Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00601/05.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/25/2015
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:PERDAS EM EXISTÊNCIAS
PRESUNÇÃO DE TRANSMISSIBILIDADE
FUNDAMENTAÇÃO
VÍCIO DE INCOMPETÊNCIA
Sumário:I- A fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada acto e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao tribunal em face do caso concreto ajuizar da sua suficiência, mediante a adopção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante dos actos em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro.
II- Por perdas fiscais das existências deve entender-se a privação de toda ou parte dessas existências, da qual resulta um detrimento ou prejuízo.
III- As perdas e abates realizados sobre bens do inventário não se regem pelo disposto no actual artigo 31.º-B do Código de IRC (que revogou o artigo 38.º do Código de IRC).
IV- O Código do IRC não contém um regime específico de reconhecimento de perdas em bens do inventário, dado que o regime previsto no artigo 31.º-B (e antes no artigo 38.º do Código do IRC) é estritamente aplicável a bens do activo fixo, afastando da sua previsão os bens do inventário; não sendo convocável no que tange à identificação e comprovação dos factos que originaram as perdas económicas nos bens do inventário.
V- Por isso, a ilisão da presunção de transmissibilidade de bens adquiridos, prevista no artigo 80.º do Código do IVA, assenta em critérios de razoabilidade e de especificidade do caso concreto, tendo em conta a natureza dos bens e a sua origem no processo de verificação do respectivo abate, bem como as justificações apresentadas pelo sujeito passivo, por forma a permitir a aferição concreta dos bens eliminados.
VI- A exigência de comprovação, por exemplo, por uma entidade externa da destruição dos bens e verificação das respectivas quantidades, representa um ónus probatório especialmente excessivo, principalmente quando a lei não o impõe.
VII- In casu, um documento interno não se mostrou justificativo das perdas declaradas pela Recorrente, nos termos do disposto no artigo 98.º, n.º 3, alínea a) do Código de IRC, apresentando-se inapto para ilidir a presunção de transmissibilidade dos bens em causa, prevista no artigo 80.º do Código do IVA.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:S..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

S..., Lda., NIPC 5…, com sede na Avenida…Viseu, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 28 de Abril de 2014, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, contra a liquidação adicional de IVA, do ano de 1997, e respectivos juros compensatórios, no montante global de 2.536,94 €.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso com as conclusões que se reproduzem de seguida:
1. O presente recurso vem interposto de douta decisão que julgou parcialmente improcedente, por parcialmente não ter sido provada a impugnação judicial contra a liquidação adicional de IVA, e respectivos juros compensatórios, referente ao exercício de 1997, na quantia global de € 2.536,94.
2. Desde logo, importa realçar que o cerne da questão reside no facto da recorrente ter apresentado perdas extraordinárias em existências declaradas fundamentadas por documentos justificativos - D.L 906, de 31 12.1997 - que não foram aceites pela Administração Fiscal.
3. A douta decisão recorrida fundamenta a sua posição do seguinte modo:
“Todavia, a justificação apresentada pelo contribuinte não colhe na medida em que, conforme consta do complemento ao relatório de inspeção, os artigos exibidos à Sra. Inspetora foram óculos de sol e armações, enquanto as regularizações correspondiam, na sua maioria, a lentes, motivo pelo qual, para efeitos de IVA foi aplicada a taxa de 5%.”
4. Salvo o devido respeito, não se concebe como é que perante tal afirmação tão genérica e vaga, a justificação apresentada pela recorrente não pode ter acolhimento… já que incontestável é que os óculos de sol são compostos por lentes!
5. Assim, subsiste a dúvida acerca do fundamento para não aceitar o documento apresentado pela recorrente, já que nem a recorrida, nem o Tribunal a quo, apresentam qualquer norma donde deriva a necessidade de documento externo com as menções anteriormente referidas e exigidas pela douta sentença.
6. Em consequência, o relatório de inspecção peca por falta de fundamentação do acto tributário, seja ela de direito, seja ela de facto, no que concerne às correcções descritas no ponto III B a propósito de se terem “... contabilizado com perdas extraordinárias em existências...”,
7. A este respeito, a recorrente, não pode deixar de realçar a propósito do capítulo III do relatório, intitulado “Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável”, transcrito igualmente no facto provado 4, que foi considerado o limite de 0.0005, sendo que o limite a considerar sempre seria de 0,005.
8. Também, fica por explicar onde é que a recorrida vai buscar o valor de 489.489$00, sobre o qual faz incidir 17% de IVA.
9. Assim, a Administração Tributária não logrou demonstrar e, desta forma, fundamentar suficientemente a razão dos valores que a mesma apresenta diferirem relativamente ao entendimento da recorrente.
10. Já que a recorrente continua a não entender esta diferença de valores e continua a não entender porque é que o DI não foi considerado,
11. Desde logo, porque partindo do relatório e acabando na douta sentença recorrida, nada é referido que permita concluir que o D.I. 906 não respeita os trâmites legais.
12. A verdade é que, tem de ser reconhecida inteira validade a todo o documento de origem interna que confirma a autenticidade dos movimentos nele reflectidos.
13. Face ao exposto, a douta decisão recorrida que se limita a subscrever toda a fundamentação apresentada pelo acto impugnado peca, igualmente, por insuficiência da sua fundamentação, além de padecer por erro de julgamento.
14. Por outro lado, a informação/proposta de decisão, datada de 17.09.2002, que precedeu o indeferimento da reclamação graciosa, foi prestada por um técnico adm. trib. adjunto,
15. A incompetência hierárquica desse técnico foi invocada em sede de recurso hierárquico e, no entanto, a AT, num claro atropelo pelo “princípio de decisão”, estatuído no art. 56° da LGT, nada referiu quanto a tal questão
16. Sendo que, não se pode deixar de realçar que a redacção do art. 75° do CPPT apresentada pela douta decisão recorrida correspondente à redacção conferida pela Lei n° 55-A/2010, de 31 de Dezembro, não era a redacção em vigor à data dos factos, pelo que, a mesma não pode ser considerada.
17. Contudo, independentemente de tal facto, também a douta decisão não se pronuncia acerca da invocada omissão de pronúncia por parte da recorrida, em sede de decisão proferida no âmbito do recurso hierárquico, em clara violação do art. 56° da LGT.
