Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00015/09.3BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/20/2016
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO ACTO DE RESCISÃO DE CONTRATO;
PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA DO CONTRATO; PEDIDO DE CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE REMUNERAÇÕES DEVIDAS COMO SE O CONTRATO NÃO TIVESSE SIDO RESCINDIDO.
Sumário:A procedência dos pedidos, por decisão transitada em julgado, de declaração de nulidade da rescisão do contrato administrativo de provimento de assistente convidado que vinculava o autor e a Universidade demandada, e de reconhecimento da renovação automática desse contrato, pelo período de três anos, implica necessariamente a procedência do terceiro pedido, de condenação da demandada a pagar ao autor todos os vencimentos e demais abonos que lhe são devidos, tudo como se a vontade rescisória que a Universidade demanda manifestou não tivesse existido.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:MFS
Recorrido 1:Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

MFS, veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 17.02.2011, que julgou (apenas) parcialmente procedente a acção administrativa especial intentada contra a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro para, em primeiro lugar, a declaração de “nulidade da rescisão do contrato administrativo de provimento que vincula o Autor e a UTAD”, com as demais consequências que retira da lei.

Invocou para tanto, em síntese, que no acórdão recorrido, por erro de interpretação e aplicação ao caso concreto, foram violadas as normas dos artigos 128º, nº 1, alª b), e 145º, nº 2, do Código de Procedimento Administrativo, dos artigos 562º a 566º e 798º, do Código Civil, dos artigos 173º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, do artigo 437º do Código do Trabalho, e dos artigos 276º nº 1 e 278º da Lei nº 59/2008 (Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas).

Não foram apresentadas contra-alegações no recurso jurisdicional.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.


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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1ª Impugna-se a parte do douto acórdão que considerou improcedente o pedido formulado na alínea I da petição inicial.

2ª No caso de despedimento declarado ilícito pelo Tribunal, o pagamento das retribuições mensais ao trabalhador não depende da prestação de trabalho por este.

3ª Deve a recorrida ser condenada a pagar todos os vencimentos ou retribuições que o recorrente teria auferido se não tivesse existido a denúncia do contrato de provimento.

4ª O douto acórdão sob recurso padece de erro de julgamento.

5ª Foram violadas as normas dos artigos 128º, nº 1, alª b), e 145º, nº 2, do Código de Procedimento Administrativo, dos artigos 562º a 566º e 798º, do Código Civil, dos artigos 173º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, do artigo 437º do Código do Trabalho, e dos artigos 276º nº 1 e 278º da Lei nº 59/2008 (Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas).

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II – Matéria de facto.

Ficaram provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte.

1. Em 11.01.1993 entre ré e autor foi celebrado um contrato além quadro, como assistente convidado – documento 1 da contestação que aqui se dá por reproduzido.

2. O autor, à data de celebração do contrato, era “possuidor das habilitações literárias de Equivalência a uma Licenciatura” – documento 1 da contestação.

3. O contrato de provimento foi sucessivamente renovado, sendo “por mais 3 anos, a partir de 11/01/2006” – documento n.º 1 da petição inicial.

4. Dá-se aqui por reproduzido o horário lectivo atribuído ao autor para os dois semestres do ano de 2008/2009 – documento n.º 4 da petição inicial.

5. No ano de 2007 o A. possuía uma licenciatura em Direito – documento n.º 5 da petição inicial.

6. No ano lectivo de 2007/2008 o autor esteve inscrito no 1º ano do Mestrado em Direito Judiciário (Direitos Processuais e Organização Judiciária) na Universidade do Minho, tendo já obtido aprovação na parte escolar – documento n.º 5 da petição inicial.

7. O acto objecto do presente recurso é o despacho do Reitor da ré, datado de 05/12/2008, que, recaindo e concordando com a acta n.º 7/2008, do Conselho do Departamento de Letras da UTAD, autorizou a rescisão do contrato com o autor - cfr. documento n.º 2 da contestação que aqui se dá por reproduzido.

8. Dá-se aqui por reproduzida a acta n.º 7/2008, referida, com o seguinte destaque: “ (…) O coordenador do Departamento (…) Referiu as horas lectivas totais de Francês da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (…) e afirmou ter duas assistentes de carreira para tal carga, Mestres (…), o que implica a inexistência de carga lectiva suficiente na disciplina de Francês para que o Assistente Convidado fora contratado.”

9. Pelas 17.30 h do dia 11.12.2008, a ré depositou nos CTT de Vila Real a missiva que continha a declaração de rescisão – documento n.º 6 da petição inicial.

10. Essa missiva chegou ao poder do autor no dia 12.12.2008 – art.º 68 da petição inicial, não contestado pela ré.


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III - Enquadramento jurídico.

A única questão aqui a decidir é a relativa à procedência ou improcedência do pedido formulado na alínea I da petição inicial.

Pagar ao Autor todos os vencimentos e demais abonos que lhe são devidos, tudo como se a vontade rescisória que a UTAD manifestou não tivesse existido.

Isto porque o autor obteve ganho de causa, sem reacção da demandada, relativamente aos dois primeiros pedidos, tendo nesta parte a decisão recorrida transitado em julgado: o pedido de declaração de nulidade da rescisão do contrato administrativo de provimento de assistente convidado que vincula o autor e a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e pedido de que ficou tacitamente renovado, pelo período de três anos, ou seja, até 10 de Janeiro de 2012, e, independentemente de qualquer formalidade, o contrato administrativo de provimento entre as partes no presente processo.

Entende o autor que também deveria ter obtido ganho de causa relativamente ao pedido formulado na alínea I da petição inicial: pedido de pagamento ao autor de todos os vencimentos e demais abonos que lhe são devidos mensalmente, tudo como se a vontade rescisória que a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro manifestou não tivesse existido, e nas datas habituais lhe tivesse sido pago o vencimento, ou seja, entre o dia 22 e 25 de cada mês.

Assiste no essencial razão ao autor, a procedência daqueles dois primeiros pedidos obriga à reconstituição da situação económica em que ele se encontraria hipoteticamente se não tivesse ocorrido essa rescisão ilegal.

Como se sustentou no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19.05.2004, no processo 0222/04 (sumário), na parte aqui relevante:

“III - Deste modo, a indemnização deverá corresponder ao montante dos vencimentos e demais abonos devidos durante o período de afastamento, montante esse que será reduzido dos rendimentos obtidos durante esse período.

IV - Cumprirá ao devedor a prova de que o requerente durante o período de não exercício do cargo obteve tais rendimentos e de que, por isso, eles deverão ser compensados na indemnização a atribuir.”

Neste mesmo sentido se pronunciou o mais recente acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26.02.2015, no processo nº 05834/10, de 26/02/2015, com os fundamentos os seguintes fundamentos:

“A execução de sentenças de anulação de actos administrativos importa para a Administração o “dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado” (cfr. artigo 173º, n.º 1 do CPTA).

Sempre que a Administração não execute a sentença de anulação no prazo legalmente previsto, pode o interessado fazer valer o seu direito à execução, devendo especificar os actos e operações em que considera que a execução deve consistir, podendo, para o efeito, pedir a condenação da Administração a pagar quantias pecuniárias, à entrega de coisas, à prestação de factos ou à prática de actos administrativos (cfr. artigo 176º, n.ºs 1 e 3 do CPTA).

Resulta do n.º 1 do artigo 173º do CPTA que “os deveres em que a Administração pode ficar constituída por efeito da anulação de um acto administrativo podem situar-se em três planos: (a) reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação; (b) cumprimento tardio dos deveres que a Administração não cumpriu durante a vigência do acto ilegal, porque este acto disso a dispensava; (c) eventual substituição do acto ilegal, sem reincidir nas ilegalidades anteriormente cometidas” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição revista, 2010, pág. 1117).

É entendimento da jurisprudência do STA que a execução das sentenças anulatórias dos tribunais administrativos impõe à Administração o dever de desenvolver uma actividade de execução por forma a pôr a situação de facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão de provimento do recurso contencioso, o que se traduz em dois aspectos:

- por um lado, no dever de respeitar o julgado, conformando-se com o conteúdo da sentença e com as limitações que daí resultam para o eventual reexercício dos seus poderes (efeito preclusivo, inibitório ou conformativo);

- por outro lado, no dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se esse acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade que deu causa à anulação (princípio da reconstituição da situação hipotética actual ) - cfr. entre outros, o Acórdão do Pleno de 8/05/2003, rec. n.º 40821A.

Constitui também jurisprudência assente que os limites objectivos do caso julgado das sentenças anulatórias de actos administrativos, quer no que respeita ao efeito preclusivo, quer no que concerne ao efeito conformador, determinam-se pelo vício que fundamenta a decisão, pelo que a eficácia de caso julgado anulatório se encontra circunscrita aos vícios que ditaram a anulação contenciosa do acto nada obstando, pois, a que a Administração, emita novo acto com idêntico núcleo decisório mas liberto dos referidos vícios.”

Sabendo-se que a execução do julgado anulatório implica a prática pela Administração dos actos jurídicos e das operações materiais necessárias à reintegração efectiva da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação actual hipotética, impondo-se, assim, que a mesma realize agora o que deveria ter realizado se a ilegalidade não tivesse inquinado o procedimento, tem que proceder o pedido formulado na alínea I) da petição inicial, que engloba os vencimentos e abonos devidos, tudo como se a vontade rescisória que a UTAD manifestou não tivesse existido.

Citando uma vez mais o referido acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26.02.2015, no processo 05834/10:

“É certo que, a jurisprudência do STA (cfr. acórdãos do Pleno de 9/11/99, rec. n.° 28559-A e acórdãos da secção de CA de 29/01/02, rec. n.º 22651A e de 2/07/02, 0347/02) tem afastado a aplicação da chamada "teoria do vencimento" naquelas hipóteses em que, não havendo exercício efectivo de funções, surgem, por tal facto, fundadas dúvidas sobre se o interessado, nesse período de tempo, se dedicou a outras actividades remuneradas. Entende-se que, nessas circunstâncias, só o critério da teoria da indemnização assegura que, por via ressarcitória, o interessado não venha a auferir uma vantagem patrimonial superior aos danos por ele efectivamente sofridos (compensatio damni cum lucro), o que, a ocorrer, subverteria o princípio da reconstituição da actual situação que hipoteticamente existiria se o acto declarado ilegal não tivesse sido praticado (cfr. acórdão do STA de 3/07/02, rec. n.º 31932A).

Por forma a compensar os prejuízos sofridos, a teoria da indemnização faz equivaler os mesmos à diferença entre aquilo que o funcionário teria auferido se não fosse o seu afastamento e o que efectivamente recebeu durante o mesmo período.”

Acontece que, no caso dos autos, a ré nada alegou sobre eventuais remunerações que o autor tenha auferido por trabalho prestado enquanto esteve ilegalmente afastado do serviço, sendo certo que lhe competia alegar e provar esse facto, enquanto facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito daquela (cfr. artigo 342º, n.º 2 do Código Civil).

Assim sendo, a reintegração efectiva da ordem jurídica violada a realizar em sede desta acção só é alcançada através da condenação da recorrida a pagar ao recorrente o valor correspondente aos vencimentos e abonos que o mesmo deixou de auferir pela privação do exercício das suas funções em consequência do acto ilegal que foi anulado.

Merece, pois, provimento o presente recurso jurisdicional, devendo revogar-se a decisão recorrida no tocante ao decidido quanto ao pedido formulado na alínea I da petição inicial, que deverá ser julgado procedente.


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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

A) Revogam a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido formulado na alínea I) da petição inicial;


B) Decidem julgar procedente tal pedido, condenando a Ré a pagar ao autor todos os vencimentos e demais abonos que lhe são devidos, tudo como se a vontade rescisória que a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro manifestou não tivesse existido.

Custas pela recorrida.


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Porto, 20 de Maio de 2016
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Esperança Mealha