Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01128/05.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/08/2012
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:DUPLICAÇÃO DA COLECTA; REQUISITOS; MATÉRIA DE FACTO.
Sumário:I. No que respeita à matéria de facto, o juiz não tem o dever de tomar posição sobre todos os factos alegados, tendo apenas o dever de, nos termos do disposto nos artigos 508º-A, nº1, alínea e), 511º e 659º do CPC, seleccionar os que interessam para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito.
II. Para que estejamos perante a figura da duplicação de colecta, para efeitos do artigo 204º, do CPPT, é necessário que se verifique que um tributo esteja pago por inteiro e que se exija da mesma ou de diferente pessoa um outro tributo de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo (cfr. artigo 205º do CPPT).
III. Assim, e em síntese, os requisitos da duplicação de colecta são, cumulativamente, os seguintes:
a) – unicidade dos factos tributários;
b) – identidade da natureza entre a contribuição ou imposto e o que de novo se exige;
c) – coincidência temporal do imposto pago e o que de novo se pretende cobrar.
IV. A duplicação de colecta e a possibilidade que é conferida à Administração Tributária de, em consequência de acção inspectiva, proceder à liquidação adicional de imposto que, na sua perspectiva, não foi liquidado inicialmente são realidades diferentes.
V. Para que ocorra duplicação de colecta torna-se necessário que a realidade fáctica que está subjacente à pluralidade de liquidações seja a mesma, o que não acontecerá, por exemplo, no caso de liquidações adicionais, em que se pretende cobrar um tributo que, indevidamente, não foi liquidado inicialmente
VI. Assim, uma coisa é a SISA liquidada e paga pela Recorrente aquando da aquisição de um terreno, o que teve por base o valor do bem correspondente ao preço convencionado pelas partes. Coisa diferente é a SISA adicionalmente liquidada em resultado da verificação em sede inspectiva de que o valor de transmissão era, afinal, superior ao que foi declarado e sobre o qual foi inicialmente liquidada a SISA.
Recorrente:A(...), Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte

1. Relatório

A(...), Lda., não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a oposição deduzida contra a execução fiscal nº 1783200301006371, instaurada pelo Serviço de Finanças de Gondomar (…), para cobrança coerciva de dívida proveniente de Imposto Municipal de SISA, no montante de € 10.379,64 e acrescido, dela veio interpor o presente recurso.

A culminar as respectivas alegações, formulou o Recorrente as seguintes conclusões:

1 - A Recorrente não aceita ou se conforma com a douta decisão ora posta em crise, já que para além da matéria de facto alegada na Oposição ser, salvo o devido e merecido respeito, que é todo, pelo digníssimo Tribunal a quo, per si justificativa de decisão distinta, foi invocada e demonstrada a verificação de duplicação da colecta, nos termos do disposto no art.° 204.°, n.º 1 - alínea g) do CPPT.

2 - A matéria de facto alegada pela Oponente não foi considerada com interesse para a boa decisão da causa.

3 - Tais factos não foram sequer objecto de análise e discussão, nem integram o rol dos factos provados ou não provados, afigurando-se assim a omissão de pronúncia sobre factos tidos como fundamentais e indispensáveis à descoberta da verdade.

4 - E não se diga que tal matéria não integra um dos taxativos fundamentos da oposição à execução previstos na citada norma do CPPT, na medida em que, sustentados por prova documental, podem ser integrados na alínea i), do n.º 1, da mesma - "Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento ... ".

5 - O digníssimo Tribunal a quo não considerou, na sustentação e motivação da douta Decisão, as reais declarações de vontade dos intervenientes na escritura pública de compra e venda outorgada em 8 de Maio de 2002, pelo valor de € 124. 699,47 (cento e vinte e quatro mil seiscentos e noventa e nove euros e qua­renta e sete cêntimos).

6 - É absolutamente falso que a alienante tenha, algum dia, declarado que vendeu o terreno por qualquer valor diferente do que efectivamente vendeu, ou seja, € 124 699,47.

7 - Aliás, as suas únicas declarações sobre essa matéria são as que constam da própria escritura, bem como da declaração escrita que enviou ao Sr. Chefe de Finanças de Gondomar (…), a solicitação deste, no âmbito do processo de Reclamação n.º 1783 03/400020.0.

8 - Num e noutro documento, a alienante declarou que vendeu por € 124 699,47 (cento e vinte e quatro mil seiscentos e noventa e nove euros e quarenta e sete cêntimos), tendo, até, no segundo daqueles documentos, referido que gostaria de saber a identificação de quem dissesse o contrário, por se tratar de calúnia.

9 - Tais fundamentos, sustentados por prova documental não foram objecto de pronúncia.

10 - Assim como não o foram os vários exemplos que a Oponente apresentou, e em relação aos quais juntou prova documental, para fundamentar a aplicação do preço justo na referida escritura, atendendo a outros negócios jurídicos realizados sobre terrenos com áreas equivalentes, na mesma zona e sensivelmente na mesma época.

11 - É também completamente falso que o objectivo da aquisição do prédio rústico identificado nos autos fosse o da construção, sendo que não é com uma "visita ao terreno" que se apura ou determina a classificação dos prédios, nem o é com a declaração de vontade de qualquer das partes.

12 - O n.º 3, do art.º 6.° do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, é o normativo legal que define o que são terrenos para construção, estipulando que são aqueles: «para os quais tenha sido concedido alvará de loteamento, aprovado projecto ou concedida licença de construção e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo".

13 - Ora, do respectivo título aquisitivo consta que se trata de "prédio rústico", para além de que, para o terreno em causa: nunca foi concedido, nem sequer requerido, qualquer alvará de loteamento; nunca foi aprovado, nem sequer requerido, qualquer projecto; bem como nunca foi emitida, nem sequer requerida, qualquer licença de construção.

14 - Acresce ainda referir que o terreno em causa se encontra localizado em "espaço não urbanizável" e em "área florestal de produção não condicionada", tal como é definido pelo Plano Director Municipal do concelho de Gondomar, pelo que, também por este motivo, nunca poderia ser classificado como terreno para construção.

15 - Sem prescindir, cumpre esclarecer que é falso que, na mesma zona, o preço por m2 para os "mesmos fins" ronde os € 49,88, tal como é defendido pelo Serviço de Finanças de Gondomar (…).

16 - Não obstante estar devidamente fundamentado que o prédio rústico em causa não é um terreno para construção, a ora Recorrente está em condições de afirmar que, mesmo os terrenos para construção, na referida zona, não são de valor superior ao que a Oponente efectivamente pagou, ou seja, € 8,71 (oito euros e setenta e um cênti­mos) por metro quadrado, tendo para o efeito demonstrado tal facto com a junção de escrituras públicas de compra e venda de terrenos idênticos na mesma zona.

17 - A real vontade das declarantes na escritura de compra e venda do terreno identificado nos autos, o respectivo pagamento da sisa liquidada, a classificação do terreno e o preço praticado na zona para terrenos de idênticas áreas são questões relevantes e, salvo melhor entendimento, imprescindíveis para verificação do acto inspectivo que deu origem à liquidação adicional de SISA e, consequentemente, para a boa decisão da Oposição à Execução Fiscal.

18 - Tais fundamentos não foram atendidos pelo digníssimo Tribunal a quo que, salvo o devido respeito, se limitou a reproduzir como provados os factos que constituem o histórico da execução fiscal n.º 17832003010006371 instaurada contra a aqui Recorrente, pela alegada dívida de SISA adicional liquidado 04.12.2002.

19 - Considerando que o tributo em causa se encontra integralmente pago, respeita a nova liquidação a outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo, verifica-se a Duplicação da Colecta, nos termos do disposto na alínea g), do n.º 1, do art.º 204.° e do n.º 1, do art.º 205.°, ambos do CPPT.

20 - A aquisição do prédio inscrito na matriz predial rústica no, concelho de Gondomar, sob o art.º (…), deu origem à liquidação e pagamento do imposto municipal de SISA em 08.05.2002.

21 - De acordo com o procedimento inspectivo o preço efectivamente praticado não teria sido o que decorre do título aquisitivo (124.699,47), mas o de 249.398,99 - alegação sem qualquer sustentação legal.

22 - A SISA que incidiu sobre o preço real declarado de € 124.699,47 foi no valor de 9.975,96, logo estando o Serviço de Finanças de Gondomar (…) a reclamar o pagamento de SISA sobre a parte restante do preço que "decidiu" ter sido praticado (mais 124.699,47), está a liquidar SISA pelo mesmo valor, referente ao negócio jurídico realizado em 08.05.2002.

23 - Ou seja, estamos perante uma Duplicação da Colecta, na medida em que se verifica a unicidade do facto tributário, a identidade da natureza entre o imposto já pago e o que de novo se exige e a coincidência temporal entre o imposto pago e o que se pretende cobrar.

24 - Facto que é fundamento de Oposição à Execução e, salvo melhor entendimento, deveria condicionar, ainda que não sejam atendidos os restantes fundamentos - o que não se concebe, apenas se equaciona no mais amplo exercício de patrocínio forense - a procedência da Oposição deduzida pela Oponente.

TERMOS EM QUE SE REQUER A V. EX.AS SE DIGNEM JULGAR PROCEDENTE, POR PROVADO O PRESENTE RECURSO, REVOGANDO·A DOUTA DECISÃO PROFERIDA PELO DIGNÍSSIMO TRIBUNAL A QUO.


*

A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Norte emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*

Cumpre, assim, decidir o presente recurso, já que a tal nada obsta.

*

2. Fundamentação

2.1. Matéria de facto

É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1ª instância:

1 - Em nome da ora oponente foi instaurada a execução fiscal 17832003010006371 para cobrança da dívida exequenda respeitante a imposto municipal de sisa no valor de € 10.379,64, cfr. fls. 42 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.

2 - A certidão de dívida a que se refere a execução foi extraída em 05 de Dezembro de 2002 e encontra-se a fls. 43 destes autos.

3 - O conhecimento de sisa adicional foi emitido em 04.12.2002, conforme fls. 44 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.

4 - Em 20.10.2004 foi emitido o mandado de penhora nos termos constantes de fls. 46 e que aqui se dá por reproduzida.

5 - A oponente foi citada por carta datada de 09.11.2004, conforme fls. 47 e 48 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.

6 - Em 04 de Novembro de 2004 foi lavrado o auto de penhora nos termos constantes de fls. 49 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.

7 - Em 05 de Março de 2003 a ora oponente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação do imposto municipal de sisa e ora dívida exequenda, cfr. fls. 55 destes autos.


*

Alicerçou-se a convicção do Tribunal na matéria dada como assente, nos factos alegados e não impugnados e no teor dos documentos acima identificados.

FACTOS NÃO PROVADOS:

Inexistem com interesse para a presente decisão.


*

Ao abrigo do disposto no artigo 712º do CPC, dada a sua relevância para a decisão da causa, adita-se a seguinte matéria de facto, que também resulta provada documentalmente:

8 – Do documento de liquidação adicional de SISA a que se reporta o ponto 3 supra, consta, além do mais, o seguinte:

“(…)SISA nº 1(…)9/2002

Vai este Serviço de Finanças de Gondomar 1ª proceder à liquidação da sisa que se mostrar devida pela firma A(...), Lda. NIF (...), com sede na (…), relativamente à diferença que se mostra devida com referência ao valor declarado na Sisa nº 384/384 de 08-05-02, que foi de 124. 699,47 Euros, quando na verdade o seu valor foi de 249.398,99 Euros, pela compra que efectuou por escritura lavrada no 4º Cartório Notarial do Porto no dia 2002-05-09, de um prédio rústico, (…), inscrito na matriz predial rústica da freguesia de (…), sob o artigo (…), com o valor patrimonial de 2.499,98 Euros.

São devidos juros compensatórios desde 08-05-2002 até 04-12-2002.

Sisa inicial nº 384/384 de 08-05-02 124.699,47 Euros X 8% = 9.975,96 Euros

Valor da Sisa 249.398,99 Euros X 8% = 19.951,92 Euros

Sisa 9.975,96 Euros

(…)

Importância da Sisa 9.975,96 Euros

Juros compensatórios 403,68 Euros

Total 10.379,64

(…)”

9 – A liquidação de SISA a que se reporta o ponto anterior foi emitida em consequência de procedimento externo de inspecção, no qual foi apurado o valor de aquisição do prédio correspondente ao artigo matricial nº (…), da freguesia de (...), de € 249.398,99, por contraposição ao valor declarado de € 124.699,47 – cfr. fls. 75 a 85 dos autos.

10 – A SISA nº 384/384 de 08-05-02, no montante de € 9.975,96, foi paga em 08/05/02 – apesar de não estar junto aos autos o documento comprovativo do pagamento, trata-se de facto não controvertido, expressamente aceite pela Fazenda Pública (cfr. ponto 5 da contestação) e que se infere, além do mais, do teor do documento transcrito em 8 supra e da escritura pública de compra e venda do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da Freguesia de (...), sob o artigo (...), na parte em que aí se menciona o arquivo do conhecimento de SISA nº 384, de 08/05/02.

2.2. O direito

Comecemos, antes do mais, por fazer um breve enquadramento dos fundamentos em que, ab initio, assentou a p.i. de oposição, para melhor se perceberem as questões suscitadas no presente recurso.

Assim, tal como resulta da p.i, a Oponente invocou a verificação de um erro na citação, a duplicação de colecta e, ainda, a ilegalidade da liquidação da Sisa correspondente à dívida exequenda, por a mesma assentar num valor de aquisição diferente daquele que foi declarado pelas partes.

Quanto à primeira questão, juridicamente enquadrada pelo Tribunal recorrido como nulidade da citação, foi entendido que tal invocação não consubstanciava qualquer dos fundamentos legais de oposição, face ao elenco taxativo plasmado no artigo 204º, nº1 do CPPT. Assim, a invocada nulidade não foi apreciada na sentença recorrida. O assim decidido, como resulta das conclusões da alegação de recurso, não vem questionado, pelo que tal questão tem que se considerar definitivamente resolvida.

Já quanto à alegada duplicação de colecta, o Tribunal a quo, pronunciando-se, entendeu que a mesma, in casu, não se verificava. Contra o assim decidido, a Recorrente insurge-se neste recurso, mantendo a sua argumentação inicial no sentido da ocorrência de tal duplicação.

Por último, quanto à ilegalidade da liquidação de Sisa correspondente à dívida exequente, a resposta dada pelo Tribunal a quo foi no sentido de que tal apreciação não cabia em sede de oposição à execução fiscal, uma vez que a lei, no caso, assegurava meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação em causa, invocando, para tanto, o disposto na alínea h) do nº1 do artigo 204º do CPPT.

Ora, no presente recurso jurisdicional a Recorrente insiste na apreciação dos dois últimos fundamentos referidos, embora, se bem interpretamos as alegações de recurso, não os autonomize formalmente. Melhor dito: por não aceitar que a liquidação adicional de SISA (correspondente à dívida exequenda) incida sobre um valor de aquisição do imóvel correspondente ao dobro daquilo que foi declarado, extrai daí a consequente duplicação de colecta, na medida em que aquilo que foi por si declarado e liquidado para efeitos de SISA é o correcto e já se mostrava pago.

Feito este breve enquadramento para melhor nos situarmos no âmbito do presente recurso, surpreende-se a primeira questão: a alegada omissão de pronúncia sobre factos tido como fundamentais e indispensáveis à descoberta da verdade.

A este propósito, sustenta a Recorrente que o Tribunal a quo não considerou: as reais declarações de vontade dos intervenientes na escritura pública de compra e venda outorgada em 8 de Maio de 2002, pelo valor de € 124.699,47; as declarações da alienante no sentido de o valor de venda do imóvel corresponder a € 124.699,47; os documentos relativos a outros negócios jurídicos realizados sobre terrenos com áreas equivalentes, na mesma zona e na mesma época; que nunca foi concedido, ou requerido, para o terreno em causa qualquer alvará de loteamento, qualquer projecto ou qualquer licença de construção; a localização do terreno em espaço não urbanizável e em área florestal de produção não condicionada e, bem assim, o preço por m2 praticado na zona relativamente a terrenos idênticos.

Vejamos, então.

A expressão utilizada pela Recorrente - omissão de pronúncia sobre factos tido como fundamentais e indispensáveis à descoberta da verdade – não é, do nosso ponto de vista, a mais feliz, embora naturalmente o Tribunal alcance o pretendido pela Recorrente.

A expressão omissão de pronúncia traduz a ideia de falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, sendo tal falta, nos termos da lei, geradora da nulidade da sentença (cfr. artigo 125º, nº1 do CPPT e 668º, nº1, al. d) do CPC). Portanto, daquilo que aqui se trata é de sancionar a violação dos deveres de pronúncia do Tribunal relativamente a questões que deva apreciar, entendendo-se por questões tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e à controvérsia que sobre elas as partes suscitem.

Ora, não é disso que se trata, no caso. O que efectivamente perpassa da alegação do recurso, e contra o que a Recorrente se insurge, reconduz-se à circunstância de o Tribunal não ter considerado, além dos que deu como assentes, determinados factos alegados na p.i e relativamente aos quais, refere a Recorrente, apresentou a prova documental bastante. Trata-se de factos que, segundo a Recorrente, permitiriam demonstrar que o valor pelo qual adquiriu um determinado terreno corresponde ao que efectivamente foi declarado pelas partes na respectiva escritura pública de compra e venda.

Nenhuma razão, porém, assiste à Recorrente. É que, como se sabe, no que respeita à matéria de facto, o juiz não tem o dever de tomar posição sobre todos os factos alegados, tendo apenas o dever de, nos termos do disposto nos artigos 508º-A, nº1, alínea e), 511º e 659º do CPC, seleccionar os que interessam para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito.

Ora, a factualidade que a Recorrente pretende ver inserida no probatório (a que se deixou expressa referência supra), diz respeito, toda ela, à questão da ilegalidade da liquidação adicional de SISA que está subjacente à dívida exequenda (por a mesma assentar num valor de aquisição diferente daquele que foi declarado pelas partes), sendo que tal ilegalidade, ou o conhecimento de tal fundamento com que foi deduzida a oposição, foi expressamente arredado da apreciação a levar a cabo pelo Tribunal a quo, em sede de oposição. Portanto, nesta perspectiva, não há que censurar a actuação do Tribunal.

Se, como foi entendido, a ilegalidade da liquidação a que corresponde a dívida exequenda não podia ser conhecida na oposição, não se alcança em que medida estava o Tribunal obrigado a fazer constar do probatório os factos tendentes a demonstrar que o montante do imposto de SISA era de X e não de Y, por corresponder à realidade o valor da transmissão tal como foi declarado pelas partes. Como se disse, e importa repetir, a discussão sobre a ilegalidade da liquidação adicional de SISA correspondente à dívida exequenda foi expressamente arredada do âmbito de apreciação da oposição, já que o Tribunal entendeu que a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda só pode constituir fundamento de oposição nos casos em que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação, o que não era o caso.

Portanto, e em síntese quanto a esta primeira questão a tratar, dir-se-á que nenhuma razão assiste à Recorrente quando, como se disse, veio alegar a omissão de pronúncia sobre factos tido como fundamentais e indispensáveis à descoberta da verdade.

Coisa diversa, porém, e que ainda cabe nas questões suscitadas neste recurso (vide, a conclusão 4), é a de saber se este juízo formulado pelo Tribunal a quo – de não poder ser apreciada no âmbito da presente oposição a ilegalidade da liquidação subjacente à dívida exequenda – é, ou não, correcto.

Para a Recorrente, ao que parece, a sua apreciação encontraria acolhimento na alínea i) do nº 1 do artigo 204º do CPPT, nos termos da qual a oposição pode ser deduzida com base em quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento. Uma vez mais, falece toda e qualquer razão à Recorrente.

Com efeito, a invocação pela Recorrente da alínea i) do nº1 do artigo 204º do CPPT, ficou-se pela metade da norma. É que tal preceito é mais extenso do que aquilo que foi transcrito, dispondo concretamente que a oposição pode ser deduzida com base em quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam a apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.

Está bom de ver, que a própria formulação integral da norma transcrita, obsta, desde logo, que se pretenda, a coberto de tal alínea, conhecer da ilegalidade da liquidação de imposto subjacente à dívida exequenda, o que bem se entende porquanto a referida alínea i) do nº1 do artigo 204º do CPPT assume um notório carácter residual, à qual serão subsumíveis todas as situações não abrangidas pelas restantes alíneas do mesmo número, e em que possa verificar-se um facto extintivo ou modificativo da dívida exequenda ou que afecte a sua exigibilidade.

Quanto muito, o conhecimento da ilegalidade da liquidação da dívida exequenda poderia equacionar-se, como fez o Tribunal a quo, ao abrigo da alínea h) do nº1 do artigo 204º do CPPT. Para tal, contudo, era necessário que a lei não assegurasse meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação.

Porém, como bem decidido pela Mma. Juiz, não é claramente esse o caso dos autos. Lê-se, a este propósito, o seguinte na decisão recorrida:

“(…)

Ora, como se extrai da matéria de facto dada como assente, conclui-se que a ora oponente apresentou reclamação graciosa contra o acto de liquidação adicional do imposto municipal de sisa, nos termos do artº 70° do CPPT.

Do eventual indeferimento do pedido efectuado na reclamação graciosa, a oponente poderia deduzir impugnação judicial nos termos do artº 99° do CPPT.

Assim sendo, existia a possibilidade de impugnação do acto tributário ora atacado, prerrogativa que a oponente usou conforme resulta da consulta efectuada aos autos de impugnação judicial que correm seus termos no processo 2173/04 BEPRT”.

Portanto, não existindo dúvidas que a liquidação adicional de SISA, a que corresponde a dívida exequenda, foi objecto de reclamação graciosa e de impugnação judicial, dúvidas também não restam que, in casu, a lei assegurou (e a Recorrente utilizou) meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação. É, pois, no âmbito de tais meios de defesa, que a impugnante obterá resposta à questão de saber se a liquidação adicional de SISA é, como defende, ilegal, por, conforme refere, ter sido apurada com base num valor de aquisição incorrectamente fixado pela Administração Tributária.

Assim, e sem necessidade de mais considerandos, dir-se-á que também quanto a este ponto em apreciação, a alegação da Recorrente não pode proceder.

E aqui chegados, resta-nos apreciar o único fundamento invocado próprio da oposição à execução fiscal: a duplicação de colecta (fundamento este que pode ser igualmente invocado em sede de impugnação judicial, mas que se mostra expressamente autonomizado no elenco dos fundamentos taxativos do artigo 204º do CPPT e que é, aliás, do conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artigo 175º do CPPT).

Ora, para que estejamos perante a figura da duplicação de colecta, para efeitos do artigo 204º, do CPPT, é necessário que se verifique que um tributo esteja pago por inteiro e que se exija da mesma ou de diferente pessoa um outro tributo de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo (cfr. artigo 205º do CPPT). Como facilmente de percebe, o alcance da duplicação de colecta é obstar a que seja repetida a cobrança de um mesmo tributo.

Assim, e em síntese, os requisitos da duplicação de colecta são, cumulativamente, os seguintes:

1 – unicidade dos factos tributários;

2 – identidade da natureza entre a contribuição ou imposto e o que de novo se exige;

3 – coincidência temporal do imposto pago e o que de novo se pretende cobrar.

Portanto, há que verificar se, no caso, foi aplicado o mesmo preceito legal (cfr. artigo 2º do CIMSISD, quanto à incidência de Imposto Municipal de SISA sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade, sobre bens imóveis) mais do que uma vez ao mesmo facto tributário.

Sustenta a Recorrente que efectivamente se verifica a duplicação de colecta, pois que a realidade de facto que está subjacente à liquidação correspondente à dívida exequenda é a mesma que determinou a liquidação de SISA que foi por si paga (SISA nº nº 384/384 de 08-05-02, no montante de € 9.975,96) aquando da aquisição do prédio inscrito sob o artigo (...), da Freguesia de (...), Gondomar.

Para assim concluir, refere a Recorrente, em síntese, que: a aquisição do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de (...), sob o art.º (...), deu origem à liquidação e pagamento do imposto municipal de SISA em 08.05.2002; de acordo com o procedimento inspectivo o preço efectivamente praticado não teria sido o que decorre do título aquisitivo (124.699,47), mas o de 249.398,99 - alegação sem qualquer sustentação legal; a SISA que incidiu sobre o preço real declarado de € 124.699,47 foi no valor de 9.975,96, logo estando o Serviço de Finanças de Gondomar (…) a reclamar o pagamento de SISA sobre a parte restante do preço que "decidiu" ter sido praticado (mais 124.699,47), está a liquidar SISA pelo mesmo valor, referente ao negócio jurídico realizado em 08.05.2002.

Como tentaremos demonstrar, a Recorrente não tem a razão do seu lado, sendo notória a confusão estabelecida entre a duplicação de colecta e a possibilidade que é conferida à Administração Tributária de, em consequência de acção inspectiva, proceder à liquidação adicional de imposto que, na sua perspectiva, não foi liquidado inicialmente.

Nesta última situação, como se percebe, o circunstancialismo fáctico que está subjacente à liquidação adicional não se confunde com aquele que esteve na origem da liquidação de imposto inicial. Dito de outro modo, uma coisa é a SISA liquidada e paga pela Recorrente aquando da aquisição do terreno, o que teve por base o valor do bem correspondente ao preço convencionado pelas partes. Coisa diferente é a SISA adicionalmente liquidada em resultado da verificação em sede inspectiva (bem ou mal, para a presente análise não importa) de que o valor de transmissão era, afinal, superior ao que foi declarado e sobre o qual foi inicialmente liquidada a SISA.

Num caso como este, é evidente que a liquidação adicional ou a segunda liquidação de SISA, não consubstancia uma duplicação de colecta mas, antes, um mais relativamente à primeira liquidação. Como diz Jorge Lopes de Sousa, a propósito da verificação da duplicação de colecta, “… torna-se necessário que a realidade fáctica que está subjacente à pluralidade de liquidações seja a mesma, o que não acontecerá, por exemplo, no caso de liquidações adicionais, em que se pretende cobrar um tributo que, indevidamente, não foi liquidado inicialmente. Nestas situações de liquidação adicional, a segunda liquidação não incide sobre o mesmo facto tributário (a mesma parcela de rendimento ou de valor patrimonial ou de despesa, por exemplo) sobre a qual incidiu a primeira” Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Vol. III, Áreas Editora, 6ª edição, 2011, pág. 526..

No caso em análise, resulta claro que a Recorrente pagou, em 08/05/02, a SISA liquidada por referência à aquisição de um imóvel pelo valor de € 124.699,47, o que perfez o montante de € 9.975,96 (correspondente à aplicação da taxa de 8% sobre tal valor), resultando igualmente indubitável que a liquidação de SISA subjacente à dívida exequenda corresponde à liquidação adicional de imposto por referência à diferença entre o valor de transmissão declarado e aquele que, em sede inspectiva, foi alterado e, consequentemente, fixado (€ 249.398,99). Portanto, o valor de constante da Sisa nº 1159, de € 9.975,96, é um mais, um acréscimo, relativamente ao (idêntico) valor inicial de € 9.975,96, por se tratar de imposto que, na perspectiva da Administração Tributária, não foi liquidado e pago inicialmente como deveria ter sido.

Por conseguinte, há que concluir que não se verifica a a alegada duplicação de colecta.

A sentença recorrida, ao assim decidir, fê-lo correctamente, não merecendo qualquer censura.

Improcedem, assim, no seu todo, as conclusões da alegação do recurso.

3. Decisão

Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao presente recurso e, em consequência, em manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 8 de Novembro de 2012

Ass.: Catarina Almeida e Sousa

Ass.. Nuno Bastos

Ass.: Irene Neves