18. Assim, a decisão impugnada e, consequentemente, a douta decisão recorrida violou ou deu errada interpretação ao disposto nos artigos 23°, 23.°-A e 31.°-B, todos do CIRC, 124° e 125°, ambos do CPA, 56° da LGT, 75°, n.° 2, do CPPT com a redacção que estava em vigor à data dos factos e 268° CRP, sendo, consequentemente, nulas e inconstitucionais, incorrendo a douta sentença em erro de julgamento.
19. Deste modo, a douta sentença é nula, de acordo com o artigo 125° do CPPT, nulidade esta que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a douta decisão, proferida em 1ª Instância, e substituída por outra que dê provimento integral à impugnação apresentada
ASSIM SE FAZENDO A ACOSTUMADA JUSTIÇA
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma das invocadas nulidades, por insuficiente fundamentação e por omissão de pronúncia, e de erro de julgamento, designadamente no concernente à apreciação do vício de falta de fundamentação/da errónea quantificação do acto tributário e do vício de incompetência, por aplicar redacção do artigo 75.º, n.º 2 do CPPT que não estava em vigor à data dos factos.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância, foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
1. A sociedade S.... S.A., ora Impugnante, encontra-se coletada em IRC, pelo exercício de comércio a retalho de artigos de ótica e prestação de serviços de optometria, CAE 52482, estando enquadrada no regime de contabilidade organizada e, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal. - cfr. fls. 8 do processo de reclamação graciosa apenso.
2. A Impugnante é franqueada da M…, S.A. por um contrato com a duração de cerca de 20 anos, possuindo, para desenvolvimento da sua atividade, nos exercícios de 1999 e 2000, 4 lojas arrendadas - cfr. fls. 8 do processo de reclamação graciosa apenso.
3. Com base nas Ordens de Serviço n.º 29262, de 28.11.2001 e n.º 28633, de 15.10.2011, a Impugnante foi alvo de uma ação inspetiva que incidiu sobre os exercícios de 1997, 1999 e 2000. - cfr. fls. 8 do processo de reclamação graciosa apenso.
4. Em 08.02.2002, foi elaborado o projeto de relatório de inspeção tributária, que consta de fls. 6 a 14 do processo de reclamação graciosa apenso, que se dão por reproduzidas, e do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“[…]
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL.
III.A) ARTIGOS PARA OFERTA – 1997- ARTIGO 3º, ALÍNEA F) DO CIVA E CIRCULAR Nº 19/89, DO SIVA (ANEXO B-PAPEIS DE TRABALHO)
Foi contabilizado no exercício de 1997 a título de ofertas, o montante de 1.004.039$00, tendo sido deduzido IVA sobre o montante de 989.489$00.
De acordo com informações prestadas pelo sócio gerente Dr. P…, a saída daquelas ofertas não são objecto de registo, nomeadamente nos documentos de venda (situação comprovada para os meses de Janeiro, Junho e Dezembro do exercício de 1999), mas apenas por diferença de inventário aquando da contagem física. Desta forma não foi possível efectuar o controlo pelo limite unitário de 3.000$00, conforme referido nos n.º 3 e 4º da Circular 19/89. Além disso, o valor anual de tais ofertas não poderá exceder 5% o do volume de negócios, com referência ao ano anterior. O limite a considerar é o seguinte:
VOLUME NEGÓCIOS 1996 = 98.442.437$00
LIMITE = 0,005 * 98.442.437$00 = 492.212$00
Como tal, terá que ser regularizado o IVA a favor do Estado no montante de 168.213$00 (989.489$00*17%).
III.B) CUSTOS E PERDAS EXTRAORDINÁRIOS/PERDAS EM EXISTÊNCIAS – 1997 – ARTº 80ºCIVA; Nº 3 ARTº 17º e alínea a) Nº 3 ARTº98º CIRC (ANEXO C-PAPEIS DE TRABALHO)
Foi contabilizado com perdas extraordinárias o montante de 4.978.136$00. Da análise efectuada aos documentos de suporte verificou-se que o D.I. 906 de 31/12/1997, no montante de 4.158.065$00 não tem suporte legal, na medida em que não passa de um documento interno de contabilidade em que faz menção a “Regularização de Existências relativas às quebras verificadas resultantes da verificação efectuada e conciliação directa”, ou seja, foram efectuadas regularizações às existências no final do ano aquando da contagem física das mesmas. Porque foram detectadas divergências entre o inventário permanente e o inventário físico, o s.p. efectuou a regularização daquelas.
O código do IVA, no seu artigo 80º, refere que “Salvo prova em contrário,… presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem em qualquer desses locais”. Por sua vez a alínea a) do n.º 3 do artigo 98º do código do IRC diz que “Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos…”.
Como tal serão efectuadas as seguintes correcções:
EM SEDE DE IRC
- Anulação do custo extraordinário e regularização de existências ou seja:
ESCUDOS
PERDAS EXTRAORDINÁRIAS/ CONTA 69 A DÉBITO (4.158.065$00)
REGULARIZAÇÃO DE EXISTÊNCIAS/ CONTA 38 A DÉBITO : 4.158.065$00
- Acréscimo às vendas do montante de 4.158.065$00;
EM SEDE DE IRC
- liquidação de IVA sobre o montante de 4.158.065$00. Propõe-se que a taxa a utilizar seja de 5%, pelo facto das vendas a esta taxa (vendas de lentes) serem as mais representativas no volume de negócios.
Resulta assim imposto em falta no montante de 207.903$00.
[…]”.
5. Através do requerimento que consta de fls. 27 verso e ss. do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se tem por reproduzido, a Impugnante exerceu o seu direito de audição.
6. Em 11.03.2002, foi elaborado o complemento do relatório de exame à escrita, após concessão do direito de audição, que consta de fls. 24 verso e ss. do processo de reclamação graciosa apenso, que se dão por reproduzidas, e do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“[…]
IX DIREITO DE AUDIÇÃO-FUNDAMENTAÇÃO
O s.p. exerceu o direito de audição por escrito (em Anexo), previsto nos artº. 60º da LGT e RCPIT, em 26 de Fevereiro de 2002, tendo o mesmo entrado nestes Serviços em 27 de Fevereiro do corrente. Após leitura e análise do conteúdo do mesmo foram retiradas as seguintes conclusões:
[…]
***ARTIGOS PARA OFERTA-1997
Relativamente a este ponto concorda-se com o s.p. na parte que respeita à base considerada para efeitos de regularização do IVA a favor do Estado. Efectivamente, o montante de ofertas cujo imposto foi deduzido, foi de 839.164$00 e não de 989.489$00. Este lapso deveu-se ao facto de constarem no extracto de conta – corrente dos “artigos para oferta com IVA dedutível”, documentos sobre os quais essa dedução não foi efectuada. Após verificação dos mesmos, conforme identificação do Direito de Audição, conclui-se que, dos 989.489$00 constante no referido extracto, 150.325$00 respeitavam a artigos para oferta cujo imposto não foi objecto de dedução.
Quanto aos restantes argumentos invocados pelo s.p., não se concorda com os mesmos, mantendo-se o referido no projecto de relatório.
Em face ao exposto, verifica-se que se encontra por regularizar IVA a favor do Estado no montante de 142.658$00 (839.164$00).
***CUSTOS E PERDAS EXTRAORDINÁRIOS-1997
O referido na parte inicial do terceiro parágrafo da Audição não corresponde à realidade pelo seguinte:
- Durante a inspecção e numa visita à sede do s.p. (Loja de Viseu, localizada na Avenida…), os sócios gerentes da empresa apresentaram-nos um caixote contendo óculos e armações;
- É verdade que nos tentaram dizer que aqueles artigos eram os regularizados no exercício de 1998, mas,
- Verificou-se que os artigos regularizados eram essencialmente lentes, tanto que a taxa utilizada nas correcções efectuadas foi de 5%;
- Por outro lado, se no exercício de 1998 foram regularizadas existências pelo facto de se terem detectado divergências na contagem física (conforme referido no documento de contabilidade “Regularização de Existências relativas às quebras verificadas resultantes da verificação efectuada e conciliação directa”), é porque esses artigos já não se encontravam em armazém pois, a estarem lá teriam sido inventariados (aplicando-se assim perfeitamente o artigo 80º do CIVA). Conclui-se assim e uma vez mais que os artigos apresentados 2001 não poderiam ser os regularizados em 1998.
[…]”.
7. As correções à matéria tributável propostas no Relatório de Inspeção Tributária foram sancionadas superiormente. – cfr. fls. 23 verso do processo de reclamação graciosa apenso.
8. No seguimento foram emitidas as seguintes liquidações: liquidação adicional de IVA n.º 02162949 do ano de 1997, no valor de 1.748,59 €, e liquidação de juros compensatórios n.º 02162948, no montante de 788,35 €. – cfr. fls. 5 do processo de reclamação graciosa apenso.
9. Em 16.08.2002, a Impugnante deduziu reclamação graciosa do ato tributário que foi autuada sob o n.º 3700-02/400054.4. – cfr. fls. 1 e ss. do processo de reclamação graciosa apenso.
10. Pelo ofício n.º 8.650, de 27.08.2002, foi a reclamante, ora Impugnante, notificada do projeto de indeferimento da reclamação graciosa, para exercer o direito de audição. – cfr. fls. 34/36 do processo de reclamação graciosa apenso.
11. Em 17.09.2002, foi elaborada por J…, Técnico Administrativo Tributário Adjunto, a informação constante de fls. 37/38, na qual foram apostos o parecer do Sr. Chefe de Finanças Adjunto e o despacho de indeferimento da reclamação proferido pelo Sr. Chefe de Finanças. – cfr. fls. 37 do processo de reclamação graciosa apenso.
12. Em 28.10.2002, veio a Impugnante apresentar recurso hierárquico do despacho de indeferimento. – cfr. fls. 1 e ss. do processo de recurso hierárquico apenso.
13. Por despacho datado de 22.12.2004, foi negado provimento ao recurso hierárquico interposto.
3.2. Factos não provados:
Para além dos elencados supra, não foram provados outros factos com relevância para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto dada como provada:
A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica do teor dos documentos constantes do processo de reclamação graciosa apenso e dos autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório.”
*
2. O Direito

No respeitante ao teor das conclusões 7 e 8 das alegações de recurso, tendo-se constatado que a transcrição parcelar do projecto de relatório de inspecção, constante do ponto 4 da factualidade apurada, continha manifestos lapsos de escrita, procedeu-se à sua rectificação nos respectivos locais. Nesta conformidade, corrigiu-se a menção a 0,0005 para 0,005 e (489.489$00*17%) por (989.489$00*17%).
De igual forma, se alterou a data que se mostrava vertida nos pontos 11 e 13 da factualidade provada, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do CPC – cfr. fls. 37 e últimos documentos ínsitos no processo administrativo apenso aos autos.

Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida, desde logo, a tarefa de indagar dos apontados motivos de nulidade da sentença, por insuficiente fundamentação e por omissão de pronúncia.
Nas suas alegações de recurso, a Recorrente refere que a decisão tomada não lhe permite ficar esclarecida dos motivos que estão na génese do acto e das razões que sustentam o seu concreto conteúdo e sentido e, consequentemente, na medida em que a douta decisão recorrida limita-se a reiterar a fundamentação daquela, esta decisão peca igualmente por falta de fundamentação. Concluindo: deste modo, a douta sentença é nula, de acordo com o artigo 125.º do CPPT, nulidade esta que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.
A sentença/decisão pode padecer de vícios de duas ordens:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação;
2-Por outro lado, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º, do Código de Processo Civil, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26/6.
No processo judicial tributário, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, nº. 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Saliente-se que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação - Acórdão do STA, de 16-11-2011, Proc. n.º 0802/10 - , sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140 “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Porém, como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Em relação à invocada falta de fundamentação, importa notar que a decisão recorrida elencou a realidade de facto que esteve na base da decisão, a qual foi enquadrada na aplicação do direito, impondo-se ainda sublinhar que esta nulidade apenas se verifica, como se disse, quando haja falta absoluta de fundamentos, e não quando a justificação seja apenas deficiente, visto o tribunal não estar adstrito à obrigação de apreciar todos os argumentos das partes, o que manifestamente não sucede no caso em apreço.
Aliás, a própria Recorrente reconhece existir apenas “insuficiência na fundamentação”, remetendo para o erro de julgamento: “face ao exposto, a douta decisão recorrida que se limita a subscrever toda a fundamentação apresentada pelo acto impugnado peca, igualmente, por insuficiência da sua fundamentação, além de padecer por erro de julgamento”.
Não se verificando este fundamento de nulidade da sentença, vejamos, agora, se ocorre por omissão de pronúncia.
Sustenta a Recorrente que a sentença recorrida não se pronuncia acerca da invocada omissão de pronúncia por parte da Recorrida, em sede de decisão proferida no âmbito do recurso hierárquico, em clara violação do artigo 56.º da LGT (cfr. conclusão 17 das alegações de recurso).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia ou a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.
A nulidade por omissão/excesso de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 660.º, n.º 2 do CPC, actual artigo 608.º, n.º 2, que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Seguindo jurisprudência pacífica, a nulidade por omissão de pronúncia somente ocorre nos casos em que o Tribunal, simplesmente, não apreciou questão sobre a qual devesse tomar posição ou não decidiu no sentido de não poder dela tomar conhecimento.
Na decisão de indeferimento das invocadas nulidades, a Meritíssima Juíza a quo, entre o mais, alertou não ter a Impugnante invocado, pelo menos de forma explícita, a violação do princípio da decisão por parte da AT em sede de recurso hierárquico, mas apenas a violação das regras de competência hierárquica no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, motivo pelo qual o Tribunal não se pronunciou sobre essa questão.
Efectivamente, na petição de impugnação a Impugnante autonomizou, de forma clara, os fundamentos por que não se conforma com o acto tributário em crise, distinguindo as ilegalidades patentes no projecto de relatório de inspecção e no seu complemento (que deram origem às correcções aí expostas) e as que resultam das decisões de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa e do recurso hierárquico. Tendo, assim, dividido a petição inicial em cinco grandes questões a apreciar e decidir: 1.ª Ilegalidade na audição sobre o projecto do relatório da DPIT; 2.ª Ilegalidade que se consubstancia em vincular o sujeito passivo ao cumprimento da circular n.º 19/89, da DGCI; 3.ª Ausência da fundamentação legalmente exigida; 4.ª Errónea quantificação do acto tributário; 5.ª Incumprimento do artigo 75.º, n.º 2 do CPPT.
A esta última questão a Impugnante dedicou quatro artigos com o seguinte teor: “A informação/proposta de decisão de 2002/09/17 que precede o indeferimento da reclamação graciosa, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Viseu 2, aparece prestada por um Téc. Adm. Trib. Adjunto, pelo que está-se em presença de novo incumprimento da legalidade, que, denunciado no recurso hierárquico, não teve resposta, praticamente, em violação do artigo 56.º, n.º 1 da LGT:
Com efeito, trata-se de uma decisão que tinha de ser prestada pelo Chefe de Finanças Adjunto, na sua qualidade de imediato inferior hierárquico de quem proferiu a decisão. Ora, ao não se mostrar cumprido esse condicionalismo, a decisão está ferida de vício de incompetência, com clara e inequívoca violação do artigo 75.º, n.º 2 do CPPT.”
Julgamos claro que a questão que a Impugnante queria ver apreciada pelo tribunal recorrido era a concernente com o vício de incompetência de que, alegadamente, enfermaria a decisão proferida no âmbito do procedimento de reclamação graciosa e à qual o recurso hierárquico não terá praticamente dado resposta. Mas, note-se, que na sentença recorrida foi expressamente apreciada a questão da (in)competência. E também no recurso hierárquico foi esta questão decidida, explicitando-se que a informação/proposta de decisão da reclamação graciosa está confirmada pelo Parecer que sobre a mesma foi proferido pelo Chefe de Finanças Adjunto, concluindo não se verificar nenhuma das ilegalidades referidas e terem as competências hierárquicas sido respeitadas – cfr. teor da decisão proferida no âmbito do recurso hierárquico.
Tudo visto, fica a ideia que a Impugnante não se conformou com esta decisão e ela própria admite ter existido decisão sobre a questão da invocada incompetência, pois utiliza a palavra “praticamente” - o recurso hierárquico não teve resposta praticamente, inculcando que foi algo (mas pouco) apreciado quanto ao vício suscitado.
Neste panorama, manifestamente, não havia condições para entender que a Impugnante pretendeu que o tribunal recorrido se pronunciasse acerca da violação do princípio da decisão, já que não colocou tal eventual motivação sob a forma de questão a decidir.
Entendemos que a sentença identificou e apreciou as questões concretamente suscitadas pela ora Recorrente.
Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14).
Ora, o invocado não poderá constituir omissão de pronúncia, por não se tratar de “questão” para efeitos do artigo 608.º, n.º 2 do CPC e do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT.
Com efeito, nos termos do direito supra exposto, a obrigação que impende sobre o juiz, sob pena de nulidade da sentença, é a de pronúncia sobre todas as questões colocadas pelas partes, nas quais não se podem incluir considerações como não ter o decisor do recurso hierárquico praticamente dado resposta à invocada questão do incumprimento do artigo 75.º, n.º 2 do CPPT.

No que concerne ao erro de julgamento invocado no presente recurso, é sabido que o direito à fundamentação do acto tributário, ou em matéria tributária, constitui uma garantia específica dos contribuintes e, como tal, visa responder às necessidades do seu esclarecimento, procurando-se informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto por forma a permitir-lhe conhecer as razões de facto e de direito que determinaram a sua prática e porque motivo se decidiu num sentido e não noutro.
Diga-se ainda que a questão da fundamentação corresponde ao cumprimento duma directiva constitucional decorrente do actual artigo 268.º, n.º 3 da C.R.P. no qual se consagra o dever de fundamentação e correspondente direito subjectivo do administrado à fundamentação, sendo que com a consagração de tal dever se visa harmonizar o direito fundamental dos cidadãos a conhecerem os fundamentos factuais e as razões legais que permitem a uma autoridade administrativa conformar-lhes negativamente a esfera jurídica com as exigências que a lei impõe à administração de actuar, na realização do interesse público, com presteza, eficácia e racionalidade (cfr. Acórdãos do S.T.A. de 17-01-1989, B.M.J. n.º 383, pag. 322 e ss. e de 04-06-1997 - Proc. n.º 30.137).
Do cotejo dos normativos citados temos que fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado acto, acto este que deverá conter expressamente os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão sem que a exposição dos fundamentos de facto tenha de ser prolixa já que o que importa é que, de forma sucinta, se conheçam as premissas do acto e que se refiram todos os motivos determinantes do conteúdo resolutório, sendo que na menção ou citação das regras jurídicas aplicáveis não devem aceitar-se como válidas as referências de tal modo genéricas que não habilitem o particular a entender e aperceber-se das razões de direito que terão motivado o acto em questão, pelo que importa e se impõe que a decisão contenha os preceitos legais aplicados e que conduziram a tal decisão.
A fundamentação consiste, portanto, em deduzir de forma expressa a decisão administrativa com as premissas fácticas e jurídicas em que assenta, visando impor à Administração que pondere antes de decidir, contribuindo para uma mais esclarecida formação de vontade por parte de quem tem a responsabilidade da decisão além de permitir ao administrado seguir o processo mental que a ela conduziu (cfr. Prof. Freitas do Amaral, in "Direito Administrativo", vol. III, pag. 244).
Conforme é jurisprudência uniforme e constante a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada acto e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao tribunal em face do caso concreto ajuizar da sua suficiência, mediante a adopção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante dos actos em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
Com tal dever de fundamentação visa-se "captar com transparência a actividade administrativa", sendo que tal dever, nos casos em que é exigido, é um importante sustentáculo da legalidade administrativa e constitui um instrumento fundamental da respectiva garantia contenciosa, para além de um elemento fulcral na interpretação do acto administrativo.
Para se atingir aquele objectivo basta uma fundamentação sucinta, mas que seja clara, concreta, congruente e que se mostre contextual.
Note-se que a fundamentação do acto administrativo é suficiente se, no contexto em que foi praticado, e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.
É contextual a fundamentação quando se integra no próprio acto e dela é contemporânea.
A fundamentação é clara quando tais razões permitem compreender sem incertezas ou perplexidades qual foi o iter cognoscitivo-valorativo da decisão, sendo congruente quando a decisão surge como conclusão lógica e necessária de tais razões.
Quanto à fundamentação de direito, tem sido entendimento do S.T.A. que na fundamentação de direito dos actos administrativos não se exige a referência expressa aos preceitos legais, bastando a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado (neste sentido, cfr. os Acórdãos do S.T.A. de 28-02-02, Rec. nº 48071, de 28-10-99, Rec. nº 44051, de 08-06-98, Rec. nº 42212, de 07-05-98, Rec. nº 32694, e do Pleno de 27-11-96, Rec. nº 30218).
Mais do que isto, tem sido dito que em sede de fundamentação de direito, dada a funcionalidade do instituto da fundamentação dos actos administrativos, ou seja, o fim meramente instrumental que o mesmo prossegue, se aceita um conteúdo mínimo traduzido na adução de fundamentos que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, possibilitem a referência da decisão a um quadro legal perfeitamente determinado – cfr. Acórdão do S.T.A. (Pleno) de 25-05-93, Rec. nº 27387, de 27-02-97, Rec. nº 36197.
Esta jurisprudência passa, assim, da suficiência de uma referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, para a suficiência de uma completa ausência explícita de referência normativa, se se puder concluir que o destinatário do acto pôde ou pode perceber o concreto regime legal tido em conta.
Note-se que é efectivamente diversa a situação de inexistência da indicação numerada e específica das normas tidas por aplicáveis, inexistência compensada pela referência expressa aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, de uma outra em que se verifica uma completa ausência de referência normativa.
Ainda que se considere ajustada esta linha jurisprudencial, a apreciação, em cada caso, de um acto como fundamentado de direito, apesar de nenhuma referência legal directa, supõe, em regra, o preenchimento de duas condições:
- A primeira é a de que se possa afirmar, inequivocamente, perante os dados objectivos do procedimento, qual foi o quadro jurídico tido em conta pelo acto;
- A segunda é a de que se possa concluir que esse quadro jurídico era perfeitamente conhecido ou cognoscível pelo destinatário, hipotizando-se que o seria por um destinatário normal na posição em concreto em que aquele se encontra.
A segunda condição não funciona sem a primeira, pois esta integra-a.
Se não se sabe qual o quadro jurídico efectivamente tido em conta pelo acto, jamais pode ser realizada; e, por isso, é irrelevante que o destinatário possa saber, e até saiba, qual o quadro jurídico que deveria ter sido considerado, sendo que o destinatário não se pode substituir nem ao acto nem ao autor do acto e a fundamentação é requisito do acto.
O destinatário tem o direito de saber qual o quadro jurídico que foi levado em consideração, ao abrigo de que regime legal entendeu o autor do acto praticá-lo.
Diga-se ainda que a fundamentação dos actos serve fins de inteligibilidade e de esclarecimento, devendo mostrar o «iter» cognoscitivo e valorativo que conduziu à estatuição, sendo que, na perspectiva do visado, o que lhe interessa é conhecer os antecedentes da consequência decisória - mesmo que mal extraída - para, assim esclarecido, seguidamente optar entre acatá-la ou impugná-la.
Acrescente-se ainda que no que concerne à fundamentação por remissão resulta expresso na lei que a fundamentação pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária (cf. artigo 77.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária), sendo entendido que nestes casos de remissão o acto administrativo integra, nele próprio o parecer, informação ou proposta que, assim, em termos de legalidade, terão de satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma (neste sentido, Acórdão do S.T.A. de 11-12-2002, Proc. nº 1434/02).
Na sentença recorrida, foi efectuado todo este enquadramento e entendido que não se verificava o vício em apreço, na parte que agora interessa, apontando-se que:
“Com efeito, e no que respeita concretamente à correção em sede de custos e perdas extraordinários/perdas em existências, é referido que a contabilização de custos como perdas extraordinárias, no montante de PTE: 4.978.136$00 carece de suporte legal uma vez que o documento justificativo é documento interno de contabilidade. É citado o artigo 80.º do CIVA, nos termos do qual é presumida a venda dos bens adquiridos que não se encontrem nos locais em que o contribuinte exerce a sua atividade, bem como o artigo 98.º, n.º 3, alínea a) do CIRC.
No complemento do relatório de inspeção é rebatido o argumento avançado pelo contribuinte no sentido de que os artigos foram exibidos à Sra. Inspetora e afirmado que os artigos exibidos em 2001 não correspondem aos regularizados em 1997. É certo que, como aponta a Impugnante, é referido o ano de 1998, dizendo respeito a correção a 1997, no entanto trata-se de um mero lapso de escrita que de modo algum obstou a Impugnante de apreender as razões de facto e de direito que determinaram as correções à matéria tributável, até porque o ano de 1998 nem sequer se encontrava abrangido pelo procedimento inspetivo.
Pelas razões aduzidas, improcede também o segundo fundamento invocado pela Impugnante. (…)”.
Aderimos à motivação constante da sentença recorrida. No que concerne às próprias deficiências de fundamentação que a Requerente refere, os elementos que lhe foram notificados contêm os elementos para o destinatário médio, na situação em que a Requerente se encontrava, se aperceber das razões por que foram efectuadas as liquidações.
A Recorrente apresentou o Documento Interno (DI) 906, de 31/12/1997 e a Administração Fiscal menciona na fundamentação que este documento não tem suporte legal. Em face desta afirmação, a Recorrente sustenta que o relatório de inspecção peca por falta de fundamentação do acto tributário, seja ela de direito seja de facto, no que concerne às correcções referentes à contabilização de perdas extraordinárias em existências, pois subsiste a dúvida acerca do fundamento para não aceitar o mesmo, dado que não é indicada qualquer norma donde derive a necessidade de documento externo.
Ora, nas conclusões do relatório de inspecção sustenta-se não ter o DI 906 de 31/12/1997 suporte legal, na medida em que não passa de um documento interno de contabilidade em que faz menção a “Regularização de Existências relativas às quebras verificadas resultante da verificação efectuada e conciliação directa”, ou seja, foram efectuadas regularizações às existências no final do ano aquando da contagem física das mesmas. Porque foram detectadas divergências entre o inventário permanente e o inventário físico, o sujeito passivo efectuou a regularização daquelas. Após, na fundamentação, é citado o artigo 80.º do CIVA, nos termos do qual é presumida a venda dos bens adquiridos que não se encontrem nos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade, bem como o artigo 98.º, n.º 3, alínea a) do CIRC, que diz que “todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos (…)”.
Nesta conformidade, mostra-se claro que, para efeitos do disposto no artigo 98.º, n.º 3, alínea a) do CIRC, a AT não considerou o DI 906 de 31/12/1997 documento justificativo do lançamento contabilístico em causa. Nenhuma dúvida pode subsistir acerca dos fundamentos para não aceitar o documento interno: o DI 906 não foi considerado documento justificativo nos termos do artigo 98.º, n.º 3, alínea a) do CIRC. Tendo implícito que era necessária melhor prova.
Em sede de audição prévia, revelando ter compreendido essa necessidade, a ora Recorrente alertou ter promovido essa melhor prova, referindo que o documento interno da contabilidade está acompanhado por uma listagem exaustiva dos artigos em causa; acrescentando que tais artigos foram exibidos à agente fiscalizadora e que os mesmos se encontram na sua sede, havendo toda a disponibilidade para, mais uma vez, se proceder à sua exibição.
Aquando da fundamentação da decisão final e em complemento do que já havia ficado motivado nas conclusões do relatório inspectivo, a AT explica as razões para a não aceitação das perdas extraordinárias relativas ao ano de 1997: a falta de correspondência entre os artigos constantes da listagem e os exibidos e a contradição nos termos – se os artigos não se encontravam em armazém (e era por isso que não seriam inventariados), como podiam agora estar a ser apresentados num caixote contendo óculos de sol e armações?
Julgamos que o que ficou expresso pela AT é suficiente para a compreensão da motivação das correcções quanto à questão em análise. Apreciando os elementos apontados pela Recorrente, fica a sensação de que não lhe basta que o acto contenha as razões de facto e de direito de que a decisão brotou, quer que as razões mostrem que a decisão é boa - o que confunde a forma com o fundo, de modo que, estando apenas, por ora, a questão da falta de fundamentação do acto tributário impugnada, nenhum mérito pode recolher a pretensão da Recorrente neste domínio.

A Recorrente afirma, ainda, que as perdas extraordinárias em existências declaradas se encontram devidamente apoiadas em documentos justificativos devendo ser aceites pela Administração Fiscal.
Não se conforma com o decidido na sentença recorrida, que se passa a transcrever:
“(…) Todavia, a justificação apresentada pelo contribuinte não colhe na medida em que, conforme consta do complemento ao relatório de inspeção, os artigos exibidos à Sra. Inspetora foram óculos de sol e armações, enquanto as regularizações correspondiam, na sua maioria, a lentes, motivo pelo qual, para efeitos de IVA foi aplicada a taxa de 5%.
Deste modo, não dispondo a Impugnante de documentos justificativos que revelassem a falta das existências, nomeadamente, documentos externos que atestassem a sua eventual destruição com indicação de quantidade, referência e valor, não tendo logrado, por outros meios, provar as perdas contabilizadas, subsiste a presunção constante do artigo 80.º do CIVA, pelo que os referidos bens têm-se por vendidos. (…)”
Por um lado, a Recorrente alerta que os óculos de sol são compostos por lentes, por outro afirma ser suficiente o DI 906, de 31/12/1997 que apresentou à AT para justificar as perdas declaradas.
É certo que o lucro tributável para efeitos de tributação em IRC tem como suporte o resultado apurado na contabilidade (cfr. artigo 17.º, n.º 1, do CIRC), a qual deverá, designadamente, estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade e reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo (als. a) e b) do nº 1 do artigo 17.º do CIRC); e estar organizada nos termos da lei comercial e fiscal e permitir o controlo do lucro tributável (n.º 1 do artigo 98.º do CIRC). E é certo, também, que quando a contabilidade esteja assim organizada, «presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte» (artigo 78.º do Código de Processo Tributário, em vigor à data dos factos; cfr., hoje, o artigo 75.º da LGT).
E é, ainda, certo que uma das regras de organização da contabilidade que assume maior relevo para o direito fiscal é a que vem consagrada na alínea a) do n.º 3 do citado artigo 98.º do CIRC, segundo a qual «Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de ser apresentados sempre que necessário».
No que respeita às aquisições de bens e serviços a regra geral é de que os respectivos documentos justificativos sejam de origem externa, sendo essa origem que lhes confere a presunção de autenticidade.
Contudo, in casu, está em causa a declaração de perdas fiscais em existências. Por perdas fiscais das existências deve entender-se a privação de toda ou parte dessas existências, da qual resulta um detrimento ou prejuízo.
Tendo por base o documento interno ínsito na contabilidade da Recorrente, estará na base da perda a quebra das existências.
Recorda-se que a Recorrente, conforme factualidade apurada, exerce o comércio a retalho de artigos de óptica, pelo que sempre estaria, supostamente, subjacente às perdas declaradas a inutilização e destruição de artigos de óptica. É verdade que, em sede de audição prévia, no âmbito do procedimento inspectivo, a Recorrente veio falar em “monos”, ou seja, artigos fora de moda e já não vendáveis, referindo a necessidade de se desfazer de artigos ultrapassados, já não comercializáveis, tendo ainda alegado que o documento interno estava acompanhado de uma listagem exaustiva dos artigos e que os mesmos foram exibidos no âmbito da inspecção. Pelo que as perdas declaradas também poderão consubstanciar artigos que foram abatidos.
Entendemos ser certo que as perdas e abates realizados sobre bens do inventário não se regem pelo disposto no actual artigo 31.º-B do Código de IRC (que revogou o artigo 38.º do CIRC). É que no caso sub iudice, estamos - sem margem para dúvidas - perante a inutilização de bens do activo corrente. Bens afectos ao inventário da Recorrente, bens que não foram comercializados.
Não estamos, portanto, perante bens do activo fixo tangível da Recorrente, bens do activo não corrente. E relativamente aos quais o actual Código do IRC consagra um regime especial de reconhecimento de gastos decorrentes de eventos anormais ou excepcionais.
Tal decorre da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 18, que classifica o inventário como bens “detidos para venda no decurso ordinário da actividade empresarial ou no processo de produção para tal venda”. Constituem ainda inventário os “materiais ou consumíveis a serem aplicados nos processos de produção ou na prestação de serviços”. Acresce que a NCRF 1 classifica tais bens como activo corrente, na medida em que os mesmos são detidos com a finalidade de negociação num ciclo económico de até 12 meses.
Este enquadramento contabilístico é plenamente aceite pelo Código do IRC. Que, como referimos, no seu artigo 17.º, identifica a contabilidade do sujeito passivo como ponto de partida para o apuramento da base tributável do exercício, esclarecendo que a mesma deve ser organizada de acordo com as regras de normalização contabilística.
Nesta conformidade, concluímos que o Código do IRC não contém (agora e à data da prática dos factos) um regime específico de reconhecimento de perdas em bens do inventário, dado que o regime previsto no artigo 31.º-B (e antes no artigo 38.º do Código do IRC) é estritamente aplicável a bens do activo fixo, afastando da sua previsão os bens do inventário; não sendo convocável no que tange à identificação e comprovação dos factos que originaram as perdas económicas nos bens do inventário.
Naturalmente que o abate dos bens do inventário há-de, forçosa e necessariamente, assentar em critérios que permitam aferir da sua existência. Comprovando a sua concreta verificação. E ilidindo (ou não) a presunção de transmissibilidade prevista no artigo 80.º do Código do IVA. Ou seja, há que identificar o motivo das perdas de existências e comprovar o seu quantitativo e subsequente abate.
Na verdade, em qualquer sector de actividade económica, o registo de uma quebra de existências - com origem conhecida ou não - é demonstrativo da existência de mecanismos de controlo, aferição e contagem dos bens não comercializáveis. Sob pena de o nível de existências ser anormalmente elevado, traduzindo uma situação não suportada pela realidade (stock inexistente) por manifesta ausência de controlo por parte dos sujeitos passivos.
Claro que o simples registo de perdas pode indiciar situações de evasão ou fraude. Nada impedindo que alguns sujeitos passivos lancem mão de registos falsos e/ou fantasiosos, de modo a abater bens e lograr a dedução dos respectivos custos. Apagando o rasto de anteriores vendas (não declaradas e registadas) desses mesmos bens.
É por isso, que um mero documento interno, sem mais, poderá não se apresentar como justificativo das perdas, como pretenderia a Recorrente. Contudo, a exigência que se fará ao sujeito passivo, para permitir a aferição concreta dos bens eliminados, deve pautar-se por critérios de razoabilidade.
A natureza dos bens e a sua origem têm de ser tidas em conta no processo de verificação do abate, sob pena de ao sujeito passivo ser imposto um excessivo ónus probatório.
Na verdade, a exigência de comprovação, por exemplo, por uma entidade externa da destruição dos bens e verificação das respectivas quantidades, representa um ónus probatório especialmente excessivo, principalmente quando a lei não o impõe.
No caso concreto, como vimos, as perdas em existências, relativas ao ano de 1997, derivaram, segundo justificou a Recorrente, da necessidade de se desfazer de artigos cuja venda já não é possível, artigos que saíram de comercialização; e foi, afinal, só por essa razão que a Recorrente procedeu à regularização de existências.
Assim, em rigor, não operou qualquer inutilização, destruição, eliminação ou abate de artigos ópticos e, por esse motivo, foi possível exibir à agente fiscalizadora os ditos bens, que estariam contidos num caixote e consubstanciariam óculos de sol e armações, e estariam na sede da Recorrente.
É nesta tentativa de ilisão da presunção de que os artigos teriam sido transmitidos, normalmente comercializados, que a Recorrente tenta fazer prova da existência dos mesmos em armazém (mas, segundo refere, com a qualidade de “monos”).
Ora, não é certo e seguro que os artigos exibidos correspondam exactamente aos que constam da lista anexa ao DI 906, tanto que esses eram essencialmente lentes. É verdade que os óculos de sol são compostos por lentes e armações, mas fica a sensação que no exibido à inspecção não predominaram as lentes.
Acresce não se compreender com facilidade que estejam em causa perdas e, afinal, os bens encontravam-se em armazém. Parece óbvio que deveriam ser inventariados, porque existiam de facto. Para assim não ser, haveria que demonstrar que os mesmos já não eram vendáveis e, eventualmente, provar que haviam sido abatidos/destruídos (sem necessidade de comprovação por uma entidade externa).
A Recorrente não se propôs efectuar esta prova, nem tão-pouco arrolou prova testemunhal, complementarmente admissível.
Nestes termos, um mero documento interno, nas circunstâncias descritas, não se mostra justificativo das perdas declaradas pela Recorrente, sendo inapto para ilidir a presunção de transmissibilidade dos bens em causa – cfr. artigo 80.º do CIVA.
Logo, não vislumbramos o erro de julgamento assacado à decisão recorrida nesta matéria de quantificação do acto tributário.

No que tange ao último erro de julgamento apontado pela Recorrente, verifica-se, de igual forma, não lhe assistir razão. Dado que, embora conste da sentença recorrida transcrição da norma com redacção não vigente à data, a solução de direito sempre seria a que consta da decisão recorrida em análise.
A redacção do artigo 75.º do CPPT à data da prolação da decisão sobre o procedimento de reclamação graciosa era a seguinte:
“1 - Salvo quando a lei estabeleça em sentido diferente, a entidade competente para a decisão da reclamação graciosa é, sem prejuízo do disposto nos n.os 4 e 6 do artigo 73.º, o dirigente do órgão periférico regional da área do domicílio ou sede do contribuinte, da situação dos bens ou da liquidação ou, não havendo órgão periférico regional, o dirigente máximo do serviço.
2 - A competência referida no número anterior poderá ser delegada pelo dirigente máximo do serviço ou pelo dirigente do órgão periférico regional em outros funcionários qualificados ou nos dirigentes dos órgãos periféricos locais, cabendo neste último caso ao imediato inferior hierárquico destes a proposta de decisão.”
O tribunal a quo decidiu da seguinte forma:
“(…) Segundo a redação do n.º 4 do artigo 73.º do C.P.P.T. introduzida pela Lei n.º 15/2001, a decisão da reclamação graciosa, quando da competência do órgão periférico local, era proferida imediatamente após o fim da instrução se o valor do processo não excedesse o quíntuplo da alçada do tribunal tributário, que é de 4.686,25 € ou 6.250,00 €, e se a questão a resolver fosse qualificada como sendo de “manifesta simplicidade”.
Para os casos em que a competência para a decisão é delegada no dirigente do serviço periférico local que seria competente para a instrução e apresentação da proposta de decisão, estabelece-se na parte final do n.º 2 deste artigo 75.º do CPPT que a competência para apresentar esta proposta cabe ao respetivo imediato inferior hierárquico.
Volvendo ao caso em apreço, considerando que o valor do processo era de 2.536,94 €, que o órgão competente para a decisão era o Chefe de Finanças, tendo a informação sido elaborada por funcionário qualificado e sancionada pelo Chefe de Finanças Adjunto, o despacho de indeferimento não enferma do apontado vício de incompetência.”
Tudo se mostra em consonância com a redacção do n.º 2 do artigo 75.º do CPPT transcrita supra.
Vejamos a factualidade apurada no ponto 11: em 17.09.2002, foi elaborada por J…, Técnico Administrativo Tributário Adjunto, a informação constante de fls. 37/38, na qual foram apostos o parecer do Sr. Chefe de Finanças Adjunto e o despacho de indeferimento da reclamação proferido pelo Sr. Chefe de Finanças. – cfr. fls. 37 do processo de reclamação graciosa apenso.
Tal vai de encontro ao defendido pela Recorrente e expresso no artigo 83.º da petição inicial: trata-se de uma decisão que tinha de ser prestada pelo Chefe de Finanças Adjunto, na sua qualidade de imediato inferior hierárquico de quem proferiu a decisão.
A decisão final da reclamação graciosa coube ao Chefe de Finanças de Viseu 2 e a proposta de decisão foi emanada pelo respectivo Chefe de Finanças Adjunto, que se apropriou da informação prestada pelo Técnico Administrativo Tributário Adjunto: “Em face do informado, sou do parecer que deverá manter-se o indeferimento da reclamação (na sequência do seu projecto de indeferimento). À consideração superior. (…)”. Em total respeito do disposto no invocado artigo 75.º, n.º 2 do CPPT.
Logo, inexiste erro de julgamento, quando se decidiu não enfermar a decisão de indeferimento da reclamação graciosa do invocado vício de incompetência.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da Recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.


Conclusões/Sumário

I- A fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada acto e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao tribunal em face do caso concreto ajuizar da sua suficiência, mediante a adopção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante dos actos em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro.
II- Por perdas fiscais das existências deve entender-se a privação de toda ou parte dessas existências, da qual resulta um detrimento ou prejuízo.
III- As perdas e abates realizados sobre bens do inventário não se regem pelo disposto no actual artigo 31.º-B do Código de IRC (que revogou o artigo 38.º do Código de IRC).
IV- O Código do IRC não contém um regime específico de reconhecimento de perdas em bens do inventário, dado que o regime previsto no artigo 31.º-B (e antes no artigo 38.º do Código do IRC) é estritamente aplicável a bens do activo fixo, afastando da sua previsão os bens do inventário; não sendo convocável no que tange à identificação e comprovação dos factos que originaram as perdas económicas nos bens do inventário.
V- Por isso, a ilisão da presunção de transmissibilidade de bens adquiridos, prevista no artigo 80.º do Código do IVA, assenta em critérios de razoabilidade e de especificidade do caso concreto, tendo em conta a natureza dos bens e a sua origem no processo de verificação do respectivo abate, bem como as justificações apresentadas pelo sujeito passivo, por forma a permitir a aferição concreta dos bens eliminados.
VI- A exigência de comprovação, por exemplo, por uma entidade externa da destruição dos bens e verificação das respectivas quantidades, representa um ónus probatório especialmente excessivo, principalmente quando a lei não o impõe.
VII- In casu, um documento interno não se mostrou justificativo das perdas declaradas pela Recorrente, nos termos do disposto no artigo 98.º, n.º 3, alínea a) do Código de IRC, apresentando-se inapto para ilidir a presunção de transmissibilidade dos bens em causa, prevista no artigo 80.º do Código do IVA.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 25 de Junho de 2015.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves