Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01203/09.8BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/08/2012
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL ; IRC ; CUSTOS ; ONUS DE PROVA;
Sumário:1 - É ilegal e deve ser rejeitado o recurso na parte em que tenha por base vício de fundamentação diverso do que foi oposto ao ato impugnado no tribunal recorrido - artigo 684.°, n.° 2, do Código de Processo Civil:
2 - É ilegal e deve ser rejeitaøo o recurso da decisão da matéria de facto onde não são indicados os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados nem os concretos meios probatórios que impunham dçcisão diversa — artigo 685.°-B, do Código de Processo Civil.
3 - O ónus de prova dos factos constitutivos do direito às correções em sede de I.R.C. e à subsequente liquidação recai sobre a administração tributária — artigo 74°, n.° 1, da Lei Geral Tributária;
4 -. Reunidos, porém, indicadores suficientes de que os custos titulados por faturas de suporte à escrita do sujeito passivo não titulam verdadeiras transações, inverte-se o ónus de prova, passando a recair sobre este o ónus de rebater estes indicadores, demonstrando que não ocorreram os factos que os suportam ou que não têm o significado que lhes é tribuído, ou apresentando outros indicadores em sentido contrário e que sejam, pelo menos, suscetíveis de fundar uma dúvida objetiva sobre a existência ou qualificação do facto tribuiário — artigos 75.°, n.° 2, alínea a), da Lei Geral Tributária, e 100.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário
5 - Não cumpre o ónus que sobre si recaía o sujeito passivo que, confrontado com indícios fundados de que as transações tituladas em faturas determinadas não ocorreram, não apresenta dados novos nem rebate validamente os que a administração forneceu, remetendo-se para os dados e valores da sua escrita que não beneficiam já da presunção de verdade e que, por isso, não dispensam melhor confirmação.
6 - A eventual inconstitucionalidade de norma que proíbe a dedução do I.V.A mencionado em faturas que titulam operações simuladas não pode conduzir à legalidade de correções, em sede de I.R.C., do valor dos custos das operações mencionadas nessas faturas, se a norma em que se suportou esm correção não é a mesma.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

1.1. B(...),, Lda., n.i.f. (...), com sede na freguesia de Martim, concelho de Barcelos, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a presente impugnação judicial das liquidações adicionais de I.RC. dos períodos de 2006 e 2007 e dos respetivos juros compensatórios, no montante total de € 26.263,55.

Recurso este que foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.2. Notificada da sua admissão, a Recorrente apresentou as respetivas alegações e formulou as seguintes conclusões:

I. Para poder exercer o seu poder de correcção de dedução indevida do IVA é necessário primeiro que a Administração Tributária prove os pressupostos que legitimam o exercício de tal poder, ou seja demonstrar que as facturas que titulam as operações onde foi liquidado o IVA não correspondem a reais transacções devendo por isso ser havidas como operações simuladas – artigo 19º/3 do CIVA.

II. No procedimento inspectivo que conduziu às liquidações impugnadas a Administração Tributária não podia incluir o montante das deduções da M(...),, a menos que a actividade instrutória desenvolvida lhe permitisse concluir com segurança (e não permitia, no caso) que à facturas em causa não correspondia transacções efectivas.

III. Tendo, apesar disso, procedido às correcções consubstanciadas nas liquidações impugnadas, a administração tributária violou, v.g. os princípios, constitucional legalmente consagrados, da legalidade, da justiça, do inquisitório, da busca da verdade material, do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos (cfr. art. 266.º, 1 e 2 da CRP, arts. 3.º-1, 4.º, 6.º, 56.º e 87.º do CPA).

IV. Ao fazê-lo sem ter fundamentado devidamente a sua decisão – pois, no caso dos autos, ao proceder por antecipação sem aguardar a informação da DDF Leiria, a fundamentação administrativa não é coerente, lógica, nem suficiente -, violou o dever de fundamentação (cfr. v.g., art. 268.º-3 da CRP, 124.º e 125.º do CPA e 77.º da LGT)

V. Incorreu assim e falta de fundamentação (cfr. art. 125.º/2 do CPA), falta essa que invalida a decisão, por nulidade em virtude de faltar ao acto um dos seus elementos essenciais (cfr. art. 133.º/1 CPA), ou, ainda que assim não se entendesse, por anulabilidade (cfr. art. 135.º CPA)

VI. Ao faze-lo sem ter demonstrado os pressupostos legais dos quais decorria a sua actuação, tendo apenas “concluído, por presunção”, que as facturas em causa não corresponderiam a transacções efectivas, a administração tributária fez ainda errada aplicação do n.º 3 do art. 19.º do CIVA.

VII. A invalidade da actuação administrativa, no caso dos autos deveria ter sido decretada pela douta decisão recorrida; não tendo isso acontecido, esta, salvo o devido respeito, incorreu em erro de julgamento, com violação das disposições, regras e princípios acima referidos, os quais deveriam ter sido interpretados e aplicados com o sentido expresso nas precedentes alegações.

VIII. A douta decisão recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto ao ter, de forma incorrecta e infundada desvalorizado totalmente as provas trazidas aos autos pela recorrente, e ao conferir força probatória a informações não oficiais nem devidamente fundamentadas, de acordo com critérios objectivos, como exige o artigo 115.º do CPPT

IX. E fez ainda, sempre com o devido respeito, errada aplicação das regras do ónus de prova, porquanto, antes de se poder onerar a recorrente com a prova de que as facturas em causa correspondiam a transacções efectivas, era à administração tributária que cabia demonstrar que tais facturas, pelo menos as da M(...),, diziam respeito a operações simuladas, necessidade essa de prova que decorre do artigo 19.º-3 do CIVA, e está de acordo com v.g., com a regra geral da repartição do ónus da prova (art. 342.º do Código Civil), e com a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes (cfr. art. 75.º da LGT)

X. Ainda que a administração tributária tivesse tido dúvidas, deveria ter procurado esclarecê-las, para poder fundamentar devidamente a sua decisão, ou abster-se de proceder às correcções e liquidações ora impugnadas.

XI. Sempre com o maior respeito, a M.ma Juiz do tribunal a quo deveria ter feito a análise acima descrita e, em consequência da aplicação das regras gerais de repartição do ónus de prova (v.g., art. 342.º do Código Civil), ter anulado as liquidações impugnadas.

XII. Mas sem conceder e ainda que dúvidas lhe subsistissem – e, ainda que a prova produzida não tivesse proporcionado à Mm.a Juiz certezas, ao menos deveria ter-lhe suscitado uma séria ou fundada dúvida sobre a actuação e as conclusões da administração relativamente à M(...),, tais dúvidas sempre deveriam ter levado a Mm.a Juiz a anular o acto impugnado, nos termos do art. 100.º/1 do CPPT.

XIII. Sempre seria de julgar inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade da actuação administrativa, do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, da justiça e da boa fé, uma interpretação do n.º 3 do artigo 19.º do CIVA que fosse no sentido de atribuir ao contribuinte o ónus de provar que as operações postas em causa pela administração tributária correspondiam a operações efectivas, antes de a mesma administração tributária demonstrar de forma fundamentada e suficiente que tais operações seriam simuladas

XIV. E, também com este fundamento, sempre seria de anular a decisão recorrida e as liquidações impugnadas.

1.3. A Fazenda Pública não contra-alegou.

1.4. Neste Tribunal, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer onde analisou detalhadamente cada um dos vícios apontados à sentença recorrida e se pronunciou no sentido de ser negado provimento ao recurso e ser integralmente confirmada a sentença recorrida.

1.5. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Do Objeto do Recurso

2.1. É sabido que o objeto do recurso é delimitado, antes de mais, pelas respetivas conclusões. Como refere António Santos Abrantes Geraldes (in «Recursos em Processo Civil – Novo Regime», pág. 91), «constitui entendimento corrente e uniforme que, em resultado do que se encontra previsto no art. 685.º-A» do Código de Processo Civil, na redação do Decreto-Lei n.º 303/07, de 24 de Agosto «as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem (…). Salvo quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que, além disso, não se encontrem cobertas pelo caso julgado, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal, sob cominação de nulidade, nos termos dos arts. 716.º e 668.º» do referido Código.

Analisando, pois, as conclusões com que a Recorrente remata as doutas alegações de recurso (fls. 234 e seguintes dos autos), verificamos que nele se apontam à decisão recorrida diversos vícios, que assim sistematizamos:

1º. Erro no julgamento sobre dos pressupostos de facto das liquidações, na parte que abrange as correções do montante das deduções da “M(…), Lda.”, porque a atividade instrutória desenvolvida pela administração tributária não permitia concluir com segurança que as faturas correspondentes não correspondiam a transações efetivas (conclusões “I” a “III”, “VI” e “VII”);

2º. Erro no julgamento sobre a suficiência e coerência da fundamentação da decisão impugnada, visto que as correções administrativas não assentaram, quanto a este fornecedor, em informação da Direção Distrital de Finanças de (…) (conclusões “IV”, “V” e “VII”);

3º. Erro no julgamento de facto, visto que foi atribuída força probatória a informações não oficiais nem devidamente fundamentadas e foi desvalorizada a prova da ora Recorrente (conclusão “VIII”);

4º. Erro na aplicação das regras do ónus probatório, visto que era obrigação da administração tributária demonstrar que as faturas, pelo menos as da “M(…), Lda.”, diziam respeito a operações simuladas (conclusões “IX” a “XI”) e era obrigação do tribunal relevar a dívida fundada sobre as conclusões da administração tributária, relativamente a esta fornecedora;

5º. Inconstitucionalidade do artigo 19.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado – por violação dos princípios da legalidade, da justiça e da boa fé – quando interpretado no sentido de atribuir ao contribuinte o ónus de provar que as operações postas em causa pela administração tributária correspondiam a operações efetivas (conclusões “XIII” a “XIV”).

2.2. Mas o objeto do recurso não é apenas delimitado pelas suas conclusões. Decorre do artigo 684.º, n.º 2, do Código de Processo Civil que o recurso é também delimitado por tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente. O recurso é um meio processual de sindicar a legalidade de decisões judiciais, não podendo servir para apontar ilegalidades aos atos administrativos subjacentes que não integraram o objeto dessas decisões.

Como refere António Santos Abrantes Geraldes (ob. cit., pág. 94), «os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam do conhecimento oficioso e o processo contenha os elementos imprescindíveis».

E, tendo-se entre nós aderido a uma conceção de causa de pedir conforme à teoria da substanciação, o que delimita o objeto do recurso é a concreta invalidade invocada, e não o tipo de invalidade em que se encontra enquadrada.

Ora, em lado nenhum se apreciou na sentença recorrida o vício de falta de fundamentação que agora é apresentado ao tribunal de recurso.

Na sentença recorrida foi apreciado se a assunção das conclusões de um relatório dos Serviços de Inspeção Tributária de Leiria, sem diligências complementares na Direção Distrital de Finanças de Braga tendentes à confirmação da materialidade das operações, integra um vício de falta de fundamentação e viola, assim, o disposto nos artigos 77.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária e 62.º, alínea i), do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária.

No tribunal de recurso pretende-se que se aprecie se a extrapolação, para um fornecedor (no caso, a “M(…), Lda.”), das conclusões que o relatório dos Serviços de Inspeção Tributária de Leiria extraiu quanto ao outro fornecedor, importa insuficiência e incongruência na fundamentação.

A questão que ora é colocada ao tribunal de recurso é, por isso, diversa da que tinha sido colocada ao tribunal recorrido. Embora em ambos os casos seja invocada a mesma forma de invalidade, decorre do seu teor que as invalidades têm conteúdos distintos e que nem sequer se sobrepõem entre si.

Dito de outra forma: embora em abstrato seja, em ambos os casos, invocado o vício de falta de fundamentação, verifica-se em concreto que a falta de fundamentação decorre de ilegalidades distintas do ato. Ao tribunal recorrido foi suscitada a falta de fundamentação que, eventualmente, pudesse decorrer da assunção do conteúdo de um relatório de entidade administrativa diversa; ao tribunal de recurso foi invocada a insuficiência ou incongruência de fundamentação hipoteticamente revelada em ilações que o próprio autor do ato pudesse ter extraído desse relatório.

Por outro lado, e estando agora em causa a insuficiência e incongruência da fundamentação, é também evidente que não estamos perante um vício que conduza à nulidade e que seja, por isso, de conhecimento oficioso.

Assim sendo, o recurso é ilegal, neste segmento, e deve ser rejeitado na parte correspondente (2.º vício invocado - conclusões “IV”, “V” e “VII”).

3. Do Julgamento de Facto

3.1. Em primeira instância, consignou-se o seguinte, quanto à matéria de facto provada: «Pelos documentos juntos aos autos com relevância para o caso, e do depoimento das testemunhas, considero provados os seguintes factos:

1. B(…), Lda., exerce a título principal, desde 7 de Janeiro de 1991, a actividade económica “Fabricação de Balanças e de outros equipamentos para pesagem” – cfr. ponto 2.3.1. do relatório de inspecção, a fls. 38 do apenso.

2. Entre 17 e 26 de Fevereiro de 2009, a B(…) foi sujeita a uma inspecção tributária de âmbito geral quanto aos exercícios de 2006 e 2007, depois de a Direcção de Finanças de Leiria ter enviado à de Braga uma informação em que identificava F(…), Lda., como interveniente na emissão de facturas falsas – cfr. pontos 2.1 e 2.2 do relatório de inspecção, a fls. 38 do apenso.

3. O relatório da inspecção referida no ponto anterior, que aqui se dá por integralmente reproduzido, tem no que ora interesse, o seguinte teor: (segue a transcrição parcial do ponto III do referido relatório).

4. A factura n.º 340, de 10 de Novembro de 2006, emitida por M(…) de F(…), Lda., a B(…), Lda., tem o seguinte descritivo: “fornecimento de vigas ipe 270, barras diversas”, sem qualquer referência à quantidade nem ao preço unitário – cfr. documento a fls. 31 dos autos.

5. A factura n.º 348, de 28 de Novembro de 2006, emitida pela mesma sociedade para o mesmo destinatário (referidos no ponto anterior) tem o seguinte descritivo: “fornecimento de vigas ipe 270, IPE 220, IPE 200, UPN 240, barras diversas/CHAPAS”, sem qualquer referência à quantidade nem ao preço unitário – cfr. documento a fls. 30 dos autos.

6. Da factura n.º 321, de 4 de Outubro de 2007, emitida por M(…)l, Lda., a B(…), Lda., constam, além do mais, os seguintes elementos:

Descrição: “fornecimento de vigas ipe 220/200/240/270 e vigas HEA de 240”;

Quantidade: “1,00”;

Preço unitário: “16.850,00”– cfr. documento a fls. 41 dos autos.

7. Da factura n.º 358, de 22 de Outubro de 2007, emitida por M(…),, Lda., a B(…), Lda., constam, além do mais, os seguintes elementos:

Descrição: “fornecimento de barras de ferro de 6m/m, 400/20 e fornecimento de chapas de ferro lisas de 6m/m e 8m/m”;

Quantidade: “1,00”;

Preço unitário: “14.800,00”– cfr. documento a fls. 42 dos autos.

8. Da factura n.º 363, de 5 de Novembro de 2007, emitida por M(…), Lda., a B(…), Lda., constam, além do mais, os seguintes elementos:

Descrição: “fornecimento de barras de ferro de 6m/m, 400/20 e fornecimento de chapas de ferro lisas de 6m/m e 8m/m”;

Quantidade: “1,00”;

Preço unitário: “16.995,00”– cfr. documento a fls. 43 dos autos.

9. Da factura n.º 385, de 29 de Novembro de 2007, emitida por M(…), Lda., a B(...), Lda., constam, além do mais, os seguintes elementos:

Descrição: “fornecimento de vigas ipe 220/200/240/270 e vigas HEA de 240”;

Quantidade: “1,00”;

Preço unitário: “18.975,00”– cfr. documento a fls. 44 dos autos.

10. O talão “Saídas de caixa” da impugnante com o n.º 812005, de 6 de Dezembro de 2006, refere-se ao pagamento da factura n.º 340 da M(…), no montante de € 6.352,50 – cfr. documento a fls. 34 dos autos.

11. O recibo de M(…), Lda., com o n.º 353, refere-se ao pagamento da factura n.º 340, pela impugnante, no montante de € 6.352,50 – cfr. documento a fls. 35 dos autos.

12. O talão “Saídas de caixa” da impugnante com o n.º 812016, de 29 de Dezembro de 2006, refere-se ao pagamento da factura n.º 348 da M(…), no montante de € 24.536,38 – cfr. documento a fls. 32 dos autos.

13. O recibo de M(…), Lda., com o n.º 354, refere-se ao pagamento da factura n.º 348, pela impugnante, no montante de € 24.536,38 – cfr. documento a fls. 33 dos autos.

14. O talão “Saídas de caixa” da impugnante com o n.º 811001, de 6 de Novembro de 2007, refere-se ao pagamento da factura n.º 321 da M(…), no montante de € 20.388,50 – cfr. documento a fls. 45 dos autos.

15. O recibo de M(…), Lda., com o n.º 203, refere-se ao pagamento da factura n.º 321, pela impugnante, no montante de € 20.288,50 – cfr. documento a fls. 46 dos autos.

16. O talão “Saídas de caixa” da impugnante com o n.º 801013, de 18 de Janeiro de 2008, refere-se ao pagamento da factura n.º 358 da M(…), no montante de € 17.908,00 – cfr. documento a fls. 47 dos autos.

17. O recibo de M(…), Lda., com o n.º 230, refere-se ao pagamento da factura n.º 358, pela impugnante, no montante de € 17.908,00 – cfr. documento a fls. 46 dos autos.»

3.2. A respeito da matéria de facto não provada, sancionou-se em primeira instância o seguinte:

A. Não se provou que a M(…), Lda., tenha fornecido à B(…), Lda., vigas ipe 270, ipe 220, ipe 200, upn 240, barras diversas e chapas.

B. Não se provou que a M(…). Lda., tenha fornecido àB(…), Lda. vigas ipe 220/200/240/270 e hea de 240 ou barras de ferro de 6m/m, 400/20 e de chapas de ferro lisas de 6m/m e 8m/m.

C. Não se provou que o rácio das vigas de ferro seja superior a 0,85 (cfr. artigo 27.º da Petição Inicial).

3.3. Na motivação da decisão de facto, a M.mª Juiz a quo consignou o que segue:

«Alicerçou-se a convicção do tribunal na consideração dos factos provados e não provados na prova documental e testemunhal.

A prova documental teve por base a constante do Relatório da Inspecção Tributária e respectivos anexos e documentos juntos aos autos pelo impugnante.

A Impugnante apresentou prova testemunhal, no entanto o depoimento prestado não foi suficiente para lograr provar que a serviços discriminados nas facturas, emitidas, foram efectivamente prestados pelas sociedades emitentes das mesmas.

A testemunha R(…) não testemunhou factos relevantes para a decisão da presente impugnação, tendo-se referido apenas à personalidade e ao carácter do sócio-gerente da impugnante.

A fls. 27 a 109 a 125 dos autos a Impugnante juntou documentos financeiro-contabilísticos (talões de caixa, recibos…) conexos com as facturas em crise não foi bastante para criar a convicção do Tribunal sobre a efectiva realização dos contratos de compra e venda cujas facturas estão sob análise.».

3.4. Entre os fundamentos do recurso encontra-se o «erro de julgamento da matéria de facto» (3.º vício indicado no ponto 2.1. supra).

Alega a Recorrente que a douta decisão recorrida conferiu força probatória a informações não oficiais nem devidamente fundamentadas e, simultaneamente desvalorizou as provas por si fornecidas (artigo 40.º das doutas alegações, VIII conclusão).

No entanto, a Recorrente não especificou onde é que na sentença recorrida foram desvalorizadas as provas por si fornecidas e onde é que relevadas as informações que não o deveriam ter sido. Não foram, assim, indicados os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados.

Também não indicou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação da prova que impunham decisão diversa.

A Recorrente não deu, assim, cabal cumprimento ao ónus que sobre si recaía e que emana do artigo 685.º-B, do Código de Processo Civil.

O que importa a imediata rejeição do recurso, nesta parte.

4. Do Julgamento de Direito

4.1. As questões fundamentais a decidir são as de saber se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao aplicar as regras do ónus probatório ao procedimento tributário que deu origem às liquidações impugnadas ou avaliou erradamente os pressupostos de facto dessas liquidações.

O primeiro dado a reter é que este vício não é apontado à decisão recorrida quanto a todas as liquidações. Como resulta do relatório de inspeção tributária, a liquidação impugnada do exercício de 2006 resulta de correções ao valor das compras apoiado nas faturas nºs 340 e 348, emitidas em novembro desse ano por “F(…), Lda.”, enquanto a liquidação impugnada do exercício de 2007 resulta de correções ao valor das compras suportado nas faturas nºs 321, 358, 363 e 385, emitidas entre outubro e novembro desse ano por “M(…), Lda.”.

Ora, apesar de aludir indistintamente a todas as correções, a Recorrente acaba por restringir o recurso – quanto a estes vícios – à parte da sentença que confirmou a legalidade da liquidação de 2007. É o que resulta da conclusão “II”, quando refere que «a administração tributária não podia incluir o montante das deduções da M(...),» (sublinhado nosso), precisamente a sociedade que emitiu as faturas em causa nesse exercício. É o que resulta também da conclusão “IX”, ao referir que «era à administração tributária que cabia demonstrar que tais facturas, pelo menos as da M(...),, diziam respeito a operações simuladas» (sublinhado nosso). É o que resulta, finalmente, da conclusão “XII”, quando refere que «ainda que a prova produzida não tivesse proporcionado à Mm.a Juiz certezas, ao menos deveria ter-lhe suscitado uma séria ou fundada dúvida sobre a actuação e as conclusões da administração relativamente à M(...),» (sublinhado nosso).

A segunda nota a fazer diz respeito ao alegado erro na aplicação das regras do ónus probatório. A mera leitura da pág. 13 da douta sentença (fls. 172 dos autos), penúltimo parágrafo, revela que o tribunal recorrido fez recair sobre a administração tributária – e não sobre própria Recorrente, como esta pretende na conclusão “IX” – o ónus de provar os factos que a levaram a concluir que os documentos em causa não titulam operações reais. O que sucede é que, depois de confirmar que a administração tributária deu cumprimento ao ónus de provar os factos constitutivos do direito às correções (como lhe era imposto pelo artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária), a M.mª Juiz passou a indagar se a Recorrente, por sua vez, apresentou elementos probatórios em sentido contrário (contra-prova). Procedimento que, adiante-se desde já, subscrevemos inteiramente, por refletir a correta interpretação do citado artigo 74.º da Lei Geral Tributária e do artigo 342.º do Código Civil.

A verdadeira questão não é, por isso, a de saber qual a correta interpretação das regras do ónus probatório, mas a de saber se o tribunal concluiu corretamente que a administração tributária reuniu indicadores suficientes de que as referidas faturas não titulam verdadeiras transações. E se, por conseguinte, a administração tributária provou os factos constitutivos do direito à liquidação adicional correspondente e, assim, deu cumprimento ao ónus que sobre si recaía.

Sublinhe-se, a este propósito, que a presunção de verdade da declaração do sujeito passivo – a que a Recorrente alude na referida conclusão “IX” – assenta numa aparência de vontade de colaborar com a administração tributária no apuramento da sua verdadeira situação tributária, consubstanciada precisamente no cumprimento daqueles deveres declarativos. Aparência de colaboração essa que não existe quando administração tributária reúne indícios fundados de que os dados dessa declaração não refletem a matéria tributável real – alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º da Lei Geral Tributária.

Analisado o relatório de fiscalização para que a douta sentença remete nos factos provados (e que ali transcreve parcialmente) verifica-se que a administração tributária concluiu precisamente pela existência de indícios fundados de que os dados da declaração da Recorrente e os elementos contabilísticos de suporte não refletiam a sua verdadeira situação tributária, no que aos custos titulados naquelas faturas dizia respeito.

É certo que parte desses indicadores não foram extraídos da contabilidade da Recorrente e nem sequer foram colhidos pelos Serviços de Inspeção Tributaria de Braga. No relatório de fiscalização é assumido que a ação de fiscalização teve origem numa outra inspeção ao sujeito passivo “F(…), Lda”, levada a cabo pela Direção de Finanças de Leiria. É também verdade que nem sequer foi esta sociedade (mas a “M(…), Lda.”) que emitiu as faturas de 2007, a que se reporta o ponto 3.2.5.1.2.2. e os seguintes do relatório que fundamenta as correções.

Mas também é verdade que da própria análise das faturas resultou que o formato e programa informático utilizados por ambas as emitentes é o mesmo. E que do cadastro da D.G.S.I. foram extraídos indicadores de que o sócio desta aufere rendimentos da categoria A pagos pela outra, que é também o seu único fornecedor declarado. E que a Direção de Finanças de Leiria, foi contactada pelos Serviços de Inspeção de Braga e confirmou que ambas as sociedades «funcionam na mesma morada» (ponto 3.1.5.1.2.2. do relatório, pág. 18). E que a viatura indicada nas faturas da segunda pertence à primeira. Que o procedimento utilizado para o pagamento do valor faturado é contabilizado na Recorrente do mesmo modo, sendo que «apenas os pagamentos a estas duas firmas são efetuados através da conta caixa» (ponto 3.2.5.1.2.3. do mesmo relatório). E que o sócio gerente da Recorrente, Sr. (...) Paulo, que declarou que, apesar daquelas duas empresas «serem em termos fiscais empresas distintas (…) a origem é a mesma». Ou seja, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Braga realizaram diligências complementares e recolheram indícios que, analisados objetivamente e em conjunto, indicam fortemente que a relação que a Recorrente estabeleceu com a “M(…), Lda.” em 2007 e que deu origem à emissão das farturas 321, 358, 363, e 385, é a mesma que tinha estabelecido com a “F(…), Lda” em 2006 e que deu origem à emissão das faturas 340 e 348.

Por outro lado, e ao contrário do que a Recorrente vem defendendo, os Serviços de Inspeção Tributária de Braga não se ficaram pela recolha e cruzamento de dados oriundos de Leiria e colhidos naquelas fornecedoras (aos quais só parcialmente aludimos no parágrafo anterior). O ponto 3.2.5.1.2. do relatório é todo ele dedicado à análise de dados obtidos na esfera da Recorrente e deles se extraiu, além do mais, que as faturas não observam todos os requisitos legais, que a viatura nelas indicada não tinha a menor capacidade para transportar mercadorias com aquele peso e que o Sr. R(…) foi questionado sobre a necessidade da aquisição de ferro e a sua imputação no produto realizado, não tendo sido «capaz de fazer essa imputação custo//proveito ou identificar os respetivos clientes» (ponto 3.2.5.1.2.4. do mesmo relatório).

O que daqui resulta é que a Inspeção Tributária de Braga, alertada pelos serviços homólogos de Leiria para o facto de ambas as empresas fornecedoras utilizarem um programa informático que permite a emissão de faturas com a mesma numeração a clientes diferentes e nenhuma delas ter «funcionários ou compras compatíveis com o volume de faturação» por elas detetado, se pôs em campo e recolheu, por si mesma e junto da própria Recorrente, indicadores adicionais de que aquelas faturas «não correspondem a verdadeiros fornecimentos de mercadoria». E que, apesar do curto período em que decorreram as diligências externas de inspeção (que a Recorrente não deixou de enfatizar), ainda houve tempo para confrontar os seus órgãos de gestão com esses dados e convidá-los a fornecer dados adicionais que pudessem confirmar a veracidade das operações em causa, o que não foi conseguido.

Foi com base nestes factos-índice que a sentença recorrida sancionou as conclusões do relatório e a legalidade das correções. Ou seja, o tribunal de primeira instância concluiu pela existência de indícios fundados de que a declaração de rendimentos e os dados da escrita da ali Impugnante dos exercícios em causa, não refletiam, naquela parte, a sua matéria tributável real e que, por isso, a administração tributária havia validamente elidido a presunção de verdade a que alude o n.º 1 do artigo 75.º da Lei Geral Tributária. Dando, assim, com base nesses indicadores, cumprimento ao ónus que sobre si recaía e a que alude genericamente o artigo 74.º, n.º 1, da mesma Lei.

Conclusão que, analisando agora o conjunto desses indicadores à luz das regras da experiência e do senso comum, importa confirmar. As dificuldades evidentes na obtenção de dados cruzados junto das referidas fornecedoras, que permitissem comprovar a materialidade das operações a montante, conjugada com a exiguidade de elementos mencionados nas próprias faturas e a detetada impossibilidade de a viatura transportar artigos com o peso indicado nas referidas faturas, seria suficiente para justificar o alargamento do dever de colaboração da inspecionada no sentido de fornecer justificações cabais e dados adicionais que permitissem confirmar a materialidade dessas operações – artigo 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária. E a declarada incapacidade de justificar essa aquisição com a imputação no produto realizado ou identificação dos respetivos clientes só vem confirmar que a Recorrente não correspondeu a esse dever e que a administração tributária também e encontra impossibilitada de proceder à sua confirmação a jusante.

A partir daqui, elidida que estava a presunção de verdade que assentava na sobredita aparência de colaboração, a Recorrente já não podia remeter-se para o teor dessas faturas ou recibos correspondentes. Restava-lhe fazer um esforço adicional de reconstituição do processo produtivo em que enquadraram essas mercadorias ou de fornecimento de outros dados objetivos e externamente confirmáveis, suscetíveis de confirmar as aquisições ou de, pelo menos, gerar dúvida fundada sobre as conclusões do relatório.

Justificações que – adiante-se desde já – a Recorrente não apresentou.

Em vez disso, insistiu no facto de os serviços estarem titulados nas ditas faturas e das operações estarem devidamente escrituradas. Remetendo, assim, quer a administração tributária quer o tribunal para os elementos da escrita como se ainda beneficiasse da presunção de verdade e se estes não se tivessem deparado com a impossibilidade de confirmar a materialidade dessas operações.

Refutou veementemente as acusações da administração tributária, com ênfase e indignação, apelando à sua boa imagem e pelo seu importante papel na economia nacional. Mas não se prestou a rebater essas acusações com dados concretos, nem a demonstrar que o seu comportamento junto da administração tributária é compatível com a imagem que apregoa.

Acusou, por sua vez, os Serviços de Inspeção Tributária de Braga que nada fizeram para a descoberta da verdade e que já tinham, à partida, a conclusão elaborada. Afirmação que apoia integralmente na circunstância de as diligências inspetivas externas terem ocupado apenas dois dias úteis. Mas nada contrapôs às diligências que aqueles serviços ainda tiveram tempo de realizar junto do seu sócio-gerente, Sr. (...), no sentido de esclarecer a verdade sobre essas operações e fornecer dados adicionais que as pudessem confirmar.

Qualificou de absurda e inaceitável a relação obtida entre o valor das faturas em causa e o peso das mercadorias nelas mencionadas. Mas não justificou as suas afirmações com dados objetivos que evidenciassem o excesso. E olvidou que o verdadeiro objetivo do cálculo da administração tributária foi o de estimar o peso total das mercadorias representadas nas faturas e demonstrar que era mais de quatro vezes (!) superior ao peso máximo que a viatura também ali mencionada poderia transportar, e que nem o coeficiente de peso de 0,85 (que avançava no artigo 27.º da douta petição inicial) poderia explicar minimamente.

Importa agora acrescentar que não foi diferente a postura que adotou no presente recurso.

Em vez de enfrentar os indicadores obtidos, a que já acima fizemos referência e que o tribunal recorrido relevou, insistiu que o facto de a visita de fiscalização ter durado dois dias evidencia um pré-juízo da administração. Citando, de nomeada, princípios do procedimento tributário que teriam sido postergados com tamanha celeridade procedimental (como os da legalidade, da igualdade e da proporcionalidade), mas sem explicar minimamente como é que tais princípios se incompatibilizam com tal procedimento. No que também não se concederia, porque não existe norma legal que aponte para uma duração mínima do procedimento ou para técnicas de auditoria específicas que não pudessem ser realizadas nesse prazo; porque também não há notícia de que outros sujeitos passivos inspecionados tivessem, em idênticas circunstâncias, sido brindados com inspeções mais longas ou mais extensas; e porque não há qualquer evidência de que uma inspeção mais demorada fosse, por si só, condição necessária e adequada ao surgimento de explicações cabais para as incongruências da sua escrita, que nem agora se revelaram.

Em vez de explicar cabalmente como é que as viaturas identificadas puderam transportar a carga mencionada nas faturas em causa, enredou-se novamente em considerações sobre a validade das amostragens, agora reforçadas com a circunstância de não incluírem chapas equivalentes, mas sem alguma vez afirmar sequer que o coeficiente de peso dessas mercadorias constituiria razão suficiente para concluir que as viaturas mencionadas nas faturas as poderiam transportar.

Sem refutar a afirmação, imputada aos seus órgãos de gestão, de que a origem das faturas emitidas pela “M(..), Lda.” em 2007 e a “F(…), Lda” é a mesma (nem os demais indicadores do relatório que o confirmam e a que já acima fizemos alusão), qualificou de «um erro inultrapassável» a inclusão de umas e outras no mesmo lote, suportada em indicadores comuns, sublinhando que tal procedimento configura a «integração de lacunas por analogia», que «é sempre proibida em direito fiscal». Raciocínio que nunca conseguiríamos acompanhar porque a proibição da analogia, a que alude o n.º 4 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária se refere ao procedimento de aplicação de normas jurídicas a situações de facto que não cabem na respetiva previsão, mas que deveriam caber por identidade de razão. E não ao procedimento lógico e pré-jurídico (no sentido de que precede a aplicação de qualquer norma) de extrair conclusões de facto a partir de situações e comportamentos apuradas junto de outros contribuintes.

Sem enfrentar os demais indicadores supra aludidos, preferiu enquadrá-los numa «situação especial de comercialização» (ponto 37.º das doutas alegações de recurso), um «negócio de oportunidade» (ponto 38.º) suficientemente apelativo para que fosse aceite o pagamento em dinheiro e assim declinado o cumprimento do artigo 63.º-C, n.º 3, da Lei Geral Tributária, do que, aparentemente, não adviria algum dano para a boa imagem de que no artigo 10.º da douta petição se afirmou credor.

Sem alguma vez negar que o seu sócio-gerente tivesse sido inquirido no decurso do procedimento inspetivo e convidado a justificar a necessidade da aquisição dos produtos mencionados nas faturas e a indicar o destino que lhes foi atribuído, a Recorrente remata dizendo que a administração tributária deveria ter procurado esclarecer as suas dúvidas ou renunciar às correções. Ao que só podemos contrapor que foi precisamente o facto de a fiscalização não ter logrado obter os devidos esclarecimentos, apesar de ter sido dada a oportunidade para tal, que veio reforçar as conclusões do relatório e atestar a legalidade dessas correções.

Termina a Recorrente dizendo que, ainda que a prova produzida não trouxesse certezas quanto ao desacerto das correções, deveria ter semeado a dúvida fundada sobre a legalidade da atuação da administração e das suas conclusões. E, assim, levado a M.mª Juiz a quo a anular o ato impugnado nos termos do artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Só que a dúvida tem também que se fundar em dados objetivos e externamente confirmáveis, que levem a questionar a existência do facto tributário. Reunidos suficientes indícios de que as faturas em causa não titulam verdadeiras transações, caberia à Recorrente apresentar outros factos de sinal contrário e que, não sendo embora suficientes para atestar a sua veracidade, permitissem ao menos concluir que a sua apreciação conjunta é suscetível de interpretação diversa e suporta outras conclusões. E o menos que se pode dizer é que a Recorrente se tenha prestado a fornecer quaisquer dados adicionais sobre os verdadeiros contornos das operações.

Improcedem, assim, as conclusões “I” a “III”, “VI” e “VII” e “IX” a “XII”, pelo que se nega provimento ao recurso nesta parte.

4.2. O último fundamento do recurso é a inconstitucionalidade do artigo 19.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, quando interpretado no sentido de atribuir ao contribuinte o ónus de provar que as operações postas em causa pela administração tributária.

Embora esta questão de constitucionalidade ora colocada não tenha sido suscitada perante o tribunal recorrido, tem-se entendido que os vícios de violação de lei que derivem da inconstitucionalidade de normas aplicadas pelo ato impugnado são do conhecimento oficioso do tribunal que seja chamado a apreciar a sua legalidade com base nessas normas – cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», I volume, Áreas Editora 2006, pág. 885. E que, por conseguinte, o facto de a questão de inconstitucionalidade não fazer parte do objeto da decisão recorrida não impede que venha a integrar o objeto do recurso.

É necessário, porém, que a norma a que seja apontada a inconstitucionalidade tenha sido aplicada pelo tribunal recorrido ou que, pelo menos, o tribunal de recurso seja chamado a aplicar essa mesma norma para sancionar a legalidade da decisão recorrida. Porque o que aqui está em causa é o poder-dever dos tribunais de recusar a aplicação de normas inconstitucionais. E o tribunal só pode recusar a aplicação de uma norma inconstitucional se ela for abstratamente aplicável.

E o que se pode concluir desde já é que o artigo 19.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado não vem ao caso, não foi aplicado ou interpretado pelo tribunal recorrido nem tem que ser aqui chamado à colação. Porque o objeto da sentença recorrida não foram as liquidações de I.V.A. a que a ação inspetiva também deu origem, mas as liquidações de I.R.C. E que não se apoiaram naquele dispositivo legal, mas no artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.

Pelo que, ainda que fosse de conceder em tal inconstitucionalidade, nem assim se poderia conceder na ilegalidade do procedimento, no que às liquidações de I.R.C. diz respeito. Consequentemente, nunca o juízo sobre a sua constitucionalidade poderia fundar uma decisão de anulação destas liquidações ou de subsequente revogação da sentença que confirmou a sua validade.

Sempre se dizendo, de passagem, que nem a administração tributária atirou para o contribuinte o ónus de provar ad initio que as operações postas em causa corresponderiam a operações efetivas nem tribunal recorrido interpretou alguma norma sobre a repartição do ónus probatório nesse sentido. Como já acima se explicou, recaiu sobre a administração tributária o ónus de reunir indicadores suficientes de que as operações em causa não titulam verdadeiras operações comerciais e assim elidir a presunção e verdade de que, à partida, beneficiava a declaração e a escrita do contribuinte. Mas, reunidos que estavam esses indicadores e elidida que estava essa presunção, inverte-se o ónus de prova, passando a recair sobre o sujeito passivo o ónus de rebater estes indicadores, demonstrando que não ocorreram os factos que os suportam ou que não têm o significado que lhes é atribuído, ou apresentando outros indicadores em sentido contrário. Reerguendo, assim, a presunção de verdade atrás elidida. E o que vimos é que a Recorrente não cumpriu com a sua parte, não deu cumprimento a esse ónus. E a sentença que assim o entendeu não pode, por isso, deixar de ser confirmada.

5. Conclusões

5.1. É ilegal e deve ser rejeitado o recurso na parte em que tenha por base vício de fundamentação diverso do que foi oposto ao ato impugnado no tribunal recorrido – artigo 684.º, n.º 2, do Código de Processo Civil:

5.2. É ilegal e deve ser rejeitado o recurso da decisão da matéria de facto onde não são indicados os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados nem os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa – artigo 685.º-B, do Código de Processo Civil.

5.3. O ónus de prova dos factos constitutivos do direito às correções em sede de I.R.C. e à subsequente liquidação recai sobre a administração tributária – artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária;

5.4. Reunidos, porém, indicadores suficientes de que os custos titulados por faturas de suporte à escrita do sujeito passivo não titulam verdadeiras transações, inverte-se o ónus de prova, passando a recair sobre este o ónus de rebater estes indicadores, demonstrando que não ocorreram os factos que os suportam ou que não têm o significado que lhes é atribuído, ou apresentando outros indicadores em sentido contrário e que sejam, pelo menos, suscetíveis de fundar uma dúvida objetiva sobre a existência ou qualificação do facto tributário – artigos 75.º, n.º 2, alínea a), da Lei Geral Tributária, e 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

5.5. Não cumpre o ónus que sobre si recaía o sujeito passivo que, confrontado com indícios fundados de que as transações tituladas em faturas determinadas não ocorreram, não apresenta dados novos nem rebate validamente os que a administração forneceu, remetendo-se para os dados e valores da sua escrita que não beneficiam já da presunção de verdade e que, por isso, não dispensam melhor confirmação.

5.6. A eventual inconstitucionalidade de norma que proíbe a dedução do I.V.A. mencionado em faturas que titulam operações simuladas não pode conduzir à ilegalidade de correções, em sede de I.R.C., do valor dos custos das operações mencionadas nessas faturas, se a norma em que se suportou esta correção não é a mesma.

6. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e assim confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 08 de Novembro de 2012

Ass.: Nuno Bastos

Ass.: Irene Neves

Ass.: Pedro Marques