos contactos com o IAPMEI, com vista à solicitação do referido pagamento, o mesmo ainda não foi efetuado.
Durante todo este tempo, continua a ver-se obrigada a proceder ao pagamento à Caixa de Crédito Agrícola da comissão inerente à emissão da garantia bancária que teve de entregar ao IAPMEI a fim de receber o adiantamento acima mencionado.
O IAPMEI não só não lhe paga aquilo que lhe é devido, desde há muito, como igualmente não procede à libertação da referida garantia, só podendo ser cancelada, mediante autorização do IAPMEI.
O projeto de investimento encontra-se concluído, pelo menos desde junho de 2002, data em que o IAPMEI deveria ter autorizado o cancelamento da mencionada garantia bancária, pelo que, não o tendo feito, teve já de pagar indevidamente a este respeito a quantia de 9.955,22€ desde setembro de 2002 até setembro de 2011.
Continua a ver-se obrigada a pagar à Caixa Agrícola, cerca de 278 euros por cada trimestre em que a garantia esteja em vigor.

1.2. Regularmente citado, o Estado Português contestou, deduzindo defesa por exceção invocando a ocorrência de caso julgado e a sua ilegitimidade passiva. Defendeu-se também por impugnação, contrariando a argumentação expendida pela autora, e, requerido a improcedência da ação.

1.3. Regularmente citado, o IAPMEI contestou, defendendo-se por impugnação, invocando, em síntese, que após a apresentação pela Autora do dossier de saldo, procedeu à verificação física, documental e contabilística da realização do investimento, tendo concluído pela comprovação de apenas 44,7% das Aplicações Relevantes previstas.
Tal conclusão deve-se ao facto de ter havido impossibilidade de aceitação das despesas efetuadas pela Autora posteriores a 31-12-2000.
Essa conclusão foi comunicada à Autora pelo ofício n.º CVP-Norte/74068 datado de 17 de outubro de 2005, solicitando-lhe ainda a devolução de € 50.308,76 de incentivo processado em excesso.
A Autora reagiu a essa decisão por fax datado de 21 de outubro de 2005, tendo remetido a carta datada de 21 de outubro de 2005, insistindo pelo pagamento de € 28.434,89, sob pena de entregar o assunto ao seu advogado.
Os argumentos da Autora relativamente aos prazos de execução aprovados não têm fundamento, uma vez que remetem para as datas constantes do Anexo II do contrato, as quais dizem respeito às datas de utilização do incentivo e não às datas de realização do investimento.
O contrato estabelece no ponto 1 da cláusula segunda que o processo de candidatura faz parte integrante do mesmo.
De acordo com o referido processo, a calendarização prevista para a realização do investimento era a seguinte: início – junho de 1996 e conclusão – dezembro de 1996, com arranque da laboração em janeiro de 1997.
A alínea b) do n.º 1 da cláusula sexta determina que a conclusão da realização do projeto deveria efetuar-se até junho de 1997.
Através da Nota de Serviço n.º 8486/CVP-Norte/2005, de 25 de outubro foi solicitado o parecer da Unidade Jurídica do IAPMEI quanto às medidas a tomar, que pela NS n.º 8701/UJUR/2005, de 2 de novembro, considerou que o promotor não tem qualquer fundamento jurídico para solicitar o pagamento de € 28.434,89, a menos que conseguisse provar que o seu investimento tem Aplicações Relevantes superiores a 44,7% do previsto, o que não é real, nem possível.
Este parecer foi comunicado à Autora em 03 de março de 2007, aquando de um novo pedido de devolução do incentivo de € 50.308,76, dando ainda conta de que a verificar-se a falta de pagamento no prazo de 5 dias, o processo transitaria para contencioso.
A transferência do processo para a Unidade Jurídica do IAPMEI ocorreu apenas em 09 de abril de 2008, através da Nota de Serviço n.º 6829/2008-DGOR/DPF.08-CR/CS, em virtude do advogado da Autora ter remetido em 07 de março de 2007 um fax a solicitar o agendamento de uma reunião, a fim de se verificar da possibilidade de um entendimento quanto à resolução da situação por via extrajudicial.
Na reunião que foi efetuada em 11 de abril de 2007, a Autora foi esclarecida de que as datas referidas no Anexo II do contrato diziam respeito às de utilização do incentivo, a qual só poderia ocorrer depois da assinatura do mesmo.
Quanto à data de execução do investimento, não houve qualquer pedido expresso que alterasse o previsto em fase de candidatura e vertido no contrato no n.º 1 da cláusula segunda, bem assim como na alínea b) do n.º 1 da clausula sexta.
Deu conhecimento de que o Sistema de Incentivos Regionais (SIR) terminara em 31 de dezembro de 2001 e que os equipamentos ao terem sido adquiridos na sua maioria em 2002 não poderiam ser considerados como elegíveis, obrigando a uma redução do montante das Aplicações Relevantes (AR’s), uma vez que, conforme definido na legislação regulamentadora do Sistema, as despesas elegíveis em edifícios não podem ultrapassar os 50% das AR’s totais.
A Autora não tem fundamento contratual nem legal para poder exigir do IAPMEI qualquer prestação como as que peticiona na presente ação.
A Autora, apesar de ter visto o projeto aprovado em março de 2001, não realizou a totalidade do investimento antes de 31 de dezembro de 2000, pelo que há lugar à devolução de € 50.308,76, por já se ter processado 80% do incentivo aprovado e só se ter comprovado a realização de 44,7% das AR’s previstas.
A libertação da garantia bancária, só poderá ser efetuada após regularização da situação de incumprimento para com o IAPMEI e apresentação de documentação comprovativa do cumprimento da condicionante relativa ao licenciamento camarário.
Foi decidido que a libertação da garantia bancária ocorreria após o pagamento da devolução solicitada e apresentação do licenciamento camarário.
A obrigação de devolução do adiantamento é interdependente da prestação da garantia, servindo mesmo para garantir esse reembolso, sendo adverso ao estipulado na garantia, e contra o contrato, que se liberte a garantia antes da prestação que ela garante se cumprir.
Para o investimento no imóvel ser legalmente admissível, será necessário o cumprimento da condicionante relativa ao respetivo licenciamento camarário.

1.4. Com a sua contestação, o Réu juntou aos autos o Processo Administrativo, do que a Autora foi notificada, relativamente a cujo teor nada alegou e/ou requereu.

1.5. A Autora apresentou réplica quanto á matéria de exceção suscitada pelo Réu Estado Português, pugnando pela sua não verificação.

1.6. Foi realizada audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador que absolveu o Réu Estado Português da instância, fixou o objeto do litígio e os temas da prova, admitiu a prova e designou dia para realização da Audiência final.

1.7. Após audiência final, o TAF proferiu sentença que julgou a ação totalmente improcedente constando a mesma do seguinte segmento decisório:
«Termos em que, julgo a presente acção totalmente improcedente, e consequentemente, absolvo o Réu dos pedidos contra si formulados.
Custas a cargo da Autoraartigo 527.º n.º 1 do Código de Processo Civil e artigos 6.º n.º 1, 11.º e 13.º, n.º 1, todos do Regulamento das Custas Processuais.
Registe e notifique.»

1.8. Inconformada com a decisão que julgou a ação improcedente, a Autora interpôs recurso jurisdicional, apresentando as seguintes conclusões:
«A) A sentença julgou a acção improcedente em virtude da recorrente não ter impugnado contenciosamente as notificações que lhe foram efectuadas pelo réu, designadamente através do ofício da CVP-Norte de 17/10/2005 e do ofício da unidade de finanças do réu IAPMEI, com a referência UFIN/CF.07/CR-CS, de 03/03/2007 (recebido pela autora em 08/03/2007), comunicando o teor de um parecer jurídico, o que constituiria impedimento legal para a utilização da presente acção administrativa comum, nos termos do disposto no art. 38º, nº 2 do CPTA.
B) Ainda nos termos da sentença, tais notificações constituem decisões, ou seja, “um acto administrativo que, no contexto em que é proferido e levado ao conhecimento da Autora, comporta lesividade da sua esfera jurídica, pois nega-lhe o reclamado direito, e que, não tendo sido objecto de impugnação, se encontra consolidada na ordem jurídica administrativa.”
C) Não pode a recorrente concordar minimamente com tal conclusão e, muito menos, com a decisão proferida, pelos fundamentos que infra se aduzem.
D) Foram julgados não provados os pontos 160, 220, 230, 260 e 270 da petição inicial, mormente no que respeita às despesas suportadas pela ora recorrente, com a prestação da garantia bancária.
E) Tal decisão estribou-se no facto da autora não ter logrado “fazer prova cabal nesse sentido. Efectivamente, tendo o réu alegado desconhecer se são verdadeiros os documentos atinentes a essa matéria, as testemunhas arroladas pela Autora apenas se pronunciaram, essencialmente, sobre a tramitação do procedimento da candidatura no seio do Réu, e absolutamente nada quanto aos encargos e despesas com a prestação da garantia bancária por parte da Autora.”
F) Não pode a recorrente concordar com tal entendimento vertido na sentença.
G) Com efeito, contrariamente ao referido na sentença, nesta parte, o ora recorrido não impugnou qualquer dos documentos juntos pela autora na p.i., designadamente os documentos juntos com a p.i. comprovativos do pagamento das prestações da garantia bancária que a recorrente prestou perante o recorrido.
H) Mas tão só alegou desconhecer, por não serem pessoais ou de que o recorrido deva ter conhecimento, se os factos alegados nos arts. 160, 220, 230, 270 e 390 da p.i. são verdadeiros, o que é bem diferente (cfr. art. 30 da contestação).
I) Tendo, inclusive, admitido expressamente como verdadeiro, o facto da recorrente lhe ter entregue uma garantia bancária emitida pela Caixa Agrícola, em 22/06/2001, no valor de 14.251,708 contos (cfr. art. 90 da p.i., art. 10 da contestação) – ponto 19 dos factos provados.
J) Os documentos juntos pela recorrente para prova dos montantes por si suportados até à data da propositura da presente acção, são as notas de lançamento emitidas pela sobredita Caixa Agrícola e enviadas à recorrente, constando expressamente das mesmas quer o valor debitado na conta de depósitos à ordem (D.O) desta, com expressa identificação do beneficiário da garantia em causa (o recorrido – ver parte final dos referidos documentos).
K) Encontrando-se os referidos documentos assinados em nome e representação da referida Caixa Agrícola.
L) Assim, tais documentos são juridicamente considerados como “particulares”, pelo que, não tendo sido impugnada pela recorrida nem a letra nem a assinatura de tais documentos particulares, fazem os mesmos prova plena quanto às declarações deles constantes (cfr. art. 3760, n.º 1 do Código Civil).
M) Donde decorre, sem margem para quaisquer dúvidas, que deveriam ter sido julgados provados os factos que resultam de tais documentos, ou seja, os montantes suportados pela recorrente e os demais factos referidos nos arts. 160, 220, 230, 260 e 270 da p.i..
N) Termos em que, pelos fundamentos expostos, deverão ser julgados provados os factos vertidos nos artigos 160, 220, 230, 260 e 270, todos da p.i..
O) Decorre da decisão recorrida que o Tribunal a quo entendeu que para a produção do efeito que a recorrente pretende retirar da presente acção deveria ter sindicado por via de acção administrativa especial a comunicação enviada pelo recorrido com data de 17 de Outubro de 2005, entendendo que aquela comunicação consubstancia um verdadeiro acto administrativo.
P) Conforme já acima se referiu, salvo o devido respeito por opinião contrária, não pode a Recorrente concordar com tal decisão.
Q) Com efeito, ao contrário do que sustenta a decisão recorrida, a comunicação do Recorrido datada de 17 de Outubro de 2005 nunca poderá ser considerada como acto administrativo sindicável, uma vez o acto administrativo com eficácia externa sempre seria o despacho ministerial de rescisão do contrato de atribuição do incentivo financeiro outorgado no âmbito do SIR, nos termos do art. 22.º, nº 1 do DL nº 193/94 de 19 de Julho, e que nunca ocorreu!
R) Enuncia aquele artigo que “o contrato pode ser rescindido por despacho do Ministro do Planeamento e da Administração do Território, sob proposta fundamentada da comissão de selecção, com base nas informações fornecidas pelas entidades mencionadas no nº 2 do artigo 17º” (instituições de crédito ou sociedades financeiras associadas ao SIR mediante contratos-programa com a DGDR) ...”.
S) Assim, a comunicação datada de 17 de Outubro de 2005 enviada pelo Recorrido à Recorrente consubstanciava apenas uma informação que, in extremis, poderia eventualmente suportar a decisão de rescisão contratual a ser proferida pelo Ministro, essa sim considerada como acto administrativo sindicável.
T) Note-se que, nos termos do art. 17.º, n.º 2 e 21.º do DL 193/94 de 19 de Julho que cria e regula o Sistema de Incentivos Regionais (SIR), as funções do Recorrido cingem-se à análise de candidaturas, celebração de contratos com as empresas, pagamentos e controlo, não lhe competindo rescindir os contratos celebrados, nem sequer tomar decisões quanto à restituição de subsídios pagos.
U) Por outro lado, o art. 22.º do referido diploma refere expressamente que a rescisão do contrato depende de despacho do Ministro do planeamento e da Administração do Território, sob proposta fundamentada da comissão de selecção, com base nas informações fornecidas pelas entidades mencionadas no n.º2 do art. 17.º (onde se enquadra o Recorrido).
V) Sendo que, nos termos do n.º 2 do art. 22.º do referido diploma, apenas com a rescisão do contrato o beneficiário, no caso sub judice, a Recorrente, ficaria obrigada à restituição das importâncias recebidas.
W) Assim, dúvidas não subsistem de que o acto administrativo sindicável seria o acto de rescisão do contrato que sempre teria de ser proferido pelo Ministro e nunca qualquer comunicação enviada pelo Recorrido.
X) Comunicação essa que, in casu, nem sequer respeita a qualquer decisão que eventualmente tivesse sido proferida pelo titular do órgão competente do IAPMEI mas tão só a uma comunicação efectuada pelo “Centro de Verificação de Projectos do Porto”, cujo autor da respectiva comunicação não se encontra sequer identificado.
Y) E se assim é quanto à referida comunicação do Centro de Verificação de Projectos do Porto de 17/10/2005, ainda menos relevância para este efeito tem o parecer jurídico, que foi comunicado à recorrente em 03/03/2007 (por esta recebida em 08/03/2007), que se limita a fazer uma mera apreciação jurídica da situação, não constituindo, como é evidente, qualquer decisão e, muito menos, que possa ser considerada como um acto administrativo impugnável.
Z) Donde decorre que não assiste qualquer razão à sentença que julgou improcedente a presente acção por ter considerado que a recorrente estava obrigada a impugnar contenciosamente tais comunicações, pelo que a mesma deverá ser revogada, por violação do disposto no art. 38º do CPTA.
AA) Decorre dos factos provados que foi celebrado entre as partes, com data de 26 de Abril de 2001, um contrato de concessão de incentivos, nos termos do qual foi atribuído à Autora um incentivo financeiro, sob a forma de subsídio a fundo perdido, no montante global de Esc. 28.503.416$00 (142.174,44 Euros), cujo pagamento deveria ser efectuado pelo recorrido à recorrente após realização do projecto, mediante apresentação dos documentos justificativos das despesas.
BB) Bem como que em 31 de Dezembro de 2001, depois da recorrente ter entregue ao recorrido uma garantia bancária emitida pela Caixa Agrícola, no valor de 14.251,708 contos, foi pago à recorrente um adiantamento ao referido subsídio a fundo perdido, no valor de 22.802,733 contos (113.739,55 euros).
CC) E ainda que, em 30 de Abril de 2002, após conclusão do projecto de investimento (que ocorreu em Março desse mesmo ano), a recorrente entregou à recorrida o “dossier” de saldo, solicitando-lhe o pagamento dos restantes 20% do incentivo aprovado, ou seja, 5.700,684 contos (28.434,89 euros), que ainda não havia sido pago.
DD) Tendo o recorrido procedido à devolução à recorrente dos originais dos documentos de despesa, em 26 de Junho de 2002, depois de ter sido documentalmente comprovada a realização da totalidade do investimento previsto.
EE) Assim sendo, como efectivamente é, é inequívoco que, nos termos contratuais, está o recorrido constituído na obrigação de pagar à recorrente o remanescente em dívida do subsídio atribuído.
FF) Nem se argumente, conforme pretende a recorrente, que os investimentos não foram integralmente realizados nos prazos inicialmente previstos, visto que se é certo que tal se verificou, não é menos certo que, conforme resulta dos factos provados, pouco tempo após a assinatura do contrato, mais precisamente em 05 de Julho de 2001, a recorrente informou a recorrida que não tinha capacidade financeira para a conclusão do investimento sem o recebimento do subsídio, e que o prazo necessário para a conclusão do investimento previsto no projecto e apresentação do “dossier de saldo” era de 45 dias após o recebimento do adiantamento, ao que não recebeu qualquer oposição ou comunicação em contrário da parte da recorrida, pelo que, logicamente, se terá de presumir a concordância desta com tal prorrogação do prazo para a conclusão dos investimentos.
GG) Prazo esse que apenas foi ultrapassado pela recorrente em poucos dias, considerando que recebeu o adiantamento em 31/12/2001 e que concluiu o investimento em Março de 2002, tendo-se ainda provado que o recorrido nunca disse à recorrente que a mesma não podia realizar investimento no ano de 2002.
HH) Termos em que, pelos fundamentos expostos, deve a sentença ser revogada e substituída por outra decisão que julgue procedente, por provada, a presente acção e, por via disso, o recorrido seja condenado nos pedidos formulados pela recorrente na petição inicial.
Assim decidindo se fará a habitual JUSTIÇA.»

1.9. O IAPMEI contra- alegou mas não formulou conclusões.

1.10. O Ministério Público, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

1.11. Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do NCPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do regime do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nestas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se ao seguinte:
a- do erro de julgamento sobre a matéria de facto, devendo ser julgados provados os factos alegados nos artigos 16º, 22º, 23º, 26º e 27º todos da p.i..
b-
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1. O Tribunal a quo deu como assentes, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:
«1 – No dia 11 de Abril de 1997, a Autora apresentou uma candidatura ao Sistema de Incentivos Regionais (SIR), aprovado e regulamentado pelas disposições do Decreto-Lei n.º 193/94, de 19 de Julho e pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 67/94, publicada a 11 de Agosto, com vista à obtenção de um incentivo financeiro para a execução de um projecto de investimento destinado à criação de uma estação de serviço de manutenção e reparação de veículos automóveis – Facto admitido por acordo; cfr. ainda doc. 1 junto com a Petição inicial; Cfr. ainda fls. 1 a 193 do Processo Administrativo;
2 – Do processo de candidatura apresentado pela Autora ao Réu, em sede da calendarização – Cfr. fls. 127 do Processo Administrativo - prevista para a realização do investimento, consta o que para aqui se extrai como segue:
“[...]
O investimento será realizado:
Remodelação do Edifício: No final do 2.º semestre de 1996.
Aquisição de equipamentos, montagem e formação: No início do 1.º semestre 1997.
Apenas algumas despesas relativas a investimentos com Marketing e Formação Profissional decorrerão ainda em 1998, decorrendo da própria natureza dos investimentos.
[...]”
3 – Do processo de candidatura apresentado pela Autora ao Réu, em sede de “Calendarização prevista para a realização do investimento”, consta ainda que o início do investimento era em junho de 1996, a conclusão do investimento em dezembro de 1996, e que a laboração normal ocorria em 01 de janeiro de 2000 – Cfr. fls. 187 do Processo Administrativo;
4 – Do processo de candidatura apresentado pela Autora ao Réu, extrai-se que a Autora se financiava com capitais próprios e outros – Cfr. fls. 1 a 193 do Processo Administrativo; ainda nos termos do depoimento da testemunha A., que referiu que é com base neste pressuposto, de existência de disponibilidade financeira por parte do promotor, que a candidatura é aprovada;
5 - A essa candidatura foi atribuído o n.º 43/05862, e que após análise foi aprovada pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI) – Facto admitido por acordo;
6 – Por despacho da Ministra do Planeamento, datado de 26 de março de 2001, foi homologada a proposta de aprovação da candidatura apresentada pela Autora – Cfr. fls. 313 do processo Administrativo;
7 – O histórico do processo de aprovação do projecto, até ao despacho de homologação, consta a fls. 319 do Processo Administrativo;
8 – Na sequência da aprovação, foi elaborado o contrato de incentivos, com data de 26 de Abril de 2001, tendo a Autora procedido à respectiva assinatura no dia seguinte, e o Réu no dia 21 de maio de 2001 – Facto admitido por acordo; cfr. ainda doc.s 2 e 3 juntos com a Petição inicial; Cfr. ainda fls. 324 a 338 do Processo Administrativo; ainda nos termos do depoimento prestado pela testemunha N., que referiu ter sido o subscritor do contrato por parte do Réu IAPMEI;
9 – No dia da assinatura do contrato, foram transmitidas à Autora, verbalmente, questões/aspectos que não constam do contrato – nos termos do depoimento prestado pela testemunha N., que todavia não identificou quais eram, em concreto, essas questões, e que referiu ainda que o contrato foi assinado num contexto de celeridade, para resolver de forma rápida o assunto;
10 - Nos termos da cláusula 2.ª do referido contrato, foi atribuído à Autora um incentivo financeiro, sob a forma de subsídio a fundo perdido, no montante global de Esc. 28.503.416$00 (142.174,44 Euros) – Facto admitido por acordo;
11 - Nos termos da cláusula 3.ª do referido contrato, o pagamento do subsídio era efectuado pelo Réu após realização do projecto, mediante apresentação pela Autora, dos documentos justificativos das despesas, podendo ainda a Autora receber adiantamentos à medida que for sendo comprovada a realização do projecto de investimento – Facto admitido por acordo; Cfr. ainda o contrato de incentivos outorgado, a fls. 324 a 338 do Processo Administrativo;
12 - Nos termos da cláusula 6.ª do referido contrato, a Autora obrigou-se a demonstrar que executou integralmente o projecto de investimento, nos termos e prazos fixados no processo de candidatura, nos termos em que foi aprovado, e que a calendarização relativa à utilização dos subsídios constava do Anexo II ao contrato - Cfr. o contrato de incentivos outorgado, a fls. 324 a 338 do Processo Administrativo;
13 - Nos termos do Anexo II ao contrato, a data de início da realização do projecto era Setembro de 1996, com a atribuição de um subsídio a fundo perdido no montante total de 28.503.000$00, com utilização prevista em maio de 2001, de 22.802.000$00, e em junho de 2001, de 5.701.000$00 - Cfr. o contrato de incentivos outorgado, a fls. 324 a 338 do Processo Administrativo;
14 - Durante a fase de execução do investimento, a Autora podia receber, contra a prestação de garantia bancária, adiantamentos sobre o montante do subsídio – Facto admitido por acordo; Cfr. cláusula 3.ª do contrato; ainda nos termos do depoimento prestado pela testemunha N., que referiu que o investimento tinha de estar realizado até junho de 2001;
15 – Por requerimento datado de 05 de julho de 2001, a Autora informou o Réu que não tinha capacidade financeira para a conclusão do investimento sem o recebimento do subsídio, e que o prazo necessário para conclusão do investimento previsto no projecto e apresentação do “dossier de saldo” era de 45 dias após o recebimento do adiantamento – Cfr. fls. 535 do Processo Administrativo; Referiu neste conspeto a testemunha N., que a Autora fez o projecto para alcançar um subsídio e que só depois é que se decidiu fazer o investimento, pelo facto de a calendarização datar de 1996/1997;
16 – Por despacho do Responsável pelo Serviço de Verificação do Réu, N., datado de 13 de agosto de 2001, aposto sobre informação dos serviços do Réu, datada de 03 de agosto de 2001 – Cfr. fls. 357 e 358 do Processo Administrativo -, foi decidido, o que para aqui se extrai como segue:
“[...]
Tendo em conta a presente informação, e dado que o projecto ainda não se encontra concluído, havendo parte das despesas já efectuadas em 2001, propõe-se:
1) Aceitar a realização de investimento em 2001, devendo pelo menos esta componente ser paga através do Orçamento Nacional;
2) Processar o pagamento de 22.802.733$00 de subsídio a fundo perdido;
3) Autorizar a conclusão do projecto em Setembro de 2001.
[...]”
17 – Na sequência desse despacho datado de 13 de agosto de 2001, foi proferida “Decisão do IAPMEI”, por Administrador do Réu, sob os temos “Concordo”, em 20 de outubro de 2001 – Cfr. fls. 357 e 358 do Processo Administrativo; ainda nos termos do depoimento da testemunha N.;
18 - Em 20 de Novembro de 2001, após comprovação documental pelo IAPMEI da realização de 50,1% das aplicações relevantes do investimento, foi decidido pelo mesmo proceder ao pagamento à Autora de 80% do subsídio atribuído a fundo perdido, no valor de 22.802,733 contos (113.739,55 euros) – Facto admitido por acordo; cfr. ainda doc. 4 junto com a Petição inicial; Ainda nos termos do depoimento prestado pela testemunha N., que referiu que se tratou apenas, nesta fase, do resultado de uma avaliação documental, e que só depois é que seria efectuada a avaliação orçamental, com base nas “aplicações relevantes”, enquanto despesas que no projecto têm condições para ser elegíveis;
19 - Esse valor veio a ser recebido pela Autora, por cheque que lhe foi enviado pelo IAPMEI, em 31 de Dezembro de 2001, depois de [a Autora] ter entregue ao IAPMEI uma garantia bancária emitida pela Caixa de Crédito Agrícola, em 22 de Junho de 2001, com o n.º 082/DCP/2001, no valor de 14.251,708 contos – Facto admitido por acordo; cfr. ainda doc.s 5 e 6 juntos com a Petição inicial;
20 - Em 30 de Abril de 2002, após conclusão do projecto de investimento, a Autora entregou ao Réu o “dossier de saldo”, solicitando-lhe o pagamento dos restantes 20% do incentivo aprovado, ou seja, 5.700,684 contos (28.434,89 euros), que ainda não havia sido pago – Facto admitido por acordo; cfr. ainda doc. 7 junto com a Petição inicial;
21 – Do requerimento de envio do “dossier de saldo” apresentado pela Autora ao Réu, extrai-se, dos seus pontos 7 e 8, que o mês de conclusão do investimento foi em março de 2002 - cfr. doc. 7 junto com a Petição inicial; ainda nos termos do depoimento da testemunha N., que referiu que nos termos da candidatura apresentada, o compromisso da Autora era de realizar os investimentos em 1996 ou 1997, e que uma coisa é fazer o projecto de candidatura e outra coisa é fazer o investimento, e que o investimento tinha de estar todo concluído, por causa do fecho do QCA e que para efeitos de serem levadas em conta no financiamento, as faturas das despesas tinham de ser emitidas até essa data. Referiu ainda esta testemunha que em maio e junho de 2001 tinham de ser presentes ao Réu por parte da Autora, para poderem ser comparticipadas, as facturas relativas às despesas, com datas anteriores a 01 de janeiro de 2001; ainda nos termos do depoimento da testemunha N., que referiu que o investimento devia estar feito até finais de 2000, por ser essa a calendarização que estava definida, e que o gerente da Autora lhe disse verbalmente, que se comprometia a concluir o projecto até setembro de 2001; referiu ainda esta testemunha, que a Autora apresentou faturas de 2002 e que mesmo assim, foi feita proposta por si no sentido da admissão das despesas dessa data, com o que concordou o Diretor Regional do Réu, mas que a Administração do Réu não veio a concordar, e que todo o processado foi reformulado, vindo a dar no pedido de devolução de parte do subsídio que havia sido adiantado; referiu ainda a testemunha N., que a última fatura foi apresentada pela Autora em março de 2002, que é da P., e que ultrapassa os 15.000.000$00; ainda nos termos do depoimento prestado pela testemunha A., que referiu que a Autora fez o investimento, mas que as despesas não foram todas elegíveis, embora constem do processo que podiam ser aceites despesas de 2001, e bem assim, que as rendas de leasing eram aceites se fossem posteriores a Dezembro de 2000, conquanto que o contrato de leasing fosse assinado antes de 2000;
22 - Depois de ter sido documentalmente comprovada a realização da totalidade do investimento previsto, o IAPMEI procedeu à devolução à Autora dos originais dos documentos de despesa, em 26 de Junho de 2002 – Facto admitido por acordo; cfr. ainda doc. 8 junto com a Petição inicial; referiram ainda as testemunhas N., N. e C., que a realização do investimento por parte da Autora não significava que o mesmo fosse pago pelo Réu, porque a despesa tinha de ser elegível;
23 - Quando o QCA estava a ser encerrado, havia no seio do Réu propostas de encerramento de processos de investimento com despesas dos anos de 2001 e 2002, o que não veio a ser aceite, pois só foram aceites despesas até dezembro de 2000 – nos termos do depoimento prestado pela testemunha A., e que referiu ainda que as rendas de leasing eram aceites se fossem posteriores a Dezembro de 2000, conquanto que o contrato de leasing fosse assinado antes de 2000;
24 - Por requerimento datado de 01 de Setembro de 2004, a Autora remeteu ao Réu vários documentos atinentes quer quanto à sua situação perante a Segurança Social e a Fazenda Pública, quer quanto aos investimentos realizados no âmbito da candidatura apresentada - Cfr. fls. 1080 a 1245 do Processo Administrativo;
25 - Por requerimento recebido no seio do Réu em 29 de julho de 2005, a Autora entregou ao Réu vários documentos atinentes quer quanto à sua situação perante a Segurança Social e a Fazenda Pública, quer quanto aos investimentos realizados no âmbito da candidatura apresentada - Cfr. fls. 1053 a 1079 do Processo Administrativo;
26 - Por requerimento recebido no seio do Réu em 02 de agosto de 2005, a Autora remeteu telecópia ao Réu contendo documentos atinentes ao pedido de licenciamento de obras junto da Câmara Municipal (...) - Cfr. fls. 1052 e 1053 do Processo Administrativo;
27 – A Câmara Municipal (...) remeteu ao sócio gerente da Autora, o ofício n.º 7926, de 27 de junho de 2005, pelo qual informou que a Comissão de obras, em reunião de 24 de junho de 2005, tinha deliberado, por unanimidade, aprovar o projecto de arquitectura da estação de serviço, e de que no prazo de 6 meses devia apresentar os projectos de especialidades necessários à execução da obra - Cfr. fls. 1052 do Processo Administrativo;
28 – No seio do Réu foi emitida a informação n.º 2948/CVP-Norte/2005, datada de 19 de agosto de 2005, sobre a qual foi emitido Parecer do Coordenador, datado de 22 de agosto de 2005 - Cfr. fls. 1784 a 1788 do Processo Administrativo -, da qual se extrai o que segue:
“[...]
A presente informação n.º 2948/CVP-Norte/2005 foi elaborada no estrito cumprimento das orientações recebidas e das regras de verificação estabelecidas, pelo qual, uma vez que a autonomia financeira da empresa em 2004 foi igual a 39,23% e o licenciamento camarário se encontra em curso, propõe-se:
a) Considerar realizadas 44,7% das AR´s previstas (o grau de realização do investimento em capital fixo é da ordem dos 87,72%, resultando o baixo grau das despesas elegíveis do facto de não se considerarem as que foram realizadas depois de 2000.12.31 e não se ter comprovado os fluxos financeiros de outras);
b) solicitar a devolução de 50.308,76 € (10.086.001$00) de subsídio a fundo perdido processado em excesso;
c) Libertar a garantia bancária após devolução e apresentação do licenciamento camarário.
[...]”
29 – O Réu nunca disse à Autora, que a mesma não podia realizar investimento no ano de 2002 – nos termos do depoimento da testemunha N., o qual enfatizou, todavia, para lá do que consta do contrato assinado, que foi dado conhecimento informal disso à Autora;
30 - Caso a Autora tivesse realizado todas as despesas até Dezembro de 2000, o Réu IAPMEI teria de as pagar - nos termos do depoimento da testemunha N., que assim referiu; depôs ainda esta testemunha que as AR´s posteriores a 31 de dezembro de 2000, podem ser relevantes, mas que não eram elegíveis; ainda nos termos do depoimento da testemunha N., que referiu que fez uma proposta à Administração do Réu para efeitos de serem aceites faturas do ano de 2001, como relevantes, e assim como elegíveis, o que a Administração aceitou; Referiu ainda esta testemunha, que depois só foram aceites despesas até ao fim do ano 2000, e que foram aceites despesas posteriores a Dezembro de 2000, com rendas de leasing, se o contrato de leasing fosse assinado antes de 31 de dezembro de 2000;
31 – O Réu remeteu à Autora o ofício n.º 74068, de 17 de outubro de 2005 – Cfr. fls. 1804 do Processo Administrativo – do qual para aqui se extrai o que segue:
(Imagem no original da sentença)

32 – Na sequência da receção deste ofício por parte da Autora, com data de 21 de outubro de 2005, a mesma remeteu ao Réu um requerimento - Cfr. fls. 1804 do Processo Administrativo -, do qual para aqui se extrai o que segue:
(Imagem no original da sentença)

33 – O Réu remeteu à Autora o ofício referência UFIN/CF.07/CR-CS – Cfr. fls. 1753 do Processo Administrativo –, por correio registado com aviso de receção, que a Autora recebeu em 08 de março de 2007 – Cfr. fls. 1734 do Processo Administrativo –, do qual retiramos, em suma, o que segue:
que a Autora tinha efetuado uma reclamação onde solicitava o pagamento da quantia de 28.434,89 euros, sem fundamento jurídico, a menos que consiga provar que o seu investimento tem AR´s superiores a 44,7%;
que a Autora devia remeter de imediato um cheque à ordem do Réu no montante de 50.308,76 euros respeitante à Ordem de devolução n.º 35/2005, vencida a 11-10-2005.
34 - Com data de 07 de março de 2007, a Autora [por intermédio de mandatário] invocando ter sido notificada para devolver parte do valor do subsídio recebido ao abrigo do contrato celebrado com o Réu, requereu a realização de uma reunião a fim de ser encontrado um entendimento para a resolução extrajudicial do assunto – Cfr. fls. 1731 do Processo Administrativo;
35 – No dia 17 de abril de 2007, a Autora remeteu ao Réu um requerimento – Cfr. fls. 1810 e 1811 do Processo Administrativo -, pelo qual referiu, em suma:
que a candidatura foi aprovada 4 anos após a sua apresentação;
que na sequência dessa aprovação foi convocada para uma reunião com carácter de urgência pelo Diretor Regional do Norte, P., tendo antão sido apresentado o contrato de concessão de incentivos;
que nessa reunião a Autora informou o referido Diretor e demais presentes, que pese embora os investimentos tivessem sido iniciados, ainda não tinham sido concluídos, e que lhe foi dito para efectuar o remanescente do investimento com a máxima urgência a fim de, ainda nesse mesmo ano, lhe ser pago a totalidade dos incentivos aprovados; - que depois do 1.º adiantamento, efectuou os investimentos em falta assim como apresentou os respectivos documentos comprovativos e dossier de saldo, que sempre foram aceites sem qualquer reserva ou objecção, tendo ficado a aguardar pelo pagamento do remanescente do subsídio aprovado;
que nunca lhe foi transmitido da existência de qualquer impedimento quanto à aceitação das despesas posteriores a 31 de dezembro de 2000, porque a candidatura só foi aprovada em meados de 2001, tempo em que informou os responsáveis do Réu, de que os investimentos ainda não se encontravam integralmente realizados;
que foi com surpresa que em finais de 2005, depois de apresentação do dossier de saldo, recebeu um pedido de devolução de parte dos incentivos recebidos e a recusa de pagamento do remanescente em dívida, o que não aceitava. [sublinhado nosso].
36 - Com referência ao processo apresentada pela Autora [candidatura n.º 5862], o Réu elaborou a Ficha de Identificação da Candidatura, datada de 22 de agosto de 2005, cujo teor aqui se dá por integralmente enunciado – Cfr. fls. 1660 a 1664 do Processo Administrativo;
37 – No dia 21 de janeiro de 2009, a Câmara Municipal (...), emitiu o alvará de autorização de utilização n.º 19/09, a que corresponde o alvará de construção n.º 16, emitido em 14 de janeiro de 1997, a favor de A., que é sócio e gerente da Autora – Cfr. fls. 266 e 267 dos autos em suporte físico;
38 – A Autora nunca remeteu ao Réu o referido alvará de licença de utilização – Facto admitido pela Autora; Cfr. fls. 265 dos autos em suporte físico;
39 – Por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai parte do requerimento apresentado pela Autora nos autos, em 22 de Setembro de 2014 - Cfr. fls. 265 dos autos em suporte físico -, como segue:

(Imagem no original da sentença)

40 – A garantia bancária prestada pela Autora é libertada pelo Réu, quando for feita a devolução do excesso de subsídio concedido á Autora, que lhe foi requerido, e tiver sido entregue a licença de utilização do edifício – nos termos do depoimento prestado pela testemunha N.;
41 – A Petição inicial que motiva os presentes autos, foi remetida a este Tribunal em 03 de abril de 2012 – Cfr. fls. 2 dos autos em suporte físico.
*
Fundamentação.
Factos que se consideraram provados, com fundamento no que neles está enunciado, resultante da convicção por nós formada.
**
FACTOS NÃO PROVADOS:
A) O alegado pela Autora sob os pontos 16.º, 22.º, 23.º, 26.º e 27.º da Petição inicial, mormente, no que é atinente às alegadas despesas suportadas com a prestação da garantia bancária.
Fundamentação:
Porquanto, sobre esta matéria, a Autora, no limite do seu ónus de prova, não logrou fazer prova cabal nesse sentido. Efetivamente, tendo o Réu alegado desconhecer se são verdadeiros os documentos atintes a essa matéria, as testemunhas arroladas pela Autora apenas se pronunciaram, essencialmente, sobre a tramitação do procedimento da candidatura no seio do Réu, e absolutamente nada quanto aos encargos e despesas com a prestação da garantia bancária por parte da Autora.
**
Com interesse para a decisão a proferir, nada mais se julgou provado ou não provado.»
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III.B.DE DIREITO
3.2. A apelante assaca à decisão recorrida erro de julgamento sobre a matéria de facto, por ter dado como não provada a factualidade inserta nos pontos 16.º, 22.º, 23.º, 26.º e 27.º da p.i. ( vide conclusões D a N)– e erro de direito por a decisão de mérito ter julgado a ação improcedente com fundamento na falta de impugnação contenciosa das notificações que lhe foram efetuadas pelo réu, designadamente através do ofício da CVP-Norte de 17/10/2005 e do ofício da unidade de finanças do réu IAPMEI, com a referência UFIN/CF.07/CR-CS, de 03/03/2007 (recebido pela autora em 08/03/2007), que para o tribunal a quo constituem decisões por configurarem “um acto administrativo que, no contexto em que é proferido e levado ao conhecimento da Autora, comporta lesividade da sua esfera jurídica, pois nega-lhe o reclamado direito, e que, não tendo sido objecto de impugnação, se encontra consolidada na ordem jurídica administrativa.”, o que , na ótica do tribunal a quo, constituiria impedimento legal para a utilização da presente ação administrativa comum, nos termos do disposto no art. 38º, nº 2 do CPTA.
Vejamos se lhe assiste razão.
b.1 Do erro de julgamento sobre a matéria de facto.
A apelante pretende que seja dada como provada a matéria de facto que consta dos pontos 16.º, 22.º, 23.º, 26.º e 27.º da p.i., necessária à demonstração dos encargos/ comissões cujo pagamento tem vindo a efetuar á Caixa de Crédito Agrícola por força da garantia bancária que constitui a favor do réu. Acontece que, seja qual for a resposta a dar a essa matéria, não divisamos, de acordo com as várias soluções de direito plausíveis, a relevância dessa matéria para a decisão a proferir.
Sabendo-se que direito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não subsiste a se mas antes tem caráter instrumental face à decisão de mérito, não é de conhecer o erro sobre a matéria de facto que vem assado pela apelante se esse exercício nenhuma relevância tiver para o destino do recurso.
Significa isto que por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processuais, o tribunal ad quem deve abster-se de reapreciar a matéria de facto quando os factos concretos objeto da impugnação forem insuscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às várias soluções plausíveis de direito, nenhuma relevância jurídica assumirem, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.
O princípio da limitação dos atos consagrado no art.º 130º do CPC, deve ser observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto quando a análise da situação concreta evidenciar, ponderando todas as soluções plausíveis da questão de direito que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projeta na decisão de mérito a proferir.
No caso, independentemente da sorte que viesse a ter a impugnação da matéria de facto dada como provada e não provada na sentença recorrida, sendo para nós certo que à autora não assiste o direito de através do presente meio processual obter a condenação do réu aos pedidos que contra ele formulou, a prova dos factos sindicados nenhuma mais valia traria para a decisão a proferir.
Na verdade, estando em causa saber se a decisão do IAPMEI, proferida no âmbito do contrato de incentivos financeiros celebrado com a autora ao abrigo do SIR, por via da qual certas despesas foram consideradas inelegíveis e, que consequentemente, exigiu à autora que devolvesse parte do subsídio a fundo perdido que lhe fora pago e, bem assim, recusou o pagamento do montante de subsídio ainda por pagar, e considerando que essa decisão é um ato administrativo que como tal devia ter sido impugnado através de competente ação administrativa especial, e que não o tendo sido, consolidou-se a definição da situação jurídica operada por esse ato, independentemente da decisão que viesse a recair sobre o julgamento dos erros assacados pela apelante quanto á matéria de facto julgada provada e não provada, a sorte da presente ação encontra-se traçada, em nada relevando a referida matéria, que nenhum interesse tem para o mérito da decisão a proferir nos autos.
Como bem se refere no Ac. do TRC, de 18.02.14, proferido no processo n.º 527/11.9TFND.C1: «a) De harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo os vários enquadramentos jurídicos possíveis do seu objecto».

Termos em que, por falta de utilidade para a decisão de mérito a proferir, abstemo-nos, por inútil, de reapreciar a impugnação do julgamento de facto quanto à referida facticidade julgada provada e não provada.

b.2.Do erro de julgamento quanto á decisão de mérito.
A autora intentou a presente ação contra o IAPMEI, alegando como fundamento dos pedidos que formulou, o facto de na sequência da apresentação de uma candidatura ao Sistema de Incentivos Regionais (SIR), aprovado e regulamentado pelas disposições do DL 193/94, de 19.07 e pela Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 67/94, publicada a 11.08, ter-lhe sido concedido um incentivo financeiro para a execução de um projeto de investimento destinado à criação de uma estação de serviço de manutenção e reparação de veículos automóveis, sob a forma de subsídio a fundo perdido no montante global de Esc.28.503.416$00 ( 142.174,44€), de que apenas recebeu uma parte, no montante de 113.739,55€, estando ainda por pagar o remanescente no montante de 28.434,89€, a cujo pagamento tem direito e pretende obter através da presente ação.
Alega ainda que teve de constituir uma garantia bancária a favor do réu para que lhe fosse adiantada a importância que lhe foi paga, que ainda subsiste e cujas despesas tem vindo a suportar, tudo por culpa do réu, pretendendo por via desta ação ver também o réu condenado cancelar essa garantia e suportar os custos que a têm onerado e a venham a onerar, assim como em juros sobre todas as importâncias que reclama.
Decorre da petição inicial que a autora funda os pedidos que formula no incumprimento do contrato de incentivos que celebrou com o IAPMEI.
Antes de procedermos à concreta análise dos erros de julgamento que a apelante assaca á decisão sob sindicância, que julgou a ação improcedente, absolvendo o réu dos pedidos formulados, vejamos a fundamentação que foi expendida pelo tribunal a quo, e que foi o seguinte:
«(…) A Autora fez assentar esses pedidos, em suma, no facto de ter apresentado uma candidatura ao Réu, que veio a ser aprovada, e que nessa sequência o mesmo não lhe pagou o remanescente do subsídio atribuído, de 20% do seu total, e que por causa disso, se encontra a suportar encargos e despesas com a garantia bancária que prestou a favor do Réu.
O Réu, por seu turno, referiu em suma, que a Autora não realizou o investimento que se propôs na candidatura no tempo devido, nem o fez até 31 de dezembro de 2000, e que não demonstrou ainda ter realizado mais de 44,7% das AR´s., e que também por essa razão, foi a mesma notificada da devolução de parte do subsídio que já lhe tinha sido adiantado.
Ora, da matéria de facto provada resultou provado que a tramitação da candidatura apresentada pela Autora, redundou num infindável número de acontecimentos [e peripécias], muitos deles contraditórios entre si.
Desde logo, tendo a Autora apresentado a sua candidatura em 11 de abril de 1997, resultou provado que a conclusão do investimento ocorria em dezembro de 1996 [ou também no início do 1.º semestre de 1997], portanto, antes ou na mesma temporalidade da entrega da candidatura, e bem assim, que a sua entrada em laboração ocorria em 01 de janeiro de 2000 – Cfr. pontos 1, 2 e 3 da matéria de facto assente.
Depois, por vicissitudes inerentes à própria apreciação e aprovação da candidatura, a mesma foi inicialmente rejeitada, sendo que, apenas em 26 de março de 2001 é que foi aprovada e objecto de homologação pela Ministra do Planeamento, tendo o contrato de incentivos sido outorgado pelo Réu em 21 de maio de 2001 – Cfr. pontos 5, 6, 7 e 8 da matéria de facto assente.
Resultou também provado que a Autora não realizou o investimento que se propunha realizar na candidatura que foi aprovada, dentro do período por si informado na candidatura aprovada, antes apenas em março de 2002, e que a Autora reclamou do Réu, em 2005, o pagamento da parte do montante que lhe faltava receber, por ter entregue o “dossier de saldo”, em 30 de abril de 2002, o que não lhe foi prestado, atuação que reputa de ilegal e sem qualquer fundamento jurídico, e bem assim, que o Réu invoca que a Autora não realizou o investimento até 31 de dezembro de 2000 [embora também se tenha provado que, pelo menos à data de 03 de agosto de 2001, o Réu aceitou a realização de investimento por parte da Autora ainda no ano de 2001 – Cfr. ponto 16 da matéria de facto assente], e assim, que apenas levou a cabo 44,7% das aplicações relevantes, e que por causa disso, tem a Autora de devolver parte do subsídio já recebido, do que já tinha sido notificada, no ano de 2005 – Cfr. pontos 20, 30, 31, 32, 33, 34 e 35 da matéria de facto assente.
Ora, em torno do que resultou provado, a convicção que formamos é que o processo da candidatura apresentado pela Autora junto do Réu o foi para alcançar a atribuição de um subsídio, e só depois é que a mesma veio a efetuar o investimento que se propôs realizar, sendo certo que, no seio do Réu, a tramitação do procedimento, também não foi de todo em todo coerente.
Aquando da fixação da matéria de facto assente, o que retiramos de forma inequívoca, é que a Autora concluiu que tem direito à entrega do valor final, de 20%, por ter cumprido o que se propôs realizar no processo de candidatura, por ter cumprido todas as AR’s [aplicações relevantes], e o Réu defende [e tal consta amplamente documentado no Processo Administrativo], que após a apresentação do pedido de saldo final, procedeu á verificação física, documental e contabilística da realização do investimento e apenas comprovou ter a Autora concluído 44,7% dessas AR’s, o que já tinha sido comunicado à Autora por ofício datado de 17 de outubro de 2005, mas relativamente ao qual a Autora não empreendeu a sua sindicância judicial, querendo por via destes autos e dos pedidos neles formulados, questionar a decisão do Réu, nesse sentido [de a Autora apenas ter concluído 44,7% dessas AR’s], obtendo por via da sua apreciação, aquilo que deveria decorrer da impugnação dessa decisão.
A Autora não pode negar que o Réu a tenha notificado de que apenas realizou 44,7% das AR’s, e que tal ocorreu pelo ofício datado de 17 de outubro de 2005.
Na sua pronúncia então emitida, em resposta, por requerimento datado de 21 de outubro de 2005, e como assim julgamos, o que a Autora sustentou foi a falta de fundamentação dessa decisão, ou a ocorrência de erro nos seus pressupostos de facto e de direito, questão que deveria então ter sindicado por via de ação administrativa especial, visando a anulação dessa decisão [que punha em causa o pagamento ao saldo final, que ora peticiona nestes autos], assim como a condenação à prática do ato legalmente devido, que na ótica da Autora e como sempre sustentou junto do Réu após ter sido notificada em 17 outubro de 2015, foi ilegalmente omitido ou recusado [Cfr. artigo 51.º, n.º 1 e 66.º e seguintes do CPTA].
Efetivamente, depois de compulsado o teor do requerimento dirigido pela Autora ao Réu, após a receção daquele ofício datado de 17 de outubro de 2005, a mesma referiu, em resposta, pelo requerimento datado de 21 de outubro de 2005 [Cfr. ponto 32 da matéria de facto assente – ver n.º 6 do requerimento], que não assiste razão ao Réu quanto à pretensão de proceder à devolução das quantias exigidas, e que essa decisão era ilegal e sem qualquer fundamento jurídico válido.
Posteriormente, o Réu remeteu à Autora o ofício referência UFIN/CF.07/CR-CS, por correio registado com aviso de receção, que a Autora recebeu em 08 de março de 2007 - Cfr. ponto 33 da matéria de facto assente -, de onde resulta que a Autora tinha efetuado uma reclamação onde solicitava o pagamento da quantia de 28.434,89 euros, onde foi explanado à Autora, que a sua pretensão não tinha qualquer fundamento jurídico, a menos que a Autora conseguisse provar que o seu investimento tem AR´s superiores a 44,7%, e que a Autora devia remeter de imediato um cheque à ordem do Réu no montante de 50.308,76 euros respeitante à Ordem de devolução n.º 35/2005, vencida a 11-10-2005.
Ora, nada disto foi objeto de sindicância por parte da Autora, e não pode sê-lo no âmbito destes autos.
Com efeito, o artigo 38.º n.º 2 do CPTA não permite que a Acção Administrativa Comum seja utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação de acto impugnável, e da condenação à prática do acto devido.
Conforme resultou documentalmente provado, a Autora encerra a causa de pedir, essencialmente, no facto de o Réu lhe ter negado a prestação da quantia de 28.434,89 euros, sendo que o Réu lhe nega essa pretensão, e exige-lhe o pagamento da quantia de 50.308,76 euros, o que tudo decorre, como resultou documentalmente provado, de um procedimento administrativo levado acabo por iniciativa do Réu, e no seio do qual foram tomadas decisões, que contendem com esse direito a que a Autora se arroga, decisões essas que a Autora considera ser ilegais e sem qualquer fundamento jurídico.
Atento o teor da notificação de que a Autora foi alvo através do ofício do Réu, datado de 17 de outubro de 2005, e das demais ocorrências documentais, seja no sentido de Autora não ter cumprido mais de 44,7% das AR´s, seja de não ter cumprido as demais obrigações para com o Réu [designadamente a apresentação do alvará de licença de utilização, como decorre da cláusula 6.º do contrato outorgado], impondo-lhe a devolução da quantia de 50.308,76 euros, tal não pode deixar de consubstanciar uma decisão, um acto administrativo que, no contexto em que é proferido e levado ao conhecimento da Autora, comporta lesividade da sua esfera jurídica, pois nega-lhe o reclamado direito, e que, não tendo sido objeto de impugnação, se encontra consolidada na ordem jurídica administrativa.
Ora, em face desta factualidade, e tendo presente a disposição do n°. 2 do artigo 38.º do CPTA, os pedidos formulado pela Autora não podem proceder.
De resto, cotejada a Petição inicial, e tendo subjacente, também, o disposto no artigo 38.º, n.º 1 do CPTA, a Autora não suscita que o Tribunal conheça, a título incidental, da legalidade da decisão proferida, por já não poder ser objeto de impugnação [Cfr. artigos 51.,°, n.º1, 52.º, n.º 1, 58.º, n.º 2, alínea b), e 59.º n.º 3, alíneas a) e c), todos do CPTA], e que contendia com o seu direito.
É que está aqui sobretudo em causa a licitude de um acto praticado, já que a Autora sustenta que tem direito a que lhe fosse pago pelo Réu o remanescente do subsídio, o que nos termos do que entende o Réu, lhe foi negado, por inexistir qualquer fundamento jurídico para esse efeito.
Assim não está em causa, sequer, o conhecimento a título incidental da ilegalidade de um acto administrativo, antes sim, era devido o seu conhecimento a título principal, sendo de clarificar que mesmo que a titulo incidental, que apenas era possível conhecer da ilegalidade de um acto administrativo que já não possa ser impugnado “nos casos em que a Lei substantiva o admita”, - é o que resulta do n.º 1 artigo 38.º do CPTA -, mas agora já no âmbito da responsabilidade civil da Administração, sendo que, de todo o modo, a causa de pedir em que assenta o pedido deduzido pela Autora, não se enquadra neste domínio. Na verdade, tal requisito, não ocorre nos presentes Autos – neste sentido Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, Almedina, na página 181, onde se pode ler o seguinte:
“O art.º 38° n.º 1 abre possibilidade de o pedido de apreciação incidental da ilegalidade de um acto administrativo ser efectuado noutro tipo de processos não impugnatórios. O art.º 38° coloca-se num plano estritamente processual para o efeito de sublinhar que, do ponto de vista processual, nada impede que num processo impugnatório, submetido à forma de Acção Administrativa Comum, o tribunal verifique, reconheça e declare, a título incidental, a ilegalidade de actos administrativos que não possam ser impugnados, nem portanto contenciosamente anulados. Ponto é, que, do ponto de vista substantivo algum efeito útil se possa extrair de uma tal verificação; que depende, como resulta do art.º 38° n.º 1, de uma opção da Lei substantiva, que tem de reconhecer relevância, para qualquer efeito, ao reconhecimento judicial, a título incidental, da ilegalidade de actos administrativos já consolidados”.
De maneira que, face ao expendido supra, a presente acção não pode proceder.»

Nas conclusões O a Z, a apelante sustenta, diversamente do decidido pelo Tribunal a quo, que a comunicação enviada pelo recorrido com data de 17 de outubro de 2005, nunca poderá ser considerada como ato administrativo sindicável, uma vez que o ato administrativo com eficácia externa sempre seria o despacho ministerial de rescisão do contrato de atribuição do incentivo financeiro outorgado no âmbito do SIR, nos termos do art. 22.º, nº 1 do DL nº 193/94 de 19 de julho, e que nunca ocorreu. Essa comunicação consubstancia apenas uma informação que, in extremis, poderia eventualmente suportar a decisão de rescisão contratual a ser proferida pelo Ministro, essa sim considerada como ato administrativo sindicável.
Adianta que, nos termos do art. 17.º, n.º 2 e 21.º do DL 193/94 de 19 de Julho que cria e regula o Sistema de Incentivos Regionais (SIR), as funções do Recorrido cingem-se à análise de candidaturas, celebração de contratos com as empresas, pagamentos e controlo, não lhe competindo rescindir os contratos celebrados, nem sequer tomar decisões quanto à restituição de subsídios pagos. Por outro lado, o art. 22.º do referido diploma refere expressamente que a rescisão do contrato depende de despacho do Ministro do planeamento e da Administração do Território, sob proposta fundamentada da comissão de selecção, com base nas informações fornecidas pelas entidades mencionadas no n.º2 do art. 17.º (onde se enquadra o Recorrido).Sendo que, nos termos do n.º 2 do art. 22.º do referido diploma, apenas com a rescisão do contrato o beneficiário, no caso sub judice, a Recorrente, ficaria obrigada à restituição das importâncias recebidas. Assim, dúvidas não subsistem de que o ato administrativo sindicável seria o ato de rescisão do contrato que sempre teria de ser proferido pelo Ministro e nunca qualquer comunicação enviada pelo Recorrido.
Ademais, a referida comunicação nem sequer respeita a qualquer decisão que eventualmente tivesse sido proferida pelo titular do órgão competente do IAPMEI mas tão só a uma comunicação efetuada pelo “Centro de Verificação de Projetos do Porto”, cujo autor da respetiva comunicação não se encontra sequer identificado. E se assim é quanto à referida comunicação do Centro de Verificação de Projetos do Porto de 17/10/2005, ainda menos relevância para este efeito tem o parecer jurídico, que foi comunicado à recorrente em 03/03/2007 (por esta recebida em 08/03/2007), que se limita a fazer uma mera apreciação jurídica da situação, não constituindo, como é evidente, qualquer decisão e, muito menos, que possa ser considerada como um acto administrativo impugnável.
Será assim?
O D.L. 193/94, de 19/06, criou o Sistema de Incentivos Regionais (SIR), o qual teve por objetivo «contribuir para o desenvolvimento equilibrado das regiões, incentivando o potencial de desenvolvimento endógeno, através de medidas que contribuam para a criação de emprego e para a diversificação da produção de bens e serviços regionais» - Artigo 1.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo. E nos termos do seu n.º 3 « O SIR abrange os projetos de investimento que visem a criação e a modernização de pequenas e médias empresas e que contribuam para o reforço da base económica das regiões.».
A autora, conforme resulta provado, candidatou-se ao SIR, tendo celebrado contrato de incentivos financeiros em maio de 2001.
No capítulo III, sob a epígrafe “Competências e processo de decisão”, reza assim o artigo 17.º:
«Competências
1 - A gestão do SIR é da competência da DGDR, conjuntamente com as comissões de coordenação regionais (CCR), devendo para o efeito assegurar as tarefas necessárias à cabal aplicação do presente diploma.
2 - Mediante a celebração de contratos-programa com a DGDR e, para efeitos de análise de candidaturas, de celebração de contratos com as empresas, de pagamentos e de controlo, poderão ser associados à gestão do SIR entes públicos, instituições de crédito ou sociedades financeiras com especial vocação para o apoio ao investimento produtivo.
3 - Compete às entidades mencionadas no número anterior:
a) Verificar o cumprimento das condições de acesso e de elegibilidade;
b) Recolher o parecer do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento, ou do Instituto dos Mercados Agrícolas e da Indústria Agro-Alimentar, no caso dos projectos do sector da agro-indústria, ou da Direcção-Geral das Pescas em relação aos projectos da indústria transformadora da pesca e da aquicultura;
c) Atribuir a pontuação relativa à valia do projecto para a actividade económica respectiva;
d) Enviar à CCR da área onde se localiza o projecto os resultados das tarefas indicadas nas alíneas anteriores;
e) Enviar à DGDR as candidaturas e as fichas de pontuação correspondentes à qualidade técnica do projecto;
f) Comunicar ao promotor a decisão que recair sobre o pedido de concessão de incentivo.
4 - Compete às CCR:
a) Atribuir a pontuação relativa ao impacte do projecto na economia da região;
b) Enviar à DGDR as fichas de pontuação correspondentes ao impacte do projecto na economia da região.
5 - Compete a uma comissão de selecção, de composição a definir no regulamento:
a) Apreciar o processo de candidatura;
b) Submeter a decisão do Ministro do Planeamento e da Administração do Território o montante total do incentivo a conceder e as listas de projectos seleccionados e não seleccionados;
c) Acompanhar o processo de apreciação das candidaturas e pronunciar-se sobre questões a ele relativas.
Por sua vez, no artigo 21.º, sob a epígrafe “Contrato de concessão de incentivos” prescreve-se que:
«1 - A concessão de incentivo é objecto de um contrato a celebrar entre o promotor do projecto e as entidades referidas no n.º 2 do artigo 17.º, por documento particular, devendo as assinaturas ser reconhecidas notarialmente.
2 - O modelo do contrato será homologado por despacho do Ministro do Planeamento e da Administração do Território e dele devem constar cláusulas relativas aos objectivos do projecto, ao montante do incentivo concedido, aos direitos e deveres das partes e, sendo caso disso, às garantias a prestar.
3 - O contrato de concessão de incentivo, sob proposta fundamentada das entidades mencionadas no n.º 2 do artigo 17.º, pode ser objecto de renegociação no caso de alteração das condições de mercado ou financeiras que justifiquem uma interrupção do investimento, uma alteração do calendário da sua realização ou uma modificação das condições de exploração, após autorização do Ministro do Planeamento e da Administração do Território.
4 - A posição contratual da empresa beneficiária pode ser objecto de transmissão, sob proposta fundamentada das entidades mencionadas no n.º 2 do artigo 17.º, após autorização do Ministro do Planeamento e da Administração do Território e uma vez verificadas as condições de acesso previstas no presente diploma.
Por fim, com interesse, o artigo 22.º, sob a epígrafe “Rescisão do contrato” estabelece a seguinte disciplina:
«1 - O contrato pode ser rescindido por despacho do Ministro do Planeamento e da Administração do Território, sob proposta fundamentada da comissão de selecção, com base nas informações fornecidas pelas entidades mencionadas no n.º 2 do artigo 17.º, nos seguintes casos:
a) Não execução do projecto de investimento nos termos previstos por causa imputável ao promotor;
b) No caso dos projectos do sector do turismo, pela não afectação do empreendimento à actividade turística por um período não inferior a 10 anos e pela exploração desse empreendimento, no todo ou em parte, em regime de direito real de habitação periódica ou de direito de habitação turística;
c) Viciação de dados na fase de candidatura e na fase de acompanhamento do projecto, nomeadamente dos elementos justificativos de despesa;
d) Não cumprimento das obrigações legais ou fiscais por parte da empresa;
e) Não cumprimento do disposto no artigo 24.º do presente diploma;
f) Não cumprimento das medidas de protecção ambiental previstas no contrato.
2 - A rescisão do contrato implica a restituição dos incentivos concedidos, sendo o beneficiário obrigado a repor as importâncias recebidas, no prazo de 90 dias a contar da data do recebimento da notificação, acrescidas de juros de mora à taxa estabelecida para as dívidas de impostos ao Estado e aplicada da mesma forma
De acordo com a previsão do artigo 22.º, n.º 1 do DL 193/94, é apodítico que a rescisão do contrato de incentivos celebrado entre a autora e o IAPMEI apenas pode ser determinada por despacho do Ministro do Planeamento e da Administração do Território, sob proposta fundamentada da comissão de seleção, com base nas informações fornecidas pelas entidades mencionadas no n.º2 do art.º 17.º (onde se enquadra a apelada).
E, de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 22.º do referido diploma, apenas com a rescisão do contrato o beneficiário, no caso, a apelante, ficaria obrigada à restituição de todas as importâncias recebidas.
Estas normas foram transpostas para os n.º 1 e 2 da cláusula 11.ª ( décima primeira) do contrato de incentivos outorgado entre apelante e apelado em maio de 2001.
Contudo, no caso dos autos, quer através do ofício n.º 74068, de 17 de outubro de 2005 (ponto 31 dos factos assentes) quer através do ofício com a referência UFIN/CF.07/CR-CS, que a autora recebeu em 08.03.2007 (ponto 33 dos factos assentes), não foi comunicada á autora nenhuma rescisão do contrato de incentivos financeiros que celebrou com o IAPMEI, estando apenas em causa a devolução de 50.308,76€ do subsídio recebido pela apelante.
Por rescisão entende-se a «Extinção do contrato por manifestação de vontade de uma das partes, válida, desde que para tal tenha fundamento na lei ou no próprio contrato. A rescisão é, pois, uma forma de extinção dos contratos, consubstanciada numa declaração de vontade unilateral e vinculada» - cfr. Dicionário Jurídico, Vol. I, 5.ª Ed., Ana Prata, pág.1292.
No ofício com data de 25 de outubro de 2005, lê-se que: «Na sequência de verificação física, documental e contabilística do processo em assunto e dada a impossibilidade de aceitação das despesas posteriores a 31.12.2000, de acordo com o estipulado na 48ª Reunião da Comissão de Seleção do SIR, em 08.04.1999, foi comprovada a realização de 44,7% das Aplicações Relevantes.
Tendo em conta o grau de realização das Aplicações relevantes e dado já terem sido processados a título de adiantamento 80% de subsídio aprovado torna-se necessária a devolução de 50.308,76 euros (10.086,001 contos) de subsídio a fundo perdido».
E no ofício UFIN/CF.07/CR-CS diz-se que a autora devia remeter de imediato um cheque à ordem do IAPMEI no montante de 50.308,76 € «respeitante à Ordem de devolução n.º 35/2005, vencida a 11-10-2005».
Alega a apelante que nos termos dos artigos 17.º, n.º 2 e 21.º do DL 193/94 de 19.07 as funções do Recorrido cingem-se à análise de candidaturas, celebração de contratos com as empresas, pagamentos e controlo, não lhe competindo rescindir os contratos celebrados, nem sequer tomar decisões quanto à restituição de subsídios pagos, pelo que dúvidas não subsistem de que o ato administrativo sindicável seria o ato de rescisão do contrato que sempre teria de ser proferido pelo Ministro e nunca qualquer comunicação enviada pelo Recorrido.
Em nenhum destes ofícios se dá nota de uma rescisão do contrato de ajudas financeiras.
Adianta ainda a apelante que a referida comunicação, in casu, nem sequer respeita a qualquer decisão que eventualmente tivesse sido proferida pelo titular do órgão competente do IAPMEI mas tão só a uma comunicação efetuada pelo “Centro de Verificação de Projetos do Porto”, cujo autor da respetiva comunicação não se encontra sequer identificado.
E se assim é quanto à comunicação do Centro de Verificação de Projetos do Porto de 17/10/2005, ainda menos relevância para este efeito tem o parecer jurídico, que foi comunicado à recorrente em 03/03/2007 (por esta recebida em 08/03/2007), que se limita a fazer uma mera apreciação jurídica da situação, não constituindo, como é evidente, qualquer decisão e, muito menos, que possa ser considerada como um ato administrativo impugnável.
São atos administrativos todas as decisões que lesam posições jurídicas subjetivas dos particulares, ainda que desprovidas das características de definitividade e de executoriedade.
Na situação vertente, como vimos, não foi solicitado à autora que devolvesse a totalidade do subsídio recebido a fundo perdido mas foi-lhe solicitado que devolvesse uma parte desse subsídio correspondente ao que na ótica do réu a autora teria recebido a mais, pelo que, pese embora não se esteja perante uma rescisão do contrato de incentivos financeiros, está-se perante uma decisão da administração lesiva da esfera jurídica da autora, com eficácia externa.
Na decisão recorrida, o Tribunal a quo, considerou que a apelante devia ter impugnado judicialmente a decisão do réu que lhe foi notificada pelo ofício datado de 17 de outubro de 2005, ao invés de se ter limitado a rebatê-la perante o réu, arguindo a sua falta de fundamentação e a verificação de erro nos seus pressupostos de facto, e, bem assim, pedir a condenação do réu à pratica de ato legalmente devido, como sempre sustentou junto do réu após ter sido notificada naquela data, em que defendeu ter sido ilegalmente omitido.
A este respeito, o Tribunal de 1.ª instância sublinha que «depois de compulsado o teor do requerimento dirigido pela Autora ao Réu após a receção daquele ofício datado de 17 de outubro de 2005, a mesma referiu, em resposta, pelo requerimento datado de 21 de outubro de 2005 (cfr. ponto 32 da matéria de facto assente – ver n.º 6 do requerimento), que não assiste razão ao Réu quanto à pretensão de proceder à devolução das quantias exigidas, e que essa decisão era ilegal e sem qualquer fundamento jurídico válido».
O Tribunal a quo afirma que a Autora encerra a causa de pedir, essencialmente, no facto de o Réu lhe ter negado a prestação da quantia de 28.434,89 euros e de lhe exigir a devolução da quantia de 50.308,76 euros, o que traduz da parte do réu a tomada de decisões que a autora considera ilegais, que contendem com o direito a que se arroga e em relação ás quais não reagiu contenciosamente, considerando que a decisão comunicada pelo ofício de 17 de outubro de 2005, no contexto em que foi proferido, é lesiva da esfera jurídica da autora na medida em que lhe subtrai o direito que reclama.
Também se nos afigura que a decisão comunicada à apelante por ofício datado de 17/10/2005 referência CVP-Norte/74068 é um ato administrativo com eficácia externa, na medida em que é suscetível de produzir efeitos jurídicos lesivos à autora, conquanto lhe nega, por um lado, o pagamento da parte do subsídio que ainda não lhe tinha sido disponibilizado e, por outros, exigi-lhe a devolução de parte do subsídio já pago, tudo com fundamento na inelegibilidade de certas despesas, decisão esta também ela lesiva dos interesses da autora, que a mesma reputa de ilegal mas que não cuidou de impugnar.

No caso, recorde-se, resulta dos factos provados, que na sequência da celebração entre as partes, em maio de 2001, de um contrato de concessão de incentivos, nos termos do qual foi atribuído à Autora um incentivo financeiro, sob a forma de subsídio a fundo perdido, no montante global de Esc. 28.503.416$00 (142.174,44 Euros), cujo pagamento deveria ser efetuado pelo recorrido à recorrente após realização do projeto, mediante apresentação dos documentos justificativos das despesas, em 31.12. 2001, depois da autora ter entregue ao réu uma garantia bancária emitida pela Caixa Agrícola, no valor de 14.251,708 contos, foi-lhe pago um adiantamento ao referido subsídio a fundo perdido, no valor de 22.802,733 contos (113.739,55 euros), tendo a autora, em 30.04.2002, após conclusão do projeto de investimento e entrega do “dossier” de saldo, solicitado ao réu o pagamento dos restantes 20% do incentivo aprovado, ou seja, 5.700,684 contos (28.434,89 euros), que ainda não havia sido pago, o que lhe foi recusado assim como lhe foi exigida a devolução de parte do subsídio já pago.
E tal sucedeu porque o IAPMEI entendeu que foram realizadas despesas que não eram elegíveis por não terem sido despesas realizadas até 31/12/2000 e que as despesas realizadas pela apelante até essa data apenas permitiam comprovar a realização de AR no valor de 18.697 contos, conforme consta de fls. 1773 e 1788 do p.a. (Informação nº 2948/CVP-Norte/2005 de 19/8) e sendo o incentivo uma percentagem das aplicações relevantes realizadas pela empresa, conforme cláusula 2ª do contrato, a aceitação, dessas despesas implicava uma devolução do incentivo no valor de 50.308,76€, porque o adiantamento que a empresa recebera excedera a percentagem devida sobre as AR apuradas.

Ao exigir à autora a devolução de incentivos no montante de 10,086.01 contos (50.308,76€) e ao recusar-se a pagar-lhe a quantia reclamada de 28.434,89€, por ter considerado que as despesas realizadas após 31.12.2000 não eram elegíveis, foi proferida uma decisão unilateral e inovatória lesiva da esfera jurídica da autora, ou seja, um ato administrativo impugnável.
Note-se que a apelante insurge-se não só contra o pedido de devolução parcial do incentivo como reclama o pagamento daquele valor a que se acha com direito.
Se assim é, deveria ter impugnado contenciosamente aquela decisão que consubstancia a prática de um ato administrativo nos termos da definição constante do artigo 120.º do CPA ( redação vigente à data) de acordo com a qual «consideram-se atos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta» ou na aceção de Rogério Soares , de acordo com a qual o ato administrativo «é uma estatuição autoritária, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração no uso de poderes de Direito Administrativo, pela qual se produzem efeitos jurídicos externos, positivos, ou negativos».
A apelante falhou a impugnação atempada dos atos alegadamente ilegais, pelo que, estamos perante uma situação de eventual ilegalidade de um ato administrativo que já não pode ser impugnado.
Não tendo sindicado judicialmente esse ato, fica prejudicado o exercício desse seu direito através desta ação, não sendo aceitável, como não é, a tese sustentada pela autora segundo a qual apenas se estaria perante um ato administrativo impugnável se tivesse sido proferido despacho de rescisão do contrato por parte do competente Ministro.
No caso, como vimos, não houve rescisão do contrato, que constitui a sanção mais grave que um contrato pode ter, o que não impede que outras decisões possam ser proferidas suscetíveis de ainda assim lesarem os interesses das empresas, como sucedeu na situação em análise e naturalmente impugnáveis nos termos legalmente estabelecidos.
E assim sendo, não podia a autora lançar mão desta ação para contornar os efeitos que deixou que se consolidassem na ordem jurídica ao não ter impugnado as referidas decisões administrativas, como julgou o Tribunal a quo.
A ilegalidade em causa apenas poderia aqui ser conhecida a título incidental e, de todo o modo, a presente ação administrativa comum nunca poderia ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável (artigo 38.º do CPTA/2004). O que, desde logo, revela a inviabilidade dos pedidos formulados pela apelante através da presente ação administrativa comum, conquanto se pretende a obtenção de efeitos que apenas seriam conseguidos através da invalidação (anulação) do ato ilegal, eventualmente cumulada, na mesma ação administrativa especial, com um pedido de condenação à prática do ato administrativo devido.

Versando sobre uma situação com contornos similares à que está em discussão nestes autos, não podemos deixar de apontar o recente Acórdão deste TCAN, de 13.03.2020, proferido no processo 01515/16.4BEBRG no qual, num caso com contornos similares, se expenderam as seguintes considerações: «A Autora pretende o reconhecimento da despesa referente a Business Plan, o reconhecimento de que executou 80% do valor contratado a título de despesas elegíveis e, consequentemente, o reconhecimento do direito da Autora a um incentivo não reembolsável no valor de €70.841,09.
Esta pretensão da Autora implica, necessariamente, uma apreciação pelo Tribunal da validade do acto administrativo que considerou que a despesa referente a Business Plan não era uma despesa elegível e que a Autora tinha direito a um incentivo reembolsável de € 282.952,44, por ter executado 79,36% das despesas elegíveis contratadas, acto notificado à Autora em 9 de Maio de 2016.
(…)
Do probatório supra resulta que a Ré, no âmbito de um procedimento de concessão de incentivos financeiros, emitiu um acto administrativo a determinar que a despesa apresentada pela Autora referente a Business Plan não era despesa elegível e que a Autora executou as despesas elegíveis contratadas na percentagem de 79,36, pelo que determinou um incentivo reembolsável final de €282.952,44, ou seja, subjacente às pretensões da Autora de reconhecimento do direito a um incentivo reembolsável que considere que uma despesa apresentada por si é elegível e que executou as despesas contratadas em 80% e, por isso, o valor do incentivo não reembolsável é superior ao anteriormente determinado pela Ré, está uma decisão de definição unilateral e inovatória de uma situação jurídica individual e concreta (art. 148º do CPA), isto é, está um acto administrativo insusceptível de ser jurisdicionalmente impugnado com vista à sua eliminação jurídica, em acção de impugnação administrativa, por decurso do prazo legal de três meses para o efeito (art. 58º nº 1 al.b) do CPTA).
A Autora não impugnou o acto supra referido, pelo que este se consolidou na ordem jurídica e se tornou inatacável, vedando agora a lei à Autora a possibilidade de, mediante o peticionado na presente acção, proposta em 2 de Agosto de 2019, ultrapassar a falta de impugnação contenciosa do acto, no sentido de obter pela procedência da presente acção, os efeitos típicos resultantes da anulação do acto impugnável.
Se assim fosse, tal corresponderia à destruição dos efeitos do acto jurídico já consolidado na ordem jurídica como se se tratasse de uma anulação do acto administrativo em acção de impugnação deste, com ofensa do caso administrativo resolvido.
Assim, o meio contencioso adequado e próprio para a realização da tutela dos direitos da Autora seria a acção administrativa de impugnação de acto administrativo (art.s 37º nº 1 al. a) e 51º nº 1, ambos do CPTA).»


No n. º1 do artigo 38.º do CPTA, na redação aplicável aos autos, o legislador prevê que « Nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por atos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um ato administrativo que já não possa ser impugnado»
E no n.º2 desse preceito, determina-se que «Sem prejuízo do disposto no número anterior, a ação administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável» ou seja, a apreciação da ilegalidade do ato administrativo numa ação administrativa comum não pode nunca ter por finalidade a obtenção do efeito que resultaria da anulação ou declaração de invalidade desse ato, que continuará na ordem jurídica a produzir os seus efeitos, ou seja, «este normativo não permite que, numa ação administrativa que não tenha por objeto a anulação do ato administrativo impugnável, como é o caso da presente ação, se obtenham os efeitos complementares ou executivos caracteristicamente associados ao juízo próprio da ilegalidade, ao juízo anulatório, sejam por exemplo os relativos ao restabelecimento in natura da situação jurídica ilegalmente criada, porque isso corresponderia ou pressuporia uma verdadeira anulação do ato, a sua eliminação da ordem jurídica.»
Neste sentido, veja-se a jurisprudência sumariada no Acórdão deste TCAN, de 08/04/2011:
“ III. O art. 38º nº 1 do CPTA permite que a ilegalidade do acto administrativo que já não possa ser impugnado por consolidação na ordem jurídica possa ser aferida ou apreciada, a título incidental, em acção administrativa comum cuja pretensão não seja dirigida em termos finais à impugnação daquele acto. IV. Tal conhecimento incidental da ilegalidade naquela acção administrativa só pode ocorrer se com a pretensão nela deduzida se visem obter efeitos jurídicos diversos ou não coincidentes, dos que derivariam da instauração da acção administrativa especial de impugnação. V. Esta possibilidade de apreciação incidental está ainda condicionada àquelas situações em que a lei substantiva o admite mediante o reconhecimento de relevância jurídica conferido àquela apreciação, prevendo-se, desde logo, a título meramente exemplificativo, aquela possibilidade e relevância nas situações em que se visa efectivar a responsabilidade civil extracontratual da administração por alegada prática de actos administrativos ilegais (…)”.

Conforme se ilustra no Acórdão deste TCAN de 19.02.2014, proferido no proc. 00339/10.7BECB «Se a Administração tem de proceder a um juízo valorativo sobre a situação em análise e se a pretensão pode ser indeferida, é porque não estão reunidos os pressupostos para que se possa recorrer à ação administrativa comum».

Também Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª e dição revista, 2007, Almedina, pág. 226, sustentam que: “Na verdade, a acção administrativa comum não é o meio processual adequado a obter a anulação de um acto administrativo, que deve ser objecto de uma acção administrativa especial, sujeita a prazos próprios de propositura. A possibilidade de invocação, pelo interessado, da ilegalidade de um acto administrativo relativamente ao qual já tenham decorrido os prazos de impugnação, no âmbito de uma acção administrativa comum, só pode, portanto, dirigir-se a obter efeitos jurídicos não coincidentes com os que resultariam da propositura de uma acção de impugnação. Para tanto, é necessário, que exista uma norma ou princípio de direito substantivo que permita retirar da ilegalidade do acto uma outra consequência que não seja a da reconstituição da situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado, e, portanto, da remoção dos efeitos directamente decorrentes do acto ilegal.»

O uso de uma ação administrativa comum não exime o seu autor, por um lado, da observância dos prazos legais que a lei impõe relativamente à definição da sua situação concreta por ato administrativo e, por outro, da aplicação ao caso do disposto no nº 2 do artigo 38º do CPTA (Ac. deste TCAN, de 19-04-2018, proc. n.º 00489/12.5BECBR), pelo que bem decidiu o Tribunal a quo.

Termos em que se impõe julgar improcedentes os fundamentos de recurso aduzidos pela apelante.
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IV- DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela apelante, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Notifique.
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Porto, 29 de maio de 2020.


Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro