Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00509/19.2BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/02/2023
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS,
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO,
DISPENSA DA PROVA TESTEMUNHAL
Sumário:I - A selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, simples, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento.
II - O princípio do inquisitório somente tem aplicação perante a invocação de factos concretos pelas partes que se mostrem controvertidos ou que sejam de conhecimento oficioso.
Recorrente:AA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação - Reclamação graciosa. - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015]
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

AA, contribuinte fiscal n.º ..., residente na Rua ..., tendo sido citado por reversão na qualidade de responsável subsidiário da sociedade T..., Lda., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 17/11/2021, que julgou improcedente a impugnação judicial, na sequência de indeferimento de reclamação graciosa, deduzida contra as liquidações adicionais de IRC e respectivos juros, referentes ao exercício de 2014, no montante global de €28.682,76.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1ª) O recurso vem interposto da sentença que julgou improcedente a impugnação deduzida pelo recorrente, na qualidade de revertido, contra a liquidação com o valor de € 28.682,76, relativa a IRC e referente ao exercício de 2014 (DOC. Nº 1 da PI).
2ª) Existiu erro na apreciação da prova produzida, para o que muito terá contribuído a absoluta e incompreensível desconsideração da vertente testemunhal.
3ª) A errada apreciação da prova repercutiu-se, necessariamente, numa errada interpretação e aplicação da Lei.
4ª) O ato tributário de liquidação adicional de IRC impugnado enferma de várias e decisivas ilegalidades.
5ª) Sendo ilegal a liquidação de imposto é, do mesmo passo, ilegal a cobrança dos correspondentes juros.
6ª) 1ª Ilegalidade: inverificação dos pressupostos de facto que tornam admissível o recurso à avaliação indireta.
7ª) Sem prescindir, sempre terá de julgar-se procedente a presente impugnação também por verificação do vício de errónea quantificação da matéria coletável – Art. 99º do CPPT.
8ª) 2ª Ilegalidade: errónea quantificação da matéria coletável.
9ª) Ainda sem prescindir, acresce que eventuais falhas que se tenham verificado na contabilidade da sociedade primitiva devedora teriam ocorrido, forçosamente, a montante do ano de 2014.
10ª) Tais falhas, atenta a data em que ocorreu a liquidação adicional impugnada, são irrelevantes por ter decorrido o prazo de caducidade quanto a esses anos.
11ª) Os depoimentos a prestar pelas seis testemunhas arroladas, e desconsideradas pelo tribunal, demonstrariam tudo o que se alegou precedentemente sem que subsistisse qualquer dúvida.
12ª) A AT ao agir como agiu, comportando-se como parte e desconsiderando o facto de estar investida de poderes de autoridade pública, tentou de um modo usurário, em flagrante abuso de direito, arrecadar receita que se traduz numa espécie de enriquecimento sem causa, uma vez que tenta cobrar em 2014 aquilo que de acordo com a factualidade relevante nunca poderia ser imputável a esse exercício, o que não foi reconhecido nem valorado na sentença recorrida.
13ª) A Sentença errou ao ignorar a prova apresentada pelo recorrente.
14ª) Assim, a sentença padece de erro de julgamento no âmbito da valoração da prova produzida e na aplicação do direito.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e consequentemente ser revogada a sentença recorrida, tudo com as demais consequências legais, nomeadamente a anulação da liquidação impugnada, por ilegalidade – artigo 99º do CPPT, e a condenação da Autoridade Tributária nas custas, assim se cumprindo a Lei e se fazendo Justiça.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, por não ter o tribunal recorrido produzido a prova testemunhal, e, consequentemente, de direito.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:

“Factos provados:
1. A originária devedora tem como atividade a Restauração de Tipo Tradicional, Código de Atividade Económica (CAE) 56101, possuindo instalações na Rua ... – cfr. Fls. 6 do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), ínsito no PA em fls. não numeradas.
