Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01017/08.2BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/06/2022
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:IRS;
RENDIMENTOS DE CATEGORIA B;
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I. Para que o contribuinte pudesse ser tributado pela categoria B pelos rendimentos por ele enquadrado nas categorias F seria indispensável que esses mesmos rendimentos decorressem da sua actividade empresarial em que se encontra registados
II. Estando assente que aqueles rendimentos provêm de um “contrato de arrendamento urbano” nada impede que o imóvel enquanto património pessoal, deixasse de estar afecto à actividade empresarial;
III. cabia à AT nos termos artigos 74.º n.º 1 da LGT e 342.º n.º 1 do CC fazer a prova de que a declaração prestada pelo contribuinte não corresponde à verdade, competindo-lhe afastar a respetiva presunção prevista no normativo referido.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:AA, BB
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Judicial - Liquidação de tributos - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015]
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, pela qual foi julgada totalmente procedente a impugnação judicial contra as liquidações de IRS, respeitante aos exercícios de 2003 a 2005, no valor global de € 1.383,59, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por AA e BB contra as liquidações de IRS, referentes aos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006;

II. O principal argumento dos impugnantes prende-se com a errónea qualificação dos rendimentos que lhes são imputados, na medida em que, enquanto a Autoridade Tributária sustenta que se trata de rendimentos da categoria B – rendimentos empresariais, aqueles defendem que os mesmos deverão ser qualificados como rendimentos da categoria F – rendimentos prediais;

III. Com o devido respeito, afigura-se-nos que a matéria de facto dada por provada é insuficiente para fundamentar uma boa decisão da causa;

IV. Assim, DEVERIAM TER SIDO DADOS COMO PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:

3-a. Da relação elaborada nos termos do n.º 2 do artigo 64.º do Código do Notariado, referida no ponto 3., constam os móveis, maquinismos e utensílios identificados de fls. 27 a 29 do PA

[A prova deste facto resulta do documento junto de fls. 27 a 29 do PA]

8-a. No contrato referido no ponto 8. consta a cláusula 8.ª, nos termos da qual “o arrendado destina-se exclusivamente a casa de pasto e snack-bar, não lhe podendo ser dado outro fim ou uso sem o consentimento expresso e por escrito dos senhorios”.

[A prova deste facto resulta do documento junto de fls. 67 a 71 dos autos]

8-b. Na declaração de rendimentos modelo 3 de IRS inicialmente apresentada, referente ao ano de 2003, os impugnantes incluíram os rendimentos em causa no anexo B de tal declaração”.

[A prova deste facto resulta do alegado pelos impugnantes no artigo 12.º da douta PI e na reclamação graciosa apresentada contra tal liquidação, a fls. 3 do PA]

“8-c Nas declarações de rendimentos modelo 3 de IRS inicialmente apresentadas, referentes aos anos de 2004, 2005 e 2006, os impugnantes incluíram os rendimentos em causa no anexo F de tal declaração”.

[A prova deste facto resulta do alegado pelos impugnantes no artigo 11.º da douta PI e na reclamação graciosa apresentada contra tal liquidação, a fls. 3 do PA]

“8-d Em Agosto de 2007 foram os impugnantes notificados pelo Serviço de Finanças ... para que substituíssem as declarações de rendimentos, alterando, quanto a 2003, a sua condição para “não residentes” e quanto a 2004, 2005 e 2006, os rendimentos da categoria F para a categoria B”.

[A prova deste facto resulta do alegado pelos impugnantes no artigo 9.º da douta PI e na reclamação graciosa apresentada contra tal liquidação, a fls. 3 do PA]

“8-e Após tal notificação, os impugnantes entregaram declarações de substituição para os anos de 2004, 2005 e 2006, nas quais incluíram os rendimentos em causa no anexo B de tal declaração”.

[A prova deste facto resulta do alegado pelos impugnantes no artigo 9.º da douta PI e na reclamação graciosa apresentada contra tal liquidação, a fls. 3 do PA]

V. O douto Tribunal a quo considerou que a AT realizou uma errónea qualificação dos rendimentos em causa ao considerá-los como rendimentos decorrentes do exercício de uma actividade empresarial e não como rendimentos prediais, na medida em que:

a) os outorgantes qualificam os contratos referidos nos pontos 6. e 8. da matéria de facto provada como contratos de «arrendamento urbano», através dos quais “pretenderam ceder o gozo temporário do imóvel (arrendamento) e dos equipamentos discriminados (aluguer) e que os locatários quiseram dar a esses bens um uso comercial” (fls. 17 da douta sentença);

b) desde meados de 2003, depois de um encerramento que durou cerca de meio ano, “deixou de existir um estabelecimento na propriedade dos Impugnantes, até pelo desaparecimento da clientela em resultado do referido encerramento” (fls. 17 da douta sentença);

c) nos contratos referidos nos pontos 6. e 8. da matéria de facto provada não existe qualquer referência a “matérias-primas, trabalhadores ou outros elementos relativos ao antigo estabelecimento” (fls. 17 da douta sentença);

d) os impugnantes declararam ter cessado a sua actividade comercial com efeitos reportados a 31-12-2002 “e não consta dos autos que tal declaração não corresponda à verdade, até porque a AT admite que eles são «não residentes» em Portugal” (fls. 18 da douta sentença);

e) a AT limita-se a presumir, com base nos factos conhecidos, “o facto desconhecido de que o estabelecimento ainda pertence aos Impugnantes”, tratando-se de uma presunção que “não tem base legal, pelo que deve ser fundamentada pela AT, nos termos do artigo 74º da LGT” (fls. 18 da douta sentença).

VI. Concluindo, considerou-se na douta sentença ora recorrida que os contratos celebrados pelos impugnantes configuram «contratos de arrendamento» e não «contratos de cessão de exploração de estabelecimento comercial».

VII. Ora, no estabelecimento comercial, como bem jurídico complexo e multicomposto, é possível identificar vários elementos constitutivos (coisas corpóreas, coisas incorpóreas e bens não coisificáveis);

VIII. Para determinar se, face a uma concreta realidade, estamos perante uma efectiva transmissão de um estabelecimento comercial (definitiva ou temporária) ou perante uma mera locação do espaço onde aquele estabelecimento funciona ou funcionava, importa saber se foi transmitido aquele conjunto de elementos essenciais à sua existência, um núcleo de valores que o permite identificar e caracterizar;

IX. Na transmissão do estabelecimento comercial é possível distinguir, quanto ao âmbito de negociação, o âmbito mínimo, constituído pelos elementos necessários e suficientes para a transmissão de um determinado estabelecimento, o âmbito natural, composto por elementos que se transmitem independentemente de estipulação nessa sentido, pelo que, inexistindo cláusulas de exclusão, ingressam na esfera jurídica do adquirente e o âmbito máximo, no qual se integram os elementos que somente se transmitem por força de estipulação ou convenção entre as partes;

X. Deste modo, entende a recorrente que o douto tribunal a quo laborou em erro de julgamento, de facto e de direito, na medida em que:

XI. EM PRIMEIRO LUGAR, considerou que os outorgantes qualificaram os contratos em causa como contratos de «arrendamento urbano», através dos quais “pretenderam ceder o gozo temporário do imóvel (arrendamento) e dos equipamentos discriminados (aluguer) e que os locatários quiseram dar a esses bens um uso comercial” (fls. 17 da douta sentença);

XII. Porém, a qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes não vincula a AT, nem tão pouco os Tribunais (n.º 4 do artigo 36.º da LGT) e, ainda que sirva como mais um elemento de interpretação, não poderá sobrepujar a regulamentação própria desse mesmo negócio;

XIII. Não é pelo simples facto de as partes terem incluído no contrato que designaram como de «arrendamento» uma cláusula nos termos da qual “alugam” o equipamento, máquinas e utensílios que esses elementos deixam de fazer parte do estabelecimento e o contrato não poderá ser qualificado como de «cessão de exploração»;

XIV. Tanto mais, comparando a relação anexa ao “contrato de cessão de exploração” de 30-11¬1995 com a relação anexa ao “contrato de arrendamento comercial” é possível constatar uma quase identidade entre os elementos de uma e outra, o que significa que aquele estabelecimento comercial continuou a ser constituído pelos mesmos bens corpóreos;

XV. Ademais, o facto de “todos os arrendatários [terem] aproveitado o imóvel para o ramo da restauração” devido às condições que o mesmo possui constitui uma exigência dos próprios impugnantes, como se alcança pelo teor do ponto 8-a. da matéria de facto que devia ser dada como provada, revelando-se como mais um elemento que permite concluir que os impugnantes pretenderam ceder a exploração de um estabelecimento – limitando a actividade comercial a desenvolver – e não apenas a ceder um mero espaço físico;

XVI. EM SEGUNDO LUGAR, considerou que desde meados de 2003, depois de um encerramento que durou cerca de meio ano, “deixou de existir um estabelecimento na propriedade dos Impugnantes, até pelo desaparecimento da clientela em resultado do referido encerramento”, além de que, em tais contratos, não existe qualquer referência a “matérias-primas, trabalhadores ou outros elementos relativos ao antigo estabelecimento” (fls. 17 da douta sentença);

XVII. Ora, não é pelo temporário “fechar de portas” que um comercial deixa de “existir”, pelo que não poderia o douto Tribunal concluir que, por se encontrar encerrado durante um determinado período, o estabelecimento cesse definitivamente – a chamada falta de aptidão ao funcionamento;

XVIII. Só assim seria se deixasse de existir qualquer organização produtiva susceptível de satisfazer potenciais clientes, caso em que, então sim, os impugnantes estariam tão-somente a locar o “locado” e não a “empresa”;

XIX. Por outro lado, não vemos como pôde o douto Tribunal a quo concluir pelo “desaparecimento da clientela”, visto que nem tal asserção constitui um facto que tenha sido dado como provado ou sequer alegado pelos impugnantes, nem a matéria de facto dada como provada permite atingir tal conclusão;

XX. Mesmo que se não olvide a possibilidade de recurso à prova indirecta, certo é que nada existe nos autos (provado ou sequer alegado pelos impugnantes) que permita ao douto Tribunal a quo formular qualquer juízo com a necessária solidez imprescindível para que se forme no seu espírito a “convicção da verdade”;

XXI. Não é lícito ao douto julgador tirar a ilação de que um estabelecimento (ou aquele estabelecimento), por fechar durante alguns meses, perderá a sua clientela;

XXII. Mesmo que assim não fosse, o argumento da clientela não colheria de todo, na medida em que não constitui, para boa parte da doutrina, um elemento do estabelecimento e,

XXIII. Ainda que se não adira a esta corrente, não se poderá considerar a clientela como um elemento essencial do estabelecimento, mas tão só como um elemento natural, i.e., ainda que não seja transmitida, não deixará de haver cessão do estabelecimento;

XXIV. EM TERCEIRO LUGAR, é também com base na delimitação dos âmbitos do estabelecimento comercial que refutamos a conclusão a que o douto Tribunal a quo logrou chegar de que os contratos não poderão ser qualificados como de «cessão de exploração» porque não existe neles qualquer referência a “matérias-primas, trabalhadores ou outros elementos relativos ao antigo estabelecimento” (fls. 17 da douta sentença);

XXV. Como vimos, na transmissão de um estabelecimento comercial é possível distinguir os seguintes âmbitos de negociação: um âmbito mínimo, um âmbito natural e um âmbito máximo;

XXVI. É certo que, não havendo qualquer referência nos contratos às matérias-primas e aos trabalhadores, dever-se-á entender que tais elementos não fazem parte do âmbito máximo ou convencional;

XXVII. Porém, tal não significa que não façam parte dos elementos transmitidos com a cessão de exploração;

XXVIII. Por um lado, porque – face aos elementos carreados para os autos – nada nos diz que tais elementos integrassem o tal âmbito mínimo de entrega, i.e., que devessem ser obrigatoriamente transmitidos;

XXIX. Por outro lado, porque não é pelo facto de não existir nos contratos qualquer referência àqueles elementos que os mesmos deixariam de fazer parte do âmbito natural;

XXX. EM QUARTO LUGAR, não podemos manifestar concordância com o douto Tribunal recorrido quando este invoca, como subsídio argumentativo da sua posição, o facto de os impugnantes terem declarado cessação de actividade comercial com efeitos reportados a 31-12-2002 “e não consta[r] dos autos que tal declaração não corresponda à verdade, até porque a AT admite que eles são «não residentes» em Portugal” (fls. 18 da douta sentença);

XXXI. Em primeiro lugar, como resulta dos pontos 9 e 15 da matéria de facto provada e do ponto 8-d da matéria de facto que devia ser dada como provada, os impugnantes apenas apresentaram tal declaração de cessação depois de terem sido notificados pelo Serviço de Finanças para a substituição das declarações de rendimentos relativas aos anos em causa e dois (2) dias antes de apresentarem a reclamação graciosa junto daquele mesmo Serviço;

XXXII. Tendo sido aquela reclamação graciosa indeferida, por considerarem os Serviços que, em tais anos, os impugnantes exerceram uma actividade comercial, resulta que a AT considerou que tal declaração de cessação – com a data reportada a 31-12-2002 – não correspondia à verdade;

XXXIII. Por fim, o facto de os impugnantes serem “«não residentes» em Portugal”, tal como a própria AT reconheceu e bem, não implica que não possam exercer a actividade comercial em causa – a «cessão de exploração» – e que os proveitos daí advenientes não lhes possam ser imputados em virtude dessa qualidade de não residentes;

XXXIV. EM QUINTO LUGAR, sustenta o douto Tribunal a quo que a AT se limita a presumir, com base nos factos conhecidos, “o facto desconhecido de que o estabelecimento ainda pertence aos Impugnantes”, tratando-se de uma presunção que “não tem base legal, pelo que deve ser fundamentada pela AT, nos termos do artigo 74º da LGT” (fls. 18 da douta sentença);

XXXV. Desde logo porque a AT não presumiu que tais rendimentos têm uma origem empresarial e não predial – alicerçou-se, sim, nos factos carreados para os autos, de molde a defender que a tributação dos anos em causa deveria passar pelas regras categoria B e não da F;

XXXVI. Por outro lado, como resulta dos pontos 8-b, 8-c, 8-d e 8-e da matéria de facto que devia ter sido dada como provada, os impugnantes vêm reagir contra liquidações resultantes de declarações por si apresentadas;

XXXVII. Logo, tendo sido os próprios impugnantes a submeter as declarações de rendimentos em causa, “tais declarações presumem-se verdadeiras e prestadas de boa fé nos termos do já citado art.º 75.º da LGT, sem embargo, como também se disse, puderem os mesmos virem a afastar essa presunção legal (...), nos termos do disposto nos art.ºs 74.º, n.º1 da LGT e perante prova em contrário, nos termos do n.º2 do art.º 350.º n.º2 do Código Civil, não servindo neste caso que, depois de efectuada a prova devida, se restar dúvida fundada sobre a existência e a quantificação do facto tributário, a liquidação deva ser anulada, ao abrigo do disposto no art.º 100.º, n.º1 do CPPT, porque o ónus de tal prova residia não na AT mas sim nos contribuintes, e tal dúvida funcionar a favor da parte que se não encontra onerada com tal ónus probatório” (Acórdão do TCASul, de 20-09¬2011, processo n.º 04440/11);

XXXVIII. Pelo que, cremos não caber à AT o onus probandi da qualificação daqueles rendimentos como empresariais, na medida em que tal obrigação impendia sobre os impugnantes que – como vimos – não lograram desonerar-se da mesma.

XXXIX. Consequentemente, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta decisão judicial, por padecer de um erro de julgamento de facto e de direito, por violação do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 3.º e no n.º 1 e alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 8.º, todos do Código do IRS, bem como do previsto no n.º 4 do artigo 36.º e no artigo 74.º, ambos da Lei Geral Tributária.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a decisão ora posta em crise, assim se fazendo JUSTIÇA.»

1.2. AA e esposa BB (Recorridos), notificados da apresentação do presente recurso, não apresentaram contra-alegações.

1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 209 SITAF, no sentido da improcedência do recurso.

1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

Questões a decidir:

As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes:

Se a sentença incorre em erro de julgamento em matéria de facto por insuficiência dos factos carreados ao probatório;

Se a sentença incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, ao considerar errónea a qualificação dos rendimentos em causa preconizada pela AT ao considerá-los como rendimentos decorrentes do exercício de uma actividade empresarial (categoria B.) e não como rendimentos prediais (categoria F.).

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:

«3.1 Matéria de facto dada como provada.
Com base nos documentos junto aos autos, no processo administrativo (PA) apenso e nos depoimentos das testemunhas inquiridas, considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão:

1. Em 26-9-1984, sob a Ap. ...3, da descrição nº 129...428-A, foi registada na 1ª Conservatória do registo Predial de ... a aquisição da “fracção autónoma” designada pela letra ..., com a seguinte “composição: estabelecimento no rés-do-chão, com entrada pelo nº ...02, ... m2, armazém na cave – 29,8 m2”, a favor de “AA, casado com BB, morada no Lugar de ...” – fls. 84 dos autos;

2. Pelo menos até 1995 os agora impugnantes foram donos e exploraram por conta própria, no local acima indicado, uma “casa de pasto e snack-bar” designado “A...” – acordo das partes e depoimento de ambas as testemunhas inquiridas;

3. Em 30-11-1995, no 1º Cartório Notarial de ... compareceram os agora Impugnantes e CC, casada com DD, tendo os primeiros declarado que “são donos da fracção autónoma designada pela letra ..., correspondente ao rés-do-chão, destinado a estabelecimento comercial, com entrada pelo número vinte e um, composto de salão, arrumos e instalação sanitária e uma divisão situada na cave, para armazém, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal (..) inscrito na matriz sob o artigo ...19.... Que nessa fracção se encontra instalado um estabelecimento comercial destinado a casa de pasto e snack-bar, com o seu alvará, licenças, maquinismos e utensílios, designadamente os constantes da relação elaborada nos termos do” nº 2 do artigo 64º do Código do Notariado (...). Que eles, primeiros outorgantes, não desejando explorar o referido estabelecimento comercial, pela presente escritura cedem e transferem temporariamente, para os segundos outorgantes, a sua administração e exploração nos termos e condições seguintes” – fls. 10 a 13 do PA;

3.a) Da relação elaborada nos termos do n.º 2 do artigo 64.º do Código do Notariado, referida no ponto 3., constam os móveis, maquinismos e utensílios identificados a fls. 27 a 29 do PA; (facto aditado)

4. Em 7-12-1995, em nome de AA foi apresentada “declaração de inscrição no registo/Inicio de actividade”, da qual consta como “actividade principal: 70200 – Arrendamento de bens imóveis (cessão de exploração)” e “data do início de actividade: 30-11-95” – fls. 9 do PA;

5. Com data de 24-4-2002 foi subscrito documento designado “contrato de cessão de exploração”, no qual consta que os agora Impugnantes declaram que “são donos e legítimos possuidores de um estabelecimento comercial designado “A...” e “Que pelo presente contrato, os primeiros contraentes cedem aos segundos (EE, e mulher FF), a exploração temporária do estabelecimento comercial” (...), incluindo equipamento, “pelo prazo de 1 (um) ano, com início no dia 1 de Maio do corrente ano e terminando no dia 30 de Abril de 2003” – fls. 37 a 40 do PA;

6. Naquele local deixou de ser exercida qualquer actividade desde final de 2002 até 20-7-2003, data em que foi subscrito documento designado “contrato de arrendamento urbano” a favor de “A T..., Lda”, nipc 50...50, de ..., a qual passou desde então a exercer ali actividade idêntica àquela que vinha sendo exercida até então – depoimento de ambas as testemunhas, documento de fls. 35 do PA e acordo;

7. Em 20-9-2004 foi apresentada à AT a informação de que AA residia em França, identificando-se como seu “representante”: GG, contribuinte nº 21...54 – fls. 7 do PA;

8. Com data de 1-11-2005 foi subscrito documento designado “Contrato de Arrendamento” no qual os agora Impugnantes declararam que “são donos e legítimos possuidores de uma fracção autónoma destinada a estabelecimento comercial (...) inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...19...” (...) “São, igualmente, donos e legítimos possuidores de todo o recheio do estabelecimento comercial, constante da relação, elaborada em Anexo e que fica a fazer parte deste contrato”, “3ª Pelo presente contrato, os primeiros outorgantes dão de arrendamento à segunda outorgante (HH, solteira, representada por seus pais, II e JJ) a fracção autónoma descrita na cláusula primeira. 4ª O presente contrato abrange, ainda, o aluguer do equipamento, máquinas e utensílios, referidos na cláusula segunda e que constam da relação anexa” (...) “9ª À arrendatária não é permitido subarrendar ou ceder, no seu todo ou em parte, onerosa ou gratuitamente, o arrendado, sem o consentimento expresso e por escrito dos senhorios” – fls. 67 a 71 dos autos;

8.a) No contrato referido em 8. consta a cláusula 8.ª, nos termos da qual “o arrendado destina-se exclusivamente a casa de pasto e snack-bar, não lhe podendo ser dado outro fim ou uso sem o consentimento expresso e por escrito dos senhorios – fls 67 a 71 dos autos (facto aditado);

8. b) Na declaração de rendimentos modelo 3 de IRS inicialmente apresentada, referente ao ano de 2003, os impugnantes incluíram os rendimentos em causa no anexo B de tal declaração - alegado pelos impugnantes no artigo 12.º da douta PI e na reclamação graciosa apresentada contra tal liquidação, a fls. 3 do PA (facto aditado)

8.c) Nas declarações de rendimentos modelo 3 de IRS inicialmente apresentadas, referentes aos anos de 2004, 2005 e 2006, os impugnantes incluíram os rendimentos em causa no anexo F de tal declaração - alegado pelos impugnantes no artigo 11.º da douta PI e na reclamação graciosa apresentada contra tal liquidação, a fls. 3 do PA (facto aditado)

8.d) Em Agosto de 2007 foram os impugnantes notificados pelo Serviço de Finanças ... para que substituíssem as declarações de rendimentos, alterando, quanto a 2003, a sua condição para “não residentes” e quanto a 2004, 2005 e 2006, os rendimentos da categoria F para a categoria B, na sequência da mesma aqueles entregaram declarações de substituição para os anos de 2004, 2005 e 2006, nas quais incluíram os rendimentos em causa no anexo B de tal declaração - alegado pelos impugnantes no artigo 9.º da douta PI e na reclamação graciosa apresentada contra tal liquidação, a fls. 3 do PA (facto aditado)

9. Em 14-11-2007 os agora Impugnantes apresentaram na Repartição de Finanças da ... uma petição na qual disseram “reclamar, nos termos dos artigos 140 do CIES e 70º e 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, as Liquidações de IES referentes aos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006 com os nºs ...167, ...993, ...645, ...567, respectivamente, todas com data de compensação de 03/09 do corrente ano, com os seguintes fundamentos” – fls. 3 a 6 e seguintes do PA;

10. Sobre “Projecto de Decisão (Lei Geral Tributária – art.º 60º, nº 1, alínea b) Proposta de decisão”, na qual consta “3 Análise: Dos elementos juntos aos autos a fls. 2 a 25 incluindo os prints informáticos, constata-se o seguinte: (...) Relativamente à actividade exercida pelo reclamante verifica-se que o sujeito passivo em 1995-11-30 reiniciou a actividade “Arrendamento de imóveis Cessão de exploração”, tendo junto a declaração uma escritura de cessão de exploração de um estabelecimento comercial destinado a casa de pasto e snack-bar, cuja actividade era exercida na fracção A do artigo sob o artigo ...19..., sito na Rua de ... da freguesia e concelho de .... Já em 1987-04-01 o SP tinha iniciado a actividade de cafés e bares”, exercida no mesmo estabelecimento comercial. O sujeito passivo em 2007-11-12, via internet, após a data de emissão das liquidações reclamadas, apresentou declaração de cessação do IVA, reportada a 2002-12-31. Até à presente data continua funcionar no mesmo estabelecimento comercial um snack-bar Restaurante – Proposta: Considerando que o sujeito passivo estava colectado pelo arrendamento de imóveis. Considerando que esses rendimentos prediais são imputáveis a actividade geradora de rendimentos empresariais e profissionais (nº 2, alínea a) do Código do Imposto Sobre o Rendimento “CIRS”, são rendimentos da categoria B. Somos de opinião que a presente reclamação deve ser indeferida relativamente à tributação da categoria dos rendimentos e deferida com referência à residência em território nacional no ano de 2003”, foi proferido o seguinte despacho datado de 6-6-2008: “Visto. Comunique-se ao reclamante para, querendo, no prazo de dez dias exercer, por escrito, o seu direito de audição face ao projecto de decisão infra” – fls. 31 e 32 do PA;

11. No ofício nº ...334, de 11-6-2008, do Serviço de Finanças da ... e dirigido a AA, enviado sob registo postal e cujo Aviso de Recepção nº RM31...88PT, de 11-6-2008, foi assinado em 12-6-2008, consta “Assunto: reclamação graciosa nº ...1...067 (..) informa-se V.Exª que no prazo de dez dias, a contar da assinatura do aviso de recepção, poderá querendo, exercer o direito de audição sobre o projecto de decisão fundamentada que se anexa” – fls. 33 e 33-verso do PA;

12. Em 24-6-2008 deu entrada no Serviço de Finanças da ... a petição dirigida ao Director Distrital de Finanças de ..., na qual os agora Impugnantes disseram, por referência à “reclamação graciosa nº ...4...067” pretender “exercer o seu direito de audição, nos termos do artigo 60º da LGT” – fls. 34 a 40 do PA;

13. A petição referida no número anterior foi expedida por via postal, sob o registo nº RO95...04PT, de 23-6-2008 – fls. 13 dos autos;

14. Sobre a informação datada de 25-6-2008, onde consta que “I – Foi o sujeito passivo notificado (nº 3 do artigo 60º da Lei Geral Tributária), através do ofício nº ...334 de 2008-06-11, enviado sob registo com AR, do projecto de decisão constante do presente processo de reclamação, cujo aviso de recepção foi assinado e, 2008-06-12; 2 (...); 3 – O sujeito passivo apresentou em 2008-06-24, a petição exercendo o “Direito de Audição”. No entanto, nessa data já se encontrava expirado o prazo para exercer o referido direito e as alegações exercidas pelo sujeito passivo já constam da petição inicial, não apresentando factos novos. Pelo exposto somos de parecer que será de decidir de harmonia com a proposta acima referida, já notificada ao sujeito passivo”, foi proferido despacho datado de 25-6-2008 com o seguinte teor: “Concordo. Converto em definitivo o projecto de decisão e com os fundamentos constantes indefiro o pedido, nos termos propostos” – fls. 41 do PA;

15. Em 12-11-2007 foi emitido “Comprovativo de entrega da declaração de cessação de actividade via Internet” nº 99...3375, no qual consta que AA, residente em França, cessou a actividade em 31-12-2002 para efeitos de IVA (“Motivo: art.º 33º nº 1 b”) e de IRS (“Motivo: art.º 114 nº 1 b”) – fls. 8 dos PA;

3.2 – Matéria de facto NÃO PROVADA:
Não há factos a considerar como não provados com relevância para a boa decisão da questão.

Motivação:
A convicção do Tribunal formou-se com base no teor dos documentos indicados em cada um dos números supra e corroborados por ambas as testemunhas inquiridas.

Os depoimentos testemunhais mostraram-se compatíveis com a documentação junta aos autos e ao processo administrativo, e foram prestados com clareza e convicção, criando no espírito do julgador a impressão bem definida de que os factos relatados correspondem à verdade.»

2.2. De direito
A Recorrente (Fazenda Pública) insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de ... datada de 16 de novembro de 2012, pela qual foi julgada totalmente procedente a impugnação judicial contra as liquidações de IRS, respeitante aos exercícios de 2003, 2004 e 2005, no valor global de € 1.383,59.
Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do tribunal ad quem, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artigo 685º - A, do Código de processo Civil, na redacção anterior à Lei 41/2013, de 26/6, ex vi do artigo 281º, do Código de Procedimento e processo Tributário).
A recorrente (Fazenda Pública) dissente do julgado alegando, erro de julgamento em matéria de facto por insuficiência dos factos carreados ao probatório, indicando expressamente quais os factos que considera deverem ser aditados e respectivo meio de prova e, erro de julgamento em matéria de direito, ao considerar errónea a qualificação dos rendimentos em causa preconizada pela AT ao considerá-los como rendimentos decorrentes do exercício de uma actividade empresarial (categoria B.) e não como rendimentos prediais (categoria F.), assente em errada valoração e subsunção jurídica dos factos, nomeadamente de imputar à AT o onus probandi da qualificação daqueles rendimentos como empresariais, sendo que tal obrigação impendia sobre os impugnantes, conclui que a sentença violou o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 3.º e no n.º 1 e alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 8.º, todos do Código do IRS, bem como do previsto no n.º 4 do artigo 36.º e no artigo 74.º, ambos da Lei Geral Tributária.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tais vícios.
2.2.1. Do erro de julgamento de facto
A Recorrente questiona a sentença sob recurso quanto ao julgamento de facto que nela foi efectuado. Se bem interpretamos as alegações de recurso, na perspectiva da Recorrente há factos que deveriam constar do probatório como assentes, tendo para o efeito dado cumprimento à imposição legal que sobre ela recai da concretização dos factos e indicando respectivamente os meios probatórios que assim o determinam através da menção expressa às folhas do processo principal, processo administrativo, petição e reclamação graciosa apresentadas pelos Recorridos, estas últimas atestando aqueles por confissão.
Apresenta os seguintes factos a constar do probatório:
« IV. Assim, DEVERIAM TER SIDO DADOS COMO PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:
3-a. Da relação elaborada nos termos do n.º 2 do artigo 64.º do Código do Notariado, referida no ponto 3., constam os móveis, maquinismos e utensílios identificados de fls. 27 a 29 do PA
[A prova deste facto resulta do documento junto de fls. 27 a 29 do PA]
8-a. No contrato referido no ponto 8. consta a cláusula 8.ª, nos termos da qual “o arrendado destina-se exclusivamente a casa de pasto e snack-bar, não lhe podendo ser dado outro fim ou uso sem o consentimento expresso e por escrito dos senhorios”.
[A prova deste facto resulta do documento junto de fls. 67 a 71 dos autos]
8-b. Na declaração de rendimentos modelo 3 de IRS inicialmente apresentada, referente ao ano de 2003, os impugnantes incluíram os rendimentos em causa no anexo B de tal declaração”.
[A prova deste facto resulta do alegado pelos impugnantes no artigo 12.º da douta PI e na reclamação graciosa apresentada contra tal liquidação, a fls. 3 do PA]
8-c Nas declarações de rendimentos modelo 3 de IRS inicialmente apresentadas, referentes aos anos de 2004, 2005 e 2006, os impugnantes incluíram os rendimentos em causa no anexo F de tal declaração”.
[A prova deste facto resulta do alegado pelos impugnantes no artigo 11.º da douta PI e na reclamação graciosa apresentada contra tal liquidação, a fls. 3 do PA]
8-d Em Agosto de 2007 foram os impugnantes notificados pelo Serviço de Finanças ... para que substituíssem as declarações de rendimentos, alterando, quanto a 2003, a sua condição para “não residentes” e quanto a 2004, 2005 e 2006, os rendimentos da categoria F para a categoria B”.
[A prova deste facto resulta do alegado pelos impugnantes no artigo 9.º da douta PI e na reclamação graciosa apresentada contra tal liquidação, a fls. 3 do PA]
8-e Após tal notificação, os impugnantes entregaram declarações de substituição para os anos de 2004, 2005 e 2006, nas quais incluíram os rendimentos em causa no anexo B de tal declaração”.
[A prova deste facto resulta do alegado pelos impugnantes no artigo 9.º da douta PI e na reclamação graciosa apresentada contra tal liquidação, a fls. 3 do PA]»
Assim sendo, no que respeita aos factos que a Recorrente entende que deveriam ter sido dados como provados, por constarem de documentos constantes do PA ou do processo principal, ou de factos que decorrem da petição inicial ou requerimento de reclamação graciosa, procedemos às pertinentes correcções no ponto 2.1.1. no local próprio a negrito e com a menção de aditado para melhor percepção da matéria de facto no seu todo imbuída do seu timbre cronológico, concedendo nesta parte provimento ao recurso da Recorrente
2.2.2. Do erro de julgamento de direito
A Recorrente não se conformando com o decidido invoca erro de julgamento de direito, por errada aplicação do direito aos factos pela sentença recorrida, ao ter considerado errónea a qualificação efectuada pela AT dos rendimentos auferidos pelos Recorridos na Categoria F (rendimentos prediais). Com efeito, entende a Recorrente (FP) que esses rendimentos são imputáveis a actividade geradora de rendimentos empresariais e profissionais (nº 2, alínea a) do CIRS, e como tal são rendimentos a integrar na categoria B.
Mas, desde já se adiante, sem razão.
Vejamos, o julgamento, no segmento objecto de recurso, pois só esse importa, efectuado pelo tribunal recorrido:
«III – Erro na qualificação dos rendimentos, em consequência do erro na interpretação e qualificação dos factos (artº 37 da p.i.):
Os Impugnantes defendem que a partir desde o início do ano 2003 os rendimentos em causa nos autos devem ser qualificados como rendimentos prediais, sujeitos às regras da categoria F do IRS, e não rendimentos comerciais (categoria B) como pretende a Fazenda Pública.
Está assente que os Impugnantes exerceram, a dada altura, uma actividade comercial enquadrável na categoria B do IRS. Essa actividade consistiu, pelo menos até meados de 1995, na exploração directa e em seu nome de um estabelecimento de restauração designado “A...” situado no prédio descrito na matriz sob o artigo urbano nº sob o artigo ...19... da freguesia da ..., de que eram proprietários. Essa actividade foi alterada e, até final de 2002, consistiu na “cedência de exploração” do referido estabelecimento, continuando enquadrada na categoria B do IRS.
A dúvida suscita-se a partir de 2003, inclusive.
Os impugnantes entendem que desde meados de 2003 passaram a receber rendimentos prediais em resultado da cedência em causa ter passado a referir-se ao prédio e equipamentos, enquanto tais, e já não à “universalidade” composta pelo estabelecimento.
A AT nada diz quanto aos contratos de arrendamento, que aos Impugnantes afirmam ter declarado às Finanças nos termos da lei desde Julho de 2003 até à actualidade (art. 34 da p.i.), presumindo-se que não lhe atribui qualquer relevância.
Também se desconhece a valoração dada pela AT à declaração de cessação para efeitos de IRS, com efeitos repostados a 31-12-2002 (facto 15 supra).
Cumpre apreciar:
Não há dúvida de que os Impugnantes eram donos do prédio, inscrito na matriz sob o artigo urbano nº sob o artigo ...19... da freguesia da ..., bem como do estabelecimento, incluindo os respectivos equipamentos, que lá exploravam em seu nome e beneficio.
Também não há dúvida de que desde 1995 essa actividade passou a ser exercida em nome de terceiros, beneficiando os Impugnantes apenas dos rendimentos provenientes da cessão de exploração do estabelecimento, e já não do seu lucro.
Considerando que em 2003 vigorava o Código Civil de 1966 e o Regime de Arrendamento Urbano aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro (RAU), deve entender-se que a é essa a lei substantiva aplicável à determinação da natureza dos contratos em causa – artigo 12º, nº 1 do Código Civil.
Assim, seguindo a o Acórdão do STJ de 19-4-2012, Procº nº 55227/04.2TBLRA.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt:A locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição, designando-se por arrendamento se versar sobre coisa imóvel (artigos 1022º e 1023º do Código Civil).
O arrendamento urbano é o contrato pelo qual uma das partes concede a outra o gozo temporário de um prédio, no todo ou em parte, mediante retribuição (artigo 1º do RAU).
É, por seu turno, arrendamento para comércio ou indústria o que tem por objecto mediato prédios urbanos ou partes destes com vista à prossecução de fins directamente relacionados com alguma actividade comercial ou industrial (artigo 110º do RAU).
(…)
A cessão de exploração do estabelecimento comercial pressupõe, nos termos do n.º 2 remissivo ao n.º 2 do artigo 115º do RAU, que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos:
a) – Acordo entre o detentor de um estabelecimento comercial e um outro sujeito, tendo por objecto a transferência para este da exploração de um estabelecimento comercial ou industrial, englobando a transmissão de instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento;
b) – Feita juntamente com o gozo do prédio, continuando a exercer-se nele o mesmo ramo de comércio ou indústria, não podendo ser-lhe dado destino diferente;
c) – Tendo essa transferência um carácter ou uma duração temporariamente delimitada ou fixada;
d) – E feita a título oneroso, ou seja, mediante o pagamento de uma contraprestação.
Confrontando estas duas figuras (arrendamento comercial e locação de estabelecimento), constituem pontos de contacto e de comunhão a existência de uma transferência com carácter oneroso e de feição temporária, mas ocorre uma distinção essencial e definidora que se radica no seguinte facto: enquanto no arrendamento comercial o locador transfere para o locatário o direito de gozo de um prédio, na locação de estabelecimento o detentor do estabelecimento transfere para o cessionário o gozo e fruição de uma unidade comercial, com todas as marcas e feições distintivas que acompanham esta figura de direito comercial.
(…)
Poder-se-á, pois, definir “o estabelecimento comercial como um bem mercantil, que engloba o complexo de bens e de direitos que o comerciante afecta à exploração da sua empresa, que tem uma utilidade, uma funcionalidade e um valor próprios, distintos de cada um dos seus componentes e que o direito trata unitariamente [6]” (Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Volume I, Almedina 2011, página 105).
Assim sendo, afigura-se-nos adequado o critério proposto por Ferrer Correia[7], no sentido de que haverá arrendamento se o titular do local se limitar a pôr à disposição do locatário o gozo e fruição da instalação, por esta não ter mais do que «a marca do seu destino», ou seja, uma configuração física apta ao exercício da actividade mercantil visada; e já haverá cessão de exploração se o prédio já se encontrar provido dos meios materiais indispensáveis á sua utilização como empresa, designadamente móveis, máquinas, utensílios que tornem viável, mediante a simples colocação de mercadoria, o arranque da exploração comercial. Não será, pois, indispensável que o estabelecimento já antes estivesse em exploração.
Expostos estes princípios, a determinação da natureza do contrato em causa, celebrado entre o autor e os réus, deve decorrer das suas declarações, nos termos dos artigos 236º, n.º 1 e 238º, n.º 1, do Código Civil.”.
Verifica-se através do contrato, que os outorgantes qualificam como sendo de “arrendamento urbano”, referido no facto 6 supra (bem nos outros contratos similares integrados no processo mas referentes a períodos posteriores ao período em causa nos autos) que os Impugnantes pretenderam ceder o gozo temporário do imóvel (arrendamento) e dos equipamentos discriminados (aluguer) e que os locatários pretenderam dar a esses bens um uso comercial. Também resultou dos depoimentos das testemunhas que essa actividade já não se referia a um estabelecimento que pertencesse aos agora Impugnantes.
Ou seja, desde meados de 2003, depois de um encerramento que durou cerca de meio ano, deixou de existir um estabelecimento na propriedade dos Impugnantes, até pelo desaparecimento da clientela em resultado do referido encerramento. Além disso, nos contratos que as partes designaram como “arrendamento” não existe qualquer referência a matérias-primas, trabalhadores ou outros elementos relativos ao antigo estabelecimento.
Naquele local deixou de ser exercida qualquer actividade desde final de 2002 até 20-7¬2003, data em que foi subscrito documento designado “contrato de arrendamento urbano” a favor de “A T..., Lda”, nipc 50...50, de ..., a qual passou desde então a exercer ali actividade idêntica àquela que vinha sendo exercida até então – depoimento de ambas as testemunhas, documento de fls. 35 do PA e acordo.
Apesar de no mesmo local continuar a ser exercida actividade idêntica àquela que vinha sendo exercida até final de 2002, deve reconhecer-se que desde Julho de 2003 ocorreu uma alteração da natureza dos rendimentos obtidos pelos agora Impugnantes. Agora já não eram auferidos rendimentos resultantes da exploração directa do estabelecimento (“lucros” comerciais), enquanto universalidade, como sucederia até 1995, nem rendimentos da “prestação de serviços” correspondente à cedência da exploração dessa universalidade, como sucedeu desde 1995 até final de 2002.
A partir de meados de 2003 os rendimentos obtidos pelos Impugnantes passaram a equivaler à renda recebida em contraprestação da cedência do gozo do imóvel e dos equipamentos, enquanto bens isolados, de que aqueles são donos.
Tais bens já não estão integrados no estabelecimento explorado pelos locatários.
Agora, os bens em causa pertencem aos Impugnantes, e já não ao estabelecimento. Do novo estabelecimento, pertencente aos locatários, faz parte apenas o direito à locação desses bens.
Ora, tais rendas recebidas pelo Impugnantes constituem rendimentos prediais, enquadráveis na categoria F do IRS, nos termos do artigo 8º do respectivo Código.
Acresce que Impugnantes declararam ter cessado a sua actividade comercial com efeitos reportados a 31-12-2002 e não consta dos autos que tal declaração não corresponda à verdade, até porque a AT admite que eles são “não residentes” em Portugal (por terem emigrado para França). A AT apenas releva que naquele local ainda é exercida uma actividade idêntica (restauração), mas não faz qualquer juízo acerca da propriedade do respectivo estabelecimento e não valora o facto de existirem, para aquele prédio, “contratos de arrendamento urbano”.
Parece que a AT se limita a presumir, com base nos factos conhecidos, o facto desconhecido de que o estabelecimento ainda pertence aos Impugnantes.
Tal presunção não tem base legal, pelo que deve ser fundamentada pela AT, nos termos do artigo 74º da LGT.
A prova de factos que sustentem tal presunção não foi lograda.
Pelo contrário, os Impugnantes esforçaram-se por demonstrar que em meados de 2003 houve uma alteração da natureza dos rendimentos obtidos desde então, e conseguiram fazê-lo.
Assim, por tudo o exposto, procede o invocado fundamento relativo ao erro na qualificação dos rendimentos em causa nos autos.
Vejamos então.
A questão em análise, como já se referiu, é a da qualificação dos rendimentos auferidos pelos Recorridos, decorrentes do contrato de “arrendamento urbano” que celebraram (item 6. do probatório não impugnado em sede recursória). Importa apurar se os referidos rendimentos são enquadráveis na categoria B (Rendimentos empresariais e profissionais) do IRS como defende AT, ou se devem, antes, ser qualificados como rendimentos da categoria F (Rendimentos prediais) do IRS, qualificação assumida pelos sujeitos passivos.
E, para tal, cumpre aqui atentar a fundamentação da AT exarada no projecto de decisão da Reclamação graciosa apresentada pelos Recorridos, qual seja:
“3 Análise: Dos elementos juntos aos autos a fls. 2 a 25 incluindo os prints informáticos, constata-se o seguinte: (...) Relativamente à actividade exercida pelo reclamante verifica-se que o sujeito passivo em 1995-11-30 reiniciou a actividade “Arrendamento de imóveis Cessão de exploração”, tendo junto a declaração uma escritura de cessão de exploração de um estabelecimento comercial destinado a casa de pasto e snack-bar, cuja actividade era exercida na fracção A do artigo sob o artigo ...19..., sito na Rua de ... da freguesia e concelho de .... Já em 1987-04-01 o SP tinha iniciado a actividade de cafés e bares”, exercida no mesmo estabelecimento comercial. O sujeito passivo em 2007-11-12, via internet, após a data de emissão das liquidações reclamadas, apresentou declaração de cessação do IVA, reportada a 2002-12-31. Até à presente data continua a funcionar no mesmo estabelecimento comercial um snack-bar Restaurante – Proposta: Considerando que o sujeito passivo estava colectado pelo arrendamento de imóveis. Considerando que esses rendimentos prediais são imputáveis a actividade geradora de rendimentos empresariais e profissionais (nº 2, alínea a) do Código do Imposto Sobre o Rendimento “CIRS”, são rendimentos da categoria B. Somos de opinião que a presente reclamação deve ser indeferida relativamente à tributação da categoria dos rendimentos e deferida com referência à residência em território nacional no ano de 2003” (vide facto 10. Do probatório, negrito nossa autoria)
Da transcrição da fundamentação transcrita, a qual integra a posição da AT, cumpre desde logo uma nota a acrescer à fundamentação do tribunal a quo, o facto de os sujeitos passivos estarem colectados pelo arrendamento de imóveis e não terem cessado tal actividade em 2003, facto assente no probatório, não é determinante para a solução do presente caso. Nos presentes autos não cumpre apurar se os Recorridos então, entre 2003 e 2005 estavam ou não a exercer a atividade comercial em que estavam inscritos. O que cumpre é aferir se os rendimentos auferidos na sequência da celebração de um “contrato de arrendamento urbano” (vide item 6. do probatório) está envolvido de determinadas circunstâncias factuais que permitam a AT a imputação aos Recorridos dos mesmos a título de rendimentos comerciais (categoria B de IRS).
Posto isto, cumpre atentar ao acto na sua fundamentação substancial – qualificação dos rendimentos, ainda mais que a Recorrente em sede de recurso assenta a sua tese a final (conclusões XXXIV a XXXVIII) de que o ónus probandi não compete AT, o que cumpre a este tribunal ad quem analisar.
Estabelece o artigo 74.º n.º 1 da LGT que: "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.", em consonância com o artigo 342.º n.º 1 do CC, " Aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.".
Por outro lado, dispõe o artigo 75.º da LGT que se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei.
Em consequência, cabe à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua actuação, para o que deve provar os factos constitutivos de que legalmente depende a decisão administrativo-tributária com certo conteúdo e com certo sentido. Pelo seu lado, cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca.
Em termos práticos, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, cabe ao sujeito passivo a demonstração das bases e situações fácticas em que se sustentam a declaração e qualificação dos rendimentos, por ela, foram promovidos e cuja relevância e consistência tributárias afirma, recaindo, pois, sobre a AT o ónus de esclarecer, comprovar e documentar as operações em causa e sua justificação.
Nesta sequência, deve, ainda, assinalar-se que resulta do artigo 75.º, n.º 1 da LGT que as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, se presumem verdadeiras.
Neste mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 26.2.2014, in proc. n.º 0951/11, em que se assevera: “ Assim, há que recordar, de forma breve e sintética, as regras da distribuição do ónus da prova: em princípio, à AT cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos, solução hoje fixada pelo art. 74.º, n.º 1 («O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».), da LGT e que à data se devia já considerar aplicável porque correspondente à regra geral do art. 342.º do Código Civil (CC), de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contra-parte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos. Mas nem sempre será assim. O ónus da prova variará consoante o tipo de acto administrativo em causa, havendo de ser decidida a questão da respectiva repartição «de acordo com a posição que as partes ocupam no processo e com o tipo de relação jurídica que constitui o seu objecto e, decorrentemente, no domínio do contencioso de anulação, com o tipo de acto anulando, tal qual a lei o caracteriza ou define os seus elementos constitutivos» (Cfr., por todos, o seguinte acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: – de 17 de Abril de 2002, proferido no processo com o n.º 26.635, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Março de 2004. (…) Para proceder à rectificação das declarações (e consequente liquidação adicional do imposto considerado em falta), a AT, designadamente quando entender que foram declarados custos ou proveitos que não correspondem à realidade (aqueles porque inexistentes ou superiores aos reais, estes porque inferiores aos reais), haverá de fundamentar o seu juízo formal e substancialmente, podendo a sindicância judicial recair sobre ambas as vertentes da fundamentação (a formal e a material).
De acordo com o exposto, e retomando o caso em apreço, temos por certo que recai sobre os Recorrentes o ónus da prova dos factos inscritos nas declarações, cabe-lhes provar os rendimentos que auferiram, o momento em que os auferiram e em particular a que título.
Com efeito e de acordo com a matéria de facto dada como provada, por via documental e através da declaração do contribuinte não impugnada, discorre que os Recorridos não receberam rendimentos provenientes do imóvel de 01 de janeiro de 2003 até 20 de julho de 2003, data em que foi subscrito documento designado “contrato de arrendamento urbano” a favor de “A T..., Lda”, nipc 50...50, de ....
A AT considerou que os rendimentos resultantes do arrendamento do referido imóvel decorrem do exercício de actividade comercial, dado que a cessão de estabelecimento comercial é uma actividade comercial e o sujeito passivo está inscrito precisamente pela actividade de “Arrendamento de imóveis e cessão de exploração”.
Por conseguinte, de harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, cabia aos sujeitos passivos o ónus de esclarecer, comprovar e documentar as operações em causa, inclusive demonstrar e justificar a sua relevância e consistência tributárias, recorrendo a meios de prova documental e se necessário complementar com prova testemunhal os elementos fáticos que sustentam a sua correção, o que efectivamente promoveram e realizaram.
Por sua vez, impendia sobre a AT, o ónus da prova sobre a verificação dos pressupostos legais (vinculativos) legitimadores da sua atuação, ou seja, compete-lhe a prova do facto por si invocado de que o rendimento em questão se enquadra de 2003 a 2005 na categoria B que arroga.
Sobre o afastamento da presunção estabelecida no 75.º da LGT, estabelece o nº 2 que só ocorre, quando: as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões (artigo 75.º n.º 2 alínea a) e quando o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária (artigo 75.º n.º 2 alínea b).
Sucede, que não se verifica no presente caso, nenhuma das situações previstas nas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 75.º da LGT, e, portanto, inexiste afastamento da presunção legal de veracidade e de boa-fé, das declarações do contribuinte.
Retomando os factos provados, temos que, os Recorridos receberam os rendimentos em questão proveniente de um contrato de arrendamento urbano, não sendo colocado tal declaração em questão, temos que dar por assente que os mesmos preencheram a responsabilidade que lhe recai em sede de ónus da prova nesta fase, não se verificando qualquer fundamento para o afastamento da presunção da veracidade e boa fé das declarações do contribuinte.
Em contraposição, cabia à AT nos termos artigos 74.º n.º 1 da LGT e 342.º n.º 1 do CC fazer a prova de que as declarações prestadas pelos Recorridos não correspondem à verdade, e compete-lhe afastar a respetiva presunção prevista no normativo referido.
A aqui Recorrente (FP), não produziu a prova que lhe permitisse afastar e/ou abalar a presunção estipulada no artigo 75.º n. 1 e n.º 2 alínea a) e b) da LGT, não afastou a referida presunção, e não comprovou que os rendimentos obtidos pelos Recorrentes de algum modo se afastavam do declarado. E, tal afastamento não seria um ónus probatório impossível, pois tão só bastava obter prova da não declaração do contrato de arrendamento para efeitos fiscais e do cumprimento das obrigações fiscais por parte do arrendatário. Mas, nada, como decorre da fundamentação que apresenta assente em meras suposições, que não vão além do que “se assim era, assim continua a ser”.
Julgamos, por isso, que a AT não averiguou e ponderou os elementos que estavam facilmente ao seu alcance, cumprindo o seu ónus e qualificando os rendimentos como decorrentes de actividade empresarial.
Não olvidamos, no nosso julgamento, que os recorridos estavam registados com actividade “Arrendamento de imóveis cessão de exploração”, que só viria a cessar em 2007 na sequência da notificação do Serviço de Finanças para substituição das declarações em causa nos autos, tendo reportado os efeitos dessa cessação a 2003, mas não pode tal facto ter como consequência que todos os actos, negócios ou contratos, por si praticados ou celebrados, relativamente aquele imóvel tenham que integrar um carácter empresarial e mereçam tout court essa qualificação; o sujeito passivo pode livremente praticar um negócio ou contratos de natureza civil sobre aquele mesmo imóvel, o que está pra trás não pode só por si condicionar o futuro.
Pelo que, não ocorre nenhum detalhe, facto que permita afastar, no arrendamento mencionado no item 6. do probatório, que os sujeitos passivos aí tenham agido no âmbito empresarial.
O artigo 8.º do Código do IRS, referente aos rendimentos da categoria F, estabelece o seguinte:
1- Consideram-se rendimentos prediais as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respectivos titulares.
2 - São havidas como rendas:
a) As importâncias relativas à cedência do uso do prédio ou de parte dele e aos serviços relacionados com aquela cedência;
b) As importâncias relativas ao aluguer de maquinismos e mobiliários instalados mo imóvel locado”
Assim, os rendimentos auferidos pelos os Recorrido decorrem do contrato de arrendamento urbano, ou seja, da cedência do imóvel, pelo que revestem a natureza de rendimentos prediais ficando abrangidos pelo disposto no artigo supracitado – categoria F.
Em face de todo e exposto, entende o tribunal ad quem que o tribunal a quo apreciou bem a questão da tributação pelas categorias B e F, pelo que com aquela fundamentação e do aqui exposto, somos de concluir como ali que a Recorrente não logrou a prova da qualificação dos rendimentos, cujos valores e momento temporal não estavam em questão, a ser tributado pela categoria B, e assim sendo deve ser confirmada a sentença.
Por tudo quanto ficou dito, improcedem as conclusões das alegações de recurso VI a XXXVIII, a sentença recorrida não enferma dos vícios aí invocados pela Recorrente (FP), procedendo parcialmente o recurso quanto o invocado erro de julgamento de facto (vide ponto 2.2.1. deste arresto) e, por conseguinte, o presente recurso merece parcial provimento, mas a sentença recorrida como já se referiu mantém-se.
Em matéria de custas o artigo 466.º do A/CPC consagra o princípio da causalidade de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a Recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respectivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

2.3. Conclusões
I. Para que o contribuinte pudesse ser tributado pela categoria B pelos rendimentos por ele enquadrado nas categorias F seria indispensável que esses mesmos rendimentos decorressem da sua actividade empresarial em que se encontra registados

II. Estando assente que aqueles rendimentos provêm de um “contrato de arrendamento urbano” nada impede que o imóvel enquanto património pessoal, deixasse de estar afecto à actividade empresarial;

III. cabia à AT nos termos artigos 74.º n.º 1 da LGT e 342.º n.º 1 do CC fazer a prova de que a declaração prestada pelo contribuinte não corresponde à verdade, competindo-lhe afastar a respetiva presunção prevista no normativo referido.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder parcial provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto, 06 de outubro de 2022

Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos
Margarida Reis