2. A liquidação adicional, em crise, foi apurada à devedora originária T..., Lda, contribuinte n.º ..., com reversão da execução fiscal contra o ora impugnante, na qualidade de responsável subsidiário da empresa – intróito da PI e art.º 2.º da contestação;
3. A contabilidade da inicial executada foi objecto de inspecção tributária que incidiu no período de 2014 – Cfr. RIT;
4. Nas demonstrações de resultados apresentadas do ano de 2014 a originária devedora apurou dois resultados contabilísticos e fiscais totalmente distintos, verificando-se concretamente o seguinte ( Fls. 9 do RIT):
a. As vendas/prestações de serviços diminuíram, conforme se pode verificar no desfasamento de montantes apresentados, em virtude da omissão da factura simplificada pré-impressa n.º 294 (anexo 1 do RIT);
b. O CMVMC aumentou substancialmente, conforme se constata nos valores tabelados, em virtude da não consideração da regularização / reclassificação negativa realizada aos inventários, no valor de € 179.958,34;
c. O montante de € 179.580,28 enunciado em outros rendimentos e ganhos, foi retirado na declaração de substituição;
d. O montante de € 179.616,41 enunciado em outros gastos e perdas, foi reduzido para o valor de € 303,13;
e. O resultado líquido foi alterado significativamente - de um resultado positivo de € 794,60 passou para um valor negativo de € 40.089,52;
f. O lucro tributável foi abruptamente reduzido - de um lucro de € 957,35 passou para um prejuízo fiscal de (€40.072,04)
5. A originária devedora procedeu ao registo de prestações de serviços sem a identificação da matéria-prima principal incorporada nos serviços prestados, ou seja, indicou genericamente Diária, Sobremesa, Couvert, Almoço, etc. – Fls. 10 do RIT;
6. O sócio gerente da originária devedora (aqui Impugnante) foi questionado sobre essas mesmas designações que indicou genericamente as matérias-primas utilizadas na actividade da restauração – Anexo 4 do RIT, ínsito no PA, em fls. não numeradas;
7. Na ausência de elementos credíveis para o apuramento da rentabilidade das matérias-primas, a AT realizou uma amostragem com base nas prestações de serviços facturadas (diárias, almoços, etc), extraindo-se do ficheiro Saf-t da facturação relativa ao ano de 2014, as quantidades e valores dos pratos em análise, apurando-se os preços unitários médios – Fls. 11 do RIT;
8. De seguida, procedeu a AT à ponderação e representatividade de cada serviço na amostra, em termos percentuais – Fls. 11 do RIT;
9. Tendo também por base as declarações do sócio-gerente da originária devedora da ponderação média dos consumos das matérias-primas dos pratos seleccionados e taxas de desperdício, a AT estabeleceu uma amostragem dos custos das matérias-primas dos seguintes pratos: de frango de churrasco/costeleta de porco, Sopa, Bebida, Sobremesas, Almoço (Bife de Vitela) e Posta de Bacalhau com broa (com crosta de broa de milho com batata a murro e legumes) e couvert – Fls. 11 a 17 do RIT;
10. Constatou-se, assim, que margem bruta declarada pela originária devedora (21,80%) na declaração (IES) de substituição é bastante inferior à margem bruta ponderada obtida na amostragem (46,88%) – Fls. 18 do RIT.
11. As prestações de serviços contempladas na amostragem não incluem a factura simplificada pré-impressa n.º 294, no valor de € 3.000,00 (s/ IVA), tendo a análise realizada sido feita com base nos elementos do ficheiro SAF-T de facturação – Fls. 18 do RIT;
12. No entanto, na hipótese de esta factura ser incluída na amostragem, o valor da margem bruta seria ainda maior, já que o preço unitário de cada almoço enunciado na factura simplificada é de € 10,00, valor que é superior à média dos almoços que constam no ficheiro SAF-T (€ 8,38) – Fls. 18 do RIT;
13. Em beneficio da originária devedora, no que respeita à “diária” e ao “almoço”, a AT considerou que, como é notório, nem sempre todos os clientes são consumidores de sopa, café e sobremesa – pelo que, para apuramento das margens indicadas, foram considerados esses consumos, o que teve como consequência que a amostragem daí resultante foi apurada por defeito e não por excesso – Fls. 18 do RIT;
14. A AT procedeu ao confronto das margens brutas declaradas pela originária devedora (57,96%, na primeira declaração e 21,80% na declaração de substituição), com o Rácio regional (com um universo de 51 sujeitos passivos) da margem bruta I de 44,66 %; e Rácio nacional (com um universo de 7486 sujeitos passivos) da margem bruta de 50,51% e ainda a Margem Bruta I resultante da amostragem supra-referida de 46,88% - Fls. 19 do RIT;
15. A margem bruta das prestações de serviços resultante da declaração de substituição é abruptamente inferior aos rácios regional e nacional, bem como é exageradamente inferior à margem bruta apurada na amostragem – Fls. 19 do RIT;
16. Verifica-se ainda que, a margem bruta das prestações de serviços resultante da 1ª declaração apresentada, é superior aos rácios regional, nacional e à margem bruta apurada na amostragem - fls. 19 do RIT;
17. Constata-se uma grande disparidade entre as margens brutas declaradas, ou seja, entre o valor da margem resultante da primeira declaração (57,96%) e a margem resultante da declaração de substituição (21,80%), em confronto com as margens brutas dos sujeitos passivos pares da originária devedora, a nível nacional e regional – Fls. 19 do RIT;
18. Na declaração de Informação Empresarial Simplificada (IES) apresentada em 30/6/2015, relativa ao período económico de 2014, a originária devedora apresentava inventários iniciais no valor de 133.214,68 €, montante coincidente com os inventários finais declarados na IES relativa ao período económico de 2013 – Fls. 20 do RIT;
19. Em 4 de Fevereiro de 2018, a originária devedora apresentou a declaração de IES de substituição relativa ao período económico de 2014, alterando para zero o valor dos inventários iniciais de 2014 – Fls. 20 do RIT;
20. No decurso do procedimento inspectivo foi solicitada a apresentação do inventário físico de matérias-primas / mercadorias a 31 de Dezembro de 2013 (inventário inicial do período económico de 2014) – Fls. 20 do RIT;
21. Dá-se aqui por reproduzido o inventário físico de matérias-primas / mercadorias a 31 de Dezembro de 2013 (inventário inicial do período económico de 2014) apresentado pela inicial devedora: “
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
22. A originária devedora apresentou duas declarações de Informação Empresarial Simplificada (IES) e duas declarações de rendimentos (modelo 22 de IRC), que tem como suporte dois registos contabilísticos distintos (duas contabilidades) – Fls. 20 do RIT, conforme a seguinte tabela:
[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]
23. A reclassificação / regularização de inventários foi realizada sem qualquer documento de suporte que justifique o destino dos bens – Fls. 20 do RIT;
24. Da análise às declarações periódicas de IVA, verificou-se que a originária devedora procedeu, em 2015, à apresentação da Declaração Periódica (DP) de IVA do quarto trimestre de 2014 onde evidenciou operações sujeitas à taxa reduzida e intermédia, respectivamente nos valores de 155.015,12€ e 24.550,52€, a que corresponde imposto (IVA) de € 9.300,91 e € 3.191,57 – Fls. 21 do RIT;
25. Em conformidade com o declarado na DP de IVA comunicou as facturas n.º 295 e 296 que suportam os montantes evidenciados na DP de IVA – anexo 9 do RIT;
26. Em resultado de novos registos contabilísticos que desconsideraram as existências iniciais do ano de 2014, em 04-02-2018, a originária devedora submeteu nova declaração para o quarto trimestre de 2014, onde omitiu os montantes antes referidos – Fls. 21 do RIT;
27. Verificou-se uma divergência entre a facturação das primeiras declarações fiscais apresentadas (€ 116.290,97) e a facturação enunciada nas declarações de substituição (€ 113.290,97), que se traduz no valor de € 3.000, cuja divergência respeitava à omissão da factura simplificada n.º 294 – Anexo 1 do RIT;
28. A AT solicitou as facturas n.º 295 e 296, tendo a originária devedora apresentado as facturas simplificadas n.º 295 e 296, sem qualquer preenchimento – Fls. 21 do RIT
29. Como na comunicação à AT (anexo 9 do RIT) se encontra a designação de facturas e não de facturas simplificadas, foi solicitada a sua apresentação, a qual não foi exibida – Fls. 21 do RIT;
30. O critério adoptado pela AT para o apuramento do imposto da matéria tributável, para efeitos de IRC e do imposto em falta em termos de IVA, foi o previsto na alínea a) do n.º1 no artigo 90.º da LGT, ou seja, utilizou a margem média do lucro líquido, que tem em conta as vendas, serviços prestados, custo mercadorias vendidas e matérias consumidas, fornecimentos e serviços externos e gastos com o pessoal – Fls. 23 do RIT;
31. Assim, o cálculo do volume de negócios – prestação de serviços - foi efectuado com base no valor da média do rácio regional da margem bruta I (R16), por ser o mais consentâneo ao caso em apreço, reflectindo a realidade distrital (distrito de ...), já que para a obtenção dos réditos (prestações de serviços), a componente fundamental é o CMVMC – Fls. 24 do RIT;
32. O rácio regional contemplava o valor da média regional (...) relativo ao CAE 56101 – Restaurantes Tipo Tradicional, atividade idêntica à da originária devedora, no período económico 2014, em número / universo de sujeitos passivos de IRC com contabilidade organizada de 51 sujeitos passivos) Fls. 24 do RIT e respectivo anexo 7;
33. Esta opção do rácio de IRC regional por parte da AT, foi justificada pelo universo da amostra respeitar a sujeitos passivos pertencentes ao mesmo distrito a que pertence a empresa em análise (...), sendo constituída por pessoas colectivas (forma jurídica idêntica à do sujeito passivo) - Fls. 24 do RIT;
34. Da aplicação do rácio regional da margem bruta I (R16), ao CMVMC, corrigido pelo montante do inventário inicial, preconizaram-se 400.796,26 euros de prestações de serviços presumidas e omitidas pela originária devedora, no ano de 2014 – Fls. 24 do RIT;
35. Assim, a AT fixou a matéria tributável omitida, em sede de IRC, no valor de 114.218,57 euros, que após a aplicação da taxa legal, deduções à colecta e juros compensatórios resultou na liquidação € 28.682,76 de IRC do exercício em 2014 – Fls. 25 do RIT; e anexo 1 junto à Reclamação graciosa da sociedade inicial devedora, em fls. não numeradas do PA;
36. A inicial devedora foi notificada para pagar o montante liquidado até 27/12/2018 – Cfr. PA, em fls. não numeradas (mas que diz respeito a informação datada de 22/7/2019 em conjugação com anexo 3 junto à Reclamação graciosa da sociedade inicial devedora, em fls. também não numeradas do PA);
37. Em 9/3/2019 o aqui impugnante foi citado, por reversão – cfr, informação datada de 22/7/2019; e anexo 1 junto à reclamação graciosa do aqui Impugnante, em fls. não numeradas do PA;
38. Em 9/7/2019 o aqui Impugnante apresenta reclamação graciosa – Cfr. “Procedimento de reclamação graciosa” junta ao PA, em fls. não numeradas;

Considerei estes factos provados em conformidade com os documentos identificados e, também, porque o Impugnante não os impugna especificamente na PI. Aliás, e salvo o devido respeito, nos 20 artigos da PI limita-se a invocar genericamente que não estão reunidos os pressupostos que tornam admissível o recurso a métodos indirectos; a errónea quantificação da matéria e caducidade do direito de liquidação, sem apresentar qualquer facto que rebata a posição exaustiva e coerente dos factos apresentados por parte da AT.”

2. O Direito
O presente recurso tem como objecto, essencialmente, a decisão da matéria de facto. Resulta tal conclusão do teor das alegações de recurso que, quanto à matéria de direito, se apresenta totalmente consequente da alteração da matéria de facto visada pelo mesmo: “Estas conclusões [da sentença recorrida] decorreram da desconsideração da prova testemunhal, uma vez que a terem sido prestados os depoimentos pretendidos pelo impugnante seria inelutável concluir no sentido oposto. (…) Tivessem as testemunhas sido ouvidas e tudo ficaria clarissimamente explicado e provado. (…) A AT (…) tenta cobrar em 2014 aquilo que de acordo com a factualidade relevante nunca poderia ser imputável a esse exercício. A sentença caiu neste engodo, e, assim, ao errar na apreciação dos factos errou, do mesmo passo, também na interpretação e aplicação do direito. (…) A errada apreciação da prova repercutiu-se, necessariamente, numa errada interpretação e aplicação da Lei. (…) A Sentença errou ao ignorar a prova apresentada pelo recorrente. Assim, a sentença padece de erro de julgamento no âmbito da valoração da prova produzida e na aplicação do direito.” – cfr. alegações e conclusões do recurso.
Defende o Recorrente, portanto, que deveria ter sido produzida a prova testemunhal oferecida e que, se assim tivesse ocorrido, o desfecho da causa seria, necessariamente, o oposto.
Verificamos, contudo, que o Recorrente não indica qualquer ponto do probatório como estando incorrectamente julgado, nem, tão-pouco, sugere o aditamento de qualquer facto à decisão da matéria de facto, com o intuito de demonstrar a sua relevância no desfecho da causa.
Por outro lado, o Recorrente não contrapõe, de qualquer forma, a motivação da decisão da matéria de facto: nos 20 artigos da PI limita-se a invocar genericamente que não estão reunidos os pressupostos que tornam admissível o recurso a métodos indirectos; a errónea quantificação da matéria e caducidade do direito de liquidação, sem apresentar qualquer facto que rebata a posição exaustiva e coerente dos factos apresentados por parte da AT.
Não podemos deixar de reconhecer que a formulação do presente recurso, tal como da petição de impugnação, é totalmente genérica e conclusiva, impossibilitando não só detectar a invocação de factos simples, mas também de sindicar qualquer vício que se mostre, eventualmente, assacado à sentença recorrida.
Compulsando o teor da petição inicial, tendo em vista a busca dos factos susceptíveis de prova testemunhal, a qual o Recorrente considerada erradamente arredada, verificamos que a tarefa se apresenta de elevada dificuldade.
Quanto à primeira ilegalidade, identificada como inverificação dos pressupostos de facto que tornam admissível o recurso à avaliação indirecta, o impugnante limitou-se a discorrer generalidades de direito, nomeadamente quanto à repartição do ónus da prova no que tange à actuação da AT (cfr. artigos 3.º a 12.º da petição de impugnação), limitando-se a concluir que no caso em mérito inexiste factualidade que habilite a AT a socorrer-se da avaliação da matéria colectável através de métodos indirectos e que tanto basta para que seja anulada a liquidação de IRC – cfr. artigos 13.º e 14.º da petição inicial.
Quanto à segunda ilegalidade – errónea quantificação da matéria colectável – alude ao pedido de revisão, afirmando que com a sua apresentação ficou cabalmente demonstrada a errónea quantificação da matéria tributável (cfr. artigo 16.º da petição inicial).
Os últimos artigos da petição de impugnação (17.º, 18.º e 19.º) têm a seguinte redacção:
“Ainda sem prescindir, acresce que eventuais falhas que se tenham verificado na contabilidade da sociedade primitiva devedora teriam ocorrido, forçosamente, a montante do ano de 2014.
Ora, tais falhas, atenta a data em que ocorreu a liquidação adicional ora impugnada, são irrelevantes por ter decorrido o prazo de caducidade quanto a esses anos.
Os depoimentos a prestar pelas testemunhas arroladas demonstrarão o que se alegou precedentemente sem que subsista qualquer dúvida.”
Assim, não se sabe, em concreto, de que falhas está o impugnante a falar (“eventuais falhas”, “tais falhas”), se, de facto, ocorreram e quando (“teriam ocorrido” “a montante do ano de 2014”).
A fórmula de invocação utilizada pelo impugnante não é susceptível de produção de prova, dado não ser possível o probatório integrar conclusões, generalidades, hipóteses ou conjecturas, não circunstanciadas no espaço, no tempo, nem individualizadas. A decisão da matéria de facto só deve integrar factos concretos e não formulações genéricas, de direito ou conclusivas.
Importa salientar que a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento – cfr., neste sentido, o Acórdão do TCA Sul, de 22/05/2019, proferido no âmbito do processo n.º 1134/10.9BELRA.
Nesta conformidade, não vislumbramos que factos (simples) alegados terá em vista o Recorrente, para concluir que o tribunal recorrido errou na decisão de não produzir prova testemunhal.
Com efeito, o Meritíssimo Juiz “a quo” deverá ter tido a mesma dificuldade, pois, por despacho judicial proferido em 09/11/2020, determinou a notificação do impugnante para indicar os factos invocados na sua petição inicial que pretendia demonstrar por intermédio da diligência de inquirição de testemunhas; que não foi objecto de resposta.
Recordamos que os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiem as excepções devem ser vertidos nos articulados das partes, tendo estas esse ónus de alegação, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
É nossa convicção que estamos, claramente, perante um problema de alegação, onde se omitiu a invocação dos factos concretos essenciais.
No que toca ao conhecimento/apuramento dos factos, importa não perder de vista o que preceitua o artigo 13.º do CPPT: que incumbe aos juízes dos tribunais tributários realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer. Por outro lado, de harmonia com o artigo 114.º do mesmo diploma, não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de prova necessárias. Destes preceitos decorre que o dever de realizar e ordenar as correspondentes diligências se deve limitar àquelas que o tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade. Contudo, não se deverá perder de vista que a descoberta da verdade material deve ser conjugada com os princípios da eficácia e racionalidade do processo tributário.
Assim, no processo tributário, e com base no princípio do inquisitório, temos que ao juiz é atribuído o poder de ordenar as diligências de prova consideradas necessárias para a descoberta da verdade, o que sempre deverá ocorrer quando, perante uma questão que não é apenas de direito, o processo não fornecer os elementos necessários para decidir as questões de facto suscitadas. Nesta conformidade, só haverá défice instrutório, se as partes tiverem invocado factos relevantes para o exame e decisão da causa, que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova – cfr. artigos 5.º, 410.º e 411.º do Código de Processo Civil.
Atentemos, ainda, no que dispõe o artigo 99.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária: “O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”.
In casu, tudo foi alegado genericamente, como referimos, impedindo accionar-se o princípio do inquisitório, pois na sua base estarão sempre factos invocados pelas partes. Note-se, também, que não estão em causa factos de conhecimento oficioso. Logo, não existe défice instrutório por força da dispensa da prova testemunhal oferecida, mas antes uma omissão de invocação de factualidade concreta (simples).
Salientamos, igualmente, que o Recorrente não impugnou a decisão da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, pelo que esta deve considerar-se estabilizada.
Por outro lado, acentua, ainda, o Recorrente que a sentença recorrida incorre num fatal e decisivo equívoco, pois a alegada caducidade não seria relativa ao ano de 2014, como parece ter sido entendido, mas relativa às irregularidades detectadas pela AT e corrigidas pelo impugnante. Porém, tal, mais uma vez, contende com a dita prova que não teria sido, ilegalmente, realizada.
Na medida em que a decisão da matéria de facto se mantém e que não errou o tribunal recorrido ao dispensar a prova testemunhal apresentada, nenhuma outra questão se mostra suscitada à apreciação deste tribunal. Como referimos supra, as questões de direito estão colocadas de forma conclusiva, totalmente dependentes da produção de prova testemunhal e da consequente alteração da matéria de facto, que não ocorreu.
Nesta conformidade, restará negar provimento ao recurso e manter na ordem jurídica a sentença recorrida.

Conclusão/Sumário

I - A selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, simples, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento.
II - O princípio do inquisitório somente tem aplicação perante a invocação de factos concretos pelas partes que se mostrem controvertidos ou que sejam de conhecimento oficioso.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 02 de Fevereiro de 2023
Